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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 12 de Julho de 2007, condenou o arguido A, como autor material, na forma consumada, e em concurso real dos seguintes crimes:
   - Um crime de ofensa grave à integridade física, previsto e punível pelos arts. 138.º, alínea d) e 139.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 10 (dez) anos de prisão;
   - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos arts. 262.º, n.º 1 do Código Penal e 1.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 77/99/M, de 8.11, na pena de 3 (três) anos de prisão.
   Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
   O arguido interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 25 de Outubro de 2007, julgou parcialmente procedente o recurso, absolvendo o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida, mantendo o restante decidido pelo Tribunal Judicial de Base, pelo que o arguido ficou condenado pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física, previsto e punível pelos arts. 138.º, alínea d) e 139.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 10 (dez) anos de prisão.
   Novamente inconformado o arguido interpõe recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
   (i) Sobre a "medida da pena" aplicada no acórdão recorrido;
   (ii) O recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física p. e p. pelo artigo 138°, al. d) e pelo artigo 139°, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão.
   (iii) Pode-se constatar os factos provados constantes dos autos.
   (iv) O caso do recorrente já está enquadrado na situação referida no artigo 66°, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau (ter actos demonstrativos de arrependimento e confissão e acto culposo praticado não por propósito para privar o ofendido de sua vida).
   (v) Por isso, o recorrente deve ser beneficiado da atenuação da pena.
   (vi) Além disso, o Ex.mo Sr. Procurador-Adjunto junto do Tribunal de Segunda Instância não contestou a atenuação da pena aplicada ao recorrente no parecer emitido por ele constante nos autos.
   (vii) Não obstante, o acórdão recorrido não tem considerado suficientemente todas essas circunstâncias.
   (viii) E esse douto acórdão recorrido ainda entendeu que o caso do recorrente não está enquadrado na situação prevista no artigo 66°, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau.
   (ix) Por isso, manteve a medida da pena aplicada na primeira instância ao crime anteriormente referido.
   (x) Por ser questão referentes a factos e direito, a matéria enquadra-se no âmbito de direito.
   (xi) Deste modo, o acórdão recorrido interpretou erradamente o disposto no artigo 66°, n.º 2, al. c).
   (xii) Nestes termos, o acórdão recorrido está eivado do vício de erro da interpretação do disposto no artigo 400°, n.º 1 do Código de Processo Penal.
   (xiii) Face ao exposto, deve-se anular o acórdão recorrido.
   (xiv) O recorrente entende que, no caso sub judice, numa interpretação adequada do artigo 66°, n.º 2, al. c) do Código Penal, nomeadamente a primeira frase da alínea, a pena de prisão que devia ser aplicada ao recorrente pela prática de 1 crime de ofensa grave à integridade física não deve ser superior a 7 anos.
   O Ex.mo Procurador-Adjunto pronuncia-se pela procedência parcial do recurso, aceitando a redução da pena em 2 (dois) anos de prisão.
   No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição assumida na resposta à motivação do recurso.
   
   II – Os factos
   Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes:
   Em 13 de Maio de 2006, pelas 8h25, o arguido A com três barris de plástico de tinta para trabalhar, foi a sós à residência da "mulher do mestre", a vítima B ou B1 (id a fls. 136 e 137 dos autos), situada no [Endereço (1)], com objectivo de falar com aquela acerca do juro da dívida a ser cobrado por outrem por intermédio dela.
   O arguido quando entrou no citado apartamento, fechou apenas a porta de ferro, mantendo aberta a porta de madeira.
   No apartamento, o arguido, zangado com juro a ser pago por este, pelo envolveu-se na discussão com a vítima.
   Após cerca de 5 minutos, o arguido pediu emprestado uma escada de madeira à vítima e em disposição de ir embora; nessa altura, a vítima estava de pé à porta da cozinha.
