打印全文
Processo nº 814/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam A, B e C, (1°, 2ª e 3°) arguidos com os restantes sinais dos autos.

A final, realizado o julgamento, decidiu o Tribunal:

–– o (1°) arguido A, foi condenado como autor da prática de:
- 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; e
- 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 7 anos e 9 meses de prisão.

–– a (2ª) arguida B, foi condenada como autora da prática de:
- 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; e
- 2 crimes de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão cada;
- Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.

–– o (3°) arguido C, foi condenado como autor da prática de:
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; e
- 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 406 a 421 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformados, os (1° e 2ª) arguidos A e B recorreram.

O (1°) arguido A, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”, pugnando pela sua absolvição quanto ao crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, e considerando também excessiva a pena aplicada para o crime de “tráfico”, pedindo a sua redução; (cfr., fls. 433 a 438).

A (2ª) arguida B, considera que existe “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “falta de fundamentação”, pedindo a substituição da pena de prisão por uma pena de multa; (cfr., fls. 457 a 481).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 449 a 451-v e 486 a 488).

*

Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorrem os arguidos A e B do acórdão exarado a fls. 406 e seguintes dos autos, que os condenou, respectivamente, nas penas de sete anos e nove meses de prisão e de cinco anos e nove meses de prisão.
A condenação do primeiro dos recorrentes resulta do cúmulo jurídico das penas parcelares de sete anos e seis meses, de dois meses e de dois meses, respectivamente por tráfico de estupefacientes, consumo de estupefacientes e detenção indevida de utensílio ou equipamento.
Na sua motivação de recurso, este recorrente aborda a questão da (in)existência de provas substanciais da prática do crime de tráfico, insurge-se contra a excessividade da respectiva pena, e também questiona a não consideração da relação de consumpção entre o consumo e a detenção de utensilagem.
A segunda recorrente foi condenada nas penas parcelares de cinco anos e seis meses, de dois meses, de dois meses e de dois meses, respectivamente por tráfico de estupefacientes, consumo de estupefacientes, detenção indevida de utensílio ou equipamento e detenção indevida de utensílio ou equipamento, e dirige o seu recurso contra a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que toca ao tráfico, verberando também a aplicação de penas de prisão pelo consumo e pela posse de utensilagem, em detrimento de penas de multa, e, bem assim, a não suspensão da execução da pena.
Nas respostas às motivações dos recursos, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência dos recursos, fazendo-o de forma que reputamos adequada e judiciosa, a que damos a nossa adesão, não muito mais havendo a acrescentar.
Não assiste, decididamente, razão ao recorrente A quando intenta convencer de que não há provas substanciais de que tenha cometido um crime de tráfico. A quantidade de droga, a forma de acondicionamento, a existência de pequenas saquetas para a dosear e repartir, a balança para pesagem, enfim, o depoimento da segunda arguida, não deixam dúvidas a esse respeito, sendo despiciendo procurar mais razões argumentativas, não obstante o recorrente, perante este manancial de evidências, tenha optado por negar a actividade de tráfico.
