Processo n.º 385/2017 Data do acórdão: 2017-11-3 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– prestação do termo de identidade e residência
– força coactiva da medida de coacção
– art.o 181.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– endereço para efeitos de notificação da acusação
– notificação por carta registada
– art.o 100.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– devolução da carta registada de notificação
– processo de ausente
– art.o 340.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– proceder pelos factos
– contagem do prazo de prescrição do procedimento
– possíveis qualificações jurídico-penais dos factos provados
– crimes continuados de burla qualificada
– causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento
– art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
– prazo máximo de prescrição do procedimento
– art.o 113.o, n.o 3, primeira parte, do Código Penal
S U M Á R I O
1. A força coactiva da medida de prestação do termo de identidade e residência implica inclusivamente a que o arguido fica obrigado a comparecer em juízo e não pode mudar da residência declarada no seu termo de identidade e residência nem ausentar-se dela por mais de cinco dias sem comunicar ao processo a sua nova residência ou o lugar onde pode ser encontrado – cfr. o art.o 181.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (CPP).
2. No caso concreto dos autos, o arguido fez declarar uma residência sua em Macau no seu termo de identidade e residência, e dos autos não decorre ter havido qualquer comunicação, por parte dele, no sentido de ter mudado dessa residência ou de ter sido ausente dessa residência por mais de cinco dias, pelo que para efeitos de notificação da acusação pública há que valer ainda tal residência declarada, daí que a acusação pública deve ser tida como já notificada à própria pessoa do arguido ora recorrente em 12 de Maio de 2014, por corresponder esse dia ao terceiro dia posterior à data do registo, em 8 de Maio de 2014, da carta de notificação então mandada pelo Ministério Público para tal residência declarada (art.o 100.o, n.o 2, do CPP), apesar de essa carta ter sido devolvida ulteriormente por não ter sido reclamada por ninguém.
3. O recorrente estava inicialmente presente no processo penal subjacente, ao ser interrogado na qualidade de arguido e com sujeição às medidas de coacção diversas, pelo que o processo só passou a ter a natureza de processo de ausente em relação a ele a partir de 2 de Fevereiro de 2016, dia em que foi decidida judicialmente a notificação, por via edital, dele para a realização da audiência de julgamento agendada para 23 de Fevereiro de 2016.
4. Da redacção do art.o 340.o, n.o 1, do CPP, retira-se que o procedimento criminal se destina a “proceder pelos factos”, pelo que na questão de contagem do prazo de prescrição do procedimento numa altura, como agora concretamente, em que não se está a conhecer do recurso da decisão final penal condenatória da Primeira Instância, há que salvaguardar a coexistência de várias soluções possíveis, ainda que eventuais, de direito, a nível de qualificação jurídico-penal dos factos dados por provados em primeira instância.
5. Assim sendo, a qualificação jurídico-penal dos factos como tal decidida em primeira instância – no sentido de haver, por banda do recorrente, dez crimes consumados continuados de burla qualificada em valor consideravelmente elevado – fica tida, na presente lide do recurso do despacho judicial de indeferimento do pedido de declaração da extinção, por prescrição, do procedimento criminal, apenas para efeitos de ensaio jurídico, qualificação jurídico-penal essa que não vincula o juízo de valor judicial a emitir por quem de direito em sede do conhecimento do eventualmente vindouro recurso do acórdão final condenatório da Primeira Instância.
6. In casu, a causa de suspensão, prevista no art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), do prazo de prescrição do procedimento, devido à notificação, em 12 de Maio de 2014, da acusação ao recorrente, tem que ser considerada forçosamente cessada desde 2 de Fevereiro de 2016, em que o processo passa a ter a natureza de processo de ausente em relação a ele.
7. Todo o tempo dessa suspensão da contagem do prazo de prescrição não pode ser computado no prazo máximo de prescrição do procedimento aludido no art.o 113.o, n.o 3, primeira parte, do CP.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 385/2017
(Recurso em processo penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 22 de Abril de 2016 a fls. 19201 a 19301 do Processo Comum Colectivo n.º CR3-15-0164-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficou inclusivamente condenado o 1.o arguido A, aí já melhor identificado e julgado à revelia, como co-autor material de dez crimes consumados continuados de burla qualificada (por ser em valor consideravelmente elevado), p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 4, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de três anos e nove meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas dez penas, finalmente na pena única de dez anos de prisão.
