打印全文
Processo nº 642/2017/A
Data do Acórdão: 12OUT2017


Assuntos:

Suspensão de eficácia de acto administrativo
Interdição de entrada
Acto confirmativo
Prejuízo de difícil reparação


SUMÁRIO

1. Para que um acto possa ser considerado meramente confirmativo, além da recorribilidade contenciosa do acto confirmado e do seu conhecimento pelo interessado, é ainda necessário que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.

2. O instituto de suspensão de eficácia visa apenas acautelar o efeito útil da decisão final do recurso contencioso de anulação ou de declaração de nulidade, mediante a paralisação temporária do efeito negativo para o interessado, resultante da execução imediata do acto administrativo, e não para evitar ou impedir para sempre a produção dos prejuízos derivados da execução de um acto administrativo.

3. Ao invocar o requisito da verificação dos prejuízos previsíveis de difícil reparação, a que se refere o artº 121º/1-b), o requerente da suspensão de eficácia terá de alegar e demonstrar factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos, por forma a convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 642/2017/A


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, mediante o requerimento a fls. 2 a 19 dos presentes autos pediu, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a suspensão de eficácia do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que lhe determinou a interdição de entrada na RAEM por três anos.

Citada a entidade requerida, veio contestar, suscitando a excepção de irrecorribilidade do acto de cuja eficácia ora se requer a suspensão, e subsidiariamente pugnando pelo indeferimento do pedido da suspensão

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida suspensão.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

De acordo com os elementos constantes dos presentes autos e do processo instrutor apensado aos autos de recurso contencioso de anulação nº 475/2017, ora pendente neste TSI, são tidos por relevantes os seguintes factos à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* O requerente A é titular do passaporte do Reino Unido;

* Na sequência da aquisição da notícia de crime que se reporta aos factos detectados pelo pessoal da PSP em 15JUN2016, susceptíveis de integrar o crime de emprego ilegal, conforme se vê melhor no processo administrativo apensado aos autos de recurso contencioso da anulação nº 475/2017, foi desencadeado no seio da PSP o procedimento administrativo com vista à imposição ao requerente a ordem de interdição de entrada na RAEM num determinado período de tempo;

* Em 08MAR2017, ao tentar entrar na RAEM no terminal marítimo da Taipa, o requerente foi recusado a entrar por ordem que lhe foi emitida pela PSP com fundamento no disposto no artº 4º/1-3) da Lei nº 4/2003;

* Inconformado com essa ordem de recusa, o requerente interpôs o recurso hierárquico dessa ordem para o Secretário para a Segurança;

* Por despacho datado de 06ABR2017 do Secretário para a Segurança, foi-lhe negado provimento ao recurso hierárquico;

* Inconformado, desse despacho interpôs recurso contencioso de anulação para este TSI e requereu a suspensão da eficácia do acto administrativo de recusa de entrada;

* Por Acórdão do TSI datado de 29JUN2017, foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia;

* O Acórdão transitou em julgado em 13JUL2017;

* Por despacho datado de 19MAIO2017 do Secretário para a Segurança, foi determinada ao requerente a interdição de entrada na RAEM por três anos, com efeito a partir de 21JAN2017, data em que o requerente abandonou a RAEM na sequência da revogação da autorização de permanência, com fundamento legal no artº 12º/2-2) da Lei nº 6/2004, conjugada com o artº 11º/1-3) da mesma lei;

* Mediante o ofício datado de 09JUN2017, o requerente foi notificado desse despacho;

* Por requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 03JUL2017, o ora requerente interpôs recurso contencioso de anulação do acima referido despacho que lhe determinou a interdição de entrada;

* O requerente formulou o presente pedido de suspensão de eficácia em 20SET2017.

Inteirado do que se passou com o requerente, comecemos a debruçar-nos sobre a excepção de irrecorribilidade, suscitada pela entidade requerida.