Quanto à alegada excessividade da pena pelo tráfico, importa notar que ela se situou muito abaixo do meio da moldura abstracta e não apresenta desfasamento com a bitola habitualmente usada nos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau. Perante esta constatação, e tendo presente as finalidades de prevenção que presidem à determinação das penas, sendo certo que, no campo do tráfico, a finalidade de prevenção geral tem especial acuidade em Macau, há que concluir que a crítica apontada não tem qualquer fundamento. De resto, e como temos dito variadas vezes, os parâmetros em que se move a determinação das penas, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins das penas e à culpa que as delimita, o que não é o caso. E quanto ao problema da consumpção, é exacto que a jurisprudência não tem adoptado entendimento uniforme sobre a questão.
Temos para nós, porém, que, no caso, a condenação autónoma pelo crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento não merece reparo. Se num concreto acto de consumo o agente esgota o utensílio ou equipamento, funcionando este como meio indispensável ao acto de consumo, não há justificação para a punição autónoma, atenta a unidade de acção, a relação de causalidade entre consumo e utilização da utensilagem, bem como a similitude dos bens jurídicos protegidos pelas normas de incriminação. Se tal não sucede, e o agente, além de haver consumido produto estupefaciente, conserva e detém igualmente ferramentas ou utensílios que podem proporcionar o consumo posterior, como pensamos suceder no caso em análise, não se vê como contrapor à violação de dois tipos de ilícito diversos a relação de consumpção invocada pelo recorrente para justificar a absolvição pelo crime de detenção indevida de utensilagem.
A segunda recorrente começa por sustentar que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão, no que toca ao tráfico. Não teria ficado demonstrado e justificado o dolo de tráfico.
Salvo melhor juízo, parece-nos que a recorrente interiorizou um conceito minimalista de tráfico, não condizente com o que, nessa sede, resulta do diploma legal (Lei 17/2009). Toda a acção prevista no artigo 8.°, incluindo a oferta e a detenção, desde que não destinada ao consumo exclusivo do agente, integra o crime de tráfico. Ora, possuindo a recorrente droga em peso superior a 15 vezes a quantidade de referência para consumo diário individual, e não ficando provado que se destinava a seu exclusivo consumo, a acção integra o tipo de ilícito de tráfico. De resto, e em reforço da actividade de tráfico, ficou também demonstrado em julgamento que a recorrente forneceu droga ao terceiro arguido.
Não se afigura imprescindível demonstrar que a droga estava destinada a venda para se caracterizar um dolo de tráfico. O dolo consiste na vontade de deter a droga não destinada a exclusivo consumo do agente. E isso ficou suficientemente demonstrado e foi objecto de adequada análise na integração dos factos no tipo.
Soçobra, pois, a argumentação da recorrente, não tendo lógica que pugne pela sua absolvição.
Insurge-se, também, desta feita no tocante aos crimes de consumo e de detenção de utensilagem, contra o facto de o tribunal ter optado por penas de prisão, sem observar a preferência legal pelas penas de multa. Constata-se que, na parte relativa à escolha e medida das penas, o acórdão justificou a escolha das penas de prisão em detrimento das penas de multa, invocando razões de prevenção, sob pena de insuficiente realização das finalidades da punição, o que é perfeitamente compreensível, dada a sensibilidade e a reprovação social destes ilícitos. Não tem, pois, razão a recorrente.
Por fim, quanto à suspensão da execução da pena, a recorrente impetra-a partindo do pressuposto da sua absolvição quanto ao crime de tráfico, pois só assim ficaria preenchido o requisito formal da suspensão. Só que, no entendimento do Ministério Público, conforme resulta das contraminutas dos recursos e de quanto supra se exarou, não tem cabimento aquela pretensão de absolvição. Fica, pois, prejudicado o conhecimento da aventada suspensão da execução da pena.
Ante quanto se deixa dito, improcedem as motivações dos recursos, não havendo reparos a apontar ao acórdão recorrido, pelo que o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento aos recursos”; (cfr., fls. 585 a 587).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a seguinte matéria:

