Proc. nº 239/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Outubro de 2017
Descritores:
-Marca
-Marca notória
-Confusão
-Elementos essenciais
-Concorrência desleal
SUMÁRIO:
I. A marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa.
II. Marca notória é aquela que, por qualquer característica, adquiriu fama, reputação e renome, tornando-se geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida, ao ponto de ainda criar um maior risco de confusão.
III. Quando a lei quer evitar a confusão de marcas, não está senão a pensar na semelhança, na parecença, nos pontos comuns ou de contacto e, portanto, na primeira impressão ou na impressão do momento que se colhe de uma e doutra, mais do que nas suas dissemelhanças. E isso tanto irá depender do aspecto gráfico, nominativo, figurativo, como também do fonético dos seus elementos (art. 215º, nº1, al. c), RJPI). Por essa razão, o juiz, para avaliar da eventual afinidade, não deve colocar as marcas uma ao lado da outra, mas examiná-las em tempos sucessivos, primeiro uma, depois outra.
IV. A essencialidade tem uma importância subida quando uma marca tenha notoriedade. E assim, embora as marcas devam, geralmente, ser encaradas pelo seu todo holístico, pelo conjunto dos seus componentes, e não dissecadas, a verdade é que tudo pode mudar se estivermos a comparar marcas em que uma delas adquiriu notoriedade e em que, justamente, dessa notoriedade, sobressai um determinado elemento ou – o que vai dar ao mesmo - em que foi um dos seus elementos que à marca conferiu a sua notoriedade.
V. O acto de concorrência desleal é aquele que se mostra contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem, com isso visando a deslocação ou a possibilidade de deslocação da clientela.
Proc. nº 239/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“AAA MELBOURNE LIMITED”, sociedade comercial constituída segundo as leis da Austrália, com sede em ..., ...... Street, ......, Victoria ..., Austrália, recorreu para o TJB (Proc. nº CV3-11-0006-CRJ) da decisão da Direcção dos Serviços de Economia que a “BBB HOTELS, INC.”, com sede em ... ......, ......, Geórgia, ..., Estados Unidos da América concedeu o registo da marca com o número N/4XXXX.
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Por sentença daquele tribunal de 21/10/2014 foi o recurso julgado improcedente.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional apresentado pela impetrante “AAA Melbourne Limited”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso vem interposto da douta sentença do Tribunal Judicial de Base de Macau de fls. 481 a 499, do passado dia 21 de Outubro de 2014, que julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente, mantendo a decisão recorrida, com cujo conteúdo não se conforma a Recorrente e razão pela qual vem agora interpor o presente recurso;
B. O recurso judicial apresentado pela ora Recorrente junto do Tribunal a quo baseou-se, em primeiro lugar, no facto da Marca Recorrida consubstanciar imitação das Marcas da Recorrente, o que constitui fundamento de recusa de registo, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º e 215.º do RJPI;
C. Dispõe o artigo 215.º do RJPI que há reprodução ou imitação de uma marca quando, cumulativamente, i) a marca registada tiver prioridade, ii) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, e iii) Tenham tal semelhança que sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão (que compreende um risco de associação, de forma tal que o consumidor não consiga distingui-las senão depois de exame atento ou confronto;
D. Tal como o douto Tribunal a quo refere, os dois primeiros requisitos encontram-se inequivocamente subsumidos pela factualidade trazida aos presentes autos, mas, não assim, na óptica do Tribunal a quo, quanto à existência da imitação da(s) Marca(s) da Recorrente por parte da Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL), com o que, todavia, não concorda a Recorrente;
E. Quanto à prioridade das marcas da Recorrente, estas gozam de prioridade, porquanto todas elas foram pedidas e concedidas antes da apresentação do pedido de registo da Marca RegistandaAAA廣庭 (AAA GREAT HALL), ou seja, 05 de Março de 2010;
F. Quanto aos produtos e serviços a que as marcas em confronto se dirigem, constata-se que o âmbito merceológico da Marca Registanda AAA廣庭(AAA GREAT HALL) e das marcas da Requerente tem manifesta afinidade e, em alguns casos, é idêntico, tal como já demonstrado no quadro dos presentes autos;
G. Resulta de forma inequívoca dos autos que os serviços a que a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) se destina a assinalar coincidem quase na totalidade com os serviços assinalados pelas Marcas da Recorrente supra referidas, encontrando-se, assim, relativamente a estas, preenchido o requisito da identidade de serviços, para além do facto de as marcas da Recorrente se encontrarem registadas para um conjunto alargado de produtos e serviços relacionados, directa ou indirectamente, com a actividade da Recorrente e das respectivas subsidiárias na RAEM, no âmbito do sector turístico, hoteleiro e do jogo;
H. Ou seja, a identidade ou afinidade de serviços com a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) não se verifica apenas relativamente às marcas registadas para a classe 43 e antiga classe 42, mas também em relação a todas as que assinalem serviços de utilidade próxima e que sejam habitualmente' distribuídos através dos mesmos circuitos;
I. Quanto à semelhança dos sinais em confronto e consequente indução em erro do consumidor, tal como amplamente suportado pela doutrina e jurisprudência aplicável nesta sede, é entendido que a comparação entre as marcas deve ser feita por intuição sintética e não por dissecação analítica;
J. In casu, a marca da Recorrida é composta por uma expressão em língua inglesa e em caracteres chineses, coincidentes, ainda que parcialmente, com as Marcas da Recorrente, as quais, por sua vez, são compostas de expressões em língua e caracteres chineses e em expressões em língua inglesa;
K. Relativamente à comparação entre marcas em língua chinesa, a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL), reproduz o coração das marcas 澳門AAA (AAA MACAU), e AAA貴賓會 (AAA VIP CLUB), sendo comuns às três marcas os caracteres AAA, que significam “AAA”, e diferindo estas apenas nos seus elementos descritivos, respectivamente, 廣庭 (“Great Hall”), 澳門 (“Macau”) e 貴賓會 (“VIP Club”);
L. Por sua vez, as marcas AAA Macau, AAA VIP Club, AAA, AAA Towers, AAA Towers Macau, AAA Casino Macau, AAA Casino and Hotel Macau, AAA Global Resorts, AAA Club, AAA Club Macau coincidem, em termos ideográficos, no seu elemento essencial, “AAA”, com o elemento essencial e quase exclusivo da Marca Registanda AAA廣庭, ou seja, “AAA” em chinês (“AAA”);
M. A assinalada diferença relativamente aos elementos acessórios ou descritivos das marcas não obsta a que estas sejam consideradas confundíveis entre si, dado que tais componentes genéricas ou descritivas são irrelevantes na análise da semelhança entre as marcas, uma vez que não comportam, em si, carácter distintivo, ao contrário da expressão “AAA” (AAA) que, essa sim, dispõe de carácter distintivo;
N. Com efeito, não se trata aquele de um sinal usual ou sequer genérico, pois não designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados, nem de um sinal descritivo do produto ou serviço, pois não se dirige directamente à qualidade, quantidade, destino, valor ou qualquer outra característica do produto ou serviço; nem sequer se podem caracterizar como sinais fracos, ou seja desprovidos de capacidade distintiva marcante, porquanto reveste a capacidade de, isoladamente, distinguir uma espécie de produtos ou serviços;
O. A expressão que constitui o núcleo essencial - o coração das marcas da Recorrente reveste natureza fantasiosa, pois é apta a distinguir a vasta gama de produtos e serviços que comercializa sob tais marcas, o que lhe confere capacidade distintiva forte;
P. A marca cujo elemento quase exclusivo é “AAA” é uma marca notória e de prestígio na RAEM, fruto dos constantes esforços de publicidade e investimentos comerciais de divulgação e promoção da Recorrente, durante mais de uma década, confere-lhe capacidade distintiva adicional e, nessa medida, um âmbito mais alargado de protecção jurídica;
Q. Ainda que se entendesse que o distintivo “AAA” que constitui o núcleo essencial e primacial da marca, a expressão que perdura na memória do consumidor médio, era desprovido de eficácia distintiva forte, a verdade é que, pelo seu uso e progressiva utilização no território, tal capacidade distintiva foi sendo fortalecida, sendo uma marca forte na medida em que se dirige à comercialização de bens e serviços totalmente diferentes daqueles que a expressão que a compõe invoca, fortalecida pelo facto de ser de grande notoriedade e prestígio na RAEM, conhecida e identificada por uma franja muito considerável de consumidores;
R. Da comparação dos sinais em confronto, resultam semelhanças susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão (e o risco de associação com marca(s) anteriormente registada(s)) para que se considere verificado o conceito jurídico de imitação;
S. A marca registada integra a expressão “AAA”, sendo esta expressão que caracteriza fundamentalmente a marca da Recorrente, sendo inegável a semelhança fonética e gráfica entre as marcas da Recorrente e a marca recorrida, dado que o núcleo destes sinais são exactamente iguais - AAA;
