Processo n.º 437/2017
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 19/Outubro/2017
ASSUNTOS:
- Recurso de revisão
SUMÁRIO :
1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
2. Apesar de a marca proposta “XXX” ter sido aceite com carácter distintivo para outras classes de produtos e serviços, esse entendimento não integra o requisito de caso julgado conducente à admissibilidade da revisão da decisão judicial proferida noutro processo, onde não se adoptou o mesmo entendimento para uma classe diferente.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 437/2017
(Recurso Cível)
Data : 19/Outubro/2017
Recorrente : A Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I. A LIMITED, Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do Acórdão proferido nestes autos que decidiu pela recusa do registo à marca com o n.º N/XXX em nome da Recorrente vem, ao abrigo do Art. 653º e ss do Código do Processo Civil (“CPC”), interpor Recurso de Revisão dessa decisão (doravante "decisão recorrida"), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I - FUNDAMENTO E AMISSIBILlDADE DO RECURSO
1. O presente recurso de revisão é interposto à luz do Art. 282º do RJPI e 653º al. g) do CPC, com fundamento na decisão proferida nos autos que recusou a marca à Recorrente ser contrária a outras que constituem caso julgado para as partes, formado anteriormente, juntando para o efeito certidão das sentenças, com menção de trânsito em julgado, respeitantes aos Processos n.º CVl-16-0024-CRJ, CV2-16-0024-CRJ e CV2-16-0022-CRJ do Tribunal Judicial de Base e certidão da decisão recorrida {Acórdão a rever}, com menção do trânsito em julgado, cfr. Doc. 1 e 2.
2. De acordo com o plasmado no Art. 656º al. b) do CPC o prazo para a interposição de recurso é 60 dias a contar da data em que a Recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base ao recurso de revisão, pelo que o presente recurso deve ser considerado tempestivo.
II - DA DECISÃO A REVER
1. A questão fundamental discutida nos autos do recurso judicial que decidiu pela recusa de registo à marca “XXX”, trata-se da determinação da apetência desse sinal para ser registado como marca, em concreto, do reconhecimento da capacidade distintiva desse sinal para ser registado como marca, na classe 43.
2. Por outras palavras, o que se discute é a aferição da capacidade distintiva inerente ou intrínseca do sinal “XXX” devendo entender-se que a notoriedade e a aquisição de capacidade distintiva pelo uso não influíram na tomada de decisão pelo Tribunal.
3. Esse Tribunal decidiu por decisão transitada em julgado em 6 de Março de 2017, pela falta de eficácia distintiva do sinal correspondente a “XXX”, por considerar que o mesmo é constituído por expressão desprovida de carácter distintivo por ser uma expressão genérica, remetendo a sua decisão na totalidade para a fundamentação do Tribunal a quo.
4. Que em suma decidiu " (…) visto o teor da expressão em causo, não vemos como lhe conceder capacidade distintiva, nomeadamente na forma "despida" como se conformou o sinal. Na verdade, como refere a DSE, a marca é composta pela junção de palavras que são de uso comum, quotidiano e banal. Trata-se, ainda que com utilização conjugada de palavras, de uma expressão genericamente utilizada no mundo do comércio e afins, expressão essa que é usada na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio." (pág. 12 do Doc. 1).
5. Por conseguinte, o Tribunal recusou registo à marca registanda com base no fundamento absoluto de recusa consagrado nos Arts. 9 º, n º 1 al. a), 197 º e 199 º n.º 1 al. c) do RJPI.
III - DAS DECISÕES TRANSITADAS EM JULGADO QUE CONCEDERAM REGISTO AO SINAL “XXX”, DECIDINDO DE FORMA DIFERENTE A MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL
6. Sucede que, antes de a decisão recorrida ter sido proferida, o Tribunal Judicial de Base já tinha registado a marca “XXX”, para as classes 41, 36 e 35, tendo sido reconhecida capacidade distintiva inerente a esse sinal - Doc. 2.
