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Proc. nº 382/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 Novembro 2017
Descritores:
- Contrato de promessa
- Interpelação

SUMÁRIO:

Se a celebração do contrato de promessa não estava sujeita a prazo certo e se não houve interpelação para o efeito, é de considerar não ter havido incumprimento por parte da ré necessário à obtenção de declaração negocial que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso (art. 820º, nº1, do CC).

Proc. nº 382/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A (A), solteira, maior, residente na…, em Macau; instaurou no TJB (Proc. nº CV2-14-0087-CAO) acção ordinária contra:
Companhia de Construção Civil B, Limitada (B建築有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º …, a fls. … do Livro …, com sede na…, em Macau.
Com os fundamentos constantes da petição inicial de fls. 2 a 9, pediu que a acção fosse julgada procedente por provada e, em consequência, proferida sentença constitutiva que produzisse os efeitos da declaração negocial em falta por parte da Ré, transmitindo-se a titularidade do direito de propriedade, a favor da Autora, das fracções “AJ1” e “AJ2”, para comércio, do imóvel sito na Avenida..., s/n, edif. Comercial..., composto por uma cave, r/c, 1º a 3º andar, destinado a comércio, descrito na CRP sob o n.º ... a fls … do Livro …, inscrito na Matriz Predial sob o art.º ….
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Em 14/03/2016, a autora requereu a intervenção principal provocada de C e mulher D, titulares do domínio útil de 1/5 da fracção em apreço, bem como de E e mulher F, igualmente titulares de domínio útil de 1/5, mas por despacho de fls. 137 foi este pedido indeferido, por extemporâneo.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo a ré do pedido.
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Contra tal sentença vem agora interposto pela autora o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1 - A A. intentou a presente acção pedindo que fosse proferida sentença constitutiva que produzisse os efeitos da declaração negocial em falta por parte da R. Companhia de Construção Civil B, Limitada, transmitindo-se, assim, a titularidade do direito de propriedade, a favor da A., da fracção “AJ1”, para comércio, do imóvel sito na Avenida..., s/n, edif. Comercial..., descrito na C.R.P. sob o nº ... a fls … do Livro … e inscrito na Matriz sob o artigo ….
2 - A douta sentença recorrida julgou a presente acção improcedente e absolveu a R., Companhia de Construção Civil B, Limitada do pedido formulado pela A., em virtude de considerar que não estava provada a interpelação da R. o que impedia que se concluisse pelo não cumprimento da obrigação por parte desta.
3 - Todavia, e salvo o devido respeito, não é essa a conclusão que se infere da matéria dada como provada.
4 - Na verdade, ficou provado que: “A Autora tentou já, por várias vezes, pedir à Ré para celebrar a escritura de compra e venda mas sem sucesso.”
5 - Por isso, o que ficou dado como provado na matéria de facto foi o insucesso na celebração voluntária da escritura pública por parte da R. e não o insucesso na sua interpelação por parte da A.
6 - Ou seja, e por outras palavras, apesar de a A. ter já pedido à R. por várias vezes para que esta celebrasse a escritura pública a mesma (Ré) nunca o fez.
7 - Motivo porque se conclui que a segunda questão ou pressuposto analisado na douta sentença recorrida pela Meritissima Juiza “a quo” se encontra verificado.
8 - Isto é, a Ré deixou de cumprir a sua promessa emitida no contrato-promessa, pelo que deverá ser proferida decisão constitutiva que substitua a declaração negocial em falta pela Ré e transmita para a A. a titularidade da fracção “AJ1” melhor identificada nos autos.
Nestes termos, nos melhores de Direi to e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Excelências, deve, pelas apontadas razões, ser julgado procedente o presente recurso, e ser proferida decisão constitutiva que substitua a declaração negocial em falta pela Ré e transmita para a A. a titularidade da fracção “AJ1” melhor identificada nos autos assim se fazendo a esperada e sã JUSTIÇA!”