Enquanto não estava ainda detido pessoalmente para efeitos de notificação desse acórdão, o 1.o arguido – que já tinha interposto dois recursos intercalares – pediu, em 31 de Agosto de 2016, através da pena do seu Ex.mo Defensor, a declaração da extinção, por alegada já prescrição, em 10 de Dezembro de 2014, do seu procedimento criminal, com consequente almejado arquivamento dos autos (cfr. o requerimento de fls. 19335 a 19336 dos presentes autos correspondentes).
Pretensão do 1.o arguido essa que foi indeferida em 14 de Dezembro de 2016 (a fl. 19338) pela M.ma Juíza actualmente titular do subjacente processo.
Inconformado, veio recorrer esse arguido (através do seu Defensor) para o presente Tribunal de Segunda Instância (TSI), desse despacho de indeferimento, insistindo (nos termos detalhadamente alegados na motivação de fls. 19342 a 19345) na devida procedência do seu pedido de declaração da extinção do seu procedimento criminal, por já decurso total do prazo da respectiva prescrição.
A este recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador no sentido de improcedência (cfr. a resposta de fls. 19347 a 19349).
Subidos os autos, observou a Digna Procuradora-Adjunta (a fls. 19364 a 19366) a ainda devida retenção dos dois anteriores recursos intercalares do mesmo recorrente, e opinou pelo não provimento do recurso do indeferimento da então rogada declaração da extinção do procedimento criminal por prescrição.
Notificado o recorrente acerca da observação da Digna Procuradora-Adjunta relativa à ainda devida retenção dos dois recursos intercalares, veio o recorrente opinar (a fl. 19369) pela ainda retenção desses recursos intercalares.
Concluído o exame preliminar dos autos e corridos os vistos, cabe decidir do recurso da decisão de indeferimento do pedido de declaração da extinção do procedimento criminal.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, decorre o seguinte:
O acórdão final de 22 de Abril de 2016 da Primeira Instância consta de fls. 19201 a 19301 dos autos, cujo teor integral – que inclui a matéria de facto dada por provada e a fundamentação jurídica da correspondente decisão – se dá por aqui integralmente reproduzido.
Conforme esse acórdão:
– ao 1.o arguido ora recorrente foi pronunciada judicialmente, e inclusivamente, a prática, em co-autoria material e de forma consumada, de dez crimes continuados de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. sobretudo pelo art.º 211.º, n.º 4, alínea a), do CP, e ficou ele condenado nesse aresto por essa pronunciada prática (na pena de três anos e nove meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas dez penas, finalmente na pena única de dez anos de prisão);
– a prática dos últimos actos desses dez crimes continuados de burla verificou-se no período compreendido entre Outubro de 2002 e Maio de 2004 – cfr. mormente o teor dos factos provados 11 (com a prática do último dos actos em Dezembro de 2002), 16 (em Janeiro de 2003), 21 (em Janeiro de 2003), 27 (em Novembro de 2002), 33 (em Novembro de 2002), 39 (em Outubro de 2002), 93 (em Dezembro de 2002), 101 (em Novembro de 2003), 109 (em Maio de 2004) e 117 (em Maio de 2004).
Em 15 de Julho de 2004, o recorrente foi constituído arguido (cfr. o teor de fl. 539), e interrogado como arguido pelo Comissariado contra a Corrupção – cfr. o auto de fls. 540 a 543v, com assinatura aposta pelo próprio recorrente como modo de confirmar que o teor desse auto correspondia à verdade. Segundo esse auto, o recorrente tinha local de trabalho numa loja de venda de artigos eléctricos sita na Rua da Barca, n.o XX, Macau, e tinha morada numa moradia em Gongbei da China.
Em 16 de Julho de 2004, o recorrente foi interrogado como arguido pelo Juízo de Instrução Criminal do TJB (cfr. o auto de fls. 601 a 603, segundo cujo teor o recorrente declarou ao Juízo de Instrução Criminal que tinha morada em Macau (“提督馬路XX花園XX樓XX座”, ou seja, Avenida do Almirante Lacerda, Edifício XX Garden, XX.o XX), e também em Gongbei da China), o qual lhe aplicou as medidas de coacção de prestação do termo de identidade e residência, de prestação de caução no valor de cem mil patacas, de apresentações periódicas perante o Ministério Público e de proibição de ausência (cfr. o despacho judicial de fl. 605).