7. Tendo as mesmas decisões transitado em julgado a 21 de Outubro de 2016 para as duas primeiras classes e no dia 27 de Fevereiro de 2017 para a outra.
8. A questão fundamental de direito comum às três decisões judiciais acima referidas, referentes às marcas números N/XXX, N/XXX e N/XXX (decisão que remete a sua fundamentação para a constante no processo referente à marca n.º N/XXX), constantes dos Processos n.º CV1-16-0024-CRJ, CV2-16-0024-CRJ e CV2-16-0022-CRJ, prende-se com a distintividade do sinal “XXX” - Doc. 2.
9. Na sua fundamentação, essas três decisões, debruçam-se sobre o motivo de recusa absoluto alegado pela DSE para recusar o registo das mesmas, o qual seja a falta de capacidade distintiva do sinal para ser registado como marca Doc. 2.
10. Após exposição de doutrina e jurisprudência aplicável ao caso concreto, as três sentenças supra mencionadas entendem que a marca “XXX” goza da capacidade distintiva necessária para distinguir os bens e serviços que pretende assinalar, entendendo que a marca registanda não é genérica nem usual, sendo, portanto, passível de registo Doc.2.
11. A sentença referente ao Processo n.º CV2-16-0024-CRJ e, por remissão, a sentença referente ao Processo n.º CV2-16-0022-CRJ (referentes às marcas N/XXX e N/XXX, respectivamente) elaboram a análise da capacidade distintiva da marca registanda de modo detalhado, analisando o potencial da marca “XXX” ser, ou não, descritivo e usual - Doc. 2.
12. Começando por qualificar como usuais os "sinais que não possam, de modo nenhum, servir como marca por falta total de capacidade distintiva relativamente aos bens para que foi pedido o registo, uma vez que, no comércio são usualmente utilizados para outra função", acrescentando ainda que são usuais aqueles que são "usuais no comércio, na sua comunicação própria formada por linguagem e hábitos. Não são os usuais na linguagem corrente", o Tribunal entende que “XXX” na linguagem própria do comércio, nada significava, nada passou a significar e nenhum sentido próprio ganhou, embora na linguagem comum signifique uma média ou padrão da Ásia, nenhuma alteração se lhe reconheça. Tinha e tem na linguagem comercial o sentido que tem na linguagem corrente: "padrão Ásia". O sinal registando não é, pois, um sinal usual. […] não padece desse vício inibidor da capacidade distintiva - usual. Não lhe aconteceu que, pelo uso, passou a ter no comercio um sentido práprio […]. Conclui-se, pois, gue o sinal registando não pode ser qualificado de usual." - Doc. 2.
13. Por outro lado, ainda nessa sentença, o Tribunal define um sinal descritivo aquele que é interpretado "como significando que os bens onde estão apostos provêm de determinado ponto geográfico, ou que têm determinada qualidade ou outras características, não servem como marca ou sinal distintivo de origens comerciais", acrescentando que "sá são adequados a ser protegidos através da concessão do registo de um título de marca, os sinais adequados a distinguir origens comerciais. E não são adequados a distinguir tais origens os sinais que sejam adequados a distinguir características dos bens" - Doc. 2
14. Com tal em consideração, o Tribunal entendeu que a marca “XXX” não é um sinal descritivo, pois "o que seja o 'padrão asiático' é já de si de grande imprecisão, talvez nem exista tal padrão, ague confere ao sinal registando elevado nível de fantasia, sempre contrária ao carácter descritivo mais ou menos preciso e sempre favorável ao carácter distintivo", sendo que "é consideravelmente baixa a probabilidade de ser apreendido como querendo informar sobre a qualidade dos serviços que se destina a assinalar e não como distinguindo a origem comercial dos bens assinalados." - Doc. 2
