Processo nº 52/2016
Data do Acórdão: 12OUT2017
Assuntos:
Registo da marca
Imitação e reprodução da marca
Concorrência desleal
SUMÁRIO
1. Por força dos princípios da prioridade e da especialidade e face ao disposto nos artºs 214º/2-b) e 215º/1 do RJPI, para funcionar como fundamento de recusa do registo de uma marca considerada, no todo ou em parte, reproduzida ou imitada de uma outra, é preciso que esta última tenha sido anteriormente registada e se destina a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços a que se destina a marca registanda.
2. Se o registo de uma marca registanda não puder ser recusado com fundamento na imitação ou reprodução, total ou parcial de uma outra marca anteriormente registada a favor de outrem, então o uso da marca registanda pelo seu requerente no exercício da concorrência não é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração da reputação alheia, pelo que a concorrência na disputa de clientela através do uso da marca registanda não poderá ser considerada desleal por ser insusceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica, designadamente por actos de confusão ou parasitários.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 52/2016
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos do recurso jurisdicional na matéria de propriedade industrial, registado sob o nº CV3-14-0052-CRJ, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
A Laboratories, sociedade comercial com sede…,
inconformada com a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que deferiu o registo da marca N/75356 e requerida por B S.A., com sede social em…,
vem dela interpor recurso.
Apresenta as seguintes conclusões:
- Existe imitação de marca anterior, as marcas são semelhantes do ponto de vista fonético, gráfico e conceptual e os produtos são afins, visando satisfazer as mesmas necessidades e têm o mesmo público-alvo, verificando-se os três fundamentos cumulativos de recusa de marca constantes do art. 214º n.º 2 al. b) aplicável ex vi art. 215º do RJPI;
- O uso e registo da marca “…” configura a prática de actos de concorrência desleal nos termos do art. 9º n.º 1 al. c) do RJPI.
Foi citado a Direcção dos Serviços de Economia nos termos do artº278º do RJPI e na sequência do que pugnou pela legalidade da respectiva decisão.
Foi também citado a requerente do citado registo e cujo concessão é ora impugnado, pugnando pela manutenção da decisão por considerar que não existe qualquer imitação.
II - SANEAMENTO
O recurso é tempestivo e legal.
O Tribunal é competente em razão da matéria, territorial e hierarquia.
O processo é o próprio.
As partes têm legitimidade e são dotados de personalidade e capacidade judiciária.
Não existem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
III - MOTIVAÇÃO
A. DE FACTO
- A Recorrente é titular do registo das marcas n.º P/12468 …e
P/12555 …, a primeira registada desde 7 de Julho de 1994 e a segunda desde 26 de Janeiro de 1993, ambas para a classe 5º
-Por despacho publicado no Boletim Oficial de 20 de Agosto de 2014 a DSE concedeu à parte contrária a marca com o n.º N/75356 … e para a classe 5ª, entendo não se verificar a previsão vertida no artº214 nº2, al.b e 215 nº1 al.c) do RJPI
- A Recorrente é conhecida por se dedicar à nutrição pediátrica e médica há mais de 100 anos, sendo uma das empresas de produtos médicos de maior reputação, líder na investigação, desenvolvimento e produção de produtos de cuidados médicos.
- A Recorrente iniciou a sua expansão internacional no início de Século XX, quando a A abriu o seu primeiro escritório em Londres, e, em 1962, já tinha chegado a países como o Canadá, Itália e França, como formou uma joint venture com a empresa nipónica C Pharmaceutical Co., Ltd., para a produção de rádio-fármacos.
- A Recorrente é uma das empresas farmacêuticas mais importante em todo o mundo na área da pesquisa, produção, investigação, desenvolvimento e comercialização de produtos farmacêuticos, médicos e nutricionais.