“(Proc. n.º CR3-17-0039-PCC)
1)
Foi participado à polícia que um indivíduo do sexo feminino da nacionalidade filipina vendia frequentemente drogas a indivíduos da nacionalidade filipina nas proximidades da Rua da Praia do Manduco, Macau. Através de seguimento e supervisão, pelas 16h00 aos 28 de Junho de 2016, na intersecção da Rua do Dr. Lourenço Pereira Marques e da Rua do Almirante Sérgio de Macau, foram interceptados pela polícia a 2.ª arguida B e o 3.º arguido C.
2)
Mais tarde, na residência da 2.ª arguida B, sita na Travessa do Almirante Sérgio n.º 6, 1.º andar 210, Macau, através da busca, a polícia encontrou os seguintes objectos (vd. os autos de apreensão, a fls. 11 a 13 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos aqui):
I. Debaixo da mesa-de-cabeceira do quarto
1. Uma maleta, na qual foi descoberto um saco plástico transparente, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”, que pesava cerca de 1.68g juntamente com o saco plástico; um saco plástico transparente, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”, que pesava cerca de 2.35g juntamente com o saco plástico; um pequeno saco plástico transparente, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”, que pesava cerca de 0.28g juntamente com o saco plástico;
2. Uma caixa de ferro da cor branca, dentro da qual estavam dois bucais transparentes; dentro dos bucais estavam pós da cor branca, duas palhas curtas da cor branca, suspeitas de terem servido como ferramentas para consumo de drogas;
3. Uma caixa de arrumação da cor-de-rosa, dentro da caixa estava um utensílio de vidro com um bucal no qual pegavam pós da cor branca e um tubo plástico da cor azul, no qual estava uma pequena quantidade de líquido transparente, suspeito de ter servido como ferramenta para consumo de drogas; um utensílio de vidro suspeito de ter servido como ferramenta para consumo de drogas, no qual estava uma pequena quantidade de líquido transparente; e lá dentro estavam um saco plástico transparente e várias palhas plásticas de longuras diferentes para consumo; um isqueiro da cor azul, no qual estava um tubo transparente. Suspeita-se que os objectos acima referidos foram especialmente modificados para consumo de drogas e ferramentas já usadas para consumo de drogas.
II. Em cima da mesa-de-cabeceira no quarto, foi descoberto um tanque de gás de butano liquefeito impresso com “Marca D”, com o bucal.
III. Dentro da gaveta do armário no quarto, foi descoberto um saco plástico transparente, dentro do qual estavam várias dezenas de palhas não usadas.
3)
Mais tarde, a polícia descolou-se ao EDF. XXXXX, 2.º andar B, Pátio da Estátua, n.º 7-7AC, Macau, no quarto à direita da sala de estar pertencente ao 3.º arguido C, no qual ele morava, foram descobertos os seguintes objectos (vd. os autos de apreensão, a fls. 27 a 28 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos aqui):
Uma caixa para os óculos da cor branca, dentro da qual estavam escondidos:
1. Um saco plástico transparente, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”, que pesava cerca de 0.14g juntamente com o saco plástico;
2. Dois pares de tesouras prateadas;
3. Um utensílio dourado, suspeito de ser ferramenta para consumo de drogas;
4. Um bucal de vidro da forma de funil, dentro do qual estava uma pequena quantidade de pós transparentes suspeitos de ser droga; suspeito de ser ferramenta já usada destinada especialmente para consumo de drogas;
5. Seis palhas, suspeitas de ser ferramentas usadas exclusivamente para consumo de drogas;
6. Uma palha de vidro modificada, à qual estavam ligados dois grupos de palhas; dentro das palhas estava uma pequena quantidade de pós transparentes suspeitos de ser droga; suspeita-se que foi especialmente modificada para consumo de drogas e ferramenta já usada para consumo de drogas.
4)
Ao mesmo tempo, num outro quarto do EDF. XXXXX, 2.º andar B, Pátio da Estátua, n.º 7-7AC, Macau, a polícia encontrou o 1.º arguido A, e no local e do bolso esquerdo das suas calças, a polícia descobriu os seguintes objectos (vd. os autos de apreensão, a fls. 40 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos na presente acusação):
Uma caixa de ferro da cor preta, dentro da qual estavam escondidos objectos tais como alguns suspeitos de serem ferramentas para tráfico e consumo de drogas:
1. Cinco sachinhos plásticos transparentes, dentro dos quais estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”; pesavam, respectivamente, cerca de 0.29g, 0.35g, 0.39g, 0.39g, 0.39g, juntamente com o saco plástico; pesavam em conjunto 1.81g;
