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Processo nº 74/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2017

ASSUNTO:
- Pena disciplinar
- Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO:
- Tendo em conta a necessidade da disciplina interna do EPM com vista a evitar o contacto dos reclusos com o exterior, não se nos afigura que a pena disciplinar de 100 dias de suspensão seja excessiva e que viole os princípios da adequação, da proporcionalidade e da justiça, para um guarda prisional que levou o telemóvel para a área de serviço onde se encontravam os reclusos, bem sabendo que tal conduta estava expressamente proibida por ordem superior hierárquica.
O Relator,


Ho Wai Neng




Processo nº 74/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2017
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança de 13/12/2016, pelo qual se determinou aplicar-lhe uma pena disciplinar de 100 dias de suspensão, concluíndo que:
a. O Recorrente, guarda prisional do EPM, por estar na posse e aceder ao seu telemóvel pessoal durante o exercício das suas funções, veio a ser condenado por violação culposa do dever de zelo e do dever de obediência nos termos do artigo 279.°; n.º 2, alínea b) e c) do ETAMP, tendo sido aplicada pena de suspensão do exercício das suas funções equivalente a 100 dias, mediante decisão do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
b. O Recorrente não se conforma com a decisão e considera que não foram ponderadas certas circunstâncias atenuantes da pena.
c. Acontece que, aquando da infracção, a mulher do Recorrente encontrava-se grávida de 8 meses do primeiro filho do casal estando iminente o nascimento do mesmo, motivo pelo qual o Recorrente tinha na sua posse o seu telemóvel, de forma a conseguir atender às necessidades da sua esposa e do nascimento do seu filho.
d. Por breves segundos acedeu ao telemóvel, tendo sido posteriormente instaurado o respectivo procedimento disciplinar.
e. A acrescer a esta realidade fáctica - a qual devia ter sido considerada na ponderação da pena e não foi -, cabe dizer que várias atenuantes da pena, consagradas no artigo 282.° do ETAPM encontram-se preenchidas.
f. O Recorrente, confessou imediatamente e de forma expontânea, o facto de ter acedido ao seu telemóvel, estando assim preenchida a circunstância plasmada na alínea b) do artigo 282.° do ETAPM .
g. O Recorrente é guarda prisional há sete anos, sendo sempre diligente, cumpridor e acatador de ordens hierárquicas, sendo um exemplo para os demais colegas de profissão, motivo pelo qual, em 2011, veio a ser reconhecido pelo Director do EPM pelo seu exemplar comportamento tendo sido recompensado com a Louvores, verificando-se assim preenchida a circunstância atenuante da pena consagrada no artigo 282.°, alínea c) do ETAPM.
h. A infracção não tem carácter publicitário, logo verifica-se a circunstância do artigo 282.°, alínea f) do ETAPM.
i. O Recorrente não teve a intenção dolosa de violar regras de segurança, o que resulta no preenchimento da alínea g) do artigo 282.° do ETAPM.
j. A circunstância de a conduta do Recorrente não ter originado quaisquer consequências ou prejuízos é atenuante nos termos da alínea f) do artigo 282.° do ETAPM.
k. Por fim, encontra-se preenchida a circunstância atenuante da alínea j) do artigo 282.° do ETAPM uma vez que a realidade fáctica familiar envolvente diminui a culpa do Recorrente.
l. As circunstâncias atenuantes previstas na alínea b), c) e f) do artigo 282.° do ETAPM, constam do relatório do procedimento disciplinar, no entanto não foram reflectidas na aplicação da pena.
m. Mais, considera o Recorrente que lhe devia ter sido aplicada a pena de suspensão equivale ao limite mínimo legal previsto, i.e. 10 dias, conforme o disposto no artigo 303.°, n.º 2, alínea a) do ETAPM.
n. Assim, considera o Recorrente que a pena de suspensão de 100 dias aplicável pela decisão que ora se impugna é excessiva, desproporcional e desadequada e não foi precedida de uma ponderação séria e razoável sobre as circunstâncias atenuantes da pena, as quais devem e são de aplicar, devendo a pena de suspensão ser reduzida ao limite mínimo legal previsto de 10 dias.
