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Processo nº 930/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam:
(1°) AXX (AXX),
(2°) BX (BX),
(3°) CXX (CXX),
(4°) DXX (DXX), e,
(5°) EXX (EXX), todos com os sinais dos autos.

A final, e realizado o julgamento, decidiu o Tribunal:

–– condenar o (1°) arguido AXX como co-autor da prática de:
- 1 crime de “burla informática de valor elevado”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 3 da Lei n.° 11/2009 e art. 196°, al. a) do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e de,
- 1 crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1, 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão;

–– condenar o (2°) arguido BX como co-autor da prática de:
- 2 crimes de “burla informática de valor elevado”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 3 da Lei n.° 11/2009 e art. 196°, al. a) do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão cada; e de,
- 2 crimes de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão cada;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão;

–– condenar o (3°) arguido CXX como co-autor da prática de:
- 2 crimes de “burla informática de valor elevado”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 3 da Lei n.° 11/2009 e art. 196°, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada; e de,
- 2 crimes de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão cada;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão; e

–– condenar os (4° e 5°) arguidos DXX e EXX como co-autores da prática de:
- 1 crime de “burla informática de valor elevado”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 3 da Lei n.° 11/2009 e art. 196°, al. a) do C.P.M., na pena individual de 1 ano e 6 meses de prisão; e de,
- 1 crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena individual de 6 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foram os arguidos condenados na pena única individual de 1 ano e 9 meses de prisão.

No mesmo Acórdão decidiu ainda o Colectivo:

–– condenar os (1° a 3°) arguidos AXX, BX e CXX, no pagamento solidário da quantia de MOP$276.598,00 ao ofendido dos autos; e,

–– condenar os (2° a 5°) arguidos BX, CXX, DXX e EXX, no pagamento solidário da quantia de MOP$21.668,00 ao referido ofendido; (cfr., fls. 1743 a 1787-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformados, os (1° e 3°) arguidos AXX e CXX recorreram.

O (1°) arguido A, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 1835 a 1843).

O (3°) arguido C, considera que existe “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “errada qualificação jurídica”, pugnando pela sua absolvição quanto ao crime de “contrafacção de moeda”, e pela alteração da qualificação jurídica da sua conduta, no sentido de ser condenado por 2 crimes “burla informática” do art. 11°, n.° 1 – e não n.° 3 – da Lei n.° 11/2009, pedindo também a redução e suspensão da execução da pena e indemnização em que foi condenado; (cfr., fls. 1817 a 1831).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso do (3°) arguido C merece parcial provimento, pugnando pelo não provimento do recurso do (1°) arguido A; (cfr., fls. 1845 a 1849 e 1850 a 1854-v).