2. Um saco plástico transparente de medida média, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”; pesava cerca de 1.09g juntamente com o saco plástico;
3. Uma faixa de folha de alumínio prateada.
5)
Mais tarde, em cima da mesa de computador no quarto no qual o 1.º arguido A morava, a polícia encontrou os seguintes objectos (vd. os autos de apreensão, a fls. 42 a 43 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos aqui):
Uma caixa plástica transparente, dentro da qual estavam escondidos objectos tais como alguns suspeitos de serem ferramentas para tráfico e consumo de drogas:
1. Um saco plástico transparente de medida média, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”; pesava cerca de 22.63g juntamente com o saco plástico;
2. Um sachinho plástico transparente, dentro do qual estavam escondidos cristais brancos, suspeitos de ser a droga “Metafetamina”; pesava cerca de 4.96g juntamente com o saco plástico;
3. Dois sachinhos plásticos transparentes, dentro dos quais estavam umas dezenas de sacos plásticos transparentes;
4. Uma balança electrónica da cor prateada impressa com as letras “HEONG SAN”, suspeita de ser ferramenta para tráfico de drogas;
5. Uma palha transparente modificada; as extremidades foram tapadas e estavam coladas com papéis;
6. Duas palhas;
7. Três bucais de vidro da forma de funil, dois dos quais com manchas;
8. Uma garrafa plástica transparente modificada; dentro da garrafa estava líquido transparente; na tampa da garrafa estavam inseridos dois grupos de palhas (um grupo era constituído com um bucal de vidro da forma de funil e palhas; o outro era constituído com palhas);
9. Uma garrafa de vidro e plástico; dentro da garrafa estava líquido transparente; na tampa da garrafa estavam inseridos dois grupos de palhas plásticas;
10. Uma garrafa de vidro transparente modificada; dentro da garrafa estava líquido transparente; na garrafa estavam inseridas palhas plásticas; na tampa da garrafa estavam inseridos utensílios de vidro.
Suspeita-se que os itens 5 a 10 acima referidos foram especialmente modificados para consumo de drogas e ferramentas já usadas para consumo de drogas.
6)
Segundo confirma a PJ através da peritagem, nos objectos apreendidos do corpo do 1.º arguido A e do quarto dele, foi descoberta a substância controlada “ Metanfetamina”, do peso líquido de 25.896g; nos objectos apreendidos do quarto da 2.ª arguida B, foi descoberta a substância controlada “ Metanfetamina”, do peso líquido de 3.037g; nos objectos apreendidos do quarto do 3.º arguido C, foi descoberta a substância controlada “ Metanfetamina”, do peso líquido de 0.073g (vd. o relatório pericial a fls. 150 a 179 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido aqui).
7)
Segundo confirma a PJ através da peritagem, em todos os objectos apreendidos acima referidos e suspeitos de serem ferramentas para consumo de drogas, foram descobertos indícios de substâncias controladas “Metanfetamina”, “Anfetamina”, e “N,N-dimetanfetamina” (vd. o relatório pericial a fls. 150 a 179 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido na presente acusação); e os “DAN” (sic) verificados provêm todos possivelmente dos indivíduos tais como os 3 arguidos acima referidos (vd. o relatório pericial a fls. 181 a 195 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido aqui).
8)
“Metanfetamina”, “Anfetamina”, e “N,N-dimetanfetamina” são todos estimulantes, sujeitos ao controlo do art.º 4, Tabela II-B da Lei n.º 17/2009 (drogas).
9)
Os 3 arguidos admitiram ter consumido drogas, e saber claramente da natureza e das características das substâncias controladas acima referidas; no entanto, nas circunstâncias de estarem livres, voluntários, conscientes, consumiram estupefacientes e substâncias psicotrópicas controladas ilegalmente e de propósito, e detinham indevidamente utensílios para consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas controladas.
10)
As quantidades líquidas da droga acima referida “Metanfetamina” que o 1.º arguido A e 2.ª arguida B tinham em posse, excederam de longe as 5 vezes da quantidade de referência de uso diário previsto pela lei. Além de consumir eles próprios, os 2 arguidos ainda venderam em Macau as drogas acima referidas que excederam de longe as 5 vezes da quantidade de referência de uso diário previsto pela lei, com o intuito de obter lucros.
11)
Os 3 arguidos sabiam que os actos acima referidos eram ilegais e puníveis nos termos legais.
*
(Proc. n.º CR2-16-0569-PCS)
1
Nos meados do Julho de 2016, a PJ foi notificada e ficou a saber que a arguida B consumia frequentemente drogas no apartamento na Travessa do Almirante Sérgio n.º 6, 1.º andar 210, Macau; então observou-a.