T. A marca recorrida apresenta na sua caracterização elemento de referência alheio que é susceptível de gerar nos consumidores uma imediata e espontânea convicção de que se trata de uma marca pertencente à organização empresarial da Recorrente, ou do seu grupo de empresas, as quais utilizam na sua denominação a expressão “AAA”, única expressão pela qual é, na maior parte das vezes, a Recorrente conhecida;
U. O registo do sinal distintivo a favor da Recorrente confere à mesma o direito de uso exclusivo sobre a expressão “AAA”, no respectivo âmbito de mercado, pelo que o registo da marca recorrida integrando tal expressão, deixaria esvaziado de conteúdo os direitos decorrentes do registo da Recorrente, sobretudo se tivermos em conta que Recorrente e Recorrida são concorrentes;
V. Tal errada referenciação torna a marca recorrida inábil a uma eficiente e verdadeira distinção no mercado, pois a recondução dos respectivos serviços à Recorrente será inevitável, será imediata e impossível de esclarecer, existindo uma altíssima probabilidade de confusão por parte do consumidor em contratar com a Recorrida na convicção absoluta de que está a contratar com a Recorrente;
W. Conclui-se, portanto, que existe um risco elevadíssimo de o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, vir a confundir a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) com as Marcas da Recorrente, bem como a origem dos produtos ou serviços prestados ao abrigo das marcas em causa;
X. Por outro lado, mesmo que o risco de indução do consumidor em erro ou confusão não se considerasse forte, em sentido estrito, o que não se concede e somente se admite por mero dever de patrocínio, é por demais evidente que o consumidor é sempre levado a associar a marca AAA às marcas da Recorrente que contêm as expressões AAA, prioritariamente registadas, e em cujas marcas aquelas expressões constituem o seu elemento quase exclusivo;
Y. O consumidor médio que olha para a marca registanda será levado a considerar que esta marca dirá respeito a produtos e/ou serviços comercializados pela Recorrente, ou seja, o consumidor médio irá considerar que se trata de um produto e/ou serviço que provém da mesma origem empresarial, com natureza, características e qualidade semelhantes, até porque os produtos e/ou serviços se situam, em ambos os casos, num patamar de excelência;
Z. Ao contrário do que entende o Meritíssimo Juíz a quo é precisamente esse facto que potencia a possibilidade de confusão entre as marcas do Recorrente e da Recorrida na camada do público seu consumidor;
AA. O facto de Recorrente e Recorrida se tratarem de concorrentes e de se' movimentarem, no quadro da sua actividade comercial, em círculos de público idêntico e de padrões de qualidade similares, em que a alta qualidade dos serviços e produtos e o nível elevado de preços equalizam os respectivos produtos, agrava exponencialmente o risco de confusão e associação, pelo que existe o inegável risco de o consumidor médio ser facilmente levado a crer que a marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) é mais uma variante da marca original da Recorrente “AAA”;
BB. As semelhanças gráficas e sonoras entre as marcas em confronto, consideradas globalmente, são suficientes para fundamentar a existência de um risco de confusão entre as mesmas, não sendo essencial, inversamente ao entendimento professado pelo Tribunal a quo, as diferenças entre as marcas em oposição, pois tais diferenças serão relativizadas pelo consumidor médio, em detrimento do núcleo essencial coincidente das mesmas;
CC. In casu, tendo em conta que a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA, GREAT HALL), utiliza como elemento apelativo dominante - e precisamente na mesma ordem dispositiva - o mesmo elemento das Marcas da Recorrente, existe manifestamente risco de associação com os serviços prestados pela Recorrente e pelas suas subsidiárias na RAEM, o que tem sido considerado pela jurisprudência como fundamento de recusa de marca;
DD. Note-se, nesta sede, que o hotel-casino AAA Macau (actualmente, CCC) e o hotel-casino AAA Towers são duas unidades hoteleiras de luxo em que funcionam casinos destinados ao mercado VIP, ao passo que a BBB é operadora e franqueadora de várias cadeias de hotéis, de entre os quais alguns considerados mais económicos; Assim, ao utilizar a palavra AAA/AAA, que é associada na RAEM aos serviços prestados pela Recorrente, o público consumidor será levado a crer que uma unidade hoteleira da Recorrente em que se utilizem aqueles caracteres, é uma unidade operada no âmbito de um contrato de distribuição ou de outro qualquer tipo de relação comercial com a Recorrente;
EE. Tal utilização pode também fazer parecer que se trata de um empreendimento da Recorrente dirigido a um público-alvo diferente, dentro do mesmo sector de mercado - o sector do turismo, hotelaria;
FF. Em suma, uma análise atenta das marcas da Recorrente faz concluir, desde logo, que o elemento distintivo por excelência, aquele que de per si tem a capacidade de identificar e individualizar os produtos e serviços comercializados pela Recorrente e que, de facto, se constitui como o seu elemento essencial, quase exclusivo, é o sinal “AAA”;
GG. Do cotejo das marcas da Recorrente vemos que a tal sinal são acrescentados outros elementos, normalmente descritivos ou genéricos, que, apesar de isoladamente não serem susceptíveis de ter capacidade distintiva, em conjunto com o sinal “AAA”, o qual se reveste de capacidade individualizadora distintiva forte inegável, consubstanciam marcas aptas a identificar os produtos e serviços comercializados pela Recorrente;
HH. É também essa a percepção do público seu consumidor quando confrontado com qualquer sinal distintivo composto dessa forma, ou seja, iniciado com o sinal “AAA”, na medida em que o público em questão irá imediata e automaticamente criar a convicção de que se trata de uma marca da Recorrente, dirigida à comercialização dos produtos e serviços daquela;
II. O sinal “AAA” consubstancia, quase em exclusivo, o sinal que identifica os produtos e serviços disponibilizados pela Recorrente na RAEM, sendo como tal identificado e associado pela franja do público relevante como pertencendo à Recorrente, razão pela qual é tal sinal merecedor de especial tutela jurídica neste território;
JJ. É indesmentível que quando, na RAEM, surge um sinal distintivo nos moldes que caracterizam as marcas da Recorrente, i.e., iniciados pelo vocábulo “AAA” e depois acompanhado de outros termos que desempenham funções descritivas ou genéricas, o público relevante associa imediatamente tais marcas à Sociedade Recorrente, facto sustentado ainda pela circunstância de a firma da sociedade Recorrente ser composta pela expressão “AAA” e, também por essa razão, ser conhecida no território da RAEM apenas e só por “AAA”;
KK. As Marcas da Recorrente são compostas nesses moldes: AAA Macau, AAA Vip Club, AAA, AAA Towers, AAA Towers Macau, AAA Macau, AAA Casino Macau, AAA Casino and Hotel Macau, AAA VIP Club, AAA Global Resorts, AAA Club, AAA Club Macau;
LL. O público alvo, quando confrontado com estas marcas associa imediatamente à Recorrente, na mesma medida em que irá fazê-lo com a marca AAA Great Wall, sobretudo porquanto a Recorrente tem vindo a desenvolver, há já largos anos, uma política de divulgação e promoção da sua imagem e da marca AAA no território da RAEM, alvo dos produtos e serviços a que tal marca se dirija associe tal sinal à Recorrente, que a tornaram uma entidade notoriamente conhecida e beneficiária de grande reputação no território;
MM. Concluindo, é isento de dúvidas que, sendo aceite o pedido de registo formulado pela Recorrida, e contra o qual a ora Recorrente luta, a existência de confusão e associação entre a marca registanda e as marcas da Recorrente é um dado adquirido;
NN. A Recorrida pretende o registo da marca “AAA Great Hall”, ou seja, uma marca composta nos mesmos termos em que as marcas da Recorrente e, dessa forma, o modo pelo qual são conhecidas pelo público seu consumidor e pelo qual circulam no tráfego comercial e jurídico;
OO. É claro que, se tal marca for registada, o público alvo irá, sem mais, associá-la à ora Recorrente, facto exponenciado pela circunstância de ser idêntico o público consumidor dos produtos e serviços comercializados por ambas as partes, Recorrente e Recorrida, nos termos anteriormente explicitados;
PP. Tratam-se de marcas relativas a produtos e serviços de qualidade elevada e da mesma gama de preços, o que, de per si, contribui, ainda mais, para a inevitabilidade do risco de confusão e associação entre elas, pelo que, nessa medida, aumenta igualmente a exigência de protecção jurídica que as marcas da Recorrente devem gozar no território da RAEM;
QQ. O argumento da existência da marca registada anterior da Recorrida, “Holiday Inn DDD Plaza” (o que aliás, como já se comprovou, não corresponde à verdade), para sustentar que não há risco de confusão com as marcas da Recorrente não colhe, porquanto a aparência visual em ambos os casos é totalmente díspar, sendo igualmente diferentes os seus elementos primaciais e a capacidade distintiva de cada um dos elementos que as compõem;
RR. A marca “Holiday Inn DDD Plaza”, não obstante a expressão “DDD” e não “AAA” estar contida na sua composição - fonética e graficamente similar ao vocábulo “AAA” que constitui a marca, quase em exclusivo, da Recorrente e o nome pelo qual é conhecida pelo público em geral e o público em especial no território da RAEM - a verdade é que a sua relevância e destaque é indiscutivelmente menor do que nas marcas da Recorrente;