Do termo de identidade e residência (de fls. 608 a 608v) assinado pelo próprio recorrente nesse mesmo dia 16 de Julho de 2004, consta que a residência dele é na “提督馬路XX花園XX樓XX座” (Avenida do Almirante Lacerda, Edifício XX Garden, XX.o XX) e que ele “Foi advertido de que fica obrigado a comparecer em juízo e a manter-se à disposição do Tribunal sempre que a lei o obrigar ou para tal foi devidamente notificado e a não mudar de residência nem ausentar-se dela por mais de cinco (5) dias sem comunicar ao processo a nova residência ou o lugar onde pode ser encontrado”.
Em 10 de Dezembro de 2004, o recorrente foi interrogado como arguido pelo Ministério Público, e a residência dele como tal constante do respectivo auto de interrogatório (lavrado a fls. 8175 a 8176) é a mesma declarada no acima referido termo de identidade e residência.
Em 27 de Junho de 2005, o recorrente foi notificado pessoalmente (cfr. o teor de fls. 18340) do despacho judicial de 22 de Junho de 2005 (de fls. 18332 a 18332v) alusivo inclusivamente à extinção da medida de coacção de proibição de contacto de um outro arguido com a pessoa do recorrente, na sequência da execução do mandado de notificação passado em 22 de Junho de 2005 (cfr. o mandado de fls. 18338 a 18338v) na residência então declarada pelo recorrente no acima referido termo de identidade e residência.
Em 3 de Abril de 2014, foi deduzida a acusação pública (a fls. 18513v a 18549v) inclusivamente contra o recorrente, ficando este acusado pela co-autoria material, na forma consumada, de um crime continuado de burla qualificada, p. e p. sobretudo pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, de dez crimes continuados de burla qualificada, p. e p. sobretudo pela mesma disposição legal, e de três crimes de burla qualificada da mesma disposição legal, e pela autoria material, na forma consumada, de seis crimes continuados de burla qualificada da mesma disposição legal.
No intróito desse libelo (a fl. 18513v), foram indicados três endereços do recorrente, um dos quais já consta do acima referido termo de identidade e residência dele, e um outro é o endereço da loja de venda de artigos eléctricos na Rua da Barca, n.o XX, Macau, e o outro é aquele acima referido endereço em Gongbei de Zhuhai da China.
Em 8 de Abril de 2014, foi registada a carta de notificação do recorrente inclusivamente do teor da acusação pública, mandada pelo Ministério Público para o dito endereço dele em Zhuhai da China (cfr. o processado a fls. 18551 a 18551v).
Em 8 de Maio de 2014, foram registadas duas cartas de notificação do recorrente inclusivamente do teor da acusação pública, mandadas pelo Ministério Público para o endereço de trabalho do recorrente na Rua da Barca, n.o X, Macau, e para a sua residência em Macau então declarada no termo de identidade e residência, respectivamente (cfr. o processado a fls. 18602 a 18602v e a fls. 18603 a 18603v, respectivamente), duas cartas de notificação essas que ulteriormente vieram devolvidas por motivo de não terem sido reclamadas por ninguém (cfr. o teor de fls. 18623 a 18623v e de fls. 18622 a 18622v, respectivamente).
Em 22 de Abril de 2015, foi deduzido o despacho de pronúncia (de fls. 18843v a 18885), pelo qual o recorrente (identificado como tendo três endereços, tal como já o tinha sido no intróito da acusação pública) ficou pronunciado como co-autor material, na forma consumada, de um crime de burla qualificada p. e p. sobretudo pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, de dez crimes continuados de burla qualificada da mesma disposição legal e de três crimes continuados de burla qualificada da mesma disposição legal, e como autor material, na forma consumada, de quatro crimes continuados de burla qualificada da mesma disposição legal.
Em 29 de Abril de 2015, foi registada a carta de notificação do recorrente inclusivamente do teor do despacho de pronúncia, mandada pelo Juízo de Instrução Criminal para o endereço dele em Zhuhai da China (cfr. o processado a fls. 18899 a 18899v), carta essa que veio devolvida (a fl. 18907) por motivo de inexistência da pessoa destinatária.
Em 12 de Junho de 2015, foram registadas três cartas de notificação do recorrente inclusivamente do teor do despacho de pronúncia, mandadas pelo TJB que recebeu os autos penais em causa para efeitos de julgamento, para os três endereços dele indicados no intróito do despacho de pronúncia, correspondendo um dos quais à residência dele declarada no acima referido termo de identidade e residência (cfr. o processado a fls. 18927 a 18929v, sendo o processado de fls. 18927 a 18927v respeitante à carta de notificação dirigada à residência dele declarada no termo de identidade e residência).