A entidade requerida suscitou a questão da irrecorribilidade nos seguintes termos:

2.º
  Correm termos neste Tribunal de Segunda Instância os autos de recurso contencioso n.º 475/2017, onde o aqui requerente impugna o acto praticado pelo Secretário para a Segurança que lhe negou provimento ao recurso hierárquico apresentado em consequência das recusas de autorização da sua entrada na RAEM, ocorridas em 8 e 28 de Março do 2017.
3.º
  Por apenso a esse recurso contencioso n.º 475/2017 foi apresentado um pedido de suspensão de eficácia, em tudo idêntico ao presente, o qual foi entretanto indeferido.
4.º
  Pelo que existe uma decisão da administração que não foi destruída nem interrompida, mantendo-se para todos os efeitos a sua eficácia plena.
5.º
  O juízo de perigosidade efectivo formulado pela Administração, em conjunto com a factualidade contida na informação n.º 981/2017- Pº.222.18 (que integra o processo administrativo junto aos autos de recurso contencioso n.º 475/2017 deste TSI) sustentaram o despacho ora recorrido, o qual é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes.
6.º
  A administração goza do privilégio da execução prévia dos seus actos administrativos, daí decorrendo a execução imediata do acto cuja suspensão é agora requerida.
7.º
  O acto recorrido consubstancia uma ordem dada pelo Secretário para a Segurança de impedir o requerente de entrar na RAEM pelo período de 3 (três) anos, ordem essa dada no pleno exercício dos seus poderes administrativos.
8.º
  Pelo que, a discussão da validade desta decisão em momento anterior à validação de decisão de interdição de entrada do recorrente ficiona um carácter meramente confirmativo da intenção da Administração de impedir a entrada e permanência do mesmo na RAEM.
9.º
  Todos os actos administrativos praticados pela administração e com repercussão na esfera jurídica do requerente vão no mesmo sentido, o de impedir o requerente de entrar e permanecer na RAEM durante o período de 3 (três) anos, pelo que a sucessiva impugnação de actos novos, praticados pela Administração ou provocados pelo recorrente, só pode ir no sentido da confirmação, ou pelos menos na expectativa dessa confirmação, do acto inicial de revogação da autorização de permanência do visado.
10.º
  Os actos confirmativos não são recorríveis pelo que o presente recurso deve ser indeferido, por falta de objecto, e, consequentemente, não deve o presente pedido de suspensão de eficácia ser apreciado.


Como se sabe, para que um acto possa ser considerado meramente confirmativo, além da recorribilidade contenciosa do acto confirmado e do seu conhecimento pelo interessado, é ainda necessário que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.

Confrontando o despacho de 06ABR2017 que, em sede de recurso hierárquico, manteve a recusa de entrada, com a interdição de entrada, de cuja eficácia ora se requer a suspensão, verifica-se que aquele decidiu num caso concreto a recusa do requerente a entrar na RAEM, ao passo que este último determina a interdição de entrada do requerente durante um certo período de tempo.

Não há identidade de decisão entre dois despachos, pois a interdição de entrada possui a lesividade que perdura durante algum tempo para o requerente, ao passo que a recusa de entrada consume-se numa única vez.

Portanto, é de concluir que o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão não é meramente confirmativo daqueloutro proferido em 06ABR2017.

Improcede assim a excepção da inimpugnabilidade contenciosa do acto recorrido, suscitada pela entidade recorrida em sede de contestação.

Arrumada a questão prévia, passemos então ao pedido do requerente que pretende ver suspensa a eficácia da interdição de entrada.

A propósito da suspensão de eficácia de actos administrativos, o CPAC diz no seu artº 120º que:

A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.

Assim, é de averiguar se o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, pois a ser assim, o acto em causa não se mostra logo susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.

Portanto, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

Assim, o acto administrativo de cuja eficácia se requer a suspensão tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.

In casu, estamos perante um despacho que determinou a interdição da entrada do requerente na RAEM.

