Processo nº 877/2017 Data: 07.12.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Recurso interlocutório.
Extinção de instância.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório.
Reenvio.
SUMÁRIO
1. É de declarar extinta a instância do recurso interlocutório se o recorrente não interpõe (também) recurso do acórdão a final proferido nem requereu (oportunamente) o conhecimento do dito recurso interlocutório.
2. Não existe o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” se, analisada a decisão recorrida, se constatar que o Tribunal a quo investigou e emitiu pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”.
3. Existe “erro notório na apreciação da prova” se na “matéria de facto provada” consta que foi “a viatura da arguida que embateu – foi embater – no motociclo da ofendida”, dando-se, simultaneamente, como “não provado” que o acidente se deveu à “conduta negligente” da dita arguida.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 877/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
- absolver a arguida A da imputada prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 e 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 e 94°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007; e,
- condenar a demandada civil “B LIMITED” (B有限公司), a pagar à ofendida e assistente C, a quantia de MOP$510.807,90, a título de indemnização pelos seus danos patrimoniais e não patrimoniais; (cfr., fls. 806 a 817-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, com o assim decidido, recorreram a interveniente principal, “COMPANHIA DE SEGUROS D S.A.R.L.”, (D保險有限公司), e a referida assistente C.
A dita interveniente principal, assacando ao Acórdão recorrido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “violação do art. 58°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 40/95/M”; (cfr., fls. 874 a 879-v).
A assistente C, imputando ao Acórdão recorrido o (mesmo) vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e o de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a condenação da arguida pela prática 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência” e um aumento do valor da indemnização arbitrada; (cfr., fls. 882 a 896).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso da assistente merece provimento, considerando haver “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 902 a 904-v).
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Remetidos os autos a este T.S.I., com eles subiram outros 2 “recursos interlocutórios” antes interpostos pela referida arguida e assistente.
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“1. Do recurso do despacho de indeferimento do pedido de diligências
Na sua Motivação de fls.396 a 400 dos autos, a recorrente/arguida assacou a ofensa do disposto no art.321° e a nulidade prescrita na alínea d) do n.°2 do art.107° do CPP a douto despacho de fls.380 dos autos, no qual a MMa Juiz a quo decidiu: «第354至360及378及379頁︰……,由於卷宗內已載有案發的描繪圖,及相片供參考,於庭上亦將會聽取證人證言,案發日至今亦已有一段時間 (按控訴書內容事發於2014年2月),本庭認為現階段沒有必要進行以上措施,因此駁回嫌犯重演事實,現場勘驗及鑑定車輛的請求。»
Ora, o teor do despacho impugnado pela recorrente/arguida revela que o mesmo se traduz em indeferir o seu requerimento de realização das diligências probatórias formulado na contestação (vide. fls.354 a 357 verso dos autos), com fundamento de que, na óptica da MMa Juiz a quo, tais meios de prova se mostram desnecessárias, em virtude dos meios de prova existentes nos autos e do tempo entretanto decorrido.
Ressalvado respeito pela opinião diferente, a argumentação da MMa Juiz a quo faz-nos entender que as diligências requeridas são irrelevantes e de obtenção muito duvidosa por decurso do tempo, daí o seu fundamento pode ser enquadrado nas alíneas a) e b) do n.°4 do art.321° do CPP.
Em relação ao n.°1 do art.340° do CPP de Portugal – comando legal com o que corresponde tal e qual o n.°1 do art.321° do nosso CPP, o STJ afirma que como tributário da livre apreciação crítica de quem julga obtida na própria vivência do julgamento, o juízo a respeito da necessidade, da conveniência e da utilidade de diligências de prova não vinculadas constitui expressão do papel de “arbítrio” do tribunal na ponderação dos aludidos factores, e o árbitro da necessidade é do tribunal. (apud. Manual Leal-Henrique: Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Vol. II, CFJJ 2014, pp.624 a 625)
Em esteira, podemos extrair que a locução «cujo conhecimento se lhe afigura necessário para …» significa inerentemente que o legislador confina ao prudente critério de avaliação do julgador e, nesta medida, o juízo de necessidade ou desnecessidade de certos meios de prova depende exclusivamente da judiciosa e discricionária ponderação do julgador.
