Processo nº 979/2017 Data: 09.11.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Revogação da suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”.
2. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais, ou de grosseira e reiterada violação das obrigações impostas, revelando, claramente, não ser o arguido merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 979/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. O Digno Magistrado do Ministério Público vem recorrer da decisão da Mma Juiz do T.J.B. que não acolheu promoção sua no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de 5 meses de prisão decretada ao arguido B (B), com os restantes sinais dos autos.
E, em síntese, diz que a decisão recorrida colide com o estatuído nos art°s 53° e 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 304 a 307-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo pugna o arguido no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 312 a 314).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Na Motivação de fls.304 a 307 verso dos autos, o magistrado do Ministério Público assacou, ao douto despacho em escrutínio (cfr. fls.301 a 302 verso), o vício de violação das disposições nas alíneas d) do art.53° bem como a) e b) do n.°1 do art.54.° do CPM ex vi n.°1 do art.400° do CPP.
Sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, subscrevemos as criteriosas sustentações do ilustre Colega na Motivação acima referida.
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Antes de mais, dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos os factos especificados nos arts.1° a 4° da dita Motivação, sobretudo o facto apontado no seu art.4° no sentido de o Venerando TSI negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e ora recorrido da sentença proferida no Processo n.°CR3-16-0157-PSM, sentença que traduz em condená-lo na pena de 4 meses de prisão efectiva, c cancelou-lhe a carta de condução.
Ora, os registos do arguido/recorrido demonstram indubitavelmente os vários antecedentes criminais, e que no período da suspensão, ele foi já ouvido por ter infringido o regime de prova e lhe veio a ser concedida a prorrogação do período da suspensão da execução.
Sucede que durante o período da suspensão, o arguido/recorrido voltou a cometer um crime de desobediência qualificada, pelo que ele foi condenado na pena de 4 meses de prisão efectiva, sem estimar a referida prorrogação do período da suspensão.
O n.°1 do art.54° do CPM prevê: A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras ele conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Adverte prudentemente (Acórdão do TSI no Processo n.°847/2015): A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência cio sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.
Em termos mais concisos, «Correcta é a decisão de revogação da suspensão da execução da pena se, o arguido, a quem foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, insiste na sua conduta delinquente, voltando a cometer novos crimes pelos quais veio a ser punido, ignorando assim o “aviso” que lhe foi feito e a oportunidade que lhe foi concedida, e demonstrando que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.» (Acórdão do TSI no Processo n.°48/2012)
No nosso prisma, mostra-se bem equilibrada a pensada a jurisprudência que assevera: «Tendo o recorrente voltado a cometer novo crime doloso pelo qual veio a ser efectivamente condenado, e chegado até a cumprir pena efectiva de prisão num anterior processo, é de revogar-lhe a suspensão da pena de prisão sob a égide do art.54.°, n.°1, alínea b), do Código Penal.» (Acórdão do TSI no Processo n.°514/2014)
Em harmonia das citadas orientações jurisprudenciais, chegamos a conclusão de que as condutas do arguido/recorrido durante o período da suspensão de execução revelam concludentemente que as finalidades subjacentes a suspensão não podem, por meio dela, ser alcançadas, por isso mesmo, o douto despacho recorrido contende com a ratio axiológica da b) do n.°1 do art.54° do CPM, assim, deve ser revoado
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 327 a 328).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
2. Em causa no presente recurso está uma decisão da Mma Juiz do T.J.B. que, confrontada com a violação das obrigações impostas e com prática pelo arguido dos autos de novo crime em pleno período da suspensão da execução da pena de 5 meses de prisão, considerou inadequada a revogação da dita suspensão, prorrogando o aludido prazo de suspensão por mais 1 ano; (cfr., fls. 301 a 302-v).
E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar – e embora se compreenda a motivação da Mma Juiz a quo, que entendeu conceder “mais uma oportunidade” ao arguido – cremos que não se pode manter o decidido.
Vejamos.
Nos termos do art. 54° do C.P.M.:
“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”; (sub. nosso).
E, como se viu – e bem nota o Ilustre Procurador Adjunto – em pleno período da suspensão da pena de 5 meses de prisão cometeu o arguido novos ilícitos, violando, também, de forma grosseira e repetida, os deveres que lhe foram impostos, revelando, de forma clara, que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.
Aliás, pela frequência da sua conduta delinquente – cujo primeiro registo data de 2011, (cfr., o seu C.R.C., a fls. 278 e segs.) – se constata que o arguido tem (extrema) dificuldade em levar uma vida em conformidade com as normas de uma sã convivência social, apresentando também uma atitude de (total) indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da decisão de suspensão da execução da pena condicionada ao programa de reabilitação que lhe foi decretado.
Não se nega, (e assim temos entendido) que se devem evitar penas de prisão de curta duração, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 01.11.2017, Porc. n.° 948/2017), que a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, e que o legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 254/15).
Como decidiu o T.R. de Guimarães:
“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., o Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).
Porém, igualmente temos afirmado que não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016 e de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017, e a Decisão Sumária de 16.06.2017, Proc. n.° 460/2017 e de 13.09.2017, Porc. n.° 820/2017).
No caso dos autos, face à postura do ora recorrente, que insiste em levar uma vida delinquente, insistindo em desenvolver um comportamento à margem das normas de convivência social, impõe-se dizer que correcta se nos apresenta a posição do Ministério Público, pois que revelado está que as finalidades que estavam na base da decretada suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.
Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou também que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).
Por sua vez, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12).
Apresentando-se-nos assim que o recurso merece provimento, há que decidir em conformidade.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se a suspensão da execução da pena de 5 meses de prisão ao arguido aplicada nos presentes autos.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 09 de Novembro de 2017
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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