Tal como entende o Ministério Público, enquanto titular do passaporte do Reino Unido, o requerente pode livremente entrar na RAEM sem que tenha a necessidade de obter previamente o visto para o efeito conforme o acordo da recíproca isenção de vistos, o acto administrativo em causa retira ao requerente o gozo da isenção de visto durante o período de interdição.

Assim, o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão integra no artº 120º/-b) do CPAC, e portanto é susceptível da suspensão.

Passemos então a averiguar se se verificam os requisitos previstos no artº 121º/1 do CPAC.

Para o deferimento da providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da suspensão.

Comecemos então pelo requisito exigido na alínea c), que se nos afigura ser de fácil apreciação, tendo em conta a matéria de facto assente e os elementos existentes nos autos.

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a sindicabilidade contenciosa do acto, as datas do ofício de notificação do acto ao requerente (09JUN2017) e da interposição do recurso contencioso de anulação (03JUL2017), e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto que representa a última palavra da Administração.

Então resta analisar a verificação ou não dos requisitos exigidos nas alíneas a) e b), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso e se a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.

Comecemos pela alínea a).

Para o efeito alega o requerente que:

  B. Do periculum in mora - alínea a) do n.º 1 artigo 121.º do CPAC
26.º
Conforme decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, a generalidade das providências cautelares exige sempre, enquanto requisito cumulativo para o seu decretamento, que se verifique uma probabilidade de produção de uma situação de facto consumado ou, pelo menos, de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora).
27.º
Ou seja, a Lei não exige, para a suspensão de eficácia de actos administrativos, que o prejuízo seja uma decorrência directa, imediata e necessária do acto, mas antes e apenas que tal prejuízo possa previsivelmente decorrer da (ou ser causado pela) execução de tal acto.
28.º
Nas palavras do Tribunal de Última Instância da RAEM: “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”1 (destaque nosso)
29.º
No caso presente, o não decretamento da presente providência vai forçosamente implicar que haja lugar à produção de uma situação de facto consumado ou, no mínimo, de prejuízos dificilmente reparáveis para oRequerente e para os interesses por ele defendidos no recurso.