- No âmbito da indústria farmacêutica a Recorrente dedica-se, entre outras áreas, à oncologia, anestesia, neurociência sendo que, relativamente aos produtos médicos se foca, exemplificando, na hematologia e saúde dos animais e, quanto à nutrição, opera no âmbito da nutrição pediátrica e médica, sendo “...” e “...” alguns dos produtos comercializados pela mesma.
- Actualmente a Recorrente faz chegar os seus produtos a mais de 130 países e territórios, tais como o Egipto, as Filipinas, a Alemanha, a República Popular da China, Hong Kong, Macau, estando cotada na Bolsa de Nova Iorque e empregando mais de 50.000 pessoas em todo o mundo.
B. DE DIREITO
Louva-se a recorrente no disposto do artº214º nº2 al.b) e 215 do RJPI, para fundar a sua pretensão de ver alterada a decisão de concessão da marca N/75356 (classe 5ª) e no confronto com as suas marcas, anteriormente registadas, nº P/12468 …e P/12555 ….
Vejamos então, tendo presente que estão materializadas no seguinte as marcas em confronto:
B S.A - … (vs) … e …- A Laboratories
Dispõe o artº197 do referido RJPI que “só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números (….), que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Emerge deste enunciado legal, pois, que a marca deve, utilizando a expressão de Couto Gonçalves, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevante capacidade distintiva, deve, pois, ser idónea per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços – Cfr. Manual de Direito Industrial, 4º Ed., p.199.
Está função distintiva é, consabidamente, primordial da marca, sendo aqueloutras duas funções que a doutrina discute, função qualidade e publicitária, meramente complementares.
Na marca concedida esta capacidade distintiva não está em causa, “longe disso”.
O que está em causa é a circunstância de, na visão da recorrente, a marca registanda se “aproximar”, na sua conformação, excessivamente das marcas registadas previamente sob n.º P/12468 …e P/12555 …, a primeira registada desde 7 de Julho de 1994 e a segunda desde 26 de Janeiro de 1993, ambas para a classe 5º, por conseguinte colocando em “crise” o princípio da novidade ou da exclusividade.
Este princípio corresponde, na expressão esclarecida de Pupo Correia, o mais importante e complexo requisito legal quanto à constituição das marcas, impondo, numa formulação positiva, “que a marca seja nova, i.e., que não constitua “reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante”. - Cfr. A. cit. in Direito Comercial, 10ª Ed., Ediforum, p.347
Como emerge do referido, pressuposto da recusa, além da reprodução ou imitação (….) de uma outra marca e da sintonia dos produtos que ambas visam salvaguardar (as registadas e registandas), é que exista registo anterior.
No caso vertente, os dois últimos requisitos estão observados, não se impondo a propósito qualquer especulação.
Quanto ao primeiro, denodadamente, diremos que, na nossa óptica, estamos efectivamente perante uma situação subsumível no artº214ºnº2 al.b) e 215 do RJPI.
A contrafacção ou reprodução em sentido estrito, como parece claro, corresponde a uma cópia fiel, integral, isto é, o uso da marca anteriormente registada sem qualquer modificação – Cfr. A. e loc. cit. .
No caso é evidente que não estamos perante cópia fiel de marcas anteriormente registadas, bastando para tal o confronto das mesmas.
Estaremos perante uma imitação de marcas anteriormente registadas?
A imitação corresponde à “adopção de uma marca confundível com outra. Por conseguinte, a imitação não é identidade, antes supõe a existência de elementos comuns e outros diferentes” - Cfr. A. e loc. cit.
Pela clareza de raciocínio não podemos deixar de continuar a transcrever aquele citado e Il. Professor da Universidade Lusíada e quanto à forma de aferir a existência de imitação de uma marca por outra, se é ou não confundível com outra anteriormente registada.
Refere que “(…) o legislador consagra dois critérios: um subjectivo e outro objectivo”.
Quanto ao segundo está o mesmo consagrado no artº215ºnº2 do RJIP e consubstancia uma presunção relativa de imitação: “considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada (….)”:
Nestes casos “é desnecessária a verificação da possibilidade psicológica de indução em erro, nos termos do critério subjectivo”.