15. Deste modo o Tribunal acrescenta que o "padrão asiático" ou "padrão da Ásia" é algo indefinido e fantasioso, não sendo provável ou crível que público consumidor entenda o sinal como significador de que lias produtos assinalados têm aquele indefinido, hipotético e apenas imaginário nível de qualidade", pelo que o sinal “XXX”, como se reporta a um conceito fantasioso, é dotado de carácter distintivo necessário merecedor de ser protegido pela via do registo. - Doc. 2
16. De modo semelhante, a sentença referente ao Processo n.º CVl-16-0024-CRJ (referente à marca n.º N/XXX) conclui que {Ia marca que a recorrente pretende registar constitui uma marco nominativa, constituída pela expressão inglesa XXX, fantasiosa, que traduzida para português poderá significar de 'nível asiático', 'classe asiática' ou 'qualidade asiática' e que, na nossa leitura pretende transmitir a ideia de um serviço prestado com uma determinada característica ou qualidade, mas que se infere de forma subjectiva, uma vez que não é possível, à partida, qualificar ou graduar um produto ou um serviço prestado na Ásia. E essa expressão […] constitui uma conjugação de palavras inovadora no registo de marcas em Macau […]; e, como tal, trata-se de uma marca imaginativa, fantasiosa, capaz de distinguir os serviços que a recorrente se propõe assinalar, na medida em que está com os mesmos relacionada […] num determinado segmento de mercado e/ou com um determinado pública-alvo." - Doc. 2.
17. Aqui, o Tribunal entende igualmente que a marca contém uma composição final que lhe garante “a singularidade e criatividade necessárias ao respectivo registo, pelo que não se poderá afirmar que se tornou usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, podendo, nessa medida, ser alvo de registo […].” - Doc. 2
18. Ora, em suma, o Tribunal Judicial de Base, em três sentenças que tinham por objecto o registo da marca “XXX”, decidiu que a mesma é dotada de capacidade distintiva inerente por:
a. Não ser um sinal usual, pois não adquiriu qualquer uso próprio na linguagem e hábitos do comércio - é uma marca composta por um sinal inovador, imaginativo e fantasioso, passível de ser registado;
b. Não ser um sinal descritivo, pois o que seja "padrão asiático" ou "XXX" não é algo concreto, mas sim uma realidade difusa que não irá transmitir ao consumidor médio uma referência do nível de qualidade dos produtos a assinalar.
19. Como se pode verificar da explanação supra, a decisão recorrida está em desarmonia com as decisões proferidas pelo Tribunal Judicial de Base transitadas em julgado - quanto à mesma questão fundamental de direito a qual é a capacidade distintiva do sinal “XXX”, para ser registado como marca. Isto porque as disposições legais relevantes, numa e noutras decisões, mostram-se interpretadas e/ou aplicadas em termos antagónicos, havendo identidade de situações de facto subjacentes a essa aplicação.
20. Embora as decisões proferidas no Tribunal Judicial de Base e a decisão recorrida do Tribunal de Segunda digam respeito a processos de registo diferentes, a questão fundamental que se levanta em todos eles é a mesma: a capacidade distintiva do sinal “XXX”.
21. A questão discutida em todos esses processos é a aferição da distintividade do sinal “XXX”, para ser registado como marca, verificando-se identidade, em todos os casos, do núcleo central da situação de facto e das normas jurídicas interpretandas e/ou aplicandas.
22. Como é sabido, a questão de direito cuja identidade pode legitimar a contradição não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente, da norma jurídica, mas sim pela questão nuclear recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões.
23. Por conseguinte, está-se perante identidade da realidade factual levada à apreciação do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância nos processos acima citados, a qual se prende com a distintividade do sinal verbal “XXX”.