*

Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“1. Do recurso do (primeiro) arguido AXX (AXX)
Na Motivação de fls.1835 a 1843 dos autos, o recorrente/1° arguido assacou, ao douto Acórdão sob sindicância (cfr. fls.1743 a 1787v dos autos), o erro notório na apreciação de prova, a injustiça da pena aplicada e a violação do disposto no art.48° do Código Penal de Macau.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.1845 a 1849 dos autos), no sentido do não provimento dos recursos em apreço.
1.1- No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
No vertente caso, sucede que em sede do erro notório na apreciação de prova, o recorrente/1° arguido invocou apenas «muitos pontos dubitáveis» (眾多疑點). Do seu lado, a fundamentação do Tribunal a quo quanto à matéria de facto mostra iniludivelmente que a apreciação a avaliação das provas pelo Tribunal a quo não ofendem as regras da experiência nem as sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis, também não se divisa a incompatibilidade, desconformidade ou absurdidade lógica.
Nestes termos, não podemos deixar de colher que não se descortina o assacado erro notório na apreciação de prova, pelo contrário, a apreciação da prova na sua totalidade pelo Tribunal a quo apresenta a intrínseca coerência e conformidade com as regras da experiência.
1.2- O recorrente/1° arguido arrogou ainda a violação do princípio da justiça pelo aresto recorrido, a inadequação da pena aplicada e a ofensa do art.48° do CPM em virtude de não lhe ter concedida a suspensão da execução da pena única de dois anos e nove meses de prisão.
Repare-se que na prática dos dois crimes, em concurso real, pelos quais foi condenado na dita pena de dois anos e nove meses de prisão, o recorrente/1° arguido agiu com dolo directo e em co-autoria, provocando prejuízos de elevado valor a terceiro, e ainda instigou o 2° arguido para a prática, em co-autoria, dos sobreditos crimes (vide. os 7° a 11° factos provados).
Sendo assim, e tomando como parâmetro legal as molduras prescritas respectivamente na alínea 1) do n.°3 do art.11° da Lei n.° 11/2009 e no n.°1 do art.261° do CPM, entendemos que o Acórdão do Tribunal a quo não contende com o princípio da justiça, e se mostram necessárias e adequadas tanto as duas penas parcelares como a pena única.
O n.°1 do art.48° do CPM revela que a suspensão da pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos: o formal e objectivo traduz em a pena aplicada não ser superior a três anos; e o material traduz-se na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. E à luz deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Interessa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°242/2002, n.°190/2004 e n.°192/2004)
Sopesando deliberadamente a personalidade do recorrente/1° arguido, a forte intensidade do dolo directo, a intenção lucrativa e a gravidade da ilicitude, não podemos deixar de entender que é decerto infundado e descabido o pedido de suspensão da execução, por isso, o Acórdão em causa não colide com o n.1° do art.48° do CPM.
*
2. Do recurso do (terceiro) arguido CXX (CXX)
Do seu lado, o 3° arguido CXX (CXX) invocou, nas suas Motivações (cfr. fls.1817 a 1831 dos autos), a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a violação do n.°3 do art.11° da Lei n.°11/2009 e a excessiva severidade da pena que lhe tinha sido aplicada, criticou ainda o montante da indemnização fixado no Acórdão em sindicância.
Quid juris?
2.1- O recorrente/3° arguido invocou, antes de mais, que a condenação dele nos 2 crimes de contrafacção de moedas eivava da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, argumentando que «22.- 所以,第二嫌犯是否已將其利用虛假信用卡刷卡而欺騙銀行金錢的計劃告知第三嫌犯CXX,這是存有疑問的。» e «23.- 此外,就有關指責上訴人可從相關刷卡行為中會收取報酬之事實,更是缺乏充分之事實證據 (無論是書證或人證) 證實。»
Ora bem, o 15° facto provado constata que «嫌犯CXX與嫌犯BX認識多年,約自2016年3月10日起被嫌犯BX聘請為上述飯店的唯一經理,主要負責收銀及管理人事及帳目。» Este facto faz, pois, razoavelmente acreditar que o 3° arguido não só é empregado do 2° arguido, mas também amigo deste, e o 2° arguido depositava elevada confiança no 3° arguido.
Assim que seja, e ponderando racionalmente os 16° a 23°, 26° e 29° a 39° factos provados, afigura-se-nos que é insubsistente a “dúvida” aduzida no art.22° da Motivação desse arguido, e a matéria de facto provada na totalidade cauciona, suficiente e adequadamente, a condenação dele nos dois crimes de contrafacção de moedas, portanto, não se descortina in casu a assacada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
2.2- Em sede de pretendida violação do preceito no n.°3 do art.11° da Lei n.°11/2009, o recorrente/3° arguido arrogou que nenhuma das operações subsumidas no primeiro crime p.p. pelo prescrito na 1) do n.°3 do art.11° da Lei n.°11/2009 atinge ao valor de MOP$30,000.00, e de outro lado, nem qualquer uma nem o montante total das operações enquadradas no segundo crime p.p. pelo mesmo preceito atinge ao dito valor.
Neste aspecto, impõe-se ressaltar que convolando a Acusação, o Tribunal a quo condenou o recorrente/3° arguido na prática, como co-autor material e de forma consumada, dois crimes continuados p.p. pelo preceito legal acima aludido, daí o valor determinante é o global.
Nesta ordem de vista, e tendo em consideração as duas somas correspondentes aos dois crimes, sufragamos a posição do ilustre colega, no sentido de que a condenação do 3° arguido na prática do segundo crime p.p. pela alínea 1) do n.°3 do art.11° da Lei n.°11/2009, visto a soma das respectivas operações não atingir ao valor de MOP$30,000.00, pelo que tais operações deviam ser subsumidas na previsão do n.°1 deste art.11°. da citada Lei, com a consequente redução da pena aplicada nesta parte.
2.3- Sem prejuízo do erro de direito supra apontado, parece-nos que as demais três penas parcelares impostas ao recorrente/3° arguido não enfermam de excessiva severidade, embora a pena única que deriva do cúmulo jurídico deva ser reduzida em razão do apontado erro de direito.
A nosso ver, os 16° a 23° e 29° a 39° factos provados demonstram irrefutavelmente a activa e intensiva intervenção do recorrente/3° arguido nos factos ilícitos. Ponderando o esforço e a intervenção dele, bem como a sua personalidade, a intensidade do dolo directo, a intenção lucrativa e a gravidade da ilicitude, inclinamos a acompanhar a opinião do ilustre colega, no sentido de não se verificar in casu o pressuposto substancial da suspensão da execução, e a concessão da suspensão da execução frustrar as finalidades da punição, por isso é inviável o pedido da suspensão.
Por todo o expendido acima, propendemos pela:
- total improcedência do recurso interposto pelo 1° arguido AXX (AXX), e
- parcial procedência do recurso do 3° arguido CXX (CXX), qualificando as operações ocorridas nos dias 6 e 7 de Abril de 2016 na previsão do n.°1 deste art.11° da Lei n.°11/2009”; (cfr., fls. 1895 a 1898).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1758 a 1772-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem os (1° e 3°) arguidos A e C recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.