   Neste momento, o arguido, irritado com os insultos da vítima, empurrou-a com força para trás com a mão direita, fez com que esta perdesse o equilíbrio e ficasse prostrada no chão da cozinha.
   A vítima pediu socorro em voz alta e levantou-se. O arguido pensou que corresse sangue da parte de trás da cabeça e do pescoço da vítima, o que na verdade era apenas estampa vermelha na roupa da vítima, pelo que fechou a porta de madeira de imediato para que os vizinhos não ouvissem o pedido de socorro da vítima.
   Depois, o arguido entrou na cozinha e estendeu as mãos para observar a ferida na cabeça da vítima. Entretanto, a vítima agarrou a mão esquerda do arguido com a sua mão direita e abocanhou-a com força.
   O arguido, com a dor, envolveu-se com a vítima, de forma que ambos caíram no chão da cozinha até o arguido ficar sobre a vítima deitada de costas.
   Como a vítima pegou e abocanhou com toda a força a mão esquerda do arguido, sobretudo o dedo médio, e arranhou-lhe o rosto, então o arguido tirou com sua mão direita um cutelo de cozinha para cortar peixe, com lâmina e cabo de aço inoxidável (cutelo com comprimento de cerca de 27 centímetros, lâmina de 16 centímetros de comprimento e 5,5 centímetros de largura, cabo redondo de 11 centímetros de comprimento incluindo a ranhura para colocar dedo) e esfaqueou o antebraço direito da vítima a fim de que esta largasse sua mão esquerda.
   Tendo sido dadas quatro facadas no antebraço anterior direito, a vítima levantou a mão direita e pegou no cutelo do arguido.
   A conduta do arguido causou na vítima ofensas designadamente fractura do extremo distal da ulna, e corte da artéria ulnar, o que provocou directa e necessariamente a morte acelerada da vítima em virtude de hemorragia grave, constituindo a morte o resultado do choque hemorrágico causado por facada grave (vide fls. 211 a 217 da autópsia, cujo relatório aqui se dá por integralmente reproduzido para os respectivos efeitos legais).
   Vendo libertado a sua mão esquerda, o arguido ao observar as manchas do sangue por todo o lado e no seu próprio corpo, tirou a sua roupa e entrou na casa de banho no lado oposto à cozinha para limpar as manchas de sangue da sua mão.
   A vítima, em sofrimento, ainda gemeu por 6 ou 7 minutos. Quando o arguido voltou à cozinha, a vítima já não respirava.
   O arguido depois carregou a vítima para a cama colocada na arrecadação do apartamento, e cobriu o corpo inteiro da vítima com um lençol, tapando-a com um grande boneco de pano.
   A seguir, o arguido voltou à cozinha e trouxe uma toalha e água para apagar as manchas da parede, chão e armário.
   Depois, lavou a toalha usada, e botou-a na cozinha.
   A seguir, o arguido entrou no quarto da vítima, tentou mudar da calças de ganga manchadas da sangue, colocando as coisas do bolso das calças, incluindo a carteira, os trocos e um porta-chaves com quatro chaves na cama da vítima; depois de não ter encontrado nenhumas calças que lhe servissem, tornou a vestir as calças dele.
   Antes de deixar o quarto, o arguido apenas levou a carteira e os trocos colocados em cima da cama, deixando aí o porta-chaves.
   Em 15 de Maio de 2006, os agentes da P.J. apreenderam o referido porta-chaves na cama do quarto do apartamento (vide o auto de apreensão constante de fls. 103 dos autos).
   O arguido encontrou no apartamento um saco de papel para meter o cutelo usado e a roupa manchada de sangue.
   A seguir, o arguido deixou o apartamento com os três barris por ele trazidos e a escada emprestada pela ofendia e o supradito saco de papel.
   No mesmo dia, pelas 9h47, o arguido desceu do X.º andar para o X.º andar e usou o elevador, tendo saído do edifício onde se situava o apartamento.
