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Processo nº 751/2017 Data: 16.11.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “fraude mercantil”.
Pena.
Atenuação especial.



SUMÁRIO

1. Nos termos do art. 8° da Lei n.° 6/96/M “Pode haver lugar à atenuação especial ou à dispensa de pena se o infractor, antes de os crimes previstos nos artigos 20.º, 21.º e 28.º terem provocado dano elevado, remover voluntariamente o perigo por ele causado e espontaneamente reparar o dano causado”.

2. Porém, no caso dos autos, verificando-se que a “remoção do perigo” não ocorreu “voluntáriamente”, mas tão só, após se ter detectado – em sede de uma inspecção pelos profissionais dos Serviços de Alfândega – que o arguido estava a distribuir para venda em Farmácias medicamentos em quantidades inferiores à indicada nas respectivas embalagens, motivos não há para a aplicação do assim estatuído.

3. Por sua vez, importa atentar que a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
Com efeito, a dita atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 751/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), arguido com os restantes sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “fraude mercantil”, p. e p. pelo art. 28°, n.° 1, al. a) da Lei n.° 6/96/M, com a alteração dada pela Lei n.° 7/2005, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; (cfr., fls. 1199 a 1209-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Em sede da sua motivação e conclusões de recurso, diz – em síntese – que excessiva é a pena decretada, solicitando uma atenuação especial assim como a substituição da pena de prisão que lhe foi aplicada por uma pena de multa; (cfr., fls. 1217 a 1219-v).

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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 1224 a 1225-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“No douto Acórdão de fls.1199 a 1209v dos autos, o Tribunal a quo condenou o recorrente na pena de um ano e nove meses de prisão com a suspensão da execução no período de dois anos, por ele ter praticado, na autoria material e forma consumada, um crime de fraude mercantil p.p. pela disposição na alínea a) do n.°1 do art.28° da Lei n.°6/96/M, na redacção introduzida pela Lei n.°7/2005.
O recorrente pediu, na Motivação (cfr. fls.1218 a 1219v dos autos), a atenuação especial da pena imposta no aresto em escrutínio, alegando que ele tinha procedido imediatamente à substituição dos medicamentos de quantidade inferior, a sua conduta não provocou prejuízo elevado às farmácias e ao público, e por isso se verificavam in casu as duas circunstâncias que lhe é atribuída pelo preceito no art.8° da Lei n.°6/96/M a virtude de atenuação especial ou dispensa da pena.
Ora bem, este normativo prescreve peremptoriamente: Pode haver lugar à atenuação especial ou à dispensa de pena se o infractor, antes de os crimes previstos nos artigos 20.°, 21.° e 28.° terem provocado dano elevado, remover voluntariamente o perigo por ele causado e espontaneamente reparar o dano causado.

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Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.255 a 259 dos autos), sobretudo a observação de que «上訴人所指的換貨及退貨,只是向投訴的藥房作出,而非將該批次的藥品全面回收。上訴人面對向其投訴的藥房,由於粒數不足已是鐵證事實,換貨及退貨是理所當然應負的責任。相反,上訴人明知該批次的藥品存在粒數不足的情況下仍然向藥房供應,事件揭發之後亦不全面回收。顯然,上訴人的罪過並無出現減輕的情況。基此,第6/96/M號法律第8條規定的刑罰之特別減輕或免除,對上訴人並不適用。»
Com efeito, o recorrente limitou-se a substituir os medicamentos por si fornecidos às farmácias que tinham apresentado denúncias, porém após as denúncias, nunca mostrava qualquer disponibilidade espontânea de retirar os restantes medicamentos da mesma espécie do mercado.
O que denota suficientemente que, em boa verdade, não surgem as circunstâncias traduzidas em «remover voluntariamente o perigo por ele causado e espontaneamente reparar o dano causado», pelo que não pode deixar de ser infundada a pretensão de atenuação especial.
De outro lado, pertinente é realçar que o recorrente agiu com dolo e, durante a audiência de julgamento, ele negou a prática dos factos que lhe tinham sido imputados. E, a confiança do público bem como a saúde pública exigem elevada cautela da prevenção geral.
Nesta ordem de valoração, e tomando como base a moldura penal consagrada no n.°1 do art.28° da Lei n.°6/96/M, colhemos sossegadamente que é adequada e equilibrada a pena aplicada pelo Tribunal a quo – a de um ano e nove meses de prisão com a suspensão da execução no período de dois anos, não vislumbrando a assacada severidade desproporcional.
(…)”; (cfr., fls. 1239 a 1240).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1201 a 1204, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “fraude mercantil”, p. e p. pelo art. 28°, n.° 1, al. a) da Lei n.° 6/96/M, com a alteração dada pela Lei n.° 7/2005, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