2
Pelas 11h15 da manhã aos 26 de Julho de 2016, o pessoal da PJ descobriu que a arguida estava a sair do apartamento acima referido, então aproximou-se dela e parou-a, e fez-lhe uma revista.
3
Mais tarde, o pessoal da PJ levou a arguida e foi ao apartamento na Travessa do Almirante Sérgio n.º 6, 1.º andar 210, Macau no qual a arguida morava para fazer uma busca; e descobriu os seguintes objectos no caixote de lixo no quarto da arguida (vd. em detalhe o auto de busca e apreensão a fls. 7 dos autos):
Um saco de rede da cor preta, no qual estavam duas toalhas de papel brancas; nas toalhas de papel estavam envolvidos 6 utensílios de vidro transparentes;
Um saco de pano colorido com uma faixa de pano impressa com as letras “DUKASCOPY”, dentro do qual estavam os seguintes objectos:
1. 1 Utensílio de vidro transparente;
2. 1 Garrafa de vidro transparente, na tampa da cor preta estava inserida uma palha branca às riscas;
3. 1 Palha branca às riscas;
4. 1 Palha transparente ligada com palha da cor amarela.
4
Segundo aquilo que ficou confirmado através do exame, 1 dos utensílios de vidro transparentes no saco de pano colorido com uma faixa de pano impressa com as letras “DUKASCOPY” tinha indícios de substâncias sob controlo “Anfetamina”, “Metanfetamina”, e “N,N-dimetanfetamina”, elencadas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009; uma garrafa de vidro transparente com uma palha integrante e a palha integrante que estavam no saco de pano colorido com uma faixa de pano impressa com as letras “DUKASCOPY”, tinham indícios de substâncias sob controlo “Anfetamina”, “Metanfetamina”, e “N,N-dimetanfetamina”, elencadas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009; uma palha branca no saco de pano colorido com uma faixa de pano impressa com as letras “DUKASCOPY” tinha indícios de “Metanfetamina” elencada na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009; uma palha transparente e integrante da cor amarela no saco de pano colorido com uma faixa de pano impressa com as letras “DUKASCOPY” tinha indícios de “Anfetamina”, “Metanfetamina”, e “N,N-dimetanfetamina”, elencadas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009 (vd. o relatório pericial a fls. 24 a 31 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido aqui).
5
Um utensílio de vidro transparente, uma garrafa de vidro transparente com uma palha integrante, uma palha branca, uma palha transparente e integrante da cor amarela, no saco de pano colorido com uma faixa de pano impressa com as letras “DUKASCOPY”, foram ferramentas para a arguida consumir drogas.
6
A arguida praticou os actos acima referidos nas circunstâncias de estar livre, voluntária, consciente.
7
Mesmo sabendo que não se podia, a arguida sempre tinha em posse em Macau ferramentas para o consumo de drogas controladas pela lei, com o objectivo de usá-las para consumir drogas controladas pela lei.
8
A arguida sabia perfeitamente que os actos dela eram contra a lei, e que eram puníveis nos termos legais.
Segundo o certificado de registo criminal, o 1.º arguido e o 3.º arguido não têm registo criminal.
Segundo o certificado de registo criminal, a 2.ª arguida tem registos criminais:
1 No proc. n.° CR2-17-0102-PCC, aos 18 de Julho de 2017, o TJB proferiu a sentença, e condenou a arguida à pena de prisão efectiva de 4 anos e 6 meses. A sentença do processo ainda não transitou em julgado.
2 No proc. n.° CR4-17-0063-PCC, 2.ª arguida foi acusada e o processo está pendente.
O 1.º arguido afirmou que a escolaridade dele era o 3.º ano de faculdade; antes da prisão preventiva, era técnico e auferia mensalmente MOP$ 11000.00; e que precisava de alimentar 3 filho/as.
A 2.ª arguida afirmou que a escolaridade dela era o 3.º ano da escola secundária; estava desempregada e alimentada pelo namorado.
O 3.º arguido, ao ser interrogado no MP, afirmou que a escolaridade dele era ensino universitário; era empregado para os serviços de quarto; e que auferia mensalmente cerca de MOP$ 9500.00. Precisava de alimentar os pais, a mulher, e 2 filho/as”; (consignando-se, seguidamente, que nenhum facto ficou por provar; cfr., fls. 410-v a 414-v).