Quanto ao primeiro está o mesmo consagrado, no nosso ordenamento, na al.c) do nº1 do artº215 do RJPI: “haverá violação do princípio da novidade quer as duas marcas se confundam quando postas em confronto, quer suceda que, estando apenas à vista a marca a constituir (a mais moderna), se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra ou associada com outra de que se tenha conhecimento, a menos que o observador proceda a um exame atento ou confronto. Considera-se imitada a marca que for tão parecida com outra, que o consumidor só as possa distinguir depois de exame atento ou confronto de uma com a outra”.
Adianta ainda que “Esta formulação normativa harmoniza-se perfeitamente com a concepção de BÉDARRIDE, largamente acolhida pela doutrina e a jurisprudência, segundo a qual: “a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente”.
Deste modo, se a semelhança de conjunto, entre a marca anterior protegida e a mais recente, sem consideração dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade de confusão, pela fácil indução em erro do consumidor, haverá imitação da primeira pela segunda”. Cfr. A. e op. cit. pag.348
Em face disso que conclusão retirar em relação às marcas conflituantes? Haverá ou não imitação das registadas pela registanda?
Cremos que a questão, em rigor, não se pode colocar, à luz do referido critério objectivo, isto apesar das marcas em causa poderem ser, talvez, enquadradas ou qualificadas como de fantasia e na medida que são compostas por sinais sem significado próprio, cujo objectivo é apenas a sonoridade que resulta de uma determinada combinação de letras, fruto da imaginação e destituída de correspondência na realidade, sem significado imediato para o consumidor de Macau (que em regra apenas conhece a língua chinesa).
Dissemos talvez porque há uma componente (que é comum nas marcas em concurso), ou seja, a expressão LAC, que pode induzir, para quem conheça o significado, a sua ligação com produtos derivados do leite.
O problema tem, cremos nós, de se resolvido à luz do critério subjectivo.
Não nos cansamos de o dizer: é verdade que, em termos dogmáticos estão os conceitos, a propósito necessários, convenientemente definidos e “arrumados”. O problema é a concretização dos mesmos nos casos da vida real.
É mesmo esta a grande e difícil tarefa que se nos depara sistematicamente, quer pela fluidez dos conceitos e princípios jurídicos onde nos devemos aportar (que estão estratificados, não há dúvida), quer pela grande componente subjectiva que envolve esta substancial apreciação: em situações de fronteira nunca estaremos preparados para afirmar peremptoriamente que é indubitável que há imitação ou não.
Não obstante estamos proibidos de operar o non liquet.
Dizer então o quê?
Dizer que na apreciação global das marcas concorrentes, na nossa óptica, a confundibilidade existe. E aceitando que pode não ser patente, pelo menos “chegaremos” a essa conclusão com recurso ao competente juízo valorativo quanto à susceptibilidade da marca registanda ser tomada pelas marcas registadas da recorrente ou associada com elas.- Cfr. Ac TJ de 11/11/97, C-251/95, no sentido de que “o risco de associação não é uma alternativa ao conceito de risco de confusão mas serve para definir o alcance deste”
Note-se, como se referiu e se reafirma, a “questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente.”
Se olharmos, com a visão do consumidor normal dos produtos assinalados pelas marcas em confronto, para o respectivo conteúdo essencial, ou seja, o que de estrutural as constitui, facilmente detectamos as semelhanças, nomeada e relevantemente (mas não só) do ponto de vista fonético. De resto, ambas as figuras estão também estruturadamente construídas de forma muito similar em termos gráficos, patenteando igual proximidade semântica.
Adiante-se que em face de casos como o que nos prende percebemos qual é o “coração” das marcas concorrentes (LAC), e desse, digamos, elemento mais destacado, nos apercebemos até pelo som do seu pronunciamento e enfoque fonético que dele emerge face ao demais.