SS. Ao invés das marcas da Recorrente, em que o elemento distintivo é “AAA” e os demais elementos assumem uma função descritiva ou genérica, o elemento “DDD” na marca da Recorrida tem muito menor destaque, sendo totalmente subalternizado em comparação com os vocábulos “Holiday Inn”, indiciando, aliás, ser um mero descritivo de tais vocábulos;
TT. O público alvo, ao ser confrontado com esta marca, irá manter na sua memória a expressão “Holiday Inn” e não “AAA”, que perde carácter distintivo para aquela expressão, ao passo que na marca registanda “AAA Great Hall” o elemento essencial e, aliás, o único que perdurará na memória do público seu consumidor será “AAA”;
UU. Assim, é descabido sustentar a inexistência de risco de confusão entre as marcas em confronto com base na existência de uma alegada marca anterior que contém a expressão “DDD” porque, na verdade, as situações concretas são verdadeiramente incomparáveis;
VV. Em conclusão, não se concorda com o entendimento do Tribunal a quo, quando afirma que não existe qualquer risco de confusão e, consequentemente, de associação entre as marcas em crise, quando, de facto, esse risco existe e é substancial e manifesto;
WW. Face à imitação das suas marcas e manifesto risco de associação com aquelas, a Recorrente é séria e gravemente prejudicada, sobretudo tendo em conta a diluição do poder impressivo das marcas da Recorrente na RAEM;
XX. Conclui-se, então, que estão observados todos os pressupostos para o preenchimento do conceito jurídico de imitação e, nessa medida, para a recusa do pedido de registo de marca previstos na alínea b) do n.º 2 do art. 214.º do RJPI;
YY. É ainda firme convicção da Recorrente que a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) constitui ainda reprodução de marcas notórias e de prestígio na RAEM registadas a favor da Recorrente;
ZZ. As Marcas da Recorrente, algumas delas registadas na RAEM há mais de uma década, gozam de clara notoriedade na Região, sendo de imediato associadas pelo consumidor aos dois empreendimentos em que a marca AAA e as demais Marcas da Recorrente foram e vêm sendo utilizadas, nomeadamente o casino-hotel AAA Macau (hoje denominado CCC e o hotel casino AAA no EEE);
AAA. A Recorrente e as suas subsidiárias na RAEM têm realizado múltiplas campanhas publicitárias em vários meios de comunicação, incluindo a televisão e o cinema, ou mediante a distribuição de materiais publicitários, anúncios em transportes e locais públicos, anúncios na imprensa escrita e através de meios audiovisuais, tendo os meios de comunicação social de Macau e internacionais dedicado bastante atenção aos projectos de que a Recorrente é co-responsável em Macau, e em que são utilizadas as suas Marcas;
BBB. A expressão “AAA”, sob a forma de anúncio luminoso, no topo da torre em que funciona o hotel-casino AAA Towers, constitui um elemento destacado no complexo EEE e no Cotai;
CCC. As Marcas da Recorrente são hoje associadas à qualidade dos serviços prestados nos empreendimentos acima referidos, reputação essa que vem sendo formada desde a abertura do AAA Macau, e que decorre igualmente do prestígio internacional das Marcas da Recorrente, nomeadamente do empreendimento de luxo que a Recorrente opera em Melbourne, atestado pela documentação junta aos presentes autos;
DDD. As Marcas da Recorrente são sobejamente conhecidas pelo público-alvo dos serviços prestados pelas subsidiárias da Recorrente e imediatamente associadas a estes;
EEE. O registo da Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) deve também ser recusado, nos termos da citada alínea b) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI.
FFF. Ademais, não é apenas o público-alvo dos serviços prestados pela Recorrente que imediatamente reconhece as respectivas marcas e as associa a tais serviços, mas também a generalidade do público consumidor reconhece as Marcas da Recorrente, o que as torna, não só marcas notórias, como igualmente marcas de prestígio;
GGG. A celebridade de que gozam as Marcas da Recorrente decorre, em grande parte, da actividade de promoção das mesmas levada a cabo pela Recorrente e pelas suas subsidiárias, o que envolve gastos anuais de vários milhões de patacas, pelo que a reprodução das Marcas da Recorrente pela Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) constitui também um aproveitamento indevido desse esforço de promoção, bem como dos gastos realizados pelas subsidiárias da Recorrente na prestação de serviços de elevada qualidade;
HHH. No presente caso verifica-se também um aproveitamento indevido, sobre prestígio das marcas da Recorrente por via da marca registanda, uma vez que, sendo as marcas da Recorrente marcas mundialmente conhecidas e prestigiadas, merecem tutela independentemente do efectivo risco de confusão que causem no mercado;
III. Mesmo que se considere não existir risco de confusão entre a marca registanda e as marcas da Recorrente, o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre deverá o registo da marca registanda ser recusado, uma vez que é notório o aproveitamento da imagem global e do prestígio das marcas da Recorrente;
JJJ. As marcas de grande prestígio têm grande força atractiva, denominada doutrinalmente por selling power e, por força, entre outros, da forma como a marca é comunicada, tornam-se em marcas comercialmente fortes desempenhando uma grande função económica, para além de serem um importante activo para as empresas (função publicitária das marcas);
KKK. A protecção da função publicitária, juntamente com a protecção da função distintiva, impede que um terceiro se possa aproveitar da marca de grande prestígio para promover os seus próprios produtos ou serviços, da mesma maneira que impede ainda que possa prejudicar a capacidade distintiva ou o prestígio da marca mais conhecida;
LLL. Ao usar a marca registanda a Recorrida está a aproveitar-se do selling power das marcas da Recorrente e a tirar partido indevido do seu carácter distintivo e do seu prestígio, que se conduz a uma situação de aproveitamento parasitário das representações positivas que a Recorrente e suas marcas têm vindo a acumular, verificando-se a sua diluição e associações a concorrentes que são susceptíveis de resultar em detrimento da reputação e da imagem da Recorrente;
MMM. Tratando-se os produtos e/ou serviços comercializados sob as marcas em confronto produtos idênticos ou afins, de qualidade elevada e destinados a um público consumidor equiparado, por serem aqueles de preço elevado, a verdade é que a protecção dada às marcas de grande prestígio tem de ser maior, precisamente para evitar fenómenos de diluição de marcas notoriamente desconhecidas e de prestígio, como é o caso da marca da Recorrente;
NNN. Sendo a Recorrente sobejamente conhecida no território da RAEM por via da sua denominação e suas marcas que, que têm como elemento de destaque exclusivo a expressão “AAA”, qualquer potencial marca cuja composição destaque quase exclusivamente a expressão “AAA” ou qualquer outra cuja grafia e fonética seja tão semelhante àquela que dê azo a que seja associada às marcas da Recorrente, é susceptível de, por um lado, criar no espírito do público a errónea convicção que se trata de uma marca titulada pela Recorrente ou alguém seu autorizado ou com uma relação comercial, daí resultando um risco de confusão e associação entre as marcas e a sua origem, e, por outro lado, a diluição da marca manifestamente de prestígio no território da RAEM;
OOO. Se porventura fosse requerido o registo da marca “FFF Great Hall” ou “GGG Great Hall”, a convicção criada imediatamente no público alvo seria a de que eram marcas tituladas pelo FFF ou pelo GGG, precisamente pelo facto de se tratarem de marcas de prestígio;
PPP. Ao invés, se a marca requerida fosse Holiday Inn HHH Great Hall ou Holiday Inn III Great Hall, tendo em conta que o elemento que mais se destacaria e perduraria no espírito do consumidor não seria tanto o elemento HHH ou III mas outrossim Holiday Inn, pelo que aqui sim, a possibilidade de confusão era muito menor;
QQQ. Conclui-se, então, que estão preenchidos os pressupostos para a recusa da Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL), por reproduzir marcas de prestígio, independentemente do tipo de serviços a que se destinem, nos termos das acima citadas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI. ,
RRR. Por outro lado, o eventual registo da Marca Registanda AAA廣庭(AAA GREAT HALL) e consequente utilização da mesma pela Recorrida, suas subsidiárias, ou ao abrigo de relações comerciais de qualquer tipo, é susceptível de configurar um acto de concorrência desleal, nos termos combinados dos artigos 9.º do RJPI e 156.º e ss. do Código Comercial;
SSS. O Tribunal a quo, na sentença recorrida, incorre num erro de facto ao referir-se à marca P/1XXXX (“Holiday Inn DDD Plaza”) da Recorrida como sendo a primeira das marcas com a expressão AAA a ser registada em Macau, quando, na verdade, a Recorrente é titular de várias marcas cujo registo é anterior ao da marca P/1XXXX (“Holiday Inn DDD Plaza”), datadas de 1996;
TTT. Por outro lado, não parece que caiba ao Tribunal a quo suscitar ou pronunciar-se sobre uma qualquer existência de alegada concorrência desleal relativamente a uma marca que não tinha, à altura, e não tem, no contexto geográfico de Macau, força atractiva sobre a qual pudesse incidir qualquer acto de concorrência desleal da parte da Recorrente;
