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Processo nº 941/2017 Data: 16.11.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “emprego ilegal”.
Falta de fundamentação.
Pena.



SUMÁRIO

1. Não existe falta de fundamentação se o Tribunal expôs as “razões” da sua decisão.
Pode-se não concordar com a fundamentação exposta, porém, tal não equivale a “falta de fundamentação”.

2. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal a quo em matéria de determinação da pena, devendo ser esta confirmada sempre que verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legalmente atendíveis.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 941/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguida com os restantes sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo a ser condenada como autora material da prática de 1 crime de “emprego (ilegal)”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 28-v a 30-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu, dizendo que a decisão padece o vício de “falta de fundamentação” e “violação do art. 44° do C.P.M.”, pedindo a aplicação de uma pena de multa; (cfr., fls. 35 a 36-v).

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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 38 a 41).

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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A recorre da sentença de 17 de Agosto de 2017, que a condenou na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, por ter cometido um crime de emprego ilegal.
Imputa-lhe a nulidade prevista no artigo 360.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação bastante da não substituição da pena de prisão por multa, e a violação do artigo 44.°, n.° 1, do Código Penal, por recusa dessa substituição.
Como o Ministério Público explica, de forma clara e exaustiva, na sua resposta, que acompanhamos e para a qual remetemos, não ocorrem as apontadas nulidade e violação.
A sentença elencou os factos provados, nada tendo assinalado nos não provados por os não haver, explanou as razões fácticas e de direito do decidido, bem como o mais exigido pelo artigo 355.°, n.° 2, do Código de Processo Penal. Posto que de forma parcimoniosa, não deixou de justificar a não substituição da pena de prisão por multa, fundando-a nas exigências de prevenção do cometimento de futuros crimes, exigências essas que se evidenciam a partir dos dados constantes da própria sentença, como veremos de seguida.
Não há, pois, insuficiência de fundamentação, pelo que improcede a invocada nulidade.
Por outro lado, dado o tipo de crime em causa, a especificidade do território onde ocorre, a situação de trabalhadora não residente da infractora, a sua precária condição económica, a necessidade de apoio doméstico através de mão-de-obra barata, o que tudo resulta evidenciado na sentença, não há que estranhar que o julgador não tenha arredado a hipótese de ela poder vir a cometer novos ilícitos de futuro. Trata-se de um juízo que, neste contexto, e não obstante a falta de antecedentes criminais da arguida, não aparenta erro que imponha solução diversa, encontrando o devido respaldo na norma do artigo 44.°, n.° 1, do Código Penal.
Daí que também não se vislumbre existir violação deste normativo.
Em suma, revela-se improcedente a argumentação da recorrente, pelo que o recurso não merece provimento”; (cfr., fls. 83 a 83-v).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 28-v a 29, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da decisão que a condenou como autora material da prática de 1 crime de “emprego (ilegal)”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.

Entende que a decisão padece o vício de “falta de fundamentação” e “excesso de pena”, pedindo a sua condenação numa “pena de multa”.

–– Começando pela alegada “falta de fundamentação”.

Pois bem, diz a arguida recorrente que a decisão de não aplicação de uma pena de multa ao abrigo do art. 44° do C.P.M., não está devidamente justificada na sentença recorrida.

É patente que não tem razão.

Com efeito, após declarar a ora recorrente autora de 1 crime de “emprego (ilegal)”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, com a pena de prisão até 2 anos, consignou o Tribunal a quo o seguinte:

“Ao abrigo dos artigos 40.º e 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal e também deve-se atender ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste, à gravidade das suas consequências, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, às condições pessoais do arguido e à sua situação económica e à conduta anterior ao facto e à posterior a este.
O grau de ilicitude dos factos criminosos do presente processo é médio, a sua consequência é normal e a intensidade do dolo é bastante elevada.
Na determinação concreta da medida da pena, nos termos do artigo 48.º do Código Penal de Macau, atendendo à personalidade da arguida, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, este Tribunal entende que é o mais adequado condenar a arguida na pena de 4 meses de prisão pela prática de um “crime de emprego” p. e p. pelo artigo 16.º n.º 1 da Lei n.º 6/2004.
Para necessidade da prevenção criminal, a aludida pena não é substituída por multa (artigo 44.º do Código Penal de Macau).
Considerando a personalidade da arguida, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, as circunstâncias deste e a arguida é primária, este Tribunal entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, nos termos do artigo 48.º n.ºs 1 e 5 do Código Penal de Macau, este Tribunal entende que a aludida pena de prisão pode ser suspensa na sua execução pelo período de 2 anos”.

Perante isto, pode não se concordar com a fundamentação exposta, porém, adequado não é dizer que o decidido não está fundamentado.

Continuemos.

–– Quanto à “pena”.

Ao crime pela recorrente cometido cabe a pena de prisão até 2 anos; (cfr., art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004).

Prescreve o art. 40° do C.P.M. que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, temos entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017, de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).

É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente decidiu a Relação de Lisboa, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso dos autos, estando a pena fixada a 3 meses do seu mínimo legal e a 1 ano e 8 meses do seu máximo, evidente se apresenta que só por equívoco se pode considerar a mesma excessiva.

Não se olvida também que nos termos do art. 44° do C.P.M.:

“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.º”.

Porém, cremos que nenhuma censura merece o decidido, já que, como se consignou na sentença recorrida, e como se salienta no douto Parecer que se deixou transcrito, atenta a “situação sócio – económica” da arguida (provada nos autos), fortes são as necessidades de prevenção criminal, afastada estando assim a possibilidade da substituição da dita pena de 4 meses por uma pena de multa.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela arguida, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 16 de Novembro de 2017

José Maria Dias Azedo
[Sem prejuízo do entendimento que assumi no acórdão de 06.03.2003, Proc. n.° 219/2002].

Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 941/2017 Pág. 14

Proc. 941/2017 Pág. 15