Se é certo que é esse elemento mais relevante, que no seu efeito fonético e ou visual/gráfico se destaca (e esse é igual nas marcas concorrentes, não é menos certo que os restantes componentes, também em si próximos, … vs … (tanto mais quanto apreciados na inserção global das marcas), não permitem anular o destaque referido. Pelo contrário, potenciam-no, nessa medida a confundibilidade: basta ouvir o som do pronunciamento das marcas em causa na sua totalidade, quase anulando a primeira parte das marcas.
Note-se que o risco de confusão a que alude o artº215º nº1 al.c) do RJPI, como é consabido e já o referimos, deve ser entendido em sentido lato de forma a incluir, quer o risco de confusão em sentido rigoroso, quer o risco de associação, ou seja, mesmo nas situações em que o consumidor não é induzido a tomar uma marca por outra, bastando que ele, ainda que distinga os sinais, liga uma a outra e, em consequência um produto ao outro. Como refere Coutinho de Abreu, “crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos” – A. e op. cit., pag.376.
Como adjuvante desta conclusão, diremos ainda, não ser exigível na ponderação comparativa que se imponha, utilizando o critério do consumidor médio, que se confronte as marcas, e por, em regra, o consumidor não o poder fazer. Releva o que retém de memória da marca prioritária e no momento da compra de um produto determinado como uma “nova” marca – Cfr. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, V.I, 1973, p.329
Acresce que a “a indução do consumidor em erro ou confusão” é tanto maior quanto maior for o relevo da marca “copiada”, facto que se deve reconhecer às marcas da recorrente, facto que ninguém, de boa fé, pode por em causa em face da sua notória dimensão internacional, qualidade e antiguidade, etc….
Aceitando com toda a naturalidade que a nossa decisão seja posta em crise, não aceitamos, todavia, e em boa consciência, decidir noutro sentido que não o reconhecimento da imitação, assim afrouxando a tutela das marcas já existentes neste mercado e que vemos, sistematicamente, serem “usurpadas”. Veja-se o exemplo dado pela parte contrária: HUGO BOSS vs BUGO BOSS ?????
Cremos, pois, que decidiremos com acerto se revogarmos a douta decisão da DSE, substituindo-a por outra que recuse o registo da marca registanda.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto pela A Laboratories, revogando a decisão recorrida e determinando-se que seja recusado do registo da marca o n.º N/75356 ….
Custas a cargo da parte contrária.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art.283º do RJPI.
Não se conformando com o decidido, vem B S.A., Requerente da marca registanda recorrer para este TSI e motivar o seu recurso concluindo e pedindo que:
A. O presente recurso visa impugnar a sentença proferida pelo Tribunal a quo que revogou o despacho da DSE que concedera o registo da Marca N/75356 à, agora, Recorrente;
B. Salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o Meritíssimo Juiz a quo.
C. Concluindo que havia confundibilidade entre as marcas registadas da, agora A, e a marca registanda, da B;
D. O Meritíssimo Juiz a quo tão lesto em reconhecer a dimensão internacional da, ora, recorrida esqueceu-se, ou não deu nenhuma importância, da história da, ora, Recorrente;
E. Que, pura e simplesmente olvidou 83 anos da vida da, ora, Recorrente, não considerando nenhum destes factos provados;
F. A B não tem nada que invejar à reputação dos Laboratórios A, embora, o Meritíssimo Juiz a quo não o reconheça;
G. Foi com base nas marcas "..." e "...", registadas na classe 5.ª, que o Meritíssimo Juiz a quo julgou haver confundibilidade a marca "…", da Recorrente;
H. Contrariando o entendimento da DSE, que quando conferiu o registo à, ora, Recorrente, entendeu, e bem, que não estava preenchido o terceiro requisito, do Art. 215.º n.º 1 al. c) do RJPI, para que se verificasse imitação de Marca, concedendo o registo da Marca N/75356 à B;
I. Tal como a DSE, entendemos que não está preenchida a alínea c) do Art. 215.º do RJPI;
J. Ou seja, apenas a utilização do sufixo "lac" é semelhante;
K. Não havendo quaisquer outras semelhanças entre as marcas da B e da Recorrida;
L. Pelo que não se alcança de que maneira uma e outra Marca pode causar confusão no consumidor;
M. Basta atentarmos com atenção ao relatório elaborado pela DSE, ao qual o Meritíssimo Juiz a quo não prestou a devida atenção, para concluirmos que não há risco de confusão;
N. Tal como exige o Art. 215.º n.º 1 al. c) do RJPI, devemos fazer uma comparação, não só nominativa das Marcas, mas também essa, como a análise gráfica, figurativa e fonética;
O. O que o Meritíssimo Juiz a quo não fez;
P. Assim, em relação à marca P/12555 "..." não há qualquer semelhança;
Q. Pois, esta é composta por duas palavras, escritas em 13 letras maiúsculas, enquanto, a marca da B é "...", uma única palavra, de 7 letras, em que apenas o "S" é maiúsculo;
R. Em relação à marca P/12468 "..." que é composta por 7 letras do alfabeto em maiúsculas, para além do sufixo "…", que diz respeito a produtos com leite, nada mais é semelhante;
S. E mesmo em relação ao sufixo "…", sublinha-se a diferença entre "…" e "…" ;
T. As marcas, em confronto, são diferentes tanto no significado, como, na sua figura geral;
U. Ora, se excluirmos o sufixo "…", que, claramente se refere a produtos com leite, claramente percebemos não haver outra semelhança;
V. Também no aspecto fonético as marcas em confronto não são semelhantes;
W. No aspecto fonético, excepto parte "…", não há semelhança fonética entre as restantes partes das duas marcas;
X. Pelo que, de um modo geral, há distinção gráfica e fonética evidente entre as duas marcas e estas não são idênticas;
Y. Não havendo qualquer imitação da Marca P/12468, como nunca haveria imitação da P /12555;
Z. Ora, o Meritíssimo Juiz a quo ao furtar-se a este exame objetivo, salvo o devido respeito andou mal;
AA. Mas mesmo que se considerasse haver semelhança gráfica ou fonética, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, não constitui reprodução ou imitação de marca registada, nem preenche o 3.º requisito, quando não for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada;
BB. É assim para a DSE, como tem sido assim julgado pelos tribunais de Macau;
CC. Por exemplo nas marcas … e … ou … e …;
DD. Também andou mal o Meritíssimo Juiz a quo quando conclui que: "a indução do consumidor em erro ou confusão é tanto maior quanto maior for o relevo da marca copiada ... ";
EE. Não foi produzida qualquer prova do relevo da marca copiada;
FF. Nem dos factos provados consta tal facto;
GG. O que consta dos factos provados é a história dos Laboratórios A, nenhuma sobre o relevo das marcas ... e ...;
HH. Nem nenhum produto comercializado em Macau ou noutro país qualquer sob essas mesmas marcas;
II. Embora as marcas registadas pela, ora, recorrida, e a registanda da Recorrente estejam registadas todas na mesma classe 5.ª, cumpria ao Meritíssimo Juiz a quo distingui-las quanto aos produtos a que dizem respeito;
JJ. O que não fez;
KK. Afastada que está da comparação a P/12555 "..." constatamos que a P/12468 "...", está registada para assinalar, apenas "Alimentos para bebés";
LL. Enquanto a marca da B "..." foi registada, na classe 5.ª para uma muito mais vasta lista de produtos: "Preparações médicas e veterinárias, preparações sanitárias para uso médico, alimentação hospitalar, alimentos para bebés, gesso, material para enchimento de buraco nos dentes, e material do molde dental, desinfectantes, fungicidas, herbicidas.";
MM. Ora, afins não quer dizer o mesmo tipo de produtos, nem assim se pode concluir;
NN. Não havendo qualquer risco de confusão,
OO. Nem afinidade entre preparações médicas e veterinárias e alimentação para bebés.