Entende que “excessiva” é a pena que lhe foi aplicada, que devia ser “especialmente atenuada”, pedindo a substituição da pena de prisão por uma pena de multa.

Vejamos.

Ao crime pelo recorrente cometido cabe a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias; (cfr., art. 28° da Lei n.° 6/96/M com a alteração dada pela Lei n.° 7/2005).


Prescreve o art. 40° do C.P.M. que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, temos entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017, de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).

Ponderando na factualidade dada como provada e no estatuído no art. 64° do C.P.M. entendeu o Tribunal a quo que inadequada era a pena (alternativa) de multa, tendo optado pela de prisão, fixando-a em 1 ano e 9 meses; (cfr., fls. 1208 a 1208-v).

E, atento o aí preceituado – “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – afigura-se-nos que bem andou o Tribunal a quo, já que, para a situação dos autos, também nós entendemos que inadequada seria uma pena de multa.

Com efeito, não se pode olvidar que in casu está um crime de “fraude mercantil”, em que as “mercadorias” em questão eram “produtos fármacos”, (medicamentos), adulterados nas quantidades de comprimidos que cada embalagem devia conter, e pelo arguido distribuídos para venda em farmácias locais, patente sendo as fortes necessidades de prevenção criminal, tornando, de todo, inadequada uma pena de multa.

E, será excessiva a pena de prisão de 1 ano e 9 meses?


Cremos que negativa deve ser a resposta.

Como temos vindo a afirmar, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso dos autos, e como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, motivos não há para qualquer redução da pena.

De facto, não se nos apresenta verificado o condicionalismo previsto no art. 8° da Lei n.° 6/96/M – onde se estatui que “Pode haver lugar à atenuação especial ou à dispensa de pena se o infractor, antes de os crimes previstos nos artigos 20.º, 21.º e 28.º terem provocado dano elevado, remover voluntariamente o perigo por ele causado e espontaneamente reparar o dano causado” – já que, no caso, não houve “remoção voluntária do perigo causado”, apenas ocorrendo tal remoção após se ter descoberto que a “mercadoria” distribuída pelo arguido não correspondia ao que o mesmo declarava ser.

Por sua vez, temos entendido que a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Como repetidamente temos vindo a considerar, “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016, de 20.07.2017, Proc. n.° 600/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).

E, decididamente, não é o caso dos autos.

Ponderando na factualidade dada como provada, verificando-se que todas as embalagens encontradas nas 4 farmácias inspeccionadas tinham sido viciadas, e provado estando que nos anos de 2010 a 2012 foram importadas para Macau 4100 embalagens do medicamento em questão, mas que no dito período o arguido distribuiu um total de 6894 embalagens, visto está que “muitas” foram as embalagens adulteradas, evidenciando-se, também assim, que a pena em questão – que não chega ao meio da sua moldura – não merece censura.

Dest’arte, não nos parecendo que se possa atenuar especialmente, reduzir ou alterar a natureza da pena ao arguido aplicada, e outra questão não havendo a apreciar, visto está que o recurso terá que improceder.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 16 de Novembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Choi Mou Pan
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