24. Da análise da decisão recorrida e das decisões favoráveis acima descritas que transitaram em julgado, verifica-se uma contradição relativa à determinação da capacidade distintiva do sinal “XXX” decorrente da aplicação dos mesmos preceitos legais, pois a situação concreta que aqui se discute é idêntica à constante nos Processos n.º CV1-16-0024-CRJ, CV2-160024-CRJ e CV2-16-0022-CRJ, proferidas pelo Tribunal Judicial de Base.
25. Ora, conforme se teve oportunidade de verificar o Acórdão de que se recorre, encontra-se em contradição com 3 sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial de Base, estando em causa interpretação divergente no que respeita à distintividade do sinal.
26. Assim sendo, trata-se de, com os mesmos pressupostos de facto, interpretar, definir e aplicar o conceito de falta de capacidade distintiva, optando entre 2 soluções jurídicas tomadas com base nos mesmos elementos, integradores da mesma concreta hipótese.
27. Sempre se dirá que a apreciação das questões suscitadas no presente recurso de revisão é claramente necessária a uma melhor aplicação do direito, pois, interesses em causa são de particular relevância social e, em especial, para a Recorrente que já viu a distintividade da sua marca reconhecida em processos transitados em julgado anteriormente.
28. No Processo nº 5078H/ 1993.L2.S1, de 01-14-2014, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, relativamente ao recurso de revisão, pugnou pelo seguinte:
“O recurso extraordinário de revisão visa destruir a intangibilidade do caso julgado a que estão ligadas in.ºuestionáveis razões de certeza e segurança do Direito com a inerente repercussão na paz social.
“O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei" - Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3º edição, pág. 333. Mais adiante o mesmo autor, citando Alberto dos Reis: "Bem cansideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do canflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda cansideração e remédio". Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. VI, 337 citando Mortara"Commentorio deI Codice e delle legi di procedura civile", 4º, pág. 484:
“Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado" (destaque nosso).
29. Daí que, face ao exposto, a decisão recorrida mostra-se desajustada às expectativas da Recorrente e injusta, devendo revista e substituída por outra que, em consonância com as decisões já transitadas em julgado, lhe conceda o registo da marca Nº N/XXX, na classe 43, assim se favorecendo a justiça material.
Do supra exposto se conclui:
a) O presente recurso de revisão é interposto à luz do Art. 282º do RJPI e 653º al. g) do CPC, com fundamento na decisão proferida nos autos que recusou a marca à Recorrente ser contrária a outras que constituem caso julgado para as partes, formado anteriormente, juntando para o efeito certidão das sentenças, com menção de trânsito em julgado, respeitantes aos Processos n.º CVl-16-0024-CRJ, CV2-16-0024-CRJ e CV2-16-0022-CRJ do Tribunal Judicial de Base e certidão do Acórdão a rever, também com menção d trânsito em julgado, cfr. Doc. 1 e 2.
b) A questão fundamental discutida nos autos do recurso judicial que decidiu pela recusa de registo à marca “XXX”, trata-se da determinação da apetência desse sinal para ser registado como marca, em concreto, do reconhecimento da capacidade distintiva desse sinal para ser registado como marca, na classe 43.
c) Esse Tribunal decidiu por decisão transitada em julgado em 6 de Março de 2017, pela falta de eficácia distintiva do sinal correspondente a “XXX”, por considerar que o mesmo é constituído por expressão desprovida de carácter distintivo por ser uma expressão genérica, remetendo a sua decisão na totalidade para a fundamentação do Tribunal a quo.
d) Que em suma decidiu “(…) visto o teor da expressão em causa, não vemos como lhe conceder capacidade distintiva, nomeadamente na forma “despida” como se conformou o sinal. Na verdade, como refere a DSE, a marca é composta pela junção de palavras que são de uso comum, quotidiano e banal. Trata-se, ainda que com utilização conjugada de palavras, de uma expressão genericamente utilizada no mundo do comércio e afins, expressão essa que é usada na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.” (pág. 12 do Doc. 1).