Com efeito,
30.º
O ora Requerente é sócio da X Grupo Limitada ("X Macau"), sociedade comercial matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis, sob o n.º ..., com sede na …, em Macau.2
31.º
O objecto social da X Macau consiste na prestação de serviços de logística e relativos à instalação de mobiliário, acessórios e equipamento, bem como de outros serviços relacionados com a indústria hoteleira.
32.º
Desde a sua constituição em 2013, os negócios da X Macau têm vindo a crescer, tendo a mesma hoje uma posição importante no sector da logística em Macau.
33.º
Razão pela qual o Requerente, na qualidade do sócio da X Macau, foi convidado pelo editor do jornal X Daily para uma entrevista sobre a empresa e os seus projectos no sector da logística em Macau.3
Acresce que,
34.º
A X Macau celebrou um acordo de prestação de apoio técnico e formação com a X Group (Asia-Pacific) Limited ("X Hong Kong"), uma sociedade sediada em Hong Kong, com vista à cessão temporária de trabalhadores especializados da X Hong Kong para prestar serviços de direcção e técnicos à X Macau ("Acordo").4
35.º
De acordo com o Anexo B do aludido acordo, tais serviços de direcção e técnicos são, entre outros, os seguintes5:
a) Supervisionar a estrutura organizativa do negócio desenvolvido pela X Macau;
b) Rever o plano operacional do negócio da X Macau;
c) Rever os orçamentos da X Macau;
d) Prestar orientação técnica relativamente às operações de transporte de mercadoria, armazenagem e instalação;
e) Aconselhar melhores práticas de operações logísticas;
f) Visitar locais de projecto para consultas sobre actividades operacionais;
g) Prestar orientação à equipa da X Macau;
h) Avaliar o nível de satisfacção dos clientes através de reunião com os mesmos; e
i) Rever o plano de negócio da X Macau.
36.º
Nos termos da Cláusula 9.1 do Acordo, a prestação de serviços de assistência técnica pelos trabalhadores especializados da X Hong Kong na X Macau está limitada a um prazo máximo de quarenta e cinco dias por cada período de seis meses.
Ora,
37.º
Como resulta do Anexo A do Acordo, o Requerente é justamente um dos trabalhadores especializados da X Hong Kong, que, ao abrigo do Acordo, deveria prestar serviços de direcção e técnicos na X Macau.6
38.º
Nota-se que a prestação desses serviços pelo Requerente em Macau preenche todos os requisitos previstos na alínea 1) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 17/2004.
39.º
Ou seja, tal prestação de serviços é completamente legal à luz da Lei de Macau, não sendo considerada trabalho ilegal para efeitos do disposto no artigo 2.º, alínea 1), do Regulamento Administrativo n.º 17/2004.
40.º
Como facilmente se compreende, a prestação dos serviços em causa exige a presença, de tempos a tempos, do Requerente em Macau.
41.º
Acresce que, a X Macau encontra-se actualmente em negociações com os hotéis B Macau e C, negociações essas que se encontram numa fase crucial, pelo que a presença do Requerente em Macau, enquanto sócio e consultor especializado, é absolutamente imprescindível para o sucesso dessas negociações e para a concretização dos respectivos negócios, os quais, ainda para mais, se inserem numa área de extrema relevância para o desenvolvimento económico da RAEM.7
42.º
Dito de outra forma, a manutenção da eficácia do Despacho em crise (rectius, a manutenção da interdição de entrada do Requerente no território da RAEM) causará previsivelmente prejuízos de difícil reparação para o Requerente, na medida em que causará previsivelmente a impossibilidade da prestação dos serviços de direcção e técnicos pelo Requerente e o falhanço das negociações com os seus parceiros de Macau e, consequentemente, da concretização dos projectos de investimento que o Requerente pretende implementar no território da RAEM.
43.º
Conforme tem sido jurisprudência pacífica nos Tribunais da RAEM, "[o]bjectivo da providência de suspensão de eficácia é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso" (destaques nossos).8
44.º
Ora, como se deixou alegado, a manutenção da eficácia do Despacho em crise significaria que, pelo menos até à decisão do respectivo recurso contencioso, o Requerente permaneceria impedido de entrar no território da RAEM, o que mais do que previsivelmente causaria a impossibilidade de prestação de serviços de direcção e técnicos pelo Requerente, bem como o falhanço das negociações e da implementação dos projectos de investimento a que se aludiu supra,
45.º
Sendo certo que esse falhanço, a verificar-se, constituiria um prejuízo, nas palavras deste Venerando Tribunal supra citadas, "de muito difícil remédio" ou mesmo "irremediável", na medida em que, por um lado, a sentença a proferir em sede de recurso contencioso não teria por efeito a reposição da situação em que o Requerente se encontrava antes da ocorrência de tal prejuízo - i.e., não teria por efeito, obviamente, a retoma das negociações e dos projectos de investimento em apreço -, e, por outro, na medida em que se trataria de um prejuízo cuja quantificação se revelaria impossível ou quase impossível de concretizar.

A lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.

A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação – Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed. pág. 168.

Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a dificuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.

E para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

E de acordo com a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu recente Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada.

In casu, o alegado prejuízo de difícil reparação consiste, em síntese, no seguinte:

* impossibilidade da prestação dos serviços de direcção e técnicos pelo requerente; e

* falhanço das negociações com os seus parceiros de Macau e, consequentemente, da concretização dos projectos de investimentos que o requerente implementar na RAEM.

Para sustentar a existência desses prejuízos, o requerente alegou que a presença do requerente em Macau, enquanto sócio da empresa X Macau, e consultor especializado, é absolutamente imprescindível para o sucesso dessas negociações com os hotéis B Macau e C, e para a concretização dos respectivos negócios, os quais, ainda para mais, se inserem numa área de extrema relevância para o desenvolvimento económico da RAEM.

