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Processo nº 829/2017 Data: 26.10.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “homicídio”.
Crime de “arma proibida”.
Crime de “violação de domicílio”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Concurso (real) de crimes.
Pena.
Cúmulo jurídico.



SUMÁRIO

1. Existe “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. Preenchendo a conduta do arguido os elementos típicos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais foi pelo T.J.B. condenado em “concurso real” – de “homicídio”, consumado e tentado, “arma proibida” e “violação de domicílio” – e verificando-se que as respectivas normas incriminadoras visam tutelar bens e valores distintos, correcta é a decisão condenatória proferida.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 829/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de:
- 1 crime de “homicídio”, p. e p. pelo art. 128° do C.P.M., na pena de 12 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio” (na forma tentada), p. e p. pelo art. 128°, 21° e 22° do C.P.M., na pena de 6 anos de prisão;
- 1 crime de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e art. 6°, n,° 1, al. b) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e,
- 1 crime de “violação de domicílio”, p. e p. pelo art. 184°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão; (cfr., fls. 478 a 488 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido recorreram o Ministério Público e o arguido.

O Ministério Público, pugnando pela aplicação de uma pena de “15 anos de prisão” para o crime de “homicídio”, e uma “pena única” de “18 anos de prisão”; (cfr., fls. 531 a 535-v).

O arguido, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “errada aplicação de direito”, pugnando pela sua absolvição quanto aos crimes de “arma proibida” e “violação de domicílio”, e pedindo a redução da pena; (cfr., fls. 540 a 564).