e) Por conseguinte, o Tribunal recusou registo à marca registanda com base no fundamento absoluto de recusa consagrado nos Arts. 9 º, n º 1 al. a), 197 º e 199 º n.º 1 al. c) do RJPI.
f) Porém, antes de a decisão recorrida ter sido proferida, o Tribunal Judicial de Base já tinha concedido registo à marca “XXX”, para as classes 41, 36 e 35, tendo sido reconhecida capacidade distintiva inerente a esse sinal - Doc. 2.
g) Tendo as mesmas decisões transitado em julgado a 21 de Outubro de 2016 para as duas primeiras classes e no dia 27 de Fevereiro de 2017 para a outra.
h) A questão fundamental de direito comum às três decisões judiciais acima referidas, referentes às marcas números N/XXX, N/XXX e N/XXX (decisão que remete a sua fundamentação para a constante no processo referente à marca n.º N/96076), constantes dos Processos n.º CV1-16-0024-CRJ, CV2-16-0024-CRJ e CV2-16-0022-CRJ, prende-se com a distintividade do sinal “XXX” - Doc. 2.
i) Na sua fundamentação, essas três decisões, debruçam-se sobre o motivo de recusa absoluto alegado pela DSE para recusar o registo das mesmas, o qual seja a falta de capacidade distintiva do sinal para ser registado como marca - Doc. 2.
j) Após exposição de doutrina e jurisprudência aplicável ao caso concreto, as três sentenças supra mencionadas entendem que a marca “XXX” goza da capacidade distintiva necessária para distinguir os bens e serviços que pretende assinalar, entendendo que a marca registanda não é genérica nem usual, sendo, portanto, passível de registo - Doc. 2.
k) A sentença referente ao processo n.º CV2-16-0024-CRJ e, por remissão, a sentença referente ao processo n.º CV2-16-0022-CRJ (referentes às marcas N/96076 e N/96073, respectivamente) elaboram a análise da capacidade distintiva da marca registanda de modo detalhado, analisando o potencial da marca “XXX”, ser, ou não, descritivo e usual. Doc. 2.
l) Começando por qualificar como usuais os "sinais que não possam, de modo nenhum, servir como marca por falta total de capacidade distintiva relativamente aos bens para que foi pedido o registo, uma vez que, no comércio são usualmente utilizados para outra função", acrescentando ainda que são usuais aqueles que são "usuais no comércio, na sua comunicação própria formada por linguagem e hábitos. Não são os usuais na linguagem corrente", o Tribunal entende que “XXX”, na linguagem própria do comércio, nada significava, nada passou a significar e nenhum sentido próprio ganhou, embora na linguagem comum signifique uma média ou padrão da Ásia, nenhuma alteração se lhe reconheça. Tinha e tem na linguagem comercial o sentido que tem na linguagem corrente: "padrão Ásia". O sinal registando não é, pois, um sinal usual. [...] não padece desse vício inibidor da capacidade distintiva - usual. Não lhe aconteceu que, pelo uso, passou a ter no comercio um sentido próprio [...]. Conclui-se, pois, que o sinal registando não pode ser qualificado de usual." Doc. 2.
m) Por outro lado, ainda nessa sentença, o Tribunal define um sinal descritivo aquele que é interpretado "como significando que os bens onde estão apostos provêm de determinado ponto geográfico, ou que têm determinada qualidade ou outras características, não servem como marca ou sinal distintivo de origens comerciais", acrescentando que “só são adequados a ser protegidos através da concessão do registo de um título de marca, os sinais adequados a distinguir origens comerciais. E não são adequados a distinguir tais origens os sinais que sejam adequados a distinguir características dos bens." - Doc. 2.
n) Com tal em consideração, o Tribunal entendeu que a marca “XXX”, não é um sinal descritivo, pois “o que seja o 'padrão asiático' é já de si de grande imprecisão, talvez nem exista tal padrão, o que confere ao sinal registando elevado nível de fantasia, sempre contrária ao carácter descritivo mais ou menos preciso e sempre favorável ao carácter distintivo", sendo que “é consideravelmente baixa a probabilidade de ser apreendido como querendo informar sobre a qualidade dos serviços que se destina a assinalar e não como distinguindo a origem comercial dos bens assinalados." - Doc. 2.