Todas essas três cartas registadas vieram devolvidas, sendo a enviada ao endereço de Zhuhai por motivo de ter a pessoa destinatária sido “Gone away” (cfr. o teor de fl. 18950), e as enviadas para a residência declarada no termo de identidade e residência e para o endereço da loja de venda de artigos eléctricos na Rua da Barca, por motivo de não terem sido reclamadas por ninguém (cfr. o teor de fls. 18993 a 18995 e de fls. 18996 a 18998).
Em 2 de Fevereiro de 2016, foi decidida judicialmente (a fl. 19075 a 19075v) a notificação, por via edital, do recorrente para a realização da audiência de julgamento agendada para o dia 23 de Fevereiro de 2016, com afixação, no dia 3 de Fevereiro de 2016, de correspondentes editais (cfr. o processado de fls. 19076 a 19077v).
Antes da data de emissão, em 22 de Abril de 2016, do acórdão final da Primeira Instância, condenatório do recorrente como co-autor material de dez crimes consumados continuados de burla qualificada do art.º 211.º, n.º 4, alínea a), do CP, houve duas decisões judiciais que foram objecto de impugnação jurisdicional pelo mesmo recorrente, a saber: o despacho judicial de 16 de Dezembro de 2014 de fls. 18722 a 18722v (objecto do pedido de aclaração respondido por despacho judicial de 28 de Janeiro de 2015 de fls. 18766 a 18766v), por um lado, e, por outro, o despacho ditado para a acta (concretamente a fl. 19179v) da sessão da audiência de julgamento de 15 de Março de 2016 (cfr. as duas motivações de recurso, de fls. 103 a 106 do Apenso E e de fls. 19187 a 19195, respectivamente).
Enquanto não estava ainda detido para ser notificado pessoalmente do acórdão final da Primeira Instância, o recorrente, em 31 de Agosto de 2016, pediu, através da pena do seu Ex.mo Defensor, a declaração da extinção, por alegada já prescrição, em 10 de Dezembro de 2014, do seu procedimento criminal, com consequente almejado arquivamento dos autos (cfr. o requerimento de fls. 19335 a 19336).
Pretensão essa que foi indeferida em 14 de Dezembro de 2016 (a fl. 19338) pela M.ma Juíza actualmente titular do subjacente processo.
Inconformado, veio o recorrente interpor recurso dessa decisão (mediante a motivação apresentada a fls. 19342 a 19345), recurso esse que subiu imediatamente nos próprios autos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em face dos ingredientes do processo elencados na Parte II do presente texto decisório sumário, nota-se que na presente lide recursória está em causa tão-só o recurso da decisão judicial de indeferimento do pedido do 1.o arguido da declaração da extinção do seu procecimento criminal, porquanto continuam a estar retidos, nos termos do art.o 397.o, n.o 3, do Código de Processo Penal (CPP), os dois recursos intercalares anteriormente interpostos por ele no âmbito do processo penal subjacente.
Quanto ao recurso da decisão de indeferimento do pedido de declaração da extinção do procedimento criminal do recorrente, ora sub judice, a questão fulcral está na indagação de diversas causas de interrupção e/ou suspensão do prazo de prescrição desse procedimento.
Assim, com pertinência a essa indagação, cabe, desde já, saber qual o endereço do recorrente a valer processualmente para efeitos de notificação da acusação pública.
Ao recorrente foi inclusivamente aplicada a medida coactiva de prestação do termo de identidade e residência, cuja força coactiva implica inclusivamente a que ele fica obrigado a comparecer em juízo e não pode mudar da residência declarada no termo de identidade e residência nem ausentar-se dela por mais de cinco dias sem comunicar ao processo a sua nova residência ou o lugar onde pode ser encontrado (cfr. o art.o 181.o, n.o 2, do CPP).
O recorrente fez declarar no seu termo de identidade e residência de 16 de Julho de 2004 que tinha residência na Avenida do Almirante Lacerda, Edifício XX, XX.o XX.
E a partir de então, dos autos não decorre ter havido qualquer comunicação, por parte dele, no sentido de ter mudado dessa residência ou de ter sido ausente dessa residência por mais de cinco dias, pelo que para efeitos de notificação da acusação pública e do despacho de pronúncia, há que valer ainda essa residência.