Todavia, cremos que, com o assim alegado, o requerente não cumpriu o seu ónus de demonstração dos factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

Pois, lida a matéria alegada na petição e tendo em conta o teor dos documentos que se juntaram aos autos, continuamos a não ter factos concretos para responder as seguintes interrogações: v.g. quê tipo de negociações e projectos de investimentos que estão em causa? qual é o papel do requerente nas negociações e na implementação dos tais projectos? existem ou não alternativas à reunião a realizar em Macau que requeira a presença física do requerente na RAEM? com base em que factos concretos o requerente afirma que a presença física do requerente na RAEM é absolutamente imprescindível para o sucesso das negociações e da implementação dos tais projectos?

Tratando-se de uma alegação sem provas (para além daqueles documentos particulares que para nós tem pouco valor probatório) que a sustentam, nenhum facto concreto foi demonstrado!

Incumprido o ónus de demonstrar factos concretos e determinados em que consistem os prejuízos, ficando nós sem saber de quê prejuízos se tratam e qual é o grau da sua reparabilidade, não podemos senão julgar não verificado o requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC.

Ex abundantia, mesmo aceitemos que a não suspensão da eficácia de interdição de entrada seja susceptível de gerar prejuízos ao requerente, tais eventuais prejuízos nunca são de difícil reparação ou irreparáveis, pois existe sempre meios ao dispor do requerente para ressarcir as eventuais responsabilidades contra a Administração se esta vier a ser comprovadamente julgada ter agido contra a lei ao praticar o acto cuja eficácia o requerente pretende ver suspensa.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), entendemos que o tal requisito se não verifica.

Ora, de acordo com os fundamentos invocados no acto cuja eficácia que o requerente pretende ver suspensa, a interdição da entrada funda-se na conclusão pela existência da suspeita da prática dos crimes pelo recorrente e pela constatação, in casu, da existência de certo grau de perigosidade efectiva resultante da presença do requerente na RAEM para a segurança e ordem públicas.

Assim sendo, a não execução imediato do acto suspendendo, que implica a possibilidade da entrada e permanência temporária do requerente em Macau, deve ser tida como geradora de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto que lhe foi determinada a interdição da entrada.

Inverifica-se o requisito da alínea b).

Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) e b) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.

Em conclusão:

1. Para que um acto possa ser considerado meramente confirmativo, além da recorribilidade contenciosa do acto confirmado e do seu conhecimento pelo interessado, é ainda necessário que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.

2. O instituto de suspensão de eficácia visa apenas acautelar o efeito útil da decisão final do recurso contencioso de anulação ou de declaração de nulidade, mediante a paralisação temporária do efeito negativo para o interessado, resultante da execução imediata do acto administrativo, e não para evitar ou impedir para sempre a produção dos prejuízos derivados da execução de um acto administrativo.

3. Ao invocar o requisito da verificação dos prejuízos previsíveis de difícil reparação, a que se refere o artº 121º/1-b), o requerente da suspensão de eficácia terá de alegar e demonstrar factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos, por forma a convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata.


Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 19MAIO2017 do Secretário para a Segurança que determinou a interdição de entrada ao requerente.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 5UC.

Notifique.

RAEM, 12OUT2017

Lai Kin Hong

João A. G. Gil de Oliveira

Ho Wai Neng

Mai Man Ieng
1 Cf. Acórdão de 26 de Novembro de 2014, processo n.º 117/2014, disponível em www.court.gov.mo.
2 Cf. Doc. n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
3 Cf. Doc. n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
4 Cf. Doc. n.º 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
5 Cf. p. 10 do Doe. n.º 4.
6 Cf. p. 9 do Doc. n.º 4.
7 Cf. Doc. N.º 5 e Doc. n.º 6 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
8 ln Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 20 de Junho de 2013, processo n.º 340/2013/A, acessível em www.court.gov.mo.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Susp.ef. 642/2017/A-14