UUU. Mesmo que assim sucedesse, o que não se concede e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, ditam as normas aplicáveis em matéria de concorrência desleal que o prazo para a sindicância judicial de uma alegada situação de concorrência desleal - que nunca ocorreu nem poderia ter ocorrido, dada a fraca presença no território da RAEM das marcas da Recorrida, há muito que se esgotou;
VVV. As “outras” marcas registadas com as expressões “AAA”, ou são marcas pertencentes à Recorrente (ou ao seu grupo de empresas), ou são marcas a favor de outras entidades, mas para as quais a Recorrente prestou o respectivo consentimento, recebendo uma contrapartida económica;
WWW. Nessa senda, o documento de fls. 394 dos autos tem de ser interpretado no sentido em que apenas se reporta às marcas aí identificadas e não a quaisquer outras, não se podendo retirar da existência de tal acordo a conclusão genérica e generalista que todas as marcas concorrentes (ou seja, todas as marcas confundíveis da Recorrente e Recorrida) “ (…) convivem de forma saudável, têm âmbitos de actuação definidos e co-existentes (…) ”;
XXX. Fora daquelas duas situações, a Recorrente reage contra o registo de sinais distintivos por parte de terceiros que coloquem em perigo os seus direitos registados, desde que exista uma possibilidade de concorrência desleal, como sucede no caso sub judice;
YYY. Totalmente diferente é a Recorrida pretender utilizar a expressão “AAA” na sua marca, podendo tal circunstância levar o consumidor médio a pensar que a Sociedade Recorrida faz parte do universo empresarial da Sociedade Recorrente ou que, entre elas, existe uma relação comercial, o que levaria a mesma a beneficiar da grande notoriedade e prestígio da(s) marca(s) da Recorrente;
ZZZ. Assim, no presente caso, ainda que não haja intenção de concorrência desleal, o registo da marca recorrida terá necessariamente que ser recusado, por tal concorrência desleal ser possível, independentemente da intenção do titular da marca registanda;
AAAA. Tal conclusão é fortalecida pelo facto de Recorrente e Recorrida se movimentarem comercialmente no âmbito dos mesmos círculos, sendo, efectivamente, concorrentes;
BBBB. Assim, tendo em conta que quer a Recorrente e as suas subsidiárias, quer a BBB operam nos mesmos circuitos, partilhando o público-alvo, e dirigem-se ao mesmo tipo de clientela, cuja preferência pretendem captar, bem como a identidade acima demonstrada entre os serviços a que se destinam, por um lado, a Marca Registanda AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) e, por outro, as marcas da Recorrente, não restam dúvidas que as entidades em causa são concorrentes directas na RAEM;
CCCC. A tentativa de registo da marca AAA廣庭 (AAA GREAT HALL) na RAEM constitui um acto de concorrência contrário às normas e usos honestos, porquanto através do referido registo, a BBB está a fazer um aproveitamento indevido da reputação empresarial da Recorrente em benefício de si própria e de qualquer entidade que venha a utilizar tal marca na RAEM, visto que esta é em tudo semelhante às Marcas da Recorrente;
DDDD. É inegável que a existência do vocábulo dominante “AAA” impõe um inconsciente apelo automático à marca da Recorrente, provocando uma fatal semelhança entre as marcas daquela e a marca registanda, pelo que o consumidor será induzido em erro ou confusão;
EEEE. A semelhança entre as marcas em confronto e a identidade dos seus serviços e, bem assim, a homogeneidade dos patamares de excelência em que operam torna susceptível que a mesma camada de público consumidor a que se dirige apenas se aperceba de que as mesmas não pertencem à mesma entidade depois de um exame especialmente atento, pois doutra maneira, o consumidor irá contratar serviços de uma sociedade quando pensa que está a contratar serviços pertencentes a uma outra Sociedade (ou de uma entidade a ela associada) que já conhece e aprecia;
FFFF. Existe um forte risco de confusão e de associação entre a Marca RegistandaAAA廣庭(AAA GREAT HALL) e as Marcas da Recorrente, circunstância idónea a interferir na posição concorrencial dos agentes económicos, assim como nas opções dos consumidores, podendo mesmo efectivamente conduzir a um desvio de clientela;
GGGG. Daqui poderão resultar prejuízos para a Recorrente e, pelo contrário, vantagens comerciais para a Recorrida sem que a mesma tenha feito qualquer investimento, e beneficiará claramente do nome e de prestígio associada à Marca da Recorrente e, indirectamente, dos avultados investimentos da ora Recorrente e suas subsidiárias na promoção dos seus produtos, serviços e marcas;
HHHH. A Recorrente não deseja ver as suas marcas associadas a uma concorrente directa das subsidiárias da mesma, como é o caso da BBB;
IIII. A concorrência da Ré é, portanto, manifestamente desleal porquanto esta está a aproveitar, de forma ilícita e parasita, todo o passado, história e enormes investimentos efectuados pelas marcas da Recorrente para os quais em nada contribuiu, vivendo, portanto, à “sombra” da imagem que as marcas da Recorrente granjearam;
JJJJ. Mantendo-se a continuação do registo e da utilização da marca recorrida estar-se-á a legalizar não só a imitação e diluição das marcas da Recorrente, pois a primeira irá certamente enfraquecer a eficácia distintiva das segundas, como ainda a pactuar-se com um locupletamento à custa de grandes e duradouros investimentos no desenvolvimento da imagem referente aos produtos e serviços abrangidos pelas marcas da Recorrente, de marketing e promoção, de controlo de qualidade de um concorrente numa marca alheia;
KKKK. Conclui-se, então, que estão reunidos todos os pressupostos para a recusa do pedido de registo de marca por constituir um acto de concorrência desleal, que constitui um fundamento geral de recusa, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI;
NESTES TERMOS, e nos mais de direito aplicável, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença do Tribunal a quo que manteve a decisão da DSE relativamente ao pedido de registo com o número N/08XXXX, o qual deverá ser recusado porquanto:
a) a Marca Registanda AAA廣庭(AAA GREAT HALL) é uma reprodução de marca anteriormente registada por outrem para serviços afins e poderá induzir em erro ou confusão o público, o que constitui fundamento geral de recusa, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI;
b) a Marca Registanda AAA廣庭(AAA GREAT HALL) constitui reprodução de marcas notórias e de prestígio da Recorrente, o que constitui fundamento de recusa, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI; e
c) a Marca Registanda AAA廣庭(AAA GREAT HALL) constitui um meio idóneo para criar confusão com os serviços associados às marcas da Recorrente, podendo ainda resultar num aproveitamento indevido da reputação dos serviços associados à marca da Recorrente em favor da Recorrida, o que constitui fundamento geral de recusa nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.
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A recorrida particular “BBB Hotels, Inc.” respondeu ao recurso com as seguintes conclusões alegatórias:
«I. A Recorrente AAA MELBOURNE L1MITED, inconformada com a douta sentença do Tribunal de Primeira Instância que confirmou o despacho proferido pela Direcção dos Serviços de Economia, de 10/01/2011, publicado na Série II, do Boletim Oficial de Macau, de 02/02/2011, através do qual foi concedido à ora Recorrida o registo da marca N/4XXXX, composta pela parte nominativa, JJJ广庭, para a classe 43, veio interpor o Recurso a que ora se responde.
II. A marca N/4XXXX trata-se de uma marca nominativa que consiste em: JJJ广庭 (em Chinês simplificado) JJJ廣庭 (em Chinês tradicional) e é romanizada como “BBB KUONG TENG”.
III. Em sede do presente recurso, insiste a Recorrente que a concessão à ora Recorrida da Marca N/4XXXX, JJJ广庭, a prejudica de forma directa e efectiva, uma vez que, alegadamente: a) a referida marca constitui reprodução de marcas anteriormente registadas pela Recorrente; b) as marcas registadas pela Recorrente gozam de notoriedade (ou prestígio, nunca deixou claro a Recorrente) em Macau; c) o uso da marca registanda é susceptível de consubstanciar um acto de concorrência desleal.
IV. A ora Recorrida é uma sociedade com sede nos Estados Unidos da América, que integra o grupo “KKK Hotels Group”, líder mundial de empresas hoteleiras, e explora, entre outros, os hotéis da marca DDD PLAZA, sendo que existem 388 hotéis da cadeia DDD Plaza, com 106, 155 quartos, e estão em fase de conclusão outras 123 unidades hoteleiras sob a mesma marca.
V. Em Macau, a Recorrida é, incontestavelmente, titular das seguintes marcas que incluem as expressões AAA e DDD: Marca P/1XXXX, «HOLIDAY INN DDD PLAZA», cujo pedido de registo foi solicitado em 03.08.1990; Marca P/XXXX5, «AAA假日酒店» (BBB KA IAT CHAO TIM), cujo pedido de registo foi solicitado em 04.12.1990, ambas na Classe 42, para os seguintes serviços: “Serviços de alojamento, hotel, bar, restaurante, banquetes, motel, discotecas e serviços de reserva de hotel e de aprovisionamento.” Em 18 de Abril de 2011, a ora Recorrida requereu em Macau o registo da sua marca “DDD PLAZA” junto da DSE tendo o referido pedido sido já objecto de publicação, e requerido em 21 de Março de 2006, à Recorrida também já foi concedido em Macau o registo da marca , para a classe 42.
VI. As datas relevantes ara efeitos de prioridade não são as datas de concessão mas sim as datas em que foram apresentados os pedidos de registo das referidas marcas conforme resulta expressamente do n.º 1, do artigo 15.º do RJPI.