PP. Nem entre preparações sanitárias para uso médico e alimentação para bebés;
QQ. Nem entre alimentação hospitalar e alimentação para bebés;
RR. Nem entre gesso e alimentação para bebés;
SS. Nem entre material para enchimento de buracos nos dentes e alimentação para bebés;
TT. Nem entre material do molde dental e alimentação para bebés;
UU. Nem entre desinfectantes e alimentação para bebés;
VV. Nem entre fungicidas e alimentação para bebés; WW. Nem entre herbicidas e alimentação para bebés;
XX. Quando são estes os produtos, na mesma classe 5.ª que estão em confronto;
YY. Dúvidas não restam que a coexistência das marcas da Recorrente e da recorrida no mercado não induz o consumidor em erro ou confusão, nem compreende qualquer risco de associação de uma à outra;
ZZ. Veja-se a este propósito o Ac. do S.T.J., no processo n.º 3968/02 - 7.ª Secção, de 08-05-2003, e, ainda, o Ac. do TSI proferido no proc. 582/2013, em 23/10/2013;
AAA. Por todas estas razões não nos parece ser merecedor de censura o despacho da D.S.E., não colhendo a nossa aquiescência a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo;
BBB. Que, não aplicou a Lei, seguindo os critérios da doutrina e da jurisprudência dos tribunais de Macau e Portugal, ao contrário da DSE;
CCC. O Tribunal a quo violou os Arts. 214.º n.º 2 al. b) e 215.º n.º 1 al. c), 215.º n.º 2 e ainda o 219.º n.º 1, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Termos em que,
sempre com o douto suprimento de V.Ex.ª, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença que revogou o despacho da DSE, concedendo, dessa forma, o registo da Marca N/75356 à B, S.A.
Fazendo-se
assim a costumada
JUSTIÇA!
Notificadas a Direcção dos Serviços de Economia e A Laboratories, ora recorrida, da interposição do recurso e das motivações do recurso, veio apenas esta última a responder pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 337 a 362 dos p. autos.
II
Colhidos os vistos e antes de o recurso submetido ao julgamento em conferência, foram juntos pela ora recorrida vários documentos aos autos.
Todavia, por mais supervenientes que sejam, os tais documentos não podem ser admitidos face ao disposto no artº 616º/2 do CPC, à luz do qual “os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes”.
Portanto, devem ser desentranhados e devolvidos a quem juntou.
Decidido o incidente da junção tardia de documentos, cumpre conhecer o recurso.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do disposto no artº 282º do RJPI, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória podem ser reduzida à questão de saber se ocorre in casu o fundamento de recusa do registo da marca registanda, ou seja, se a marca registanda contem reprodução ou imitação parcial das marcas anteriormente já registadas pertencentes à ora recorrida, face ao disposto nos artºs 214º/2-b) e 215º do RJPI e em caso afirmativo, se, ao tentar registar a tal marca, a requerente B pretende fazer concorrência desleal ou pelo menos se esta é possível independentemente da intenção da requerente B.
Assim, passemos a debruçar-nos sobre a primeira questão levantada.
Face ao disposto nos artºs 214º/2-b) e 215º/1 do RJPI, para funcionar como fundamento de recusa do registo de uma marca considerada, no todo ou em parte, reproduzida ou imitada de uma outra, é preciso que esta última tenha sido anteriormente registada e se destina a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços a que se destina a marca registanda.
É o que impõem os princípios da prioridade e da especialidade.
Como se vê na sentença recorrida, o Tribunal a quo já concluiu pela verificação da prioridade e da especialidade, conclusão essa que não foi posta em crise em sede do presente recurso.
Assim, está apenas em causa a questão de saber se, quando confrontada a marca registanda com as marcas registadas pertencentes à ora recorrida A, existe a tal semelhança que impõe a recusa do registo da marca registanda.