Interpretando o preceito na alínea b) do n.°1 do art.390° do CPP, a brilhante doutrina esclarece (autor e ob. citadas., Vol. III, p.128): «Estas decisões são também designadas por despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, «que se consubstanciam em exercício de livres poderes por parte do tribunal e que este usa quando e como desejar» (casos, v.g., em que se ordenam diligências – requisição de documentos, realização de uma perícia, inquirição de uma testemunha, etc.).»
Em consonância com tal sensata doutrina, afigura-se-nos a que os despachos proferidos ao abrigo do n.°1 do art.321° do CPP comportam o exercício do poder discricionário, pelo que são irrecorríveis.
A nosso ver, os conceitos indeterminados de prognose surgidos no n.°4 do art.321° do CPP devem ser interpretados em coerência com o n.°1 deste normativo, e tal coerência deve ser moderada pela inspirativa doutrina do mesmo ilustre autor que adverte cautelosamente (obra cit., p.623): Se é certo que fórmulas como estas deixam sempre grande margem de liberdade a quem tem que decidir, também é certo que, ao mesmo tempo, impõem um redobrado cuidado no respectivo ajuizamento.
No que respeite a expressão «a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade» na d) do n.°1 do art.107° do CPP, subscrevemos inteiramente o douto ensinamento que preconiza (autor e ob. citadas, Vol. I, p.729): «Seja como for, não se deve nunca perder o sentido intrínseco da palavra utilizada pela lei que é o de restringir o seu alcance aos casos em que seriamente se reconheça que o acto em falta era fundamental para se chegar a verdade dos factos.»
Em sintonia com a doutrina acima citada, inclinamos a sufragar a douta opinião do ilustre colega na Resposta (cfr. fls.481 a 482 dos autos), no sentido de que os indeferimentos decretados ao abrigo do n.°4 do art.322° do CPP não são, em regra, sindicáveis em sede do recurso, a não ser que o requerente de produção de prova venha a demonstrar convincentemente que uma decisão de indeferimento enferma do manifesto erro e, de outro lado, a prova cuja produção tenha sido requerida e vier ser indeferida é imprescindível e fundamental para se chegar a verdade dos factos, cabendo ao requerente o ónus de alegação e prova.
Nesta linha de consideração, e atendendo aos argumentos arrogados pela a recorrente/arguida na Motivação de fls.396 a 400 dos autos, temos por indisputável que o douto despacho em escrutínio não contende com o disposto no art.321° nem enferma da nulidade prescrita na alínea d) do n.°2 do art.107° do CPP, por isso é insubsistente o recurso em apreço.
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2. Do recurso interposto pela assistente
No seu despacho de fls.420 dos autos, a MMa Juiz a quo deferiu o requerimento em que a arguida solicitou o aditamento do rol da testemunha (vide. fls.444 dos autos), indicando como testemunha especialista o Senhor E e prometeu apresentar o relatório.
A tal despacho, a assistente as sacou, na Motivação de fls.498 a 501 verso, a violação do preceituado nos arts.100° e 298° do CPP, do princípio do contraditório e, ainda, das disposições nos arts.115°, 116° e 298° do mesmo diploma legal.
Ora bem, visto que a audiência de julgamento foi adiada 31/05/2016 pelos despachos de fls.421 e verso, todas as informações encontradas de fls.471 dos autos patenteiam indubitavelmente que a comunicação do despacho recorrido está conforme com n.°1 do art.298° do CPP.
Sem prejuízo da estimação pela opinião diferente, e atendendo aos fundamentos invocados pela arguida no requerimento do aditamento da testemunha, temos por certo que o despacho ora sindicado está abrigado pela preceito na b) do n.°2 do art.117° e n.° 1 do art.321° do CPP.
Nestes termos e subscrevendo todas as criteriosas explanações do ilustre colega na Resposta (cfr. fls.527 a 531 dos autos), entendemos que o despacho em escrutínio não contende com qualquer das disposições arrogadas pela assistente, e por isso não é subsistente o recurso em apreço.
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3. Do recurso do Acórdão final
Na Motivação de fls.882 a 896 dos autos, a assistente assacou, ao Acórdão final na parte de absolver arguida da acusação, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, previstos nas alínea a) e c) do n.°2 do art.400° do CPP.
