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Processo nº 939/2017 Data: 26.10.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 939/2017
(Autos de recurso penal)
(em substituição do Dr. Choi)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B ou B1 (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 71 a 87 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 89 a 89-v).

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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“Entendemos que não deve ser reconhecida razão ao recorrente B ou B1, por não estarem preenchidos os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Por força do art.° 56 n.° 1 do Código Penal de Macau, a concessão da liberdade condicional depende da co-existência de pressupostos de natureza formal e material.
É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à vista da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídica e da paz social.
Neste sentido, a aplicação da liberdade condicional nunca é feita pela lei com carácter automático, ou seja, não é obrigatório aplicá-la mesmo estando preenchido o pressuposto formal, tendo de mostrar-se satisfeito o pressuposto material.
Apesar de o recorrente satisfazer em absoluto o pressuposto de natureza formal, tendo já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses, não vemos uma conclusão paralela em relação ao pressuposto material previsto no art.° 56 n.° 1 alíneas a) e b) do C.P.M.. Duvidamos assim da possibilidade de incompatibilidade da ordem jurídica com a concessão da liberdade antecipada.
In casu, face ao comportamento e à vida prisional do recorrente, não lhe foi merecido parecer favorável pelo Director do E.P.M., por ter em conta o seu modo de vida anterior que revela hábitos marginais.
Por outro lado, a natureza e gravidade dos actos criminais cometidos são sempre partes dos elementos de consideração que o Tribunal a quo tem de curar, quer na fase de julgamento, quer na decisão da aplicação da liberdade condicional.
Analisados os autos, o recorrente não é primário, tendo uma condenação anterior em pena suspensa, sendo que, cometeu novamente o crime de reentrada ilegal, para além dos crimes de furto qualificado e de falsificação de documento, sendo não residente de Macau, e perturbou a ordem jurídica e a paz social desta R.A.E.M..
Tendo em consideração a realidade social de Macau e a exigência da prevenção geral quanto ao tipo de crime praticado pelos imigrantes ilegais como o recorrente, bem como a influência negativa que a liberdade antecipada do recorrente viria trazer para a comunidade, nomeadamente, o prejuízo da expectativa da eficiência das leis, temos de afirmar que a concessão da liberdade condicional seria, muito provavelmente, incompatível com a ordem jurídica e a paz social.
Pelo exposto, concordando com a digna resposta do M.P. à motivação do recurso, não enxergamos uma conclusão favorável ao recorrente para lhe conceder a liberdade condicional, por não se entender que as condições em que o recorrente se encontra ecoem no disposto do art.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Concluindo, entendemos que deve ser rejeitado o recurso interposto por improcedente”; (cfr., fls. 96 a 97).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– B ou B1, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 25.02.2015, para cumprimento sucessivo de uma pena de 4 meses de prisão pela prática de 1 crime de “reentrada ilegal”, e outra de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crimes de “falsificação de documentos”, “reentrada ilegal” e “furto”; (cfr., Proc. n.° CR2-14-0220-PSM e Proc. n.° CR4-15-0099-PCC);
– em 11.09.2017, cumpriu dois terços de tais penas, expiando-as em 21.12.2018;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com os seus pais e o seus filhos, em Cantão, de onde é natural, e tenciona procurar emprego como operário da construção.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 25.02.2015, expiados estão já dois terços das penas que tem de cumprir, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.07.2017, Proc. n.° 624/2017, de 20.07.2017, Proc. n.° 670/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 794/2017).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Mostra-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, tendo presente que após a prática do crime de “reentrada ilegal”, pelo qual foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, voltou o ora recorrente a cometer novamente 3 crimes, de “falsificação de documentos”, 1 outro de “reentrada ilegal” e outro de “furto”, em pleno período de suspensão da pena, (reintroduzindo-se em Macau, poucos meses depois da anterior condenação e expulsão), alheando-se, totalmente, da oportunidade que lhe foi dada, e fazendo descaso da solene advertência que lhe foi feita, há pois que dizer que fortes são as necessidades de prevenção criminal (especial), e, nesta conformidade, viável não se mostra de considerar que verificado está o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. a) do C.P.M..

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., imperativa é a improcedência do recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 26 de Outubro de 2017
José Maria Dias Azedo

Chan Kuong Seng

Tam Hio Wa
Proc. 939/2017 Pág. 14

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