VII. Com interesse o fundamento que se prende com a alegada reprodução de marcas anteriormente registadas, cumpre sublinhar que de todas as marcas invocadas pela Recorrente nas suas alegações de recurso, apenas 3 são compostas pela expressão “AAA” conjuntamente com outras expressões, na classe 43, sem que no entanto se incluam qualquer referência a serviços de hotelaria ou qualquer outro tipo de alojamento, a saber: Marca N/2XXXX, «AAA Global Resorts», desde 18.04.2007; Marca N/X8XX5, «AAA貴賓會» (“AAA VIP Club” ou “BBB KUAI PAN WUI (C.C.)”, desde 08.05.2007; e a Marca N/XX65X, «AAA VIP Club», desde 08.05.2007.
VIII. Conforme referido supra, há muito que a Recorrida é titular de marcas compostas pela expressão “DDD”, nomeadamente da Marca P/1XXXX «HOLIDAY INN DDD PLAZA», cujo pedido foi apresentado em 03/08/1990, e Marca P/XXXX5, «AAA假日酒店» (BBB KA IAT CHAO TIM), cujo pedido foi apresentado em 04.12.1990, ambas na classe 42 para os seguintes serviços: “Serviços de alojamento, hotel, bar, restaurante, banquetes, motel, discotecas e serviços de reserva de hotel e de aprovisionamento.”.
IX. Aliás, muito antes, entre 12/12/1997 e 12/12/2007, a ora Recorrida foi titular em Macau da marca P/X3XXX, que consistia em «DDD PLAZA» para designar serviços da classe 42 (vide DOC. 21 junto aos presentes autos com a resposta da Recorrente ao Recurso interposto pela Recorrente no Tribunal Judicial de Base).
X. Pelo que, se os argumentos da Recorrente eventualmente procedessem, o que apenas por mera hipótese académica se admite, então sempre haveria forçosamente que concluir que todas as suas marcas compostas pela expressão AAA ou AAA seriam inválidas, porquanto foram registadas posteriormente e são confundíveis com as marcas compostas pelas mesmas expressões previamente registadas pela Recorrida.
XI. A ora Recorrida e a Recorrente, então denominada “AAA Limited”, celebraram um Acordo de Coexistência, donde resulta expressamente que a Recorrente reconhece, em seu nome e em nome de qualquer das suas afiliadas, que assiste à BBB Hotels Inc., ora Recorrida, o direito de registar a marca DDD PLAZA em relação aos serviços e nos países em que se aplica o referido acordo.
XII. A marca registanda «AAA广庭» trata-se da tradução para a língua e caracteres chineses da marca da ora Recorrida “DDD PLAZA”.
XIII. A marca ora sub judice não constitui reprodução das marcas anteriormente registadas pela Recorrente, bem sabendo a Recorrente que antes de ter começado a usar a marca “AAA” já a ora Recorrida era titular e usava a marca “DDD PLAZA” para identificar os seus hotéis em todo o Mundo.
XIV. Conforme realçou já a Recorrida DSE que para além da Recorrente, também a ora Recorrida, bem como a “LLL International” são titulares, desde 1997 e 2007, respectivamente, de marcas nominativas compostas pela expressão “AAA” (BBB), e destinadas a designar serviços afins ou idênticos àquelas que as marcas de que é titular a Recorrente se destinam a assinalar, nomeadamente os serviços da classe 43 - cfr. artigos 7.º e 8.º da Resposta ao Recurso Judicial apresentado pela Recorrida DSE e que consta de fls. 207 e seguintes dos presentes autos.
XV. A expressão “AAA” quando utilizada numa marca que pretenda assinalar serviços da classe 43 não é propriedade exclusiva da Recorrente, ao contrário daquilo que a mesma pretende fazer crer através do Recurso a que ora se responde, e nem é por ela apropriável, por se tratar de uma expressão comum de uso corrente e que por isso não é apropriável em exclusivo por ninguém.
XVI. A marca da ora Recorrida é um todo incidível, onde o elemento divergente - 广庭 - confere eficácia distintiva à marca recorrida, impedindo que o elemento comum - AAA - leve o consumidor médio não especialmente atento nem especialmente distraído, tome uma marca pela outra ou que, mesmo que distinga os sinais em confronto possa associá-los e, assim, ligar também os serviços marcados por aqueles sinais, necessitando, para desfazer a confusão ou a associação de examinar atentamente cada uma das marcas ou confrontá-las uma com a outra.
XVII. A Recorrente, ao contrário dos ensinamentos da jurisprudência e doutrina maioritárias, disseca analiticamente a marca AAA广庭 e conclui que, existindo uma coincidência do termo AAA, quando traduzido para Inglês, tal significa forçosamente que a marca quando considerada no seu todo é confundível com a expressão nominativa “AAA”, sobre a qual a Recorrente indevidamente se arroga a deter um exclusivo.
XVIII. Quando falamos do consumidor médio relativamente ao tipo de serviços em causa, não falamos de um consumidor que passa apressadamente por um corredor de supermercado e adquire um produto inadvertidamente, confundindo-o com outro ou associando-o ao mesmo empresário, na medida em que a natureza dos serviços em causa implicam um consumidor mais atento.
XIX. Para que se consubstancie a imitação da marca seria necessário que o consumidor deste tipo de serviço, com as características medianas de inteligência, zelo e compreensão, razoavelmente informado, confundisse ou associasse a marca registanda com as marcas da Recorrente, o que dificilmente se vislumbra como poderia suceder!
XX. A Recorrente, ao ter escolhido para identificar os seus serviços uma marca composta por um sinal -AAA- o qual já era anteriormente utilizado por outros empresários, para assinalar as mais variadas espécies de serviços ou produtos, sabia à partida que estaria sujeita a uma protecção fraca da sua marca.
XXI. A expressão “AAA” ou a figura de uma coroa, símbolos de excelência e qualidade, terem vindo a tornar-se comuns em muitos estabelecimentos, nomeadamente de hotelaria e restauração, dando-se como exemplo em Macau o “Hotel MMM”, que no topo do seu edifício tem uma enorme coroa, entre tantos outros.
XXII. Não pode exigir agora a Recorrente que o sinal da Recorrida guarde maior distância em relação ao seu sinal do que aquela que ela própria observou relativamente a sinais preexistentes, tal situação configurara um claro abuso de direito, pois se a curta distância entre a marca registada e a marca registanda é inaceitável, então também seria inaceitável a curta distância daquela às marcas antecedentes.
XXIII. Face ao supra exposto, não se encontram reunidos os pressupostos para o conceito jurídico de imitação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, devendo manter-se assim a douta sentença recorrida.
XXIV. Não é verdade que os serviços por si prestados, assinalados pela marca AAA conta com excepcional notoriedade na RAEM, pois que um dos hotéis de maior visibilidade explorado pela Recorrente em Macau é o CCC e o outro, AAA TOWERS, é muito recente, sendo conhecido em Macau apenas por estar incluído no complexo EEE, onde aliás se concentram a maior parte dos serviços prestados pela sociedade Recorrente.
XXV. Os serviços prestados pela Recorrente sob as marcas de que a mesma é titular e que alega estarem a ser imitadas pelas Recorrida, são todos prestados em Macau num único local: no complexo EEE, pelo que, querendo gozar dos serviços prestados pela Recorrente, qualquer consumidor médio, minimamente atento, sabe perfeitamente onde se deve deslocar, não existindo assim qualquer risco de confusão por parte dos consumidores entre as marcas de que é titular a Recorrente e a marca Registanda.
XXVI. A marca DDD PLAZA de que é titular a ora Recorrida em todo o Mundo e cujo registo é objecto do presente recurso, é largamente conhecida pelos consumidores atentos da indústria hoteleira, sendo que a notoriedade das marcas da Recorrente constituídas pela expressão AAA, não tem paralelo com a notoriedade, em Macau e a nível internacional, que a marca DDD PLAZA de que a ora Recorrida é titular em quase todo o Mundo.
XXVII. No que se refere ao exemplo avançado pela Recorrente, “se porventura fosse requerido o registo da marca “FFF Great Hall” ou “GGG Great Hall”, a convicção criada imediatamente no público alvo seria a de que eram marcas tituladas pelo FFF ou pelo GGG, precisamente pelo facto de as marcas tituladas por estes se tratarem de marcas de prestígio.”, cabe acrescentar que a convicção criada imediatamente no público alvo caso essas marcas fossem “FFF AAA” ou “GGG AAA” seria exactamente a mesma, i.e. que tais marcas seriam tituladas pelo FFF ou pelo GGG.
XXVIII. Face ao supra exposto, e salvo devido respeito por melhor opinião, não estão preenchidos os pressupostos para a recusa da marca registanda nos termos previstos nas alíneas b) ou c) do artigo 214.º do RJPI, devendo manter-se assim a douta sentença recorrida.
XXIX. Não existe qualquer erro de facto, quando o Tribunal a quo, na sentença recorrida, se refere à marca P/1XXXX (“Holiday Inn DDD Plaza”) da Recorrida como sendo a primeira das marcas com a expressão “AAA” a ser registada em Macau, pois que, como se disse, as datas relevantes para efeitos de prioridade não são as datas de concessão, mas sim as datas em que foram apresentados os pedidos de registo das referidas marcas, conforme resulta expressamente do n.º 1, do artigo 15.º do RJPI.