   Depois, o arguido despejou o referido saco de papel com cutelo e roupa manchada de sangue na lata de lixo colocada ao [Endereço (2)].
   No mesmo dia, pelas 10h00, o arguido voltou sozinho à residência dele situada no [Endereço (3)] e abriu a porta com uma chave, com ajuda da sua filha, e entrou na sua residência.
   O arguido depois de limpar as manchas de sangue no seu corpo, botou as calças de ganga, os sapatos brancos de pano, a toalha e o chapéu num saco plástico vermelho, foi imediatamente ao rés do chão do edifício e despejou-o numa lata de lixo ali colocada.
   No mesmo dia, pelas 14h15, o arguido fugiu para Gongbei, via Portas do Cerco, com intenção de escapar à perseguição da Polícia.
   No mesmo dia, pelas 22h00, ainda sem terem sido detectados os seus actos, o arguido voltou à residência de Macau, via Portas do Cerco, por ter saudade dos familiares.
   Após o regresso a Macau, o arguido fez a sua vida normal, cuidando dos familiares, até que no dia 15 de Maio de 2006, pelas 8h00 e pouco, recebeu uma chamada da testemunha C que o informou da descoberta do cadáver da vítima.
   Para escapar mais uma vez à perseguição da Polícia, às 8h 18 o arguido regressou para 石岐長州村 via Portas do Cerco.
   Em 24 de Maio de 2006 pelas 20h00 e pouco, o arguido ao esconder-se na casa do seu parente na cidade de Heshan, província de Guangdong, foi detido pela Polícia do Interior da China.
   O arguido tentou provocar e provocou efectivamente ofensa grave à integridade física da vítima, de que veio a resultar a morte da vítima, no entanto, ao tempo da prática dos actos, o arguido não esperava que deles viessem a resultar a morte da vítima.
   O arguido usou a referida faca e ofendeu o corpo da vítima e veio a produzir-lhe a morte.
   o arguido conhecia bem a natureza e as características da faca que utilizou e sabia que o uso deste instrumento para a realização da supracitada finalidade era proibida por lei.
   O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente.
   O arguido conhecia bem que os seus actos eram proibidos e punidos pela lei.
   O arguido antes de entrar na prisão, era pintor mediante salário mensal de MOP$5.000,00.
   O arguido é casado, tem mulher e duas filhas a seu cargo.
   O arguido confessou sem reserva todos os factos praticados, sendo delinquente primário.
   
   III - O Direito
   1. A questão a resolver
   Trata-se de saber se a pena aplicada ao arguido deve ser atenuada.
   
   2. Atenuação especial da pena
   O arguido pretende a atenuação especial da pena.
   Mas esta só deve ter lugar “...quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” (n.º 1 do art. 66.º do Código Penal).
   Ora, o arguido foi condenado a 10 anos de prisão, sendo que a penalidade no caso variava entre 5 e 15 anos de prisão.
   Não se vislumbra nenhumas circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
   O arguido agiu brutalmente, é certo que na sequência de ter sido mordido pela vítima. Mas existe uma profunda desproporção entre os meios utilizados. Uma coisa é a dentada de uma mulher a um homem. Outra é a reacção com um cutelo (com comprimento de cerca de 27 centímetros, lâmina de 16 centímetros de comprimento e 5,5 centímetros de largura), desferido directamente no braço de uma pessoa, sendo que o cutelo é um instrumento apto a seccionar um membro superior ou inferior e susceptível de causar a morte, como é do conhecimento geral, e utilizado bastas vezes em homicídios.
   Por outro lado, tem este Tribunal entendido, como no Acórdão de 10 de Outubro de 2007, no Processo n.º 38/2007, que ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
   Não se afigura ser este o caso.
   Assim, entende-se manter a pena aplicada.
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
   Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC. Ao defensor oficioso do arguido fixam-se os honorários em mil e duzentas patacas.
   
   Macau, 23 de Janeiro de 2008.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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Processo n.º 57/2007