3.1- Ora, «Com efeito, só se pode falar em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando o tribunal recorrido não averiguou ou não se pronunciou, como era sua obrigação, sobre tudo quanto se imponha para se alcançar uma decisão correcta e justa, isto é, quando omitiu pronúncia sobre factos constantes da acusação (ou da decisão instrutória), indicados pela defesa ou resultantes da discussão da causa, deixando assim em aberto, e por esclarecer, matéria que fazia parte do objecto do processo e sem a qual não era possível conhecer de forma completa e apropriada as questões suscitadas na causa.» (autor e obra citados, Vol. III, p.227)
E ensina a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processo n.°9/2015): Ocorre o vício da insuficiência para a decisão de matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.
No fundo, é que «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.» (ainda a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processo n.°12/2014)
Em harmonia com a iluminativa orientação jurisprudência acima aludida, colhemos que o Acórdão impugnado não fere da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, dado o tribunal a quo proceder à cabal averiguação e pronúncia sobre todos os factos que lhe tinham submetidos, não descortinando-se qualquer omissão ou lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
3.2- No caso sub judice, o tribunal a quo deu por não provados o 9° e o 10° dos factos constantes da Acusação – sendo que ambos se referem só e apenas aos elementos subjectivos do crime imputado à arguida. Na fundamentação, o tribunal a quo apontou peremptoriamente os seguintes raciocínios e fundamentos: «合議庭認為,本案所得之證據未能清晰顯示交通意外發生的經過,嫌犯和被害人的立場,均有相符和相悖的證據,因此,根據存疑從無原則,膁犯被控告的事實不獲證明屬實。»
Reexaminando as provas constantes dos autos, afigura-se-nos que a única prova que apoia a posição da arguida se traduz no depoimento da testemunha especialista de nome E indicada pela arguida, as restantes apontam para a culpabilidade da mesma – sobretudo o depoimento da testemunha F, sendo ele a única testemunha que presenciava todo o decurso do acidente de viação.
No que respeite ao erro notório na apreciação de prova previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, encontra-se pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
À luz deste douta jurisprudência, e considerando as provas na sua totalidade, designadamente os relatórios médicos e a gravidade da ofensa sofrida pela ofendida, e também atendendo a douta explanação do ilustre colega na Resposta (cfr. fls.902 a 904 verso), parece-nos que a apreciação da prova pelo tribunal a quo contende com regras de experiência e, deste modo, padece do erro notório na apreciação de prova.
Por todo o expendido acima, propendemos:
- Pela improcedência dos dois recursos intercalares analisados;
- Pelo parcial provimento do recurso interposto pela assistente do Acórdão final”; (cfr., fls. 945 a 948-v).
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Adequadamente processados os autos, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 809 a 812-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como se deixou relatado, quatro são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I.; (cfr., nota de revisão a fls. 940 a 940-v).
3.1 Começando pelo “primeiro recurso interlocutório”, no qual é recorrente a arguida A, mostra-se de confirmar o que se consignou em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 949), onde se “declarou extinta a instância recursória”, dado que a arguida não recorreu do Acórdão a final proferido nem tão pouco requereu o conhecimento do seu recurso (interlocutório).
3.2 O “segundo recurso interlocutório” tem como recorrente a assistente C, tendo como objecto uma decisão do T.J.B. que admitiu o “pedido de adicionamento de uma testemunha” da referida arguida.
Diz a recorrente que não foi notificada para se pronunciar sobre o referido pedido antes da prolação da decisão recorrida, alegando, também, subsidiáriamente, que a testemunha em questão, (não sendo de Macau), nada sabe sobre o acidente dos autos, e, a saber, seria apenas da “versão da arguida” que a arrolou.
Porém, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que o recurso não merece provimento.
O arrolamento de testemunhas é um direito que a qualquer sujeito processual assiste, (nomeadamente, do arguido, em sede do seu direito de defesa, dado que sobre o mesmo impende um juízo indiciário de censura jurídico-penal que se provado pode levar à sua condenação).
Assim, ainda que sejamos de opinião que – deve – aconselhável é ao Tribunal observar, (sempre), o contraditório, cremos que, como tudo na vida, importa agir e decidir com razoabilidade e de acordo com os “ingredientes” da situação concreta em apreço.
E, assim, face ao que se consignou, em causa estando um “direito” dos sujeitos processuais, não se vislumbrando que do seu exercício tenha advindo qualquer prejuízo – muito menos, grave ou irreparável – para a ora recorrente, (a quem assiste igualmente o pleno direito de, em audiência de julgamento, pedir à dita testemunha todo e qualquer esclarecimento que entenda adequado), podendo pois defender, em toda a plenitude, os seus legítimos interesses, mais não parece de dizer sobre este aspecto.
