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Processo n.º 138/2017
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 19/Outubro/2017


ASSUNTOS:
- Distintividade das marcas

    
    SUMÁRIO :
    1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
    2. A marca proposta “XXX” corresponde a uma qualidade genérica, qual seja a de um padrão da Ásia, o que em si nada distingue em particular, antes traduzindo uma expressão que pode ser aplicável e qualificativa de uma generalidade de bens, produtos ou serviços.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 138/2017
(Recurso Cível)
Data : 19/Outubro/2017

Recorrente : A Limited

Recorrida : Direcção dos Serviços de Economia

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A LIMITED, Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada da sentença proferida nestes autos e do despacho de admissão do requerimento de interposição de recurso por si apresentado, vem apresentar as suas alegações, concluindo:
    a) Conforme é referido na decisão recorrida, o único problema a ser resolvido nos autos é o de averiguar da capacidade distintiva do termo "XXX" enquanto marca, para produtos na classe 37.
    b) O Tribunal a quo, tão lesto na sua fundamentação, decidiu que "XXX" carece de eficácia distintiva, nos termos do art. 199.º n.º 1 c) do RJPI, por não entender que a marca se tornou numa expressão genericamente utilizada no mundo do comércio e afins, expressão essa que é usada na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio e que não adquiriu capacidade distintiva à luz do previsto no art. 214º nº 3 do RJPI. Entendimento duplamente errado, pois o Tribunal a quo procedeu a uma interpretação completamente errada da lei que aplicou e não teve em conta factos importantes que foram trazidos aos autos pela Recorrente.
    c) Note-se que nesta fase do processo de registo o que se discute é a capacidade de a marca registanda ser registada como marca.
    d) A notoriedade é referida no sentido de mostrar ao Tribunal que a Recorrente já usa a marca, há vários anos, e pretende agora registá-la, o que é demonstrativo do seu legítimo interesse.
    e) Pareceu extremamente importante à Recorrente trazer esse elemento à demanda, pois omitir ou não relevar que a marca é notória ou famosa em Macau não faria sentido - a marca "XXX" é bem conhecida do público pertencente ao sector de mercado em que está inserida e daí ter submetido 13 declarações, assinadas por representantes de entidades relevantes no sector.
    f) É, pois, necessário, em primeira linha, avaliar se o sinal apresentado a registo, em si mesmo, goza de capacidade distintiva, inerente, ou adquirida.
    g) Pois, algumas marcas, além da necessária e imprescindível capacidade distintiva, conseguem destacar-se pelo alto grau de conhecimento que auferem do público.
    h) O Tribunal a quo laborou em erro manifesto quando fundamentou que a marca registanda não é registável por não gozar de capacidade distintiva.
    i) Desde logo, a expressão "Padrão da Ásia" ou "XXX" não são usadas nem conhecidas como expressão que determina o padrão de qualidade de um produto ou serviço.
    j) Aliás, considerando a multiculturalidade e as diferenças dos vários países que compõem o Continente Asiático, não faz sentido falar-se de um "Padrão da Ásia", porque é algo que, com o devido respeito, efectivamente, não existe nos termos apresentados pelo Tribunal a quo!
    k) Daí que não faz qualquer sentido o Tribunal a quo concluir que a marca registanda carece de capacidade distintiva nos termos do art. 199º n.º 1 al. c) do RJPI.
    I) A Recorrente submeteu para prova da distintividade da marca em Macau, declarações ajuramentadas produzidas por representantes de entidades públicas e privadas no sector relevante de actividade.
    m) Erradamente, o Tribunal a quo, por um lado, desconsiderou por completo essas declarações para prova do uso e notoriedade da marca e, por outro nem sequer as mencionou com referência à prova da aquisição de distintividade do sinal registando por via do uso.