Do direito

3. Vem os (1° e 2ª) arguidos A e B recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.

Entende o (1°) arguido A que o Acórdão recorrido padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”, pugnando pela sua absolvição quanto ao crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, e considerando também excessiva a pena aplicada para o crime de “tráfico”, pedindo a sua redução.

A (2ª) arguida B, é de opinião que incorreu o Colectivo a quo no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “falta de fundamentação”, pedindo a substituição da pena de prisão por uma pena de multa.

–– Comecemos pelos “vícios assacados à decisão da matéria de facto”.


Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 164/2017, de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 494/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

Dito isto, comecemos por apreciar da pela (2ª) arguida B invocada “insuficiência” quanto ao crime de “tráfico de estupefacientes”.

Pois bem, percorrendo a matéria de facto atrás retratada, constata-se que o Colectivo a quo deu, (apenas), como provado, que os (1° e 2ª) arguidos A e B, “venderam estupefaciente em quantidade superior à necessária para o consumo por 5 dias, agindo livre e voluntáriamente, e sabendo que proibida e punida era esta sua conduta”, daí concluindo que incorreram no referido ilícito de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009.

E, como sem esforço de mostra de concluir, tal “factualidade” – que já constava da acusação – não basta para se proferir um “juízo condenatório”.

Com efeito, afirmar-se que a arguida ora recorrente – e o 1° arguido – “vendeu(ram) estupefaciente em quantidade superior à necessária para o consumo por 5 dias”, sem qualquer outro facto que revele de forma concreta “o que” ou que “quantidade” vendeu(ram), é, manifestamente, conclusivo, afigurando-se-nos que ao Tribunal competia concretizar e explicitar tal “afirmação”, (a fim de se poder efectuar o seu enquadramento jurídico-penal em conformidade com o estatuído no art. 8° ou 11° da Lei n.° 17/2009, e dosear a pena).

Verifica-se que em sede de “fundamentação” há “passagens” que se referem à actividade da recorrente (e do 1° arguido), porém, como se mostra evidente, estas “considerações”, (sendo apenas “razões da decisão da matéria de facto”), não são “matéria de facto provada” para, com base nela, se proferir uma decisão de direito.

Não o tendo feito, e sendo (evidentemente) “matéria objecto do processo” ao qual Tribunal a quo cabia investigar e explicitar em sede de decisão da matéria de facto, incorreu no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, imperativa sendo a decisão de reenvio (parcial) dos autos para, em relação a esta matéria, se efectuar novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Tal decisão, (como se apresenta lógico e natural), estende-se à decisão de condenação do (1°) arguido A como autor da prática de 1 crime de “tráfico”, pois que, como se viu, a mesma é a “situação”, e embora no seu recurso tenha este arguido imputado ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório”, com o mesmo contestava também a matéria de facto que suportava a sua condenação pelo crime de “tráfico”.

–– Importa – porque não prejudicado – agora apurar se têm os recorrentes razão quando afirmam que há “errada aplicação de direito” quanto à sua condenação em concurso real de 1 crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” do art. 15° da Lei n.° 17/2009.

Pois bem, sobre a questão, e tanto quanto julgamos saber, várias são as soluções possíveis, e que – perante as circunstâncias da situação em concreto – se tem vindo a adoptar.

De facto, entendimento existe que considera que os crimes em questão quando cometidos pelo mesmo agente estão numa relação de “concurso aparente”, ou de “unidade criminosa”, certo sendo que também se tem defendido que (meros) “instrumentos ou utensílios sem durabilidade”, e que não sejam “especificamente destinados ao consumo de estupefaciente” não devem ser considerados para efeitos de integração do previsto no art. 15° que prevê o crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. de 23.03.2017, Proc. n.° 223/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).

No caso dos autos, considerando a “natureza dos objectos” em questão, e adoptando a maioria deste Colectivo a quo a última das aludidas posições, há que revogar a condenação dos arguidos recorrentes em relação ao crime do art. 15° da Lei n.° 17/2009.

–– Por fim, duas notas.

A primeira, para se dizer que perante o reenvio (parcial) dos autos para novo julgamento no que toca à matéria de facto que suporta a acusação dos (1° e 2ª) arguidos A e B como autores de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, afigura-se-nos que a decisão a proferir após o dito julgamento poderá vir a ter repercussão em sede da pena a aplicar em relação ao crime de “consumo ilícito de estupefacientes” em que foram os mesmos recorrentes condenados.

E, nesta conformidade, e ainda que se mantenha, porque válida e correcta, a condenação dos ditos recorrentes por tal crime, não deve o Tribunal que efectuar o novo julgamento deixar de ponderar na pena a se aplicar em face do que se vier a apurar.

A última nota, para consignar o seguinte.

Nos termos do art. 392° do C.P.P.M.:

“1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
2. Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto:

a) Por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes;
b) Pelo arguido, aproveita ao responsável civil;
c) Pelo responsável civil, aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais.
3. Em caso de comparticipação, o recurso interposto contra um dos arguidos não prejudica os demais”.

Dest’arte, o atrás decidido quanto ao crime de “detenção de utensilagem” aproveita ao (3°) co-arguido C, ficando o mesmo apenas condenado pelo crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, na pena de 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento aos recursos dos (1° e 2ª) arguidos A e B, reenviando-se o processo para novo julgamento nos exactos termos consignados, (quanto à matéria referente ao crime de “tráfico de estupefacientes”), absolvendo-se os mesmos arguidos da prática do crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, e alterando-se também a decisão de condenação do (3°) arguido C, ficando o mesmo (apenas) condenado pelo crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.

Sem tributação.

Honorários ao Exmo. Defensor do (1°) arguido A no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Outubro de 2017
José Maria Dias Azedo [Dando como reproduzido o teor da minha declaração de voto anexa ao Ac. de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 814/2017 Pág. 2

Proc. 814/2017 Pág. 1