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os factos
Vem dada por provada a seguinte factualidade:
• A Ré é titular de uma quota indivisa correspondente a 3/5 do domínio útil do prédio, sito na Avenida..., s/n, edifício Comercial..., composto por uma cave, r/c, 1º a 3º andar, destinado a comércio, descrito na C.R.P. sob o n.º ... a fls. … do Livro ….
• Em 15 de Março de 1993, a Ré celebrou com G e H um contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma “AJ1” sita no 1º andar do edifício identificado na resposta ao facto 1º pelo preço total de HK$341.591,00, tendo G e H pago integralmente o preço à Ré.
• Celebrado o contrato acima referido G e H e a Autora acordaram na cessão da posição contratual de promitente compradores da fracção autónoma “AJ1” daqueles para a Autora.
• Combinaram que o preço da cessão seria de HK$453.000,00, valor que a Autora aceitou.
• Na sequência desse último acordo, a Autora assinou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda da referida fracção autónoma “AJ1”, pelo valor de HK$341.591,00 e ficou acordado que a Autora pagaria directamente aos G e H o preço da cessão.
• A Autora pagou aos G e H o montante de HK$30.000,00, como sinal no dia em que assinou o contrato-promessa de compra e venda com a Ré, isto é, em 23 de Junho de 1994.
• Em 25 de Junho de 1994, a Autora celebrou juntamente com a Ré um contrato tripartido com o Banco X, através do qual obteve um empréstimo no montante de HK$220.000,00, a fim de pagar o remanescente do preço da cessão aos G e H.
• No mesmo dia, e para completar o pagamento a Autora entregou aos G e H o montante de HK$203.000,00 através de duas ordens de caixa diferentes, sendo uma no valor de HK$73.000,00 emitida pelo Banco X e outra no valor de HK$130.000,00 emitida pelo Banco Y, SARL.
• A Ré aceitou a substituição da Autora como promitente compradora e considerou-se inteiramente paga de todo o preço da fracção autónoma “AJ1”.
• Uma vez que a Ré ainda não tinha procedido à inscrição da propriedade horizontal do prédio na C.R.P., não foi possível proceder de imediato à escritura pública de compra e venda.
• Em Junho de 2004 a Autora pagou a totalidade do empréstimo concedido pelo Banco X, tendo tal facto sido comunicado à Autora.
• Em 8 de Outubro de 2009, a Autora pagou, junto da Direcção dos Serviços de Finanças de Macau o imposto de selo correspondente a esta fracção.
• Em 20 de Agosto de 2014, foi inscrita na C.R.P. a constituição de propriedade horizontal referente o prédio.
• A Autora tentou já, por várias vezes, pedir à Ré para celebrar a escritura de compra e venda mas sem sucesso.
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III – O Direito
1 - Era peticionada na acção a execução específica do contrato de promessa referente a uma fracção imobiliária destinada a comércio, em virtude de uma cessão de posição contratual feita por G e H à autora.
Não fora a circunstância de a acção ter sido julgada improcedente por outro motivo, e cremos que a execução específica não se poderia reconhecer de qualquer modo, em virtude de a ré apenas ser titular de 3/5 do domínio útil sobre a fracção e o despacho de fls. 137 e vº não ter admitido o pedido de intervenção principal provocado dos titulares dos 2/5 do domínio útil restantes.
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2 – Em todo o caso, apreciemos a bondade da sentença sindicada.
O julgado em crise estudou a situação e concluiu que, efectivamente, a autora adquiriu o direito resultante da cessão da posição contratual emergente de um contrato de promessa celebrado entre a ré e terceiros. Todavia, achou que seria necessário concluir que a ré deixou de cumprir a promessa. Circunstância, no entanto, não provada em virtude de a autora não ter feito prova de ter interpelado a ré para a celebração da escritura definitiva de compra e venda respectiva.
A recorrente, diferentemente, entende estar feita a prova dessa interpelação.