    O Tribunal a quo, ainda que viesse a desconsiderar as declarações, o seu valor probatório deveria ter sido igualmente valorado ou comentado com relação à distintividade da marca, o que não sucedeu.
    n) Em processo civil vigora o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558.º do CPC, nos termos do qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir qualquer formalidade especial.
    o) A prova apresentada foi produzida nos termos exigidos e deveria ter sido considerada prova suficiente, especialmente tendo em conta que estamos perante direitos de propriedade industrial, em cujos processos a prova documental é extremamente importante e deve ser analisada devidamente (não nos parece que o Tribunal a quo tenha procedido à análise de prova que a Recorrente merece).
    p) Note-se ainda que o valor as declarações não foi impugnado ou contestado pela DSE.
    q) Resulta das declarações juntas que o declarante, enquanto entidade que opera na área do imobiliário, conhece, efetivamente, o termo "XXX" e que esse termo é distintivo dos produtos e serviços de cada uma das empresas pertencentes ao grupo XXX. Acrescentando que o XXX GROUP é um grupo promotor imobiliário e investidor consolidado com referência a prestigiados projectos em Hong Kong, Macau e China continental.
    r) O conteúdo das declarações é autoexplicativo, sendo claro quanto ao facto fundamental que se visa provar nos autos, tal seja o reconhecimento de que o termo "XXX" goza de capacidade distintiva com relação à Recorrente, sendo identificativo dos seus produtos e serviços, também, no mercado de Macau.
    s) A expressão "XXX" não se tornou usual ou comum no comércio para qualquer tipo de actividade comercial.
    t) Não foi apresentada fundamentação válida de que "XXX" não permita ao consumidor distinguir os produtos ou serviços de duas empresas diferentes que usassem essa marca.
    u) O termo "XXX" (termo amplamente conhecido e notório por referência à Recorrente e ao Grupo XXX) não é comummente visto pelo consumidor ou utilizado pelos comerciantes do sector relevante com referência a produtos na classe 37 e, nessa medida, deve considerar-se que goza de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado esses serviços.
    v) A expressão "XXX" não é reconhecida pelo público consumidor como expressão reveladora de um padrão de qualidade do produto que assinala.
    w) "XXX" é um sinal capaz de distinguir os produtos contidos na especificação do pedido de registo, gozando de capacidade distintiva intrínseca, sendo, por isso, uma marca de fantasia.
    Sem conceder,
    x) Para além do que ficou dito relativamente à capacidade distintiva intrínseca da expressão "XXX" enquanto marca - e sem conceder no que foi dito a esse respeito - deve sempre entender-se que a marca" XXX" adquiriu capacidade distintiva pelo uso e presença no mercado.
    y) Assim, é essencial que se reconheça que "XXX", na hipótese de se admitir que carece de capacidade distintiva, adquiriu capacidade distintiva por via do fenómeno denominado secondary meaning, pelo que é uma expressão susceptível de apropriação exclusiva por parte da Recorrente.
    z) O uso dado à marca" XXX" na China Continental, em Hong Kong e em Macau conferem-lhe capacidade distintiva para identificar os produtos e serviços da Recorrente, incluindo os da classe 37, que não sendo os seus produtos principais, também deles fazem parte da sua actividade comercial.
    aa) Para além da presença da marca em Macau, como evidenciado nos autos de primeira instância (especialmente pela actividade desenvolvida na Zona Industrial Seac Pai Van, realizada pelo Grupo Asia Santard, e pelas declarações de importantes entidades no sector imobiliário em Macau), tem que ser considerada ainda a presença reiterada da marca “XXX” em Hong Kong, também evidenciado nos autos de primeira instância.