Vejamos se tem razão, começando-se por identificar as questões pelos recorrentes colocadas e trazidas à apreciação deste T.S.I..

Pois bem, entende o (1°) arguido A que o Acórdão recorrido está inquinado com o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

Por sua vez, considera o (3°) arguido C que o mesmo veredicto padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “errada qualificação jurídica”, pugnando pela sua absolvição quanto ao crime de “contrafacção de moeda”, e pela alteração da qualificação jurídica da sua conduta, no sentido de ser condenado por 2 crimes “burla informática” do art. 11°, n.° 1 – e não n.° 3 – da Lei n.° 11/2009, pedindo também a redução e suspensão da execução da pena e indemnização em que foi condenado.

–– Vejamos, começando-se pelos vícios imputados à “decisão da matéria de facto”, e assim, pela invocada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (alegada pelo (3°) arguido C).

Pois bem, repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 494/2017 e de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

Dito isto, e analisada a decisão recorrida, cremos que não se pode dar razão ao (3°) arguido C, ora recorrente, pois que o Colectivo a quo investigou e emitiu expressa pronúncia sobre “toda a matéria objecto do processo”, elencando a que resultou “provada” e “não provada”, e justificando, adequadamente, esta sua decisão, censura não merecendo o Acórdão recorrido na parte em apreciação.

–– Passemos, agora, para o pelo (1°) arguido A assacado vício de “erro notório na apreciação da prova”.

No que toca ao vício de “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017 e de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017).

Também, sobre este tema, pronunciou-se, recentemente, a Relação de Coimbra, em termos que merecem a nossa concordância e que vale a pena aqui referir.

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E, aqui chegados, sem esforço se conclui que não existe o imputado “erro”.

Com efeito, não se vislumbra “onde”, “como” ou “em que termos” tenha o Colectivo a quo violado qualquer “regra sobre o valor das provas tarifadas”, “regra de experiência” ou “legis artis”, sendo de notar que nem o recorrente o explicita, afigurando-se-nos que confunde o (verdadeiro) sentido e alcance deste vício com (eventuais) questões próprias da fase da “qualificação jurídico-penal da matéria de facto”, (e que nada tem a ver com “decisão da – própria – matéria de facto”).

Vê-se assim que, também na parte em questão, se terá de confirmar a decisão proferida.

–– E, dest’arte, não se apresentando a “decisão da matéria de facto” inquinada com qualquer dos imputados vícios, (ou outro de conhecimento oficioso), vejamos do seu “enquadramento jurídico-penal”.

Ora, como se viu, o (1°) arguido A, foi condenado pela prática de 1 crime de “burla informática de valor elevado”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 3 da Lei n.° 11/2009 e art. 196°, al. a) do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e 1 crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1, 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e, o (3°) arguido C, pela prática de 2 dos ditos crimes de “burla informática” e outros 2 de “contrafacção de moeda”. Aqueles, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão, e estes últimos na de 5 meses de prisão cada.