A propósito de conceito de marca, o Prof. Ferrer Correia ensina que se trata de um sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias e a permitir a diferenciação de outros da mesma espécie e que a marca é um sinal distintivo de mercadorias ou produtos – in Lições de Direito Comercial, Vol. I, 312 a 313.
Quanto à constituição de marcas, diz o mesmo Mestre que “Os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão-de constituir a marca. Prevalece aqui em grande escala a imaginação e a fantasia. A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos (marca nominativa), figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática), ou por uma e outra coisa conjuntamente (marca mista ……)” – ibidem, 321 a 322.
In casu, a marca registanda é uma marca nominativa e consiste em:
...
Por sua vez, as duas marcas registadas pertencentes à ora recorrida são marca nominativa, e consistem em:
…
…
Sinteticamente falando, para a Direcção dos Serviços de Economia, em confronto visual, fonético e conceptual, a marca registanda não constitui reprodução das marcas registadas da ora recorrida – vide a informação sobre a qual foi proferido o despacho da DSE que concedeu o registo à ora recorrente.
Ao passo que na óptica do Exmº Juiz a quo:
Se olharmos, com a visão do consumidor normal dos produtos assinalados pelas marcas em confronto, para o respectivo conteúdo essencial, ou seja, o que de estrutural as constitui, facilmente detectamos as semelhanças, nomeada e relevantemente (mas não só) do ponto de vista fonético. De resto, ambas as figuras estão também estruturadamente construídas de forma muito similar em termos gráficos, patenteando igual proximidade semântica.
Adiante-se que em face de casos como o que nos prende percebemos qual é o “coração” das marcas concorrentes (LAC), e desse, digamos, elemento mais destacado, nos apercebemos até pelo som do seu pronunciamento e enfoque fonético que dele emerge face ao demais.
Se é certo que é esse elemento mais relevante, que no seu efeito fonético e ou visual/gráfico se destaca (e esse é igual nas marcas concorrentes, não é menos certo que os restantes componentes, também em si próximos, … vs … (tanto mais quanto apreciados na inserção global das marcas), não permitem anular o destaque referido. Pelo contrário, potenciam-no, nessa medida a confundibilidade: basta ouvir o som do pronunciamento das marcas em causa na sua totalidade, quase anulando a primeira parte das marcas.
Note-se que o risco de confusão a que alude o artº215º nº1 al.c) do RJPI, como é consabido e já o referimos, deve ser entendido em sentido lato de forma a incluir, quer o risco de confusão em sentido rigoroso, quer o risco de associação, ou seja, mesmo nas situações em que o consumidor não é induzido a tomar uma marca por outra, bastando que ele, ainda que distinga os sinais, liga uma a outra e, em consequência um produto ao outro. Como refere Coutinho de Abreu, “crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos” – A. e op. cit., pag.376.
Como adjuvante desta conclusão, diremos ainda, não ser exigível na ponderação comparativa que se imponha, utilizando o critério do consumidor médio, que se confronte as marcas, e por, em regra, o consumidor não o poder fazer. Releva o que retém de memória da marca prioritária e no momento da compra de um produto determinado como uma “nova” marca – Cfr. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, V.I, 1973, p.329
Acresce que a “a indução do consumidor em erro ou confusão” é tanto maior quanto maior for o relevo da marca “copiada”, facto que se deve reconhecer às marcas da recorrente, facto que ninguém, de boa fé, pode por em causa em face da sua notória dimensão internacional, qualidade e antiguidade, etc….
Aceitando com toda a naturalidade que a nossa decisão seja posta em crise, não aceitamos, todavia, e em boa consciência, decidir noutro sentido que não o reconhecimento da imitação, assim afrouxando a tutela das marcas já existentes neste mercado e que vemos, sistematicamente, serem “usurpadas”.
Salvo o devido respeito, não sufragamos este entendimento.
Ora, a fim de se averiguar se uma marca é reprodução de uma outra já registada, é preciso que o grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente seja definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado – ibidem, pág. 329.