*

Adequadamente processados os autos, vieram os mesmos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“B, devidamente identificado nos autos, foi condenado, por acórdão de 14 de Julho de 2017, na pena de prisão de 15 anos, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: 12 anos por um crime de homicídio da previsão do artigo 128.° do Código Penal; 2 anos e 6 meses por um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 262.°, n.° 1, do Código Penal, e 1.°, n.° 1, alínea f), e 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições aprovado pelo DL 77/99/M; 4 meses por um crime de violação de domicílio, previsto e punível pelo artigo 184.°, n.° 1, do Código Penal; e 6 anos por um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 128.°, 21.°, 22.° e 67.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Inconformados com o acórdão condenatório, dele recorrem o arguido e o Ministério Público, batendo-se aquele pela diminuição da pena e pugnando o segundo pela sua agravação.
Vejamos o recurso do arguido.
Começa a motivação por pôr em causa a prática do crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido foi condenado. Sustenta, para tanto, que só estaria preenchido o tipo, de acordo com o artigo 1.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições, se não estivesse justificada a posse das facas de que o recorrente se fazia acompanhar. E acrescenta que essa posse estava justificada pois, segundo testemunho da mulher, veiculado em audiência, as facas destinavam-se a cortar pão, o que o tribunal não fez consignar em sede de matéria de facto que, assim, se mostra insuficiente para a decisão.
É óbvio que este raciocínio não pode proceder. Não basta argumentar com a apetência ou a finalidade normal e abstracta de utilização dos instrumentos previstos na alínea f) daquele artigo para afastar a posse injustificada. O que interessa é a razão ou motivo de uso que, no concreto, estão na base do seu porte. Só assim é que a estatuição normativa faz sentido. Se porventura o arguido, solicitado pelos vizinhos, se desloca a casa deles acompanhado das facas, a fim de lhas facultar para corte do pão, é evidente que a posse está justificada. Se, diversamente, como ficou demonstrado, o arguido sai da sua residência e leva consigo as facas com o específico objectivo de as usar para tirar a vida aos vizinhos, é patente a ausência de motivo, legal ou legítimo, para a posse. Nestas circunstâncias, a arma é proibida, por força dos artigos 1.°, n.° 1, alínea f), e 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições aprovado pelo DL 77/99/M, e faz incorrer o portador na punição prevista no artigo 262.°, n.° 1, do Código Penal, como bem considerou o acórdão recorrido.
Não se detecta insuficiência da matéria de facto nem a decisão padece de qualquer erro de interpretação.
Em seguida, o recorrente sustenta que há uma relação de consumpção entre os crimes de homicídio e os crimes de posse de arma proibida e de violação de domicílio. Essencialmente porque estes últimos teriam sido instrumentais e necessários à prática dos primeiros, tendo o arguido actuado dolosamente apenas no que toca aos homicídios.
Não assiste razão ao recorrente, como o Ministério Público da primeira instância já vincou na sua resposta.
São diversas, no plano da acção, as condutas em que se exteriorizam os diferentes ilícitos; instrumentalmente, as condutas em que se substanciam a detenção de arma proibida e a violação de domicílio não se apresentam como indispensáveis ao cometimento dos homicídios; há dolo, enquanto vontade de realização dos tipos, como ficou provado; e, não menos importante, são diversas as normas violadas, como diversos são os bens jurídicos atingidos: a vida, no tocante aos homicídios, a intimidade e privacidade do lar, no caso da violação de domicílio, e a segurança e tranquilidade públicas, na parte relativa à detenção de armas proibidas.
Soçobra também este argumento do recurso.
Finalmente, o arguido insurge-se contra as penas concretas aplicadas pelos crimes de homicídio, reputando-as excessivas e dizendo que não estão suficientemente justificadas, alvitrando que o acórdão incorreu em violação das normas dos artigos 355.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, e 40.° e 65.° do Código Penal.
Não cremos que, também aqui, lhe assista razão na pretensão de redução das penas. Veremos adiante, a propósito do recurso do Ministério Público, se porventura se justifica um agravamento.
Temos por certo que o acórdão não enferma de falta de fundamentação, o que, a suceder, acarretaria a sua nulidade nos termos do artigo 360.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Como se vê do acórdão, com tradução para língua portuguesa a fls. 604 e seguintes, estão enumerados os factos provados e os factos não provados, estão explanadas as razões fácticas e de direito do decidido, há referência às provas que pesaram na decisão, afigurando-se suficientemente explicitada a forma como o tribunal formou a sua convicção e os motivos da integração da conduta nos tipos de ilícito pelos quais o recorrente veio a ser condenado, o que, à luz do artigo 355.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, exclui a apontada falta de fundamentação.
No mais, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o tribunal, tomando como pano de fundo as exigências de prevenção e a barreira da culpa, ponderou os aspectos que importava considerar na individualização das penas dentro da moldura abstracta, abordando a ilicitude, o dolo, o impacto negativo para a paz social e o desvalor representado pelos atentados à vida, a falta de confissão, não tendo deixado de considerar igualmente a ausência de antecedentes criminais, a débil condição pessoal e financeira, bem como o arrependimento do arguido pelas consequências da sua conduta.
Perante tal análise, considerando que as penas que vêm questionadas se situaram no patamar inferior das respectivas molduras, uma delas, aliás, bastante próxima do mínimo legal, e tendo presente a jurisprudência adoptada nos tribunais de Macau para casos similares, é manifesta a improcedência da pretensão de redução de tais penas.
Soçobram, pois, todos os fundamentos em que se estriba o recurso do arguido.
Passemos agora ao recurso do Ministério Público.
O arguido estava acusado de crimes de homicídio qualificado, por alegadamente ter actuado movido por motivo fútil. Esta qualificativa não resultou provada, pelo que a punição se operou nos moldes do tipo-base.
No seu recurso o Ministério Público não contesta esta alteração, mas entende que a pena de 12 anos aplicada pelo crime de homicídio simples consumado se revela algo branda, contrapondo uma pena de 15 anos de prisão. Para tanto, argumenta essencialmente com a reflexão sobre os meios empregados e com a crueldade manifestada nos insistentes actos de esfaqueamento.
Crê-se que a matéria dada como provada e a explicitação dos elementos probatórios que conduziram ao veredicto de facto permite concluir pela aventada reflexão sobre os meios. O arguido não actuou num assomo de fúria e não se limitou a ir repentinamente a casa buscar uma faca para agredir letalmente as vítimas. Enquanto, em casa, ia observando, pela câmara de vigilância, o que se passava no exterior da entrada da sua residência, foi-se munindo de duas facas. Facas que ostentavam lâminas de 19,5 cm de comprimento, com gume serrilhado. Colocou as facas na cintura e foi expressando sorrisos estranhos. Esta actuação do arguido prenunciava de tal forma uma tragédia que a mulher inquiriu-o sobre o destino das facas e telefonou para a polícia. Neste quadro, afigura-se que a escolha das facas – duas facas e com lâminas de comprimento considerável – como meio de executar os homicídios foi objecto de ponderação em termos que configuram um acto de reflexão sobre os meios a empregar.
É também certo que se verificou uma notória insistência na consumação dos crimes, mediante o desferimento de múltiplos golpes. O que, todavia, não relevará tanto como acto de crueldade – entendido este como inflicção de sofrimento gratuito e desnecessário ao objectivo tido em vista, a morte – mas que constitui, indubitavelmente, um indicador da extrema intensidade do dolo.
Trata-se de circunstâncias que, não podendo interferir ao nível da moldura abstracta, podem e devem ser valoradas na fixação concreta da pena, inculcando o seu agravamento, já que apontam para uma especialmente alta graduação da ilicitude e para uma enorme intensidade do dolo. O tribunal considerou que o facto foi praticado com elevada ilicitude e com dolo directo. Estamos em crer que a especialmente elevada ilicitude de que falámos, bem como a grande intensidade do dolo a que aludimos, justificam o agravamento da pena aplicada pelo crime de homicídio consumado, para os 14, ou mesmo para os 15 anos sugeridos na motivação do recurso do Ministério Público, com a inerente repercussão no cúmulo jurídico das penas.
Daí que nos pronunciemos pela procedência dos fundamentos do recurso do Ministério Público.
Nos termos expostos, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso do arguido e concedido provimento ao recurso do Ministério Público”; (cfr., fls. 711 a 714).