XXX. A concorrência desleal pressupõe a verificação de três requisitos: i) acto de concorrência; ii) contrário às normas e usos honestos; iii) de qualquer ramo de actividade económica.
XXXI. In casu a pretensão da ora Recorrida em registar em Macau a “AAA广庭” não constitui qualquer acto de concorrência desleal para com a Recorrente, ou para com qualquer outra entidade que utilize marcas compostas pela expressão “AAA” ou “AAA”.
XXXII. Pelo contrário, a marca registanda assinala bem a diferença entre esta e a marca “AAA” ou “AAA” da Recorrente, pois a marca AAA广庭, permite a qualquer consumidores médio identificar os serviços prestados pela Recorrida.
XXXIII. A marca da Recorrida goza já do prestígio e notoriedade, a nível internacional e em Macau, junto do grande público e a ora Recorrida não necessita de forma nenhuma ancorar-se na Recorrente para se instalar e ter sucesso no mercado hoteleiro de Macau, ou em qualquer outro mercado do Mundo.
XXXIV. Para o efeito a ora Recorrida conta já com a experiência de longos anos, mais de 4,437 hotéis espalhados pelo Mundo, 388 dos quais da marca DDD PLAZA, e com o facto de pertencer ao maior grupo hoteleiro do Mundo, bebendo e partilhando da experiência, know-how e bons resultados alcançados pelo referido Grupo.
XXXV. É consabido que Macau é um destino procurado por cerca de 32 milhões de turistas por ano (no ano de 2014), vindos de todas as partes do Mundo, em que a marca DDD PLAZA é comummente conhecida e reconhecível por altíssima percentagem de tais visitantes, sendo que na China a marca DDD PLAZA foi já reconhecida como sendo a marca internacional com maior reconhecimento.
XXXVI. Por outro lado, Macau conta com cerca de 550 000 habitantes, sendo notório e conhecido que uma grande percentagem dessa população se desloca com frequência a países e territórios limítrofes onde a marca da ora Recorrida se encontra plenamente estabelecida, sendo inegável que a marca DDD PLAZA é também reconhecida como marca de prestígio em Macau.
XXXVII. Os consumidores sabem exactamente onde devem procurar os serviços oferecidos com a marca “AAA” por parte da Recorrente, designadamente, conhecem perfeitamente os locais em Macau onde esses serviços são prestados,
XXXVIII. O local onde a Recorrente presta os seus serviços é perfeitamente identificável pelo consumidor médio, por estabelecer uma relação directa entre a marca da Recorrente e o local onde o seu estabelecimento se integra (EEE), pelo que,
XXXIX. Ao contrário do alegado pela Recorrente, que não existe qualquer risco de confusão ou de associação entre a Marca Registanda e as marcas da Recorrente.
XL. Não existe qualquer circunstância passível de causar uma interferência na posição concorrencial dos agentes económicos, assim como nas opções dos consumidores, que possa efectivamente conduzir, ou vir a conduzir, a um desvio de clientela.
XLI. Em suma, o uso da marca AAA广庭 não é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração de reputação alheia, pelo que a concorrência na disputa de clientela não pode ser considerada desleal por ser insusceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica, designadamente através de actos de confusão ou actos parasitários.
XLII. Pelo que, também nesta sede deverá ser considerado improcedente o Recurso interposto pela Recorrente, por não estarem reunidos os pressupostos que constituem fundamento geral de recusa, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI, devendo manter-se assim a douta sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o Recurso apresentado pela Recorrente AAA Melbourn Limited ser julgado improcedente, e em consequência ser proferido douto Acórdão que confirme e mantenha na integra a Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, de 21 de Outubro de 2014, mediante a qual se julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se assim o despacho mediante o qual a Direcção dos Serviços de Economia concedeu à ora Recorrida o registo da marca N/4XXXX, que consiste em «AAA广庭» para a classe 43.».
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A entidade administrativa não contra-alegou.
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença impugnada deu por provada a seguinte factualidade (que enumeraremos):
«1 - Por despacho de 10 de Janeiro de 2011, publicado no B.O. II Série de 2 de Fevereiro de 2011, a DSE concedeu à BBB o registo da marca AAA广庭 (em inglês “AAA Great Hall” e romanizado como “BBB Kuong Teng”), para a classe 43, sob o n.º N/4XXX3
2 - A Recorrente é titular, na RAEM, entre outras, das marcas 澳門AAA(“AAA Macau” ou “Ou Mun BBB”) , para as classes 39, 41 e 42 (N/1XXXX a N/XXXX5); AAA貴賓會 (“AAA VIP Club” ou “BBB Kuai Pan Wui”), para as classes 35, 39, 41 e 43 (N/2XXXX a N/XXXX7); AAA, para as classes 16, 17, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 45 (N/XXX, N/XXX, N/29XXX a 29XXX); AAA Towers, para as classes 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 45 (N/XXX, N/XXX, N/XXXX9 a N/XX8XX); AAA Towers Macau, para as classes 39 e 41 (N/XXX3X e N/XXX33); AAA Macau, para as classes 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 45 (N/XXX29, NXXX30 e N/29XXX a N/2XXX8); AAA Casino Macau e AAA Casino and Hotel Macau, para as classes 39 e 41 (N/X78XX, N/X7XXX, N/XX83X e N/X78XX); AAA VIP Club, para as classes 35, 39, 41 e 43 (N/XX65X a N/XXX61); AAA Global Resorts, para as classes 35, 39, 41 e 43 (N/XXXX4 a N/2XXXX); AAA Club, para a classe 41 (N/X25XX) e AAA Club Macau, para a classe 41a (N/22XXX).
3 - Em nome da recorrida encontra-se registada a marca Holiday Inn DDD Plaza - P/1XXXX - 7.11.97 - Cfr. doc. fls. 390».
Acrescentam-se ainda os seguintes factos:
4 - A favor da recorrida, encontra-se registada a marca , para a classe 42, por despacho de 25/02/2008, publicado no B.O. nº 14/2008, de 2/04/2008 (conforme acórdãos deste TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010, e de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012); (doc. 19 indicado pela recorrida)
5 - A recorrida particular “BBB Hotels, Inc.” tem ainda registada em seu nome, para a classe 42, a marca AAA假日酒店 que, romanizada, se lê BBB KA IAT CHAO TIM), e cujo pedido de registo foi solicitado em 04.12.1990 e deferido em 10/10/1997, bem como da marca P/1XXXX, “Holiday Inn DDD Plaza”, cujo pedido foi solicitado em 3/08/1990 e deferido em 7/11/1997.
6 - Recorrente e recorrida celebraram um “acordo de coexistência” (“Coexistence Agreement”), em cuja cláusula 3.2 a recorrente reconhece, em seu nome e no de qualquer uma das suas filiadas, que assiste à “BBB Hotels Inc.” o direito de registar a marca “DDD Plaza” em relação aos “Core Services” e “Related Services” nos países em que se aplica o Acordo (doc. fls. 401).
7 - A recorrente “AAA Melbourne Limited” tem a seu favor o registo da marca “AAA” desde 16/07/1996 (facto aceite, por não impugnado).
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III – O Direito
1 - Revisitando a matéria de facto, temos sinteticamente que:
A recorrente “AAA Melbourne, Limited” é titular na RAEM de algumas marcas complexas, em cuja composição entra o vocábulo “AAA” (por exemplo, AAA Club, AAA Global Resorts, AAA Towers, AAA Casino Macau, ou simplesmente, AAA).
A Direcção dos Serviços de Economia, através do departamento próprio, concedeu à ora recorrida particular, - a contra-interessada “BBB Hotels, Inc.” - o registo da marca AAA广庭, que em inglês se apresenta como “AAA Great Hall”, e romanizado como “BBB Kuong Teng”, para a classe 43, sob o número N/4XXX3.
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2 - A recorrente “AAA Melbourne Limited” discorda desse registo, tanto que o impugnou, por considerar que:
a) A marca constitui reprodução ou imitação das marcas registadas tituladas por si (recorrente), nos termos do art. 214º, nº2, al. b) e 215º do RJPI. Neste sentido: i) as suas marcas gozariam de prioridade (art. 15º, do RJPI); ii) a marca registanda destina-se a assinalar serviços ou produtos afins ou idênticos; iii) a marca em apreço induzirá o consumidor em erro ou risco de associação.
b) As marcas registadas em seu nome gozam de notoriedade e prestígio, o que obsta ao registo da marca em causa, nos termos do art. 214º, nº1, als. b) e c), do RJPI;
c) O registo da marca em causa e a sua utilização é susceptível de consubstanciar um acto de concorrência desleal.
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3 - Assim, porém, não o entendeu a sentença da 1ª instância.
O julgador considerou logo que a vexata questio não seria resolúvel pelo critério do prestígio, uma vez que o estudo do caso, sob esse ponto de vista, implicaria que não tivesse havido registo prévio das marcas da recorrente. Havendo registo, como aconteceu, a protecção poderia surgir apenas por via do disposto no art. 214º, nº2, al. b), do RJPI.
Assim, avançou para o estudo desse critério legal e do que, concomitantemente, emerge do art. 9º, nº1, al. c), do mesmo diploma.
E concluiu, primus, que não existe reprodução ou imitação de marcas, e secundum, que a marca registanda não é susceptível de gerar actos de concorrência desleal.