Daí que no que toca à notificação da acusação pública, esta deveria ser tida como já notificada (por aquela carta registada, referida na Parte II do presente acórdão, dirigida à residência declarada no termo de identidade e residência) à própria pessoa do recorrente em 12 de Maio de 2014, por corresponder esse dia ao terceiro dia posterior à data do registo, em 8 de Maio de 2014, dessa carta de notificação então mandada pelo Ministério Público (art.o 100.o, n.o 2, do CPP), apesar de essa carta ter sido devolvida ulteriormente por não ter sido reclamada por ninguém. (Nota-se que pela identidade da razão, o despacho de pronúncia deveria ser tido como já notificado à própria pessoa do recorrente em 15 de Junho de 2015, por corresponder esse dia ao terceiro dia posterior à data do registo, em 12 de Junho de 2015, da carta de notificação então mandada pelo TJB para a residência declarada no mesmo termo de identidade e residência (art.o 100.o, n.o 2, do CPP), apesar de essa carta ter sido devolvida ulteriormente por não ter sido reclamada por ninguém).
Por outra banda, há que verificar que o processo penal subjacente não é um processo de ausente ab initio para o recorrente, pois este estava presente no processo inicialmente, ao ser interrogado na qualidade de arguido e com sujeição às medidas de coacção diversas, pelo que o processo só passou a ter a natureza de processo de ausente em relação a ele a partir de 2 de Fevereiro de 2016, dia em que foi decidida judicialmente a notificação, por via edital, dele para a realização da audiência de julgamento agendada para o dia 23 de Fevereiro de 2016.
Outrossim, é de observar que da redacção do art.o 340.o, n.o 1, do CPP, se retira que o procedimento criminal se destina a “proceder pelos factos”, pelo que na questão de contagem do prazo de prescrição numa altura, como agora concretamente, em que não se está a conhecer do recurso da decisão final penal condenatória, há que salvaguardar a coexistência de várias soluções possíveis, ainda que eventuais, de direito, a nível de qualificação jurídico-penal dos factos dados por provados em primeira instância, os quais, in casu, dariam eventualmente para suportar antes o tipo legal de burla como modo de vida, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea b), do CP, sendo que nesta hipótese, o prazo de prescrição do procedimento penal pelos respectivos factos só correria desde o dia da prática do último acto (art.o 111.o, n.o 2, alínea b), do CP), ou seja, desde Maio de 2004 (cfr. os factos provados 109 e 117, nomeadamente).
Assim sendo, a qualificação jurídico-penal dos factos como tal decidida em primeira instância (no sentido de haver, por banda do recorrente, dez crimes consumados continuados de burla qualificada em valor consideravelmente elevado) fica tida aqui apenas para efeitos de ensaio jurídico, qualificação jurídico-penal essa que não vincula o juízo de valor judicial a emitir por quem de direito em sede do conhecimento do eventualmente vindouro recurso do acórdão final condenatório do TJB.
Desta feita, passa-se a ensair a questão da já prescrição, ou não, do procedimento criminal do recorrente no atinente aos factos de um dos dez crimes continuados a que se reporta nomeadamente o facto provado 39, cujo conteúdo indica (com relevância para a fixação do termo inicial da contagem do prazo de prescrição no caso de crime continuado conforme o previsto no art.o 111.o, n.o 2, alínea b), do CP) que o correspondente crime continuado teve o seu último acto ocorrido em Outubro de 2002.
Os dez crimes consumados continuados de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 4, alínea a), do CP, pelos quais o 1.o arguido recorrente ficava acusado e ulteriormente pronunciado como co-autor material e finalmente condenado em primeira instância, são puníveis, cada um deles, por pena de dois a dez anos de prisão, pelo que o prazo normal de prescrição do respectivo procedimento penal é de dez anos, nos termos do art.o 110.o, n.o 1, alínea c), do CP.
E para crime punível com pena de prisão de limite máximo igual ou superior a cinco anos mas não excedente de dez anos, o prazo “máximo” de prescrição do respectivo procedimento criminal é de 15 anos (cfr. os art.os 110.o, n.o 1, alínea c), e 113.o, n.o 3, primeira parte, do CP).