*

Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 480 a 481-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Dois são os recursos trazidos a este T.S.I., sendo recorrentes o Ministério Público e o arguido.

–– Ponderando nas questões colocadas, mostra-se de começar pelo “recurso do arguido”, e, no âmbito deste, pela assacada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (pois que sem uma boa decisão da matéria de facto inviável é uma adequada decisão de direito).

Vejamos.

Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 164/2017, de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 494/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como recentemente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

Motivos não havendo para se alterar o assim entendido e considerado, visto está que inexiste qualquer “insuficiência”.

Com efeito, o Tribunal a quo investigou e emitiu expressa pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada e identificando a que não se provou, não deixando de justificar esta sua decisão em termos que não merece censura, (constatando-se, como se irá consignar, que a matéria de facto dada como provada é absolutamente suficiente para uma boa “aplicação do direito”), mais não se justificando dizer sobre a questão, sendo apenas de consignar que a mesma se nos apresenta a solução para o também pelo arguido imputado vício de “errada aplicação de direito”, (no que diz respeito à sua condenação pela prática, em concurso real com os de “homicídio consumado” e “tentado” de 1 crime de “arma proibida”, e 1 outro de “violação de domicílio”).

Com efeito, e como bem se nota do douto Parecer do Ministério Público, (que aqui, por uma questão de economia processual se dá como reproduzido), a conduta do arguido preenche todos os elementos típicos objectivos e subjectivos dos 4 crimes pelos quais foi condenado, e, verificando-se que as respectivas normas incriminadoras visam tutelar bens e valores distintos, motivos não há para se considerar que incorreu o Tribunal a quo no imputado “erro na aplicação do direito”, sendo pois de se confirmar o decidido.

–– Aqui chegados, e constatada a (manifesta) improcedência do recurso do arguido em relação à “decisão da matéria de facto” e da sua “qualificação jurídico-penal”, vejamos das questões colocadas em relação às “penas”, apreciando-se também o recurso do Ministério Público em que se suscitam idênticas questões.

Pois bem, nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Em matéria de “pena”, temos também considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017, de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente decidiu a Relação de Lisboa, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16, podendo-se, sobre a questão, ver também o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16, onde se consignou que “O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”).

Dito isto, atenta a factualidade provada, que demonstra ter o arguido agido com dolo directo e intenso, muito elevado sendo o grau de ilicitude da sua conduta e muito graves sendo as suas consequências, atentas as respectivas molduras penais para os crimes cometidos e a necessidade da sua prevenção criminal, evidente se nos apresenta que (totalmente) inviável é qualquer “redução das penas (parcelares)” como pretendido é pelo arguido, sendo mesmo de as considerar algo benevolentes.

*

E, assim, motivos não havendo para qualquer redução, vejamos se, como pretende o Ministério Público, deve a pena para o crime de “homicídio” (consumado) ser objecto de agravamento (de 12 anos) para uma pena de 15 anos de prisão.

Pois bem, ao crime de “homicídio” em questão cabe a pena de 10 a 20 anos de prisão; (cfr., art. 128° do C.P.M.).

E, considerando que em relação a tal crime fixou o Tribunal a quo a pena (parcelar) de 12 anos de prisão, cremos que, em parte, tem o Exmo. Recorrente razão.

De facto, com a excepção de ser “primário”, não se vislumbra qualquer outra circunstância favorável ao arguido.

Por sua vez, atenta a restante factualidade, e como se referiu, ao dolo directo e intenso, ao elevado grau de ilicitude, às fortes necessidades de prevenção criminal especial e geral, e tendo presente a referida moldura penal, cremos que mais justa e adequada é a pena de 14 anos de prisão, mais próxima do meio da pena.

Resolvida que também ficou esta questão, continuemos.

Quanto à “pena única” resultado do “cúmulo jurídico”, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.11.2013, Proc. n.° 695/2013, de 03.04.2014, Proc. n.° 178/2014 e de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017).

Atento ao que até aqui se deixou exposto, e certo sendo que, agora, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 14 anos” e um “limite máximo de 22 anos e 10 meses de prisão”, mais justa e equilibrada se nos apresenta uma pena única de 16 anos e 4 meses de prisão.

Posto isto, procede parcialmente o recurso do Ministério Público.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso do arguido, concedendo parcial provimento ao recurso do Ministério Público, ficando o arguido condenado na pena de 14 anos de prisão pela sua prática de 1 crime de “homicídio”, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos e 4 meses de prisão.

Pelo decaimento pagará o arguido a taxa de justiça de 8 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 26 de Outubro de 2017

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 829/2017 Pág. 24

Proc. 829/2017 Pág. 1