o. Logo, ao não ter interpretado de forma sistemática e teleológica as previsões das circunstâncias atenuantes contidas no ETAPM e ao não considerar mais adequada à conduta do Recorrente a aplicação da pena de suspensão pelo mínimo legal previsto, a decisão recorrida viola o princípio da adequação e proporcionalidade, e justiça, nos termos dos artigos 5.° e 7.° do CPA e, consequentemente, viola o princípio da legalidade mediante o disposto no artigo 3.° do CPA.
p. Pelo que, deve a decisão recorrida improceder por violação de lei, determinando a sua anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 124.° CPA.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 29 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “Na petição inicial, o recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio, assacando-lhe a ofensa dos princípios da proporcionalidade e da justiça consagrados respectivamente nos arts.5º e 7º do CPA e, como base de facto, alegando seis circunstâncias julgadas atenuantes.
   Sem embargo de elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, inclinamos a entender que ao recorrente não assiste a razão.
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   Antes de mais, importa realçar que se encontram firmemente consolidadas no ordenamento jurídico de Macau as abundantes doutrinas e jurisprudências que vêm incansavelmente inculcando que, de um lado, é discricionário o poder para graduação da pena disciplinar, e de outro, só é judicialmente sindicável o exercício do poder discricionário quando enfermar erro grosseiro, total desrazoabilidade ou injustiça intolerável.
   No caso sub judice, saliente-se que no despacho em sindicância, o Exmo. Senhor Secretário para Segurança apontou conscientemente «嫌疑人具備《澳門公共行政工作人員通則》第二百八十二條b)項、c)項及f)項的減輕情節,不具備加重情節,亦不存在阻卻、排除紀律責任的情節。»
   Ora, tal passagem bem como as expressões análogas no Relatório da Instrutora e no Parecer do Director dos Serviços Correccionais mostram nitidamente que as circunstâncias alegadas nos arts.18º a 20º da petição foram atendidas e valoradas pela Administração na escolha e graduação da pena disciplinar que é a da suspensão de 100 dias. Não se vislumbra que a valoração pela Administração destas três circunstâncias padeça de erro grosseiro, total desrazoabilidade ou injustiça intolerável.
   Quanto ao argumento da carência de frequente contacto com a sua esposa, a entidade recorrida concluiu que «嫌疑人表示清楚知道未得到具權限上級的批准,攜帶手提電話進入候探區屬於違規,將會遭受紀律處分,但由於擔心其懷孕妻子的身體狀況,才會私自攜帶手提電話進入候探區內使用。» e «然而,卷宗內已查明,家屬可致電值日房電話與獄警聯繫。而嫌疑人亦清楚知道這一途徑,並已提示其妻子可透過此途徑與其聯絡,所以有關理由並不能排除或減輕其過錯。»
   No nosso prisma, a conclusão acima transcrita é bem equilibrada e subsistente. Pois, se fosse estritamente necessário o frequente contacto com a sua esposa, o recorrente deveria, objectivamente podendo, pedir a prévia autorização ao órgão competente.
   Apesar de a conduta do recorrente não provocar prejuízo ou dano efectivo, afigura-se-nos ser sustentável e razoável a conclusão extraída pela Administração, no sentido de «基於保安理由,攜帶手提電話進入監獄囚倉及其他限區域受到嚴格限制,雖然未有跡象顯示嫌疑人攜帶手提電話進入候探區是另有所圖,但有關行為無疑已對監獄的管理及秩序造成破壞。» Nisto consiste a consequência negativa da conduta do recorrente.
   De outro lado, embora não se descortine intenção maléfica, no entanto, o que é indiscutível é que o recorrente agiu com dolo ao infringir as instruções emanadas pelo órgão competente.
   Tudo isto implica que não existem in casu as circunstâncias arrogadas nos arts.21º a 23º da petição, por isso, a desconsideração destas três circunstâncias na graduação da pena disciplinar concretamente aplicada ao recorrente não fere do erro grosseiro ou total dearazoabilidade.
   A nosso ver, não se divisa, de qualquer lado, que o despacho atacado nestes autos lesasse ou frustrasse confiança ou expectativa legítima do recorrente, ou pusesse em risco os valores fundamentais contemplados no ordenamento jurídico de Macau.