In casu, postas em confronto a marca registanda da ora recorrente e as registadas da ora recorrida, verificamos que apesar de todas elas terem uma parte integrante nominativa comum que consiste … ou …, cujo significado é o derivado do leite, o certo é que a marca registanda ..., quando considerada no seu todo, se apresente bem diferente, quer fonética quer figurativamente, das marcas registadas da ora recorrida, que consistem em ... e ....
Para nós, quando colocados na posição de um consumidor médio, não parece ser confundível a expressão ou palavra ... com a expressão ou palavra ..., muito menos com ....
Contra esse entendimento não se pode argumentar que existindo em todas as marcas conflituantes uma parte componente comum, que é … ou …, as marcas já se tornariam confundíveis.
Pois a entender assim, já não seriam identificáveis pelos seus nomes as pessoas que têm o mesmo apelido.
Quanto à questão da eventual concorrência desleal, cabe dizer apenas que, não havendo usurpação da marca, se torna desnecessária a apreciação dessa questão.
Pois, apesar de, face ao disposto no artº 1º do RJPI, a propriedade industrial, incluindo a marca, desempenhar a função social de garantir a lealdade de concorrência através da atribuição de direitos privativos ai regulados, o certo é que, no âmbito do RJPI, essa função social é alcançada através da tutela do direito de utilizar de forma exclusiva sinais distintivos dos produtos ou serviços.
Assim, se o registo de uma marca registanda não puder ser recusado com fundamento na imitação ou reprodução, total ou parcial de uma outra marca anteriormente registada a favor de outrem, então o uso da marca registanda pelo seu requerente no exercício da concorrência não é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração da reputação alheia, pelo que a concorrência na disputa de clientela através do uso da marca registanda não poderá ser considerada desleal por ser insusceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica, designadamente por actos de confusão ou parasitários.
E a eventual existência dos actos de concorrência desleal por parte do seu requerente não é devida à ofensa ou prejuízo da propriedade industrial, e naturalmente não pode ser sancionada no âmbito do instituto de propriedade industrial.
Assim sendo, in casu não é possível a concorrência desleal mediante o uso instrumental por parte da requerente B, de uma marca, que por razões que vimos supra, não constitui a reprodução ou imitação das marcas anteriormente registadas e pertencentes a ora recorrida A, uma vez que a tal marca registanda não tem a virtualidade de induzir o consumidor em erro ou confusão, nem constitui o risco de associação com as marcas registadas da A.
Inexistindo a usurpação das marcas registadas, de que é titular a ora recorrida, a garantia da lealdade da concorrência não é fundamento para a recusa do registo da marca registanda.
Pelo que fica supra dito, deve, consequentemente e face ao disposto nos artºs 214º/2-b) e 215º do RJPI, a contrario, ser concedido o registo à requerente, ora recorrente.
Em conclusão:
3. Por força dos princípios da prioridade e da especialidade e face ao disposto nos artºs 214º/2-b) e 215º/1 do RJPI, para funcionar como fundamento de recusa do registo de uma marca considerada, no todo ou em parte, reproduzida ou imitada de uma outra, é preciso que esta última tenha sido anteriormente registada e se destina a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços a que se destina a marca registanda.
4. Se o registo de uma marca registanda não puder ser recusado com fundamento na imitação ou reprodução, total ou parcial de uma outra marca anteriormente registada a favor de outrem, então o uso da marca registanda pelo seu requerente no exercício da concorrência não é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração da reputação alheia, pelo que a concorrência na disputa de clientela através do uso da marca registanda não poderá ser considerada desleal por ser insusceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica, designadamente por actos de confusão ou parasitários.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso revogando a sentença recorrida e mantendo a decisão da DSE que concedeu o registo à marca ....
Custas pela ora recorrida A Laboratories.
Cumpre o disposto no artº 283º do RJPI.
Registe e notifique.
RAEM 12OUT2017
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Ac. 52/2016-24