o) Deste modo o Tribunal acrescenta que o "padrão asiático" ou "padrão da Ásia" é algo indefinido e fantasioso, não sendo provável ou crível que público consumidor entenda o sinal como significador de que "os produtos assinalados têm aquele indefinido, hipotético e apenas imaginário nível de qualidade", pelo que o sinal “XXX”, como se reporta a um conceito fantasioso, é dotado de carácter distintivo necessário merecedor de ser protegido pela via do registo. - Doc. 2
p) De modo semelhante, a sentença referente ao processo n.º CV1-16-0024-CRJ (referente à marca n.º N/XXX) conclui que “a marca que a recorrente pretende registar constitui uma marca nominativa, constituída pela expressão inglesa, fantasiosa, que traduzida para português poderá significar de 'nível asiático', 'classe asiática' ou 'qualidade asiática' e que, na nossa leitura pretende transmitir a ideia de um serviço prestado com uma determinada característica ou qualidade, mas que se infere de forma subjectiva, uma vez que não é possível, à partida, qualificar ou graduar um produto ou um serviço prestado na Ásia. E essa expressão [...] constitui uma conjugação de palavras inovadora no registo de marcas em Macau [...]; e, como tal, trata-se de uma marca imaginativa, fantasiosa, capaz de distinguir os serviços que a recorrente se propõe assinalar, na medida em que está com os mesmos relacionada [...] num determinado segmento de mercado e/ou com um determinado público-alvo." - Doc. 2
q) Aqui, o Tribunal entende igualmente que a marca contém uma composição final que lhe garante "a singularidade e criatividade necessárias ao respectivo registo, pelo que não se poderá afirmar que se tornou usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, podendo, nessa medida, ser alvo de registo [...]." - Doc. 2
r) A decisão recorrida está em desarmonia com as decisões proferidas pelo Tribunal Judicial de Base - transitadas em julgado - quanto à mesma questão fundamental de direito a qual é a capacidade distintiva do sinal “XXX”, para ser registado como marca. Isto porque as disposições legais relevantes, numa e noutras decisões, mostram-se interpretadas e/ou aplicadas em termos antagónicos, havendo identidade de situações de facto subjacentes a essa aplicação.
s) Embora as decisões proferidas no Tribunal Judicial de Base e a decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância digam respeito a processos de registo diferentes, a questão fundamental que se levanta em todos eles é a mesma: a capacidade distintiva do sinal “XXX”.
t) A questão discutida em todos esses processos é a aferição da distintividade do sinal " XXX", para ser registado como marca, verificando-se identidade, em todos os casos, do núcleo central da situação de facto e das normas jurídicas interpretandas e/ou aplicandas.
u) Como é sabido, a questão de direito cuja identidade pode legitimar a contradição não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente, da norma jurídica, mas sim pela questão nuclear recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões.
v) Por conseguinte, está-se perante identidade da realidade factual levada à apreciação do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância nos processos acima citados, a qual se prende com a distintividade do sinal verbal “XXX”.
w) Da análise da decisão recorrida e das decisões favoráveis acima descritas que transitaram em julgado, verifica-se uma contradição relativa à determinação da capacidade distintiva do sinal “XXX”, decorrente da aplicação dos mesmos preceitos legais, pois a situação concreta que aqui se discute é idêntica à constante nos processos n.º CV116-0024-CRJ, CV2-16-0024-CRJ e CV2-16-0022-CRJ, proferidas na Primeira Instância.
x) Conforme se teve oportunidade de verificar o Acórdão de que se recorre, encontra-se em contradição com 3 sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial de Base, estando em causa interpretação divergente no que respeita à distintividade do mesmo sinal.