E, atentando-se na “factualidade dada como provada”, afigura-se de dizer que a conduta dos arguidos integra, efectivamente, os ditos crimes de “burla informática” e “contrafacção de moeda”.

Com efeito, da dita “matéria de facto” ressaltam “dois momentos”: um “primeiro”, de 16.03.2016 a 05.04.2016, no qual, os actos materiais integrantes dos ditos crimes são praticados pelos (1° a 3°) arguidos AXX, BX e CXX, e, um “segundo”, de 06.04.2016 a 07.04.2016, em que a conduta em questão é desenvolvida pelo (2° a 5°) arguidos BX, CXX, DXX e EXX, (aqui, sem a intervenção do 1° arguido AXX).

Daí, a condenação dos arguidos nos termos atrás referidos: o (1°) arguido A, por 1 crime de “burla informática” e 1 outro de “contrafacção de moeda” ambos na forma continuada, e o (3°) arguido, como co-autor de 2 de cada 1 destes crimes, também, na forma continuada.

Dito isto, não se olvidando que em relação ao crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252° e 257° do C.P.M., se atentou e deu aplicação ao estatuído no art. 261°, n.° 2 do mesmo Código – que pune os “actos preparatórios” – e dúvidas não havendo que a conduta provada do 3° arguido, (que tomou parte “activa” e relevante na execução dos ilícitos), integra, claramente, uma “co-autoria”, (não se podendo considerar ser mero “cúmplice”), há que se confirmar a qualificação jurídico-penal operada pelo T.J.B..

Contudo, e como já se notou no douto Parecer do Ministério Público, atento o “valor” em causa no 2° crime de “burla informática” cometido pelo 3° arguido, (ou melhor, 2° a 5° arguidos) e que é de MOP$21.668,00, evidente é que se incorreu em lapso, havendo que se alterar a decisão recorrida no sentido de em questão estar (apenas) um crime de “burla informática” do art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, (com reflexos na pena aplicada e que se abordará de seguida), confirmando-se o restante crime de “burla informática” do art. 11°, n.° 3 da mesma Lei.

–– Quanto às “penas”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017, de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente decidiu a Relação de Lisboa, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16; no mesmo sentido, vd. o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16, onde se consignou “O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”).

Motivos não havendo para se alterar o que se consignou, vejamos.

Pelo crime de “burla informática”, do art. 11°, n.° 3, al. 1) da Lei n.° 11/2009, punível com a pena de prisão de 1 a 5 anos, foi o (1°) arguido A condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

E pelo crime de “contrafacção de moeda”, (“actos preparatórios”; cfr., art. 252°, 275° e 261° do C.P.M.), punível com a pena de prisão até 1 ano ou 120 dias de multa, fixou-lhe o Tribunal a pena de 7 meses de prisão.

Por sua vez, pelos (2) crimes de “burla informática”, foi o (3°) arguido C condenado nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão, e, pelos outros 2 crimes de “contrafacção de moeda”, (actos preparatórios), as penas parcelares de 5 meses de prisão.

Ora, em relação ao (1°) arguido A, atentas as molduras penais em questão, e verificada estando a circunstância agravante do art. 22° da Lei n.° 6/2004, (em virtude de se encontrar em Macau na situação de “clandestino”, e nesta qualidade ter cometidos os crimes pelos quais foi condenado), nenhuma censura merecem as penas fixadas que, em nossa opinião, até se apresentam (algo) benevolentes.

E, nesta conformidade, atentos os critérios do art. 71° do C.P.M., evidente se apresenta também que nenhum reparo merece a pena única de 2 anos e 9 meses de prisão decretada.

Ponderando no estatuído no art. 48° do C.P.M., e muito fortes sendo as necessidades de prevenção deste tipo de criminalidade informática – que tem vindo a registar grandes aumentos – visto está que não se pode decidir pela suspensão da execução desta pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, assim improcedendo, in totum, o recurso do (1°) arguido A.

Em relação ao (3°) arguido C, e válidos sendo os argumentos expostos, evidente se apresenta que apenas há que se encontrar uma nova pena para 1 dos (2) crimes de “burla informática” que, como se viu, não deve ser agravado, sendo antes o p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, e ao qual cabe a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.