   Chegando aqui, e sem necessidade de citação específica das doutrinas e jurisprudências, não podemos deixar de concluir que o despacho recorrido não ofende os princípios da proporcionalidade e da justiça, daí o recurso em apreço cai na terra.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. No dia 31 de Março de 2016, o Recorrente estava a desempenhar as suas funções de guarda prisional no Estabelecimento Prisional de Macau (doravante, "EPM").
2. Mediante ordens emanadas por superior hierárquico e nos termos das regras de conduta internas do EPM, o Recorrente e demais guardas prisionais estão proibidos de aceder a qualquer meio de comunicação, nomeadamente telemóveis, durante o exercício das suas funções em certas áreas específicas das instalações do EPM, sobretudo em áreas onde estejam presentes reclusos, ou seja, celas prisionais, salas de visitas, cantinas, entre outros.
3. Acontece que, naquele dia, o Recorrente estava na posse de seu telemóvel pessoal enquanto prestava os seus serviços de guarda prisional numa sala de visita e reclusos.
4. O Recorrente é casado e aquando da infracção a sua mulher, encontrava-se grávida de 8 meses do primeiro filho do casal estando iminente o nascimento do mesmo.
5. O Recorrente é guarda prisional desde 2010.
6. São 7 anos volvidos no exercício de funções de guarda prisional sem que tenha praticado qualquer infracção disciplinar.
7. Em 2011 o Recorrente foi distinguido por exemplar comportamento, tendo obtido louvor do Director do EPM.
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IV – Fundamentação
Para o Recorrente, a pena disciplinar aplicada é excessiva, não tendo devidamente ponderado os factores atenuantes, violando assim o princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça, o que gera a sua anulabilidade do acto recorrido.
Na óptica do Recorrente, ele beneficia as circunstâncias atenuantes previstas nas als. b), c), f), g), h) e j) do artº 282º do ETAPM, a saber:
- confissão expontânea;
- prestação de serviços relevantes à RAEM;
- ausência de publicidade da infracção;
- falta de intenção dolosa;
- diminutos efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros; e
- foi a preocupação da situação gravidez da mulher que lhe determinou levar o telemóvel para na área de trabalho, o que diminui a sua culpa e a gravidade da infracção.
  Em relação às circunstâncias atenuantes previstas nas als. b), c) e f) (confissão espontânea, prestação de serviços relevantes à RAEM e ausência da publicidade da infracção), as mesmas já foram ponderadas na decisão recorrida.
Quanto às previstas nas als. g), h) e j) (falta de intenção dolosa, diminutos efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros e foi a preocupação da situação gravidez da mulher que lhe determinou levar o telemóvel para na área de trabalho, o que diminui a sua culpa e a gravidade da infracção), cumpre-nos dizer que as mesmas não se verificam.
O Recorrente bem sabia que não podia levar o telemóvel para a área de serviço, mesmo assim o fez.
Nesta conformidade, não resta qualquer dúvida de que agiu com dolo directo.
Por outro lado, o telemóvel que se levou para a área de serviço onde se encontram os reclusos, pode ser utilizado tanto pelo próprio Recorrente como pelos reclusos.
Assim, a conduta do Recorrente não deixa de ser grave para a disciplina interna do EPM na medida em que exige uma maior preocupação com vista a evitar o contacto dos reclusos com o exterior através de telemóveis.
Por fim, entendemos que a preocupação da situação da gravidez da mulher também não constitui um factor atenuante nos termos da al. j) do artº 282º do ETAPM, visto que existe outros meios dentro do EPM que permitem o contacto do Recorrente com a sua mulher durante a sua prestação de serviço e o Recorrente bem conhece estes meios.
No caso em apreço, ponderando todos os elementos existentes, não se nos afigura que a pena disciplinar de 100 dias de suspensão seja excessiva e que viole os princípios da adequação, da proporcionalidade e da justiça.
Pois, tendo em conta as especialidades de funcionamento do EPM, nada a censurar a Entidade Recorrida optar uma maior rigor na sua disciplina interna.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pelo Recorrente, com 6UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 07 de Dezembro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng


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