y) Assim sendo, trata-se de, com os mesmos pressupostos de facto, interpretar, definir e aplicar o conceito de falta de capacidade distintiva, optando entre 2 soluções jurídicas tomadas com base nos mesmos elementos, integradores da mesma concreta hipótese.
z) A apreciação das questões suscitadas no presente recurso de revisão é claramente necessária a uma melhor aplicação do direito, pois, interesses em causa são de particular relevância social e, em especial, para a Recorrente que já viu a distintividade da sua marca reconhecida em processos transitados em julgado anteriormente.
aa) No Processo nº 5078H/ 1993.L2.S1, de 01-14-2014, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, relativamente ao recurso de revisão, pugnou pelo seguinte:
"O recurso extraordinário de revisão visa destruir a intangibilidade do caso julgado a que estão ligadas inquestionáveis razões de certeza e segurança do Direito com a inerente repercussão na paz social.
Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. VI, 337 citando Mortara – “Commentario del Codice e delle legi di procedura civile", 49, pág. 484: "Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado” (destaque nosso).
bb) Face ao exposto, a decisão recorrida mostra-se desajustada às expectativas da Recorrente e injusta, devendo ser revista e substituída por outra que, em consonância com as decisões já transitadas em julgado, lhe conceda o registo da marca Nº N/XXX, na classe 43, assim se favorecendo a justiça material.
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, seja considerado procedente o presente Recurso e, em consequência:
i) A decisão recorrida revista, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca registanda por ser distintiva, como é de JUSTIÇA!
II- Temos presente a matéria de facto concretizada em I. supra, relativamente à decisão proferida no Proc.437/207 deste tribunal e as decisões proferidas npos outros processos acima referidos, relativos à mesma marca “XXX” para classes diferentes.
III- Com todo o respeito pela posição defendida no recurso, mas não há fundamento para o recurso de revisão.
Este está previsto no artigo 653º do CPC que dispõe:
“A decisão transitada em julgado só pode ser objecto do recurso de revisão com os seguintes fundamentos:
a) Quando se mostre, por sentença transitada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram;
b) Quando se reconheça, por sentença transitada em julgado, ter havido falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou de declaração de perito, que possam ter determinado a decisão a rever, a menos que a matéria da falsidade tenha sido discutida no processo em que a decisão foi proferida;
c) Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que a decisão foi proferida, sendo o documento suficiente, por si só, para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Quando tenha sido declarada nula ou anulada, por sentença transitada em julgado, a confissão, desistência ou transacção em que a decisão se funde;
e) Quando seja nula a confissão, desistência ou transacção, por violação do preceituado nos artigos 79.º e 239.º, sem prejuízo do que dispõe o n.º 3 do artigo 243.º;
f) Quando, tendo corrido à revelia a acção e a execução ou só a acção, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou é nula a citação efectuada;
g) Quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente.”
O fundamento em que se baseia a recorrente para defender o recurso de revisão é o da alínea g) supra.
Não há qualquer caso julgado formado quanto a esta parte, não se verificando qualquer identidade entre os pedidos de marcas e entre as causas de pedir. Apenas as partes são comuns nos diferentes processos, se é que se pode entender que as partes neste tipo de processos são integradas pela requerente e pela entidade que tutela os registos de marcas, no caso, a DSE.
O que temos nos diferentes processos é que uma mesma marca “XXX” foi solicitada para diferentes classes de produtos e serviços e nuns casos foi concedida e noutros não.
O carácter distintivo dessas marcas ou marca é um conceito de direito, pressuposto da concessão ou denegação da marca e a obtenção do registo para uma determinada categoria de produtos /serviços não pode vincular as entidades respectivas e os tribunais para o futuro.
Para além de que eventual ilegalidade ou incorrecta interpretação não pode ser vinculativa para outras situações que reclamem a integração daquele pressuposto atinente ao carácter distintivo que é apanágio de uma marca.