E, então, afastada estando igualmente a opção por uma pena não privativa de liberdade, (de multa), porque inverificados os pressupostos do art. 64° do C.P.M., cremos que justa e adequada é a pena (já fixada) de 1 ano e 6 meses de prisão para este crime de “burla (simples)”.

Assim, e em sede de cúmulo jurídico, ponderando na moldura aplicável e nos critérios do art. 71° do C.P.M., excessiva não é a pena única pelo T.J.B. fixada de 2 anos e 6 meses de prisão, que por isso se confirma.

Também aqui, e como se disse, fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, não se vislumbra viabilidade para a pretendida suspensão da execução da pena.

–– Verifica-se que o (3°) arguido C encontra-se também inconformado com os segmentos decisórios que determinaram o pagamento solidário das indemnizações de MOP$276.598,00 e MOP$21.668,00.

Antes de mais, não se nos afigurando que se possa ou deva autonomizar as quantias referidas, cremos que em causa não está o preceituado no art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M., que em caso de aplicação, tornaria irrecorrível o segmento decisório referente à quantia de MOP$21.668,00; (sobre a questão, cfr., v.g., o recente Acórdão do Vdo T.U.I. de 21.06.2017, Proc. n.° 23/2017).

E dito isto, atenta a factualidade dada como provada, e às razões pelo Tribunal a quo expostas e que lhe levarem a proferir as decisões em questão, cremos que se impõe a sua confirmação.

Com efeito, os aludidos montantes reflectem as quantias que com a conduta pelos arguidos desenvolvidas nos autos, (nos 2 momentos), foram obtidas em resultado das transacções efectuadas com cartões de crédito viciados.

Posto isto, e nesta parte improcede o recurso.

–– Por fim, um último aspecto.

Nos termos do art. 392° do C.P.P.M.:

“1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
2. Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto:
a) Por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes;
b) Pelo arguido, aproveita ao responsável civil;
c) Pelo responsável civil, aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais.
3. Em caso de comparticipação, o recurso interposto contra um dos arguidos não prejudica os demais”.

Dest’arte, e dando-se aplicação ao estatuído no n.° 1 e 2, al a) do transcrito comando legal, há também que alterar a condenação dos 2°, 4° e 5° arguidos BX, DXX e EXX, que passam a ficar condenados por 1 crime de “burla informática (simples)”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, (para além da sua condenação pelo crime de “contrafacção de moeda”), e, valendo aqui os argumentos atrás explicitados em sede de determinação da (medida da) pena, afigura-se-nos, (também aqui), adequado fixar para este crime a pena (individual) de 1 ano e 6 meses de prisão para os (2°, 4° e 5°) arguidos BX, DXX e EXX.

Em sede de cúmulo jurídico com as restantes penas em que foi o 2° arguido B condenado, e atentos os critérios do art. 71° do C.P.M., considera-se justa e adequada a pena única de 3 anos de prisão.

Por sua vez, e atenta a pena que lhes foi fixada para o crime de “contrafacção de moeda”, (6 meses de prisão), passam os 4° e 5° arguidos DXX e EXX a ficar condenados na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão.

Mantendo-se válidos os argumentos atrás expendidos quanto à questão, da suspensão da execução da pena, visto está que, também aqui, se haverá de decidir em conformidade.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento a recurso do (1°) arguido AXX, julgando-se parcialmente procedente o recurso do (3°) arguido CXX, alterando-se a qualificação jurídico-penal efectuada nos exactos termos consignados, ficando os (2°, 3°, 4° e 5°) arguidos BX, CXX, DXX e EXX condenados como co-autores de 1 crime de “burla informática”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, fixando-se-lhes para este crime a pena individual de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico com as outras penas que lhes foram aplicadas, a pena única de 3 anos de prisão para o (2°) arguido BX, a de 2 anos e 6 meses de prisão para o (3°) arguido CXX, e a de 1 ano e 8 meses de prisão para os (4° e 5°) arguidos DXX e EXX, mantendo-se, no restante, a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 6 UCs para o (1°) arguido AXX, e de 4 UCs para o (3°) arguido CXX.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 09 de Novembro de 2017

(Relator) José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto) Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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