Tomando aquele mês de Outubro de 2002 como termo inicial para contagem do prazo normal de dez anos de prescrição, esse prazo teria sofrido, pelo menos, interrupções sucessivas nas seguintes datas:
– 15 de Julho de 2004 (aquando do interrogatório do recorrente como arguido pelo Comissariado contra a Corrupção) (art.o 113.o, n.o 1, alínea a), do CP);
– 16 de Julho de 2004 (aquando da aplicação ao recorrente de diversas medidas de coacção, por decisão do Juízo de Instrução Criminal) (art.o 113.o, n.o 1, alínea b), do CP);
– e 10 de Dezembro de 2004 (aquando do interrogatório do recorrente como arguido pelo Ministério Público) (art.o 113.o, n.o 1, alínea a), do CP).
Portanto, o prazo normal de dez anos de prescrição teria que ser contado de novo e por inteiro a partir de 10 de Dezembro de 2004 (art.o 113.o, n.o 2, do CP).
Entretanto, o curso desse prazo de prescrição viria ficar suspenso no dia 12 de Maio de 2014, data em que se consideraria, nos termos já acima vistos, ter havido a notificação do recorrente da acusação pública (art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do CP), causa de suspensão essa que teria que ser considerada forçosamente cessada desde 2 de Fevereiro de 2016, dia em que, nos termos também já acima analisados, o processo passaria a ter a natureza de processo de ausente em relação ao recorrente (uma vez que a causa de suspensão do art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do CP deixaria de ser aplicável ao recorrente a partir do momento em que o processo passaria a ter a natureza de processo de “ausente” em sentido próprio do termo), o que significaria que o curso do prazo de prescrição teria ficado suspenso por um ano, oito meses e 21 dias, no período compreendido entre 12 de Maio de 2014 e 2 de Fevereiro de 2016, tempo todo esse que não poderia ser computado no prazo “máximo” de prescrição do procedimento criminal do recorrente – art.o 113.o, n.o 3, primeira parte, do CP.
Sucede que no próprio dia 2 de Fevereiro de 2016 em que teria sido cessada a suspensão do prazo de prescrição, o prazo normal de dez anos de prescrição (contado de novo a partir de 10 de Dezembro de 2004, e por isso ainda não completado nesse dia 2 de Fevereiro de 2016) teria que ser contado tudo de novo, por obediência ao art.o 113.o, n.o 1, alínea d), do CP, dado que foi nesse dia 2 de Fevereiro de 2016 que se consideraria marcado o dia de 23 de Fevereiro de 2016 para o julgamento à revelia do recorrente.
Tal como já se referiu acima, no prazo “máximo” de 15 anos de prescrição do procedimento criminal do recorrente (cfr. os art.os 110.o, n.o 1, alínea c), e 113.o, n.o 3, primeira parte, do CP), contado desde Outubro de 2002, não se poderia contar todo o aludido período de tempo (de um ano, oito meses e 21 dias) de suspensão do prazo, pelo que o procedimento criminal do recorrente, mesmo na presente data, ainda não estaria prescrito.
Concluído assim que o procedimento criminal do recorrente pelos factos do crime continuado de burla qualificada em valor consideravelmente elevado a que se reporta nomeadamente o facto provado 39 ainda não estaria prescrito, o procedimento criminal do mesmo arguido pelos factos dos restantes nove crimes continuados de burla qualificada em valor consideravelmente elevado também, por lógica temporal das coisas, ainda não estaria prescrito, já que as datas da prática dos últimos actos desses nove crimes foram todas posteriores à data da prática do último acto daquele crime continuado.
Por fim, se se considerasse eventualmente a qualificação jurídico-penal dos factos provados em primeira instância como suportando o tipo legal de burla como modo de vida (do art.o 211.o, n.o 4, alínea b), do CP), então o dia de chegada do fim do prazo “máximo” de 15 anos de prescrição do procedimento criminal do recorrente iria ficar, em relação à data presente, ainda mais distante no futuro falando (pois nessa eventual hipótese de qualificação jurídico-penal dos factos, o termo inicial para a contagem do prazo “máximo” de prescrição já seria Maio de 2004, como data da prática do último acto em crimes habituais – art.o 111.o, n.o 2, alínea b), do CP).
Do expendido, sairia indicada a improcedência do recurso sub judice, sem mais indagação por desnecessária, visto que ao tribunal de recurso não cabe decidir de todas e quaisquer razões alegadas pelo recorrente para sustentar a procedência do recurso, mas sim decidir da questão, posta no recurso, de alegada já prescrição do procedimento criminal (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo 1.o arguido do despacho judicial de indeferimento do pedido de declaração da extinção do seu procedimento criminal.
Custas deste recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 3 de Novembro de 2017.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
___________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
___________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 385/2017 Pág. 21/21