Em relação às “qualidades da testemunha”, cremos que, da mesma forma, nenhuma razão tem a recorrente, muito não se mostrando de consignar.
De facto, e como se disse, sendo o “arrolamento de testemunhas” um “direito” dos sujeitos processuais, não parece que as “qualidades” destas, (ou melhor, o eventual valor do seus depoimentos), devam ser apreciados antes da sua intervenção, (no caso, em audiência de julgamento).
E, seja como for, sempre se dirá também que a assistente esteve presente na audiência de julgamento, e aí, teve plena oportunidade de fazer vingar a sua opinião sobre as qualidades da testemunha e sobre o teor e valor do seu depoimento, não se mostrando assim de se conceder provimento ao presente recurso.
3.3 Passemos, agora, para os dois “recursos do Acórdão”.
–– Verificando-se que em ambos os recursos se coloca a questão da “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, vejamos.
Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 494/2017 e de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).
Como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra:
“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).
Aqui chegados, e analisada a decisão recorrida, impõe-se consignar que não existe o assacado vício, pois que o Colectivo a quo investigou e emitiu expressa pronúncia sobre todo o “objecto do processo”, elencando a factualidade provada e identificando a que resultou não provada.
E, nesta conformidade, e sem mais alongadas considerações, porque ociosas, há que decidir pela improcedência de ambos os recursos – da interveniente principal e assistente – no que toca ao vício (de “insuficiência”) em questão.
–– Assacando também a assistente ao Acórdão recorrido um outro “vício da decisão de matéria de facto”, o de “erro notório na apreciação da prova”, passemos a ver se tem razão.
Pois bem, no que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017 e de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017).
Mostrando-se de manter o que se deixou exposto sobre o sentido e alcance do imputado vício de “erro”, e analisado o Acórdão recorrido, cremos que, no ponto em questão, impõe-se reconhecer razão à assistente, ora recorrente.
Passa-se a expor este nosso ponto de vista.
Pois bem, (em síntese que se nos afigura adequada), deu o Colectivo a quo como provado que o acidente dos autos ocorreu em consequência do “embate da viatura conduzida pela arguida no motociclo conduzido pela ofendida”.
Com efeito, e da leitura que fazemos do “3°§ da matéria de facto dada como provada”, afigura-se-nos claro que do mesmo resulta que foi “a viatura da arguida que embateu – foi embater – no motociclo da ofendida”, (sendo de referir que tal factualidade já constava da acusação pública; cfr., art. 4° da acusação fls. 213 a 213-v).
E, nesta conformidade, cremos que adequado não é que se tenha dado, simultaneamente, como “não provado” que o acidente se deveu à “conduta negligente” da dita arguida.
Diferente seria se “provado” estivesse (v.g.) que o acidente se deveu a um “choque entre as duas viaturas” ou, quiçá, que a viatura da arguida embateu no motociclo da ofendida “em virtude de esta se ter introduzido – subitamente – na faixa de rodagem (ou trajectória) da viatura da arguida”.
Não sendo a “situação dos autos”, já que assim não resulta da matéria de facto (“provada” e/ou “não provada”), cremos que a decisão proferida apresenta pois a referida “incompatibilidade” que, porque por este T.S.I. insanável, impõe o reenvio dos autos para novo julgamento na parte em questão; (cfr., art. 418° do C.P.P.M.).
Com o assim decidido, prejudicadas ficam o conhecimento de outras questões; (pela assistente, assim como pela recorrente “COMPANHIA DE SEGUROS D S.A.R.L.” colocadas).
Decisão
4. Em face do que se deixou exposto acordam, declarar extinta a instância do “recurso interlocutório da arguida” A, julgando-se improcedente o “recurso interlocutório da assistente” C e parcialmente improcedente o recurso da interveniente COMPANHIA DE SEGUROS D S.A.R.L., e, na parcial procedência do recurso pela assistente interposto do Acórdão, ordena-se o reenvio dos autos para novo julgamento (nos exactos termos consignados), prejudicadas ficando o conhecimento das restantes questões colocadas.
Pelos seus decaimentos, pagarão, a arguida, a assistente e a interveniente principal a taxa de justiça (individual) de 3 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 07 de Dezembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 877/2017 Pág. 26
Proc. 877/2017 Pág. 25