    bb) Efectivamente, a estreita afinidade geográfica entre os Territórios de Hong Kong e de Macau, a forte presença da marca "XXX" em Hong Kong e as deslocações frequentes entre os dois territórios do público consumidor deverá relevar para o reconhecimento da capacidade distintiva da marca em Macau, pois "o conceito de consumidor de Macau, para efeitos de determinar a notoriedade de uma marca, não se restringe aos residentes de Macau, mas abrange também os turistas, oriundos nomeadamente de Taiwan, de Hong Kong e do Interior da China",
    cc) O uso da marca, aliado à sua reputação em Hong Kong, China e Macau, demonstram que a marca adquiriu capacidade distintiva.
    dd) Não obstante a actividade principal da Recorrente ser no ramo do sector imobiliário, providencia serviços de transporte no exercício da sua actividade com aposição da marca "XXX" e é nesse sentido que deve ser analisada a notoriedade e fama da marca in casu.
    ee) O Tribunal a quo também desvalorizou as declarações ajuramentadas para prova da notoriedade, igualmente relevantes para a demonstração do estatuto de marca notória como se explanou no início das alegações.
    ff) É necessário ter-se em consideração que a "XXX" actua num sector muito específico de mercado, o público relevante não é grande parte do público
    gg) Os produtos e serviços da Recorrente sob a marca “XXX” são, inquestionavelmente, conhecidos do seu público consumidor relevante do sector o que é, aliás, facto notório e de conhecimento geral em Macau.
    hh) O conhecimento em geral desta marca pelo público-alvo e a presença intensa em Macau, conferem-lhe importante reputação e elevam-na ao estatuto de marca notória para todos os produtos e serviços relacionados à sua actividade.
    ii) Com o devido respeito, a Recorrente recorda ao Tribunal ad quem que está amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, tanto local como portuguesa, que o público consumidor relevante para aferir da notoriedade de uma marca é o consumidor ou utilizador dos produtos ou serviços específicos que a marca pretende assinalar e não o público em geral.
    jj) A marca “XXX” é conhecida tanto das entidades mais importantes de Macau que operam na área do imobiliário, como dos serviços públicos de Macau, conforme demonstrado pelas declarações ajuramentadas juntas aos autos de primeira instância, as quais foram injustamente desvalorizadas pelo tribunal.
    kk) Conclui-se que não só a presença da marca em Hong Kong como as declarações ajuramentadas aos autos são prova irrefutável de que a marca "XXX" é distintiva e goza de notoriedade em Macau junto do sector de mercado relevante.
    ll) Sem conceder o exposto acima, a Recorrente não pode deixar de mencionar que a DSE concedeu registo a marcas muito semelhantes à marca registanda - do que se conclui que a DSE apresenta uma dualidade de critérios que não pode deixar de ser relevada in casu.
    mm) De notar especialmente a marca " XXX" a qual, se aplicarmos os critérios identificados pelo tribunal a quo e pela D5E, não deveria ter sido registada visto que significa "Padrão Americano".
    nn) A Recorrente não entende o alcance desta discrepância entre as decisões da DSE acima e a decisão recorrida, nem a pode aceitar, especialmente, quando se considera que, de acordo com o espírito do princípio da auto-vinculação da Administração, mesmo quando no exercício dos seus poderes discricionários, quando esta decide num determinado sentido, não poderá, num momento posterior e estando perante factos idênticos, decidir em sentido inverso.
    oo) Como ficou demonstrado não restam dúvidas de que a marca registanda possui capacidade distintiva inerente (não constitui um termo comum usado no comércio nos termos em que a lei prevê - é uma expressão de fantasia) para que seja registada sem necessidade de adição de qualquer elemento de estilo.
    pp) Acrescendo que o uso contínuo da marca registanda no mercado e notoriedade que lhe advém do seu reconhecimento pelas empresas de Macau mais importantes do sector convergem para que lhe deva ser reconhecida, sem mais, capacidade distintiva adquirida pelo uso.
    Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, seja considerado procedente o presente Recurso e, em consequência
    a sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca registanda por ser distintiva.
    