Para se saber quem tem razão, olhemos para o facto provado nº 15º: “Provado que a autora tentou já, por várias vezes, pedir à Ré para celebrar a escritura de compra e venda mas sem sucesso”.
Será que a forma como o facto 15º está redigido acode à tese da recorrente?
Em nossa opinião, não. Mas, vejamos.
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2.1 - Em primeiro lugar, em português correcto na sua representação gramatical mais pura, a expressão “sem sucesso”, acaba por ter a força adverbial afectada ou conformada, não ao acto de celebrar a escritura, mas sim ao acto de interpelar tendo em vista à celebração da escritura. Ou seja, a forma como a resposta está dada exprime a ideia de que a autora fez várias tentativas para contactar a ré para lhe pedir que celebrasse a escritura, mas não conseguiu. Tentou interpelar, mas sem sucesso.
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2.2 - Em segundo lugar, repare-se que o quesito em apreço deriva da matéria alegada no art. 15º da petição inicial, segundo o qual “A A. tentou já, por várias vezes, interpelar a R. mas sem que estas interpelações tenham surtido qualquer efeito pois a R. tem-se recusado a marcar qualquer data para celebrar a escritura de compra e venda”.
Como se vê, esta invocação fáctica é aparentemente capciosa, uma vez que na 1ª parte do artigo informa-se que a autora tentou interpelar a ré (reconhecendo, implicitamente não o ter conseguido), mas ao mesmo tempo transforma esta tentativa em interpelação efectiva ao afirmar que estas interpelações não surtiram qualquer efeito (quais interpelações?) e que a ré se tem recusado a marcar qualquer data para a escritura de compra e venda. Ora, como se poderia afirmar ao mesmo tempo que a autora tentou interpelar e que as interpelações não foram eficazes, se esta conjunção afirmativa é plenamente contraditória?!
Se tivesse havido interpelações efectivas, a autora deveria tê-las invocado expressamente, com indicação precisa das circunstâncias de tempo e lugar em que tivessem ocorrido. Não o fez!
A 1ª instância, face ao teor desta incongruência alegatória, o que fez é perfeitamente compreensível: Deu por provado aquilo que lhe pareceu mais lógico: que a autora tentou, sem êxito, interpelar a ré para a escritura de compra e venda.
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2.3 - Em terceiro lugar, perante a matéria invocada pela autora e face à forma como o tribunal deu por provado o facto 15º, vamos admitir que, ainda assim, a situação não está isenta de dúvidas de interpretação sobre o modo como o facto está lavrado.
Reconhecemos que o facto provado deveria ter representado a realidade de uma maneira mais inquestionável, ou seja, deveria ter sido mais claramente redigido, assim se evitando a mais ínfima ponta de dúvida.
Por isso, para nos tranquilizarmos acerca do percurso probatório e da convicção que levou o tribunal “a quo” a dar como provado aquele facto, fomos ouvir a prova gravada no CD anexo aos autos.
Ora, sucede que nenhuma das testemunhas – que só sabia o que a ré lhe havia contado, portanto, sem conhecimento directo - foi assertiva sobre esta matéria. Todas se limitaram a deixar transparecer a noção de que a autora tentou várias vezes contactar a ré para aquele efeito, sem que ninguém tivesse respondido ou atendido.
Isto revela que a autora nunca contactou realmente a ré com vista à interpelação. Tentou fazê-lo, mas não o conseguiu.
E sendo assim, é de aceitar a interpretação da matéria do facto 15º segundo a qual a autora nunca chegou a interpelar a ré.
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3 – Pois bem. Se a celebração do contrato de promessa não estava sujeita a prazo certo e se não houve interpelação para o efeito, então andou bem a sentença, face ao disposto no art. 766º, nº1 do CC, ao considerar não ter havido incumprimento por parte da ré, que possibilite a obtenção de declaração negocial que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso (art. 820º, nº1, do CC).
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença.
Custas pela autora.
              TSI, 01 Novembro 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong






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