Processo nº 1133/2017 Data: 11.01.2018
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime(s) de “furto”.
Medida de pena.
Pena única.
SUMÁRIO
1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
2. O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais que a regem.
Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei.
Esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras princípios legais, ainda se revele proporcionada.
3. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.
O relator,
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Processo nº 1133/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. e) conjugado com o art. 196°, al. f) do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada, e outro de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 355 a 363-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, vem o arguido recorrer, afirmando que excessivas são as penas aplicadas, pedindo a sua redução; (cfr., fls. 369 a 372-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 375 a 376-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 390 a 390-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 357-v a 359, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. e) conjugado com o art. 196°, al. f) do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada, e outro de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.
Assaca à decisão recorrida o vício de “excesso de pena”.
Vejamos, (notando-se que o arguido não impugna a “decisão da matéria de facto” e a sua “qualificação jurídico-penal”, não se considerando igualmente que a mesma mereça qualquer censura).
–– Quanto às “penas parcelares”.
Pois bem, ao crime de “furto (qualificado)” pelo ora recorrente cometido cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão; (cfr., art. 198°, n.° 2 do C.P.M.).
E ao crime de “furto (simples)”, a de prisão até 3 anos ou multa; (cfr., art. 197° do C.P.M.).
Nos termos do art. 64° do C.P.M.:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Porém, no caso, e ponderando no C.R.C. do arguido ora recorrente, com outras condenações por crimes de “furto”, evidente se apresenta que inadequada seria a opção por uma pena não privativa da liberdade para o crime de