    2. O recurso não foi contra-alegado.
    3. Foram colhidos os vistos legais.

II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:

1) Em 12 de Fevereiro de 2015, a recorrente apresentou junto da DSE o pedido de registo de marca n.º N/XXX, destinada aos produtos e serviços da Classe 37, com o estilo de XXX (vide fls. 1 dos autos administrativos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2) Em 5 de Fevereiro de 2016, o chefe do DPI da DSE, em concordância com o teor da Informação n.º 56/DPI/2016, recusou nela o pedido de registo de marca n.º N/XXX (vide fls. 12 dos autos administrativos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) O despacho da referida recusa foi publicado no B.O. da RAEM, n.º 9, II Série, 2 de Março de 2016 (vide fls. 13 dos autos administrativos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4) Em 6 de Abril de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso para este Tribunal.
*
  O Tribunal dá por provados os factos acima referidos em conformidade com as provas documentais constantes dos autos e dos autos administrativos.
  Quanto aos restantes factos constantes da petição inicial, alguns não se dão como provados por ser irrelevantes para o conhecimento da causa ou de natureza conclusiva, e outros, designadamente os n.ºs 29, 32, 34, 35, 43, 56 e 57, não são provados por não ser apoiados por prova suficiente.
  
    III – FUNDAMENTOS
    1. Somos a sufragar a douta sentença proferida que passamos a transcrever:
“(…)
    1. Enquadramento Jurídico dos Factos
Ao abrigo do disposto no artigo 197.º do RJPI, só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Da disposição acima referida resulta que a marca destina-se a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. A função da marca consiste na asseguração de não confusão entre os produtos ou serviços e visa associar certos produtos ou serviços a determinado comerciante ou fornecedor de serviço, de forma a evitar que o consumidor seja induzido em erro e confunda a origem dos produtos ou serviços.1
Como refere Ferrer Correia, a marca é um sinal destinado a individualizar mercadorias ou produtos, ou serviços, e a permitir a sua diferenciação dos demais.
À criação e ao desenho de marca aplica-se o princípio da liberdade. Isto é, a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais.
Tal liberdade de criação, porém, não é ilimitada.
Nos termos do artigo 199.º, n.º 1 do RJPI, 1. Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos; c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio; d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
Assim sendo, para que os produtos ou serviços sirvam a finalidade distintiva, a marca deve ser um sinal ou conjunto de sinais com capacidade distintiva. Aquela que apenas contenha teores de sinais referidos na norma acima referida não é susceptível de protecção.
No que tange à finalidade do disposto no artigo 199.º do RJPI, Carlos Olavo refere que “visam estas alíneas evitar que sejam monopolizadas com marcas expressões ou sinais indispensáveis à identificação de mercadorias ou necessárias para a identificação das suas qualidades e funções, ou cujo uso se vulgarizou. Tratando-se de expressões meramente descritivas da realidade a que se reportam, deve poder ser, enquanto sinais genéricos, utilizados por qualquer uma”.2
In casu, a marca pretendida pela recorrente é uma marca nominativa sem exigência de cor e desenho gráfico, composta por duas palavras inglesas – “Asia” e “Standard”. Quer a palavra inglesa “Asia” quer a sua tradução na língua chinesa “亞洲” representa um termo exclusivo, isto é, “Ásia”; e a palavra “Standard” significa “critério ou nível”. Aparecendo juntos, o conjunto pode ser entendido como “critério/nível da Ásia”.
Tal marca constituída por apenas duas palavras estrangeiras e sem desenho gráfico e cor não tem, com efeito, qualquer característica peculiar, criativa ou distinta. De resto, as expressões “Asia” e “Standard” são amplamente usadas na vida real, demasiado banais e sem qualquer carácter distintivo, não permitindo ao público e ao consumidor distinguirem a origem dos produtos e serviços que estas representam.
A recorrente ainda refere que a sua empresa mãe “XXX” (XXX) é uma sociedade cotada na Bolsa de Valores de Hong Kong, que fornece uma grande variedade de produtos e amplos serviços em Hong Kong, no Interior da China e em Macau; e que, sendo conhecida pelo público, a marca é notória e merece protecção.
A recorrente ainda apresentou as declarações de várias empresas imobiliárias, que afirmaram conhecer “XXX”, “XXX” e o sinal XX e confirmaram que estes pertencem ao Grupo XXX.
Afigura-se-nos que o conhecimento da empresa representada pela recorrente, ou da sua empresa mãe ou grupo, não pode ser, nem de perto, o fundamento da notoriedade da marca.
Ainda que, segundo as informações da Bolsa de Valores de Hong Kong, o nome inglês da empresa em causa seja “XXX”, a referida marca não se torna notoriamente conhecida pelo facto de cotação na Bolsa de Valores de Hong Kong. De acordo com a teoria da recorrente, as milhares de companhias cotadas na Bolsa de Valores de Hong Kong possuem marcas notoriamente conhecidas em virtude de cotação!?
Parece não haver qualquer fundamento convincente para suportar isso.
Acresce que, o carácter distintivo não se adquire pela admissão na Bolsa de Valores de Hong Kong da “XXX”/“XXX”.
À luz do disposto no artigo 199.º, n.º 2 do RJPI, os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
A generalidade da jurisprudência entende que, há eficácia distintiva real quando o consumidor médio – normalmente atento – está apto a distinguir o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes, para evitar confusões ou erros fáceis.3
Conforme as regras da experiência comum, por as expressões “Asia” e “Standard” ser amplamente usadas na vida real e ser demasiado banais, quando o consumidor médio ver a marca “XXX”, apenas pode, quanto muito, associá-la a critério ou nível da Ásia, não pensando, nem de perto, nos produtos ou serviços fornecidos pela recorrente.
A marca pretendida pela recorrente não tem qualquer gráfico e cor, e a própria marca não possui qualquer sinal com estilo ou imagem distintas, ademais, as expressões “Asia” e “Standard” são amplamente usadas na vida real e demasiado banais e não têm qualquer carácter distintivo, de forma que o consumidor não possa distinguir a origem dos produtos e serviços. Portanto, não tem a capacidade distintiva. De resto, não há no caso subjudice qualquer facto que possa provar que a marca pretendida adquiriu a capacidade distintiva através de qualquer facto e mediante o significado secundário (secondary meaning).
Nestes termos, é correcta a decisão da DSE de recusar o pedido de registo da marca pretendida.”
    Tanto bastaria para, ao abrigo do disposto no artigo 631º, n.º 5 do CPC, “ex vi” art. 1.º do CPAC, nos ficarmos por aqui.
    Não nos eximiremos, contudo, a dizer algo mais.
    2. Atentemos nos focos argumentativos da recorrente.
    Recordamos que em relação à mesma marca “XXX”, igualmente requerida pela mesma interessada para outra marca foi ela denegada, posição essa que foi confirmada nas diferentes instâncias pelos nossos tribunais. Referimo-nos ao Proc. n.º 655/2016, deste TSI, de 16/2/2017.
    