Diferentes seriam as coisas se a marca já tivesse sido concedida para aquela classe em concreto.
O que está em causa no registo da marca e da sua sufragação judicial, quando suscitada, não é a delimitação de um conceito jurídico, mas sim a aceitação de um nome, de um sinal, de uma nota marcária que vai identificar um determinado produto. Contrariamente ao que se pretende, a tomada de posição sobre o carácter distintivo não integra o núcleo da decisão sobre o registo da marca, ainda que possa ser um seu pressuposto, cuja delimitação não pode deixar de ser feita em cada tomada de decisão.
Há aqui uma “nuance” que pode não ser facilmente atingível, mas toda a gente passará a compreender se se partir de um exemplo que se configure como clarividente. Imaginemos que uma determinada empresa conseguia, porventura até por erro ou desatenção do serviço, o registo da marca “água” para uma água que fosse por si colhida em dada fonte, engarrafada e comercializada. Seria legítimo considerar que por essa via se legitimaria o registo da marca “Água” para toda a categoria de produtos relacionados, derivados, afins, com o sem ligação àquele produto? Estamos cientes da singeleza desta argumentação, mas a verdade é que há casos em que não vale a pena elucubrar de mais.
É verdade que se tem entendido que a força do caso julgado abrange não só as questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, como ainda as questões preliminares que, tendo sido decididas expressamente na fundamentação da sentença, sejam antecedente lógico indispensável à decisão tomada na sua parte dispositiva.1
Mas não é menos verdade que o caso julgado se forma directamente sobre o pedido formulado pelo autor, sendo a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado. Como bem se acentuou noutra sede2 “A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar à resposta.”
Como se frisou no Ac. do STJ, de 20/5/205, Proc. n.º 321/12.0YHLSB.L1.S1 (que aqui se cita em termos de Jurisprudência Comparada), “para que de conflito jurisprudencial se possa falar e, para que este seja susceptível de ser dirimido através deste recurso, é indispensável que as soluções jurídicas acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento e que, segundo o recorrente, se encontram em invocada oposição, tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
Assim, a questão fundamental de direito cuja identidade pode legitimar a contradição “não se define pela hipótese/estatuição, desenhada, abstractamente, da norma jurídica em sua maior ou menor extensão ou compreensão, a que seja possível subsumir uma pluralidade de eventos reais a regular” - pois que, se assim fosse, os casos de oposição multiplicar-se-iam de forma incontrolável - mas pela questão nuclear necessariamente recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões.”
Sempre importará distinguir o fundamento lógico e necessário de uma decisão com a densificação de um requisito, em termos de definição de uma questão fundamental de direito controvertida, operação esta eventualmente integrante de uma uniformização de jurisprudência, nos termos para tal permitidos pela lei processual civil.
Importa ainda salientar que eventual dualidade de critérios não pode legitimar que se confira validade aos registos que foram concedidos sem que as normas fosse respeitadas. Eventual ilegalidade – o que pela mera enunciação da feitura dos registos não se comprova, sempre podendo ter ocorrido factores e circunstancialismos específicos que aqui não são detalhados – não legitima se continuem a cometer os mesmos atropelos à lei ou ao melhor entendimento que dela aprouver.
Nesta conformidade, somos a entender que não se verificam os pressupostos para a requerida revisão.
Por todas estas razões, o recurso não terá provimento.
III - DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, somos a julgar improcedente o pedido de recurso de revisão ora formulado, por não se mostrarem preenchidos os requisitos necessários a tal revisão.
Custas pela recorrente.
Macau, 19 de Outubro de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 317, Vaz Serra, RLJ, ano 110º, 232.
2 - Ac. da RP, de 15/6/1992, Proc. n.º 9230014, http.//www.dgsi.pt
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437/2017-S 23/23