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Processo n.º 786/2017 Data do acórdão: 2017-12-14 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tráfico ilícito de estupefacientes
– livre convicção do julgador
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– art.o 15.o da Lei n.o 17/2009
– detenção indevida de utensílio ou equipamento
– objectos de uso corrente na vida quotidiana

S U M Á R I O
1. Como após vistos todos os elementos probatórios dos autos referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que o tribunal recorrido, quando da formação da sua convicção sobre os factos imputados à pessoa recorrente respeitantes ao tipo legal de tráfico ilícito de estupefaciente, tenha violado de forma patente quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou quaisquer regras da experiência da vida humana ou quaisquer leges artis a observar neste campo de tarefa jurisdicional, não pode ela vir aproveitar o mecanismo de recurso para tentar fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre as provas, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do Código de Processo Penal.
2. Deve ser absolvido o crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento do art.o 15.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, se estão concretamente em causa somente objectos de uso corrente na vida quotidiana tais como uma garrafa plástica com dois tubos nela metidos sendo um dos tubos embrulhado num dos extremos por papel de estanho.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 786/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: 1.a arguida A
6.o arguido B







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 573 a 596v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-16-0415-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficaram condenados a 1.a arguida A como autora material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na sua redacção inicial, anterior à entrada em vigor da Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro) (doravante chamada como Lei de droga), na pena de seis anos e seis meses de prisão, e o 6.o arguido B como autor material de um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, p. e p. pelo art.o 15.o da Lei de droga, na pena de dois meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 14.o da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, na pena única de três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento de assistentes sociais e ao tratamento da sua toxicodependência.
Inconformados, vieram recorrer a 1.a arguida e o 6.o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Alegou e pediu a 1.a arguida na sua motivação constante de fls. 630 a 631 dos presentes autos correspondentes, na sua essência, que o Tribunal sentenciador cometeu erro notório na apreciação da prova do crime de tráfico de estupefacientes (na parte em que a 3.a arguida do mesmo processo penal declarou na audiência que as substâncias estupefacientes encontradas na residência desta eram da pertença desta, versão fáctica essa que contrariou com a livre convicção desse Tribunal segundo a qual essas substâncias pertenciam à própria 1.a arguida), para além de lhe ter aplicado pena de prisão severa, a qual deveria, pois, reduzida.
Enquanto alegou e pretendeu o 6.o arguido na sua motivação constante de fls. 640 a 642 dos autos, em síntese, que o seu crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento deveria ser absolvido (quer pela tese de absorção deste crime pelo seu crime de consumo ilícito de estupefacientes, quer pela tese do carácter não duradoiro dos objectos por si detidos (garrafa plástica com dois tubos nela metidos sendo um dos tubos embrulhado num dos extremos com papel de estanho) ou do seu carácter não especificamente destinado ao consumo de estupefacientes), com nova medida da pena, ou que, fosse como fosse, as suas penas parcelares e única de prisão ficassem reduzidas.
Aos recursos da 1.a arguida e do 6.o arguido, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 649 a 651v e a fls. 652 a 655 respectiva e igualmente no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 696 a 698v, pugnando também pela improcedência dos recursos.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 573 a 596v dos autos, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
– é uma garrafa plástica com dois tubos nela metidos sendo um dos tubos embrulhado num dos seus extremos por papel de estanho que está em causa na incriminação do 6.o arguido em sede do crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, garrafa e tubos e papel de estanho esses que são de uso corrente na vida quotidiana.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
A 1.a arguida começou por preconizar que houve erro notório, por parte do Tribunal recorrido, na apreciação da prova do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, alegando que uma parte da droga apreendida nos autos não lhe pertencia, mas sim pertencia à 3.a arguida que assim declarou na audiência de julgamento.
Mas, para o presente Tribunal ad quem, sem razão essa tese da recorrente, porquanto após vistos todos os elementos probatórios dos autos referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, quando da formação da sua convicção sobre os factos imputados à recorrente respeitantes ao tipo legal de tráfico ilícito de estupefaciente, tenha violado de forma patente quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou quaisquer regras da experiência da vida humana ou quaisquer leges artis a observar neste campo de tarefa jurisdicional, pelo que não pode a recorrente vir aproveitar o mecanismo de recurso para tentar fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre as provas, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do Código de Processo Penal.
Rogou também a recorrente a redução da sua pena de prisão. Contudo, tendo em conta todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância pertinentes à medida da pena, entende-se, à luz dos padrões vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, que a pena concreta imposta à recorrente no acórdão recorrido para punição do seu crime de tráfico ilícito de estupefacientes já não pode admitir mais redução.
Improcede, pois, o recurso da 1.a arguida, sem mais indagação por ociosa.
E agora do recurso do 6.o arguido:
Já procede o pedido principal dele de absolvição do crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, não dando a garrafa com dois tubos nela metidos sendo um dos tubos embrulhado num dos extremos por papel de estanho para suportar a condenação dele em sede deste crime, por serem objectos de uso corrente na vida quotidiana.
Por isso, só pode ser mantida a condenação dele no crime de consumo ilícito de estupefacientes. Ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância a propósito deste delito com pertinência à determinação concreta da sua pena, afigura-se ser de manter a pena de dois meses de prisão já achada no acórdão recorrido para este crime, pena de prisão essa que se suspende na sua execução por um ano nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento de assistentes sociais e ao tratamento da sua toxicodependência.
Procede, assim, o recurso do 6.o arguido no seu pedido principal.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso da 1.a arguida e provido o recurso do 6.o arguido no seu pedido principal, absolvendo, por conseguinte, este arguido do imputado crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, sendo-lhe mantida a pena de dois meses de prisão já imposta no acórdão recorrido para o seu crime de consumo ilícito de estupefacientes, pena esta que se suspensa na sua execução por um ano, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento de assistentes sociais e ao tratamento da sua toxicodependência.
Custas do recurso da 1.a arguida a cargo dela, com duas UC de taxa de justiça e duas mil e quinhentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Sem custas no recurso do 6.o arguido. Fixam em mil e setecentas patacas os honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 14 de Dezembro de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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