    Aí se defendeu a não distintividade da marca em causa, ainda que para a classe 16 da classificação de Nice, estando agora em causa a classe 43, a saber, ““Agência de alojamentos [hotéis, pensões]; alojamentos (arrendamento de temporários -); serviços de bar; cafés; cafeterias; cantinas; catering (comida e bebidas -); casas (turista -); reservas de hotel; hotéis; motéis; arrendamento de salas de reuniões; restaurantes; restaurantes (self-service -); snack-bares; tudo incluído na classe 43.”

3. DA CAPACIDADE DISTINTIVA DA MARCA "XXX"
Sobre o carácter distintivo da marca, assinalámos as seguintes linhas gerais em Ac. deste TSI, de 15/1/2015, proc. n.º 387/2014:
“A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.4
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno sócio-económico, retirar-se-ão as sua funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
   Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.5
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia6, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
  Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
 
  (…) Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados. E não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,7 o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supra-citado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre, importando reter, como pertinente ao caso “sub judice”, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.”

Tal como se referiu no Proc. 655/2016, acima referido, “Ora, do ponto de vista específico do produto a que se queira dirigir, apenas se pode dizer que esta marca é simplesmente sugestiva de uma certa característica asiática, de um certo nível ou condição que é própria de um modelo ou paradigma da Ásia ou de “alguma Ásia”. Mas, o que pode caber nela? Tudo, face à sua imensa abstracção. Logo, não é identificativa de nada em especial, não é distintiva.

E esta conclusão parte ainda da irrefutável circunstância de esta marca nem sequer ainda ter dado em Macau os primeiros passos para a sua afirmação no mercado, pois que este era o primeiro registo que se pretendia fazer dela.”

Perante estas linhas não será difícil atingir que a marca proposta corresponde a uma qualidade genérica, qual seja a de um padrão da Ásia, o que em si nada distingue em particular, antes traduzindo uma expressão que pode ser aplicável e qualificativa de uma generalidade de bens, produtos ou serviços. Monopolizar essa qualidade e tutelar a defesa de tal qualificativo não deixaria de ser temerário.
    
4. DO VALOR DA PROVA DOCUMENTAL PARA PROVA DA DISTINTIVIDADE E NOTORIEDADE DA MARCA "XXX"
    Diz a recorrente que se deve notar que a recorrente submeteu para prova da distintividade da marca em Macau, declarações ajuramentadas produzidas por representantes de entidades públicas e privadas no sector relevante de actividade, elementos esses que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo.
    O Tribunal a quo, por um lado, terá desconsiderado por completo as declarações ajuramentadas juntas em sede de primeira instância para prova da notoriedade da marca e, por outro nem sequer mencionou esse importante meio de prova com referência à aquisição de distintividade por via do uso do sinal registando.
    Salvo o devido respeito, mas não podemos acompanhar a tese da recorrente.
    Desde logo se anota que distintividade da marca é uma coisa e notoriedade da marca é algo diferente. A distintividade é a qualidade que passa por atribuir uma qualidade que torna algo distinto de outro; ainda que não se proíba a inclusão na marca de expressões ou elementos genéricos que podem até ser utilizados por terceiros para compor outras marcas, diferente será a situação quando a marca seja exclusivamente constituída por expressões ou elementos genéricos.8 Mesmo enquanto sinal distintivo fraco - ou seja, o que não tem força suficiente para distinguir o produto9-, no limite, o uso, na prática comercial, de um sinal originariamente não distintivo poderá até determinar a aquisição do substrato suficiente para o registo10. Entraremos aí num outro capítulo que já tem a ver com a alforria adquirida por uma denominação genérica em vista da sua notoriedade.
    Essa prova não pode passar pela valoração exclusiva de uma tantas declarações e certificações que não deixam de ser unilaterais e subjectivas, devendo tal prova alcandorar-se a um nível que não passe pela emissão de umas tantas posições subjectivas - que podiam até ser centenas -, antes se há-de escorar em factos donde se retirem os pretensos atributos que se diz tal marca ter já alcançado.
    Defende a recorrente que o Tribunal a quo, ainda que viesse a desconsiderar as declarações juntas, o seu valor probatório deveria ter sido igualmente valorado ou comentado com relação à distintividade da marca, o que não sucedeu.
    Não acompanhamos o seu entendimento, enquanto rejeita a afirmação do tribunal o quo de que não apresentou qualquer evidência do uso da marca em Macau, seja para prova da notoriedade, seja para prova da distintividade do sinal, não bastando que as declarações ajuramentadas tenham sido produzidas nos termos exigidos, importando distinguir a regularidade formal com a valoração do seu conteúdo. Se as referidas declarações fossem auto suficientes para comprovar a notoriedade da marca e que o termo "XXX" goza de capacidade distintiva com relação à recorrente, sendo identificativo dos seus produtos e serviços, também, no mercado de Macau, tais declarações teriam uma força certificativa de documentos autênticos emitidos no âmbito das competências próprias das entidades competentes.
    
    5. Do registo de marcas similares
    Para reforçar o argumento atinente à sua pretensa notoriedade invoca a recorrente o registo de marcas similares. Diz que os seus produtos e serviços têm sido oferecidos, ao longo de vários anos no mercado asiático, nos países de língua chinesa, através de diversas marcas similares, sendo que, neste momento, o público-alvo da actividade associa as referidas marcas à recorrente, devendo entender-se que o reconhecimento generalizado por parte do referido público-alvo confere à marca da recorrente o carácter de marca notória, na medida em que se marca semelhante for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, é esta susceptível de se confundir com aquela e de criar no consumidor a impressão de que existe uma ligação comercial entre as duas entidades empresariais.
    Em suma, a marca “XXX” é conhecida na Ásia, nomeadamente pelas entidades de Macau ligadas à área do imobiliário, incluindo pelos residentes de Macau.
    Apenas referiremos um detalhe sobre esta argumentação.
    Não obstante a indicação de um lote significativo de entidades conceituadas que referem o conhecimento dos produtos oferecidos pela recorrente, porventura até demonstrado o conhecimento dessa designação/pretensa marca, tal é bem diferente no sentido de que se tenha de concluir que essa marca seja notória.
    Uma outra linha argumentativa vai no sentido de que foram já concedidos registos a marcas com as mesmas características, significando "padrão têxtil", "padrão constituidor", "padrão jornalístico" e "padrão americano", respectivamente.
    Sobre isto, diremos que eventual dualidade de critérios não pode legitimar que se confira validade aos registos que foram concedidos sem que as normas fosse respeitadas. Eventual ilegalidade – o que pela mera enunciação da feitura dos registos não se comprova, sempre podendo ter ocorrido factores e circunstancialismos específicos que aqui não são detalhados – não legitima se continuem a cometer os mesmos atropelos à lei ou ao melhor entendimento que dela aprouver.
    Por todas estas razões, o recurso não terá provimento.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
               Macau, 19 de Outubro de 2017,
               João. A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
1 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, pág. 71.
2 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, pág. 85.
3 Cfr. Acórdãos do TSI, processos n.ºs 61/2004, 288/2003 e 234/2002.
4 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37

5 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
6 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
7 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
8 - Ac. STJ de 26/5/92, http://www.dgsi.pt
9 - Ferrer Correia, in ob. cit., pág.327
10 - É a teoria do secondary meaning de origem anglo-saxónica que aflora no art. 6º - quinquies, C) –1) da Convenção de Paris e no artigo 3º,nº3 da 1ª Directiva do Conselho de 21 de Dezembro de 1988 que harmoniza as legislações dos Estados membros da UE em matéria de marcas
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