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4 - Persiste, porém, a recorrente na tónica inicial: a marca registanda representa uma imitação das suas marcas, o que constitui fundamento de recusa, ao abrigo do art. 214º, nº2, al. b), do RJPI, colocando de novo à discussão a ideia da prioridade do registo das suas marcas, chamando à liça, para o efeito, o disposto no art. 15º, nº1, do diploma.
Vejamos, então, o que rezam tais disposições legais.
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4.1 - Art. 15º, nº1: “Salvo os casos previstos no presente diploma, o direito de propriedade industrial é concedido àquele que primeiro apresentar regularmente o pedido acompanhado de todos os documentos exigíveis para o efeito”.
A discussão em torno da prioridade faz sentido em dois planos:
O primeiro é quando o debate se trava num quadro de propriedade, isto é, quando o conflito se instala em redor da titularidade. Saber se “não podes ter essa marca porque ela é minha, uma vez que já a registei antes de ti”, sim, é motivo para a aplicação do art. 15º, mas que perde todo o interesse a partir do momento em que o caso não se representa por uma apropriação de marca, mas por uma tentativa de registo de uma marca (outra) que com uma anterior pode entrar em conflito sobre valores e padrões que se situam em níveis intoleráveis de imitação, de concorrência, etc., etc.
Repare-se: quando o problema é de anterioridade do registo, a bulha ainda se situa, por enquanto, nas esferas dos respectivos interessados antagonistas. Um e outro discutem sobre “aquela marca”, porque ambos lutam por ela, ambos a disputam. Quer dizer, ainda a questão não saltou para jusante, para o ponto em que mais se justifica a defesa de uma marca registada contra o registo de outra que alguém pretende efectuar.
Não é, contudo, esse o plano que aqui se discute.
O 2º plano surge quando está em apreciação eventual marca conflituante com a registada anteriormente e que possa constituir reprodução ou imitação desta.
É esse o terreno que traça a importância da legitimação (material e adjectiva) para o uso do presente recurso no que concerne à defesa de outros aspectos, como são os de imitação ou reprodução que haveremos de abordar mais adiante.
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4.2 - Passemos, então, à análise da disposição central dos autos.
Art. 214º, nº2, al. b): “O registo deve ser recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória” (destaque nosso).
Ora, marca notória é aquela que, por qualquer característica, adquiriu fama, reputação e renome, tornando-se geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida, ao ponto de ainda criar um maior risco de confusão1. Para ser notória, portanto, basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados2-3.
Não cremos que haja dúvidas sobre a notoriedade das marcas “AAA” da recorrente, associadas que estão a serviços de hotelaria e similares de elevada qualidade. Nem as recorridas contrariaram essa notoriedade, de resto.
Sendo assim, importa averiguar se os restantes elementos típicos da hipótese normativa se mostram verificados aqui.
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4.3 - Três perguntas:
1ª - São idênticos ou afins os serviços e produtos?
2ª - A marca registanda constitui, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outras da recorrente?
3ª - Há o risco de confusão ou ligação dos produtos da recorrida particular com o titular da marca notória da recorrente?
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4.3.1 - Quanto à primeira questão, é de pouca monta a sua discussão. Esta marca visa produtos e serviços para a classe 43, tal como a recorrente as tem para a mesma classe, conforme resulta da matéria de facto acima assinalada. Todas se situam no mesmo patamar de restauração/alimentação, mas também de alojamento.
Por ser assim, podemos dizer com alguma tranquilidade que a afinidade ou identidade está lá.
Mas isso não basta, como veremos já de seguida.
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4.3.2 - Saltando para a análise das restantes 2ª e 3ª questões.
Como este TSI por diversas vezes afirmou, a reprodução ou imitação de marca são conceitos que estão definidos no art. 215º. Para que possa falar-se em reprodução ou imitação é preciso que, cumulativamente:
a) A marca registada tenha prioridade;
b) Ambas sejam destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
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4.3.2.1 - O primeiro dos requisitos é, portanto, objectivo e pretende assegurar a posição de precedência de uma marca em relação a outra.
O lugar de conforto de uma marca advém da sua novidade (por ser marca nova) e é-lhe conferida pela anterioridade do registo, sendo que no caso da alínea b), do nº2, essa novidade tem que afirmar-se no âmbito de produtos ou serviços idênticos ou afins4.
No caso em apreço, efectivamente, como já vimos, a recorrente pode dizer-se consolada pelo facto de ter as suas marcas registadas.
E se a recorrida particular “BBB Hotels” viu a sua primeira marca registada (e vigente) em Outubro de 1997, a recorrente “AAA Melbourne Limited”, de acordo com o quadro de fls. 511, tem o seu primeiro registo em Macau concedido em 16/07/1996 também para a classe 42.
No que respeita especificamente à classe 43, de acordo com o mesmo quadro, a recorrente o tem registo das suas 3 marcas reportado a 25/02/2008, ao passo que para a classe 43 só em 5/03/2010 a recorrida pediu o respectivo registo da marca registanda.
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4.3.2.2 - Da mesma maneira, há semelhança de serviços e produtos face ao quadro em que recorrente e recorrida particular se inserem.
Uma marca pode muito bem assinalar produtos idênticos ou afins aos correspondentes a outra marca já existente no “mercado”. Nada disso é proibido.
Tal como decorre do art. 197º, do RJPI, só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, … “o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui mais nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Como é sabido, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa5.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o bem - e as suas qualidades - a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade da coisa ou do serviço (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador6. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem7 compra.
Ouçamos o que este TSI já disse a propósito:
«O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra8.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos9.»10
Havendo afinidade, como se disse, poderá o público consumidor utilizar os serviços da recorrida, caso vingue o registo, confundindo-os com os da recorrente?
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4.3.2.3 – É a questão atrás colocada que mais problemas pode colocar e com maior acuidade.
Com efeito, a marca em apreciação é complexa, sendo constituída por vários caracteres em chinês AAA广庭, que, romanizados, se lêem, como “BBB Kuong Teng”.
E sabemos também que entre algumas marcas da recorrente e a registanda, também avistamos a identidade parcial dos caracteres, em especial os dois primeiros AAA, precisamente aqueles que visam destacar as palavras AAA ou DDD, pois que foneticamente não se detectam variações entre elas (ainda que a segunda, além de não existir no léxico inglês, também pareça não ter nenhum especial significado).
Verdade seja dita que, na sua compleição holística – e servindo-nos agora da versão inglesa –, “AAA Great Hall” não é a mesma coisa que AAA貴賓會 (“AAA VIP Club” ou “BBB Kuai Pan Wui”), ou que “AAA Global Resorts”, por exemplo.
Mas, geralmente, o que conta mesmo é o elemento essencial, aquele que pode destacar-se dos demais, de forma a individualizar o sentido da marca e a estabelecer a sua correlação com o seu titular. Será até por isso que, por exemplo, a titular da “Mercedes” provavelmente jamais permitirá, segundo cremos, que outrem utilize uma marca do género “Mercedes Refrigerators”. Por mais complexa que seja uma marca, por mais sinais gráficos de que ela se sirva (palavras, letras, linhas cores, desenhos, etc.) o que se destacará será sempre o seu elemento primordial, aquele à volta do qual gira tudo o resto, e ao qual se dá o enfoque distintivo, de maneira a sobre ele, dele ou por causa dele se capte a atenção do consumidor médio11.
Contudo, o “elemento essencial” nem sempre é singular, antes é por vezes composto de mais do que um sinal (plural, portanto). A análise da confusão deve ter, nesses casos, essa pluralidade em consideração.
Quando a lei quer evitar a confusão de marcas, não está senão a pensar na semelhança, na parecença, nos pontos comuns ou de contacto e, portanto, na primeira impressão ou na impressão do momento que se colhe de uma e doutra, mais do que nas suas dissemelhanças. E isso tanto irá depender do aspecto gráfico, nominativo, figurativo como também do fonético dos seus elementos (art. 215º, nº1, al. c), RJPI). Por essa razão, o juiz, para avaliar da eventual afinidade, não deve colocar as marcas uma ao lado da outra, mas examiná-las em tempos sucessivos, primeiro uma, depois outra12.
Ora, no caso em apreço, os dois primeiros caracteres da marca registanda AAA (“AAA” ou “BBB”) repetem-se em vários outros da recorrente. E o problema está aí, precisamente. Por se repetir esta noção de algo associado à “AAA” estar-se-á já perante uma possibilidade de imitação ou reprodução?
A uma primeira análise, poderíamos dizer que sim, protegidos pela existência de arestos deste mesmo tribunal (atrás citados) onde tema similar (até com referência à ora recorrida particular) foi tratado a respeito da essencialidade de um dos elementos de qualquer marca, nomeadamente estes de que ora cuidamos, de “AAA” e “Plaza”13.
A essencialidade tem uma importância subida quando uma marca tenha notoriedade14. E assim, embora as marcas devam, geralmente, ser encaradas pelo seu todo holístico, pelo conjunto dos seus componentes, e não dissecadas15, a verdade é que tudo pode mudar se estivermos a comparar marcas em que uma delas adquiriu notoriedade e em que, justamente, dessa notoriedade, sobressai um determinado elemento ou – o que vai dar ao mesmo - em que foi um dos seus elementos que à marca conferiu a sua notoriedade.
Não interessa ir mais longe sobre este assunto. Porquê? Porque estas marcas são ambas notórias e a dificuldade que em abstracto poderia advir deste conflito concreto se esbate pela circunstância de também a própria recorrida ser titular de marcas na RAEM, igualmente com uma composição similar, concretamente “DDD Plaza”, e uma outra somente em escrita chinesa onde os mesmos elementos AAA se inscrevem e até sobressaem.
Portanto, se olharmos para os dois primeiros caracteres, tanto na língua chinesaAAA, como na sua romanização BBB, logo veremos que se detectam identidades fonéticas com algumas da recorrente. Nesse sentido, estaríamos perante alguma confundibilidade, reconhecemo-lo. Confundibilidade que, além de fonética, também o é na sua significação na sua versão inglesa “AAA” (em português, “coroa” enquanto substantivo, ou “real”, quando adjectivada: por exemplo, “AAA palace” com o sentido de “palácio real”).
Mas há que considerar também os dois restantes caracteres. A sua tradução para o inglês não tem um significado unívoco, isto é, não significa somente “Great Hall”, ao contrário do que o afirmou a recorrente.
É certo que a recorrente, sobre o segundo grupo de caracteres, fez a tradução para inglês como sendo “Great Hall”, mas a recorrida particular fez a sua tradução para “Plaza”. E eis-nos, agora, perante um problema. É que “Plaza” é palavra de origem espanhola, enquanto “Great Hall” é expressão inglesa. Ou seja, aqueles caracteres anexados aos primeiros conduzem (induzem) o consumidor para “Great Hall” ou para “Plaza”?
Parece isto não ter importância, mas a verdade é que tem. Com efeito, o que está subjacente numa marca é o seu aspecto gráfico, o elemento significante, o elemento visível (objectivo)? Ou o seu sentido (subjectivo), o seu significado? Ou ambas as coisas?
É que se pudermos considerar aqueles dois últimos caracteres 广庭 como grande espaço, grande pátio, grande vestíbulo ou grande átrio, ou simplesmente grande praça, então verdadeiramente o que conta é mesmo o sentido subjectivo, aquele que esteve na mente do criador da marca. Nesse plano, não custa admitir que a recorrida tivesse querido compor uma marca que, em chinês, reproduzisse as que habitualmente já tem registadas em todo o mundo, nomeadamente em Macau, como “DDD Plaza”. E, sim, isso é compreensível. E, portanto, tal estaria na linha da sua conduta registral nas diversas latitudes do mundo. Poderia dizer-se, a este nível, que a interessada no registo não teria “culpa” de em Macau não ter melhor forma de caracterizar em chinês o vocábulo “Plaza” com que habitualmente se distingue nas marcas que tem registado habitualmente. Não haveria mal nenhum na sua conduta registral.
Se assim for, então a marca em apreço, AAA广庭, tem as seguintes consequências:
- Em chinês, foneticamente, lê-se “BBB Kuong Teng”;
- Na sua significação para inglês, a partir da sua fonética, pode apresentar-se como “AAA Great Space” ou até mesmo “AAA Great Square”;
- Intencionalmente, e na sua tradução para inglês, pode aceitar-se que o seu sentido seja, precisamente, o da correspondência para a língua chinesa da sua marca internacional “DDD Plaza”.
Ora, se a recorrida já tem registada em Macau a marca “Holiday inn DDD Plaza” e “DDD Plaza Hotels & Resorts”, por que não há-de verter para chinês a mesma ideia-base de “DDD Plaza”? Por que motivo se há-de dizer que, com isso, está a fazer imitação do vocábulo forte da marca da recorrente “AAA”?
Dizer isso equivaleria a reconhecer que nunca ela poderia registar em Macau, em caracteres chineses, uma marca semelhante às que já possui, apenas devido ao facto de, gráfica e foneticamente, não poder representar o vocábulo “DDD”, mas apenas “AAA”. Seria o mesmo que dizer, enfim, que está refém das suas próprias marcas em língua inglesa, quando o certo é que, ela mesma já possui em língua chinesa uma marca com aqueles mesmos dois caracteres.
Neste sentido, “DDD” associada a “Kuong Teng” ou “Plaza”, não deixa de gerar uma fantasia nova que decididamente se afasta das marcas da recorrente, cuja ênfase se situa apenas na palavra “AAA”.
Sendo assim, por não nos parecer que exista risco de reprodução, imitação ou tradução de outras da recorrente e, consequentemente, de confusão, somos a pensar que o recurso não pode proceder.
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5 – Da concorrência desleal
De acordo com o art. 9º, nº1, al. c), do RJPI, invocado pela recorrente, “1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial: a)…;b)…; c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
Sobre o assunto, a sentença recorrida asseverou:
«Esta norma abrange duas situações: a contrariedade objectiva intencional e a contrariedade objectiva não intencional às normas de concorrência desleal.
Nestas duas situações, em rigor, não se trata de apreciar de um acto consumado de concorrência desleal. Pelo contrário, procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo esclarecido ou deliberado, ou não, desencadeia ou pode desencadear com a sua pretensão uma situação objectivamente desleal.
O acto de concorrência desleal é o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos – Cfr. arts. 158º e 159º do Código Comercial.
É comum na doutrina a indicação de 5 tipos de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de descrédito, actos de apropriação, actos de desorganização e actos de concorrência parasitária.
Nos termos do artº 159 do CComM considera-se desleal todo o acto idóneo a criar confusão com a empresa ou com os produtos, dos concorrentes, sendo suficiente o risco de associação dos consumidores relativamente à origem comercial dos produtos.
No caso em apreço, visto o que se referiu quanto à confundibilidade das marcas, outrossim o conhecimento efectivo das mesmas pelo consumidor dos produtos que protegem, não vislumbramos qualquer concorrência desleal.
Pelos dados existentes nos autos as marcas concorrentes convivem de forma saudável, têm âmbitos de actuação definidos e co-existentes, chegando inclusive a fazer acordos com vista a densificar essa co-existência - cfr. doc. de fls.394».
Estamos de acordo e, por tal motivo, fazemos nossas as palavras transcritas.
Acrescentamos apenas que, mesmo quando a lei não descreva as situações que possam configurar uma concorrência desleal16, haverá, no entanto, de entender-se que, a partir dos arts. 158º e 159º do Código Comercial, o acto de concorrência desleal é aquele que se mostra contrário às normas e usos honestos da actividade económica17, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem18, com isso visando a deslocação ou a possibilidade de deslocação da clientela19.
Ora, a este respeito existe um aspecto que não podemos deixar de salientar. Tendo cada uma destas marcas atingido um nível internacional tão elevado e se cada uma está no mercado com uma equivalente oferta de produtos e serviços de qualidade dentro da mesma área, dificilmente se pode dizer que uma anda a fazer concorrência desleal à outra ou que com esta marca (registanda) a recorrida particular quer fazer concorrência desleal à recorrente20. O que ambas fazem é, num mercado que já dominam, conviver permanentemente dentro da estratégia de afirmação e de conquista de novos públicos por parte de cada uma.
Para dizer, enfim, que não nos parece, no que concordamos com a sentença recorrida, que estejamos perante “concorrência desleal”.
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Claudica, desta maneira, todo o recurso.
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IV – Decidindo
Face aos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
TSI, 12 de Outubro de 2017
José Cândido de Pinho
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Almedina, pág. 55.
2 Pinto Coelho, RLJ 89/23.
3 Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. Nº 1022/2009. Sobre marcas notórias, ver ainda Acs. TSI, de 26/11/2009, Proc. nº 507/2008; 15/07/2010, Proc. nº 873/2009.
4 Ac. do TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/1999; também no mesmo sentido, Ac. do TSI, de 6/11/2014, Proc. nº 355/2014.
5 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
6 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
7 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
8 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
9 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393
10 Entre outros, Ac. TSI, de 9/10/2014, Proc. nº 393/2014
11 Em sentido próximo, por exemplo, o Ac. deste TSI, de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012, onde curiosamente se travava um litígio marcário entre duas marcas, uma registanda em nome de Las Vegas NNN, “OOO Plaza”, e outra da aqui recorrida, “DDD Plaza, Hotels & Resorts”.
Sobre a essencialidade da palavra “AAA” na composição de uma marca, ver ainda o Ac. do TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010.
12 Neste sentido, em Portugal, o Ac. do STJ, de 25/03/2004, Proc. nº 03B3971, in http://www.dgsi.pt
13 Por exemplo, Ac. TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010 (onde se deu ênfase especial à palavra “AAA”) e Ac. do TSI de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012(onde se considerou essencial a palavra “Plaza”
14 Sobre o conceito, ver Ac. deste TSI, de 25/04/2013, Proc. nº 842/2012, entre outros.
15 Neste sentido, o Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/2009
16 Ac. TSI, de 31/03/2011, Proc. nº 707/2010
17 Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 447/2012
18 Ac. TSI, de 17/07/2014, Proc. nº 226/2014
19 Ac. TSI, de 7/02/2013, Proc. nº 844/2011
20 Ac. TSI, de 22/07/2004, Proc. nº 170/2004
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239/2015 45