打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------------
--- Data: 12/09/2017 ---------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo ----------------------------------------------------------------------


Processo nº 728/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, (2°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como co-autor material da prática de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelos art°s 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos.

Em cúmulo jurídico com as penas que lhe tinham sido aplicadas no âmbito do Processo CR4-16-0042-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, e a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 4 anos e 6 meses; (cfr., fls. 433 a 446 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido, vem o arguido recorrer, afirmando que excessivas são as penas aplicadas, pedindo a sua redução, e que, a final, se decrete a suspensão da execução da pena única; (cfr., fls. 458 a 460-v).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo ser rejeitado; (cfr., fls. 475 a 481).

*

Admitido o recurso, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I. onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.458 a 460v. dos autos), o recorrente pediu a redução da pena aplicada no Acórdão recorrido e a suspensão da execução da pena a decretar, arrogando o vício da violação do disposto nos arts.40° e 65° do Código Penal, bem como no n.°1 do art.71° e art.48° do mesmo.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.255 a 259 dos autos), no sentido do não provimento do recurso em exame.
*
A moldura penal consagrada no art.14° da Lei n.°8/961M consiste na pena de prisão de 2 a 8 anos. E pela prática do crime de exigência ou aceitação de documentos na co-autoria, o recorrente foi condenado na pena (principal) de prisão de 2 anos e 6 meses, com suspensão da execução desta pena durante o período de 2 anos.
Compulsados os autos, não se descortina in casu circunstância de atenuação especial, pelo contrário, o recorrente agiu com dolo directo e intenção lucrativa, e ainda em conluio com esforço com os restantes co-arguidos. Daí decorre que o Acórdão recorrido nesta parte não infringe o preceito nos arts.40° e 65° do Código Penal.
No aresto em escrutínio, o Tribunal a quo deu como provado que no Processo n.°CR4-16-0042-PCC, o recorrente tinha sido condenado na pena (principal) única de 2 anos e 9 meses. A soma aritmética traduz-se em 5 anos e 3 meses (2 anos e 6 meses mais 2 anos e 9 meses).
Atendendo à personalidade do recorrente, à gravidade da ilicitude e à intensidade do dolo directo, colhemos que a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, aplicada pelo tribunal a quo com o cúmulo jurídico, não padece da severidade, excessiva, portanto não ofende o disposto no n.°1 do art.71° do Código Penal.
*
O n.°1 do art.48° do CPM revela que a suspensão da pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos: o formal e objectivo traduz em a pena aplicada não ser superior a três anos; e o material traduz-se na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. E à luz deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Interessa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°242/2002, n.°190/2004 e n.°192/2004)
Reflectindo a personalidade do recorrente, dolo directo, intenção lucrativa, a gravidade da ilicitude, não podemos deixar de entender que é decerto infundado e descabido o pedido de suspensão da execução, por isso, o Acórdão em causa não colido com o n.°1 do art.48° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 503 a 504).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 436-v a 439, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelos art°s 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e que em cúmulo jurídico com as penas que lhe tinham sido aplicadas no âmbito do Processo CR4-16-0042-PCC, o condenou na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

Das suas conclusões de recurso – que como se sabe, delimitam o thema decidendum do recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso, que no caso, não há – resulta que considera que excessiva é a pena decretada, solicitando apenas a sua redução e suspensão da sua execução.

É, porém, e como – bem – nota o Exmo. Representante do Ministério Público, evidente que não se pode acolher a pretensão apresentada, muito não parecendo de se consignar para se justificar este nosso ponto de vista.

Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.

Como é sabido, a determinação de uma “pena criminal” implica a ponderação da “matéria de facto dada como provada” e a (adequada) aplicação de vários preceitos legais.

Desde logo, (e no que a estes diz respeito), importa ponderar no estatuído no art. 40° do C.P.M. onde se prescreve que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017 e de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017).

É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente decidiu a Relação de Lisboa, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

Dito isto, à vista está a solução.

Vejamos.

Nos termos do art. 13° da Lei n.° 8/96/M:

“1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
2. Presume-se concedido para jogo de fortuna ou azar a usura ou mútuo efectuado nos casinos, entendendo-se como tais para este efeito, todas as dependências especialmente destinadas à exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como outras adjacentes onde se exerçam actividades de carácter artístico, cultural, recreativo, comercial ou ligadas à indústria hoteleira.
3. A conduta do mutuário não é punível”.

E prescreve o seguinte art. 14° que:

“Se o crime previsto no artigo anterior for praticado com aceitação ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificação nos termos da alínea c) do artigo 243.º do Código Penal de Macau, para servir de garantia, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.

Estando a pena aplicada pelo crime em questão situada a apenas 6 meses do seu mínimo, nenhum motivo existe para se considerar a mesma excessiva, apenas podendo pecar por benevolência.

–– Quanto à pena única resultado do “cúmulo jurídico”, haverá também que atentar no estatuído no art. 71° do aludido Código, que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.11.2013, Proc. n.° 695/2013 e de 03.04.2014, Proc. n.° 178/2014, e a Decisão Sumária de 07.02.2017, Proc. n.° 35/2017).

Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 2 anos e 6 meses” e um “limite máximo de 6 anos de prisão”, (pois que no Proc. n.° CR4-16-0042-PCC, foi o recorrente condenado pelo mesmo crime destes autos na pena de 2 anos e 3 meses, e um outro de “sequestro”, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão; cfr., fls. 398 a 410), evidente se nos apresenta que nenhuma censura merece a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão fixada que, em nossa opinião, reflecte, correctamente, a forte necessidade de prevenção criminal geral e especial que, no caso, se impõe, atentos os tipos e natureza dos crimes em questão e suas circunstâncias.

Nesta conformidade, e inviável sendo a suspensão da execução da pena porque inverificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M., resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Setembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 728/2017 Pág. 16

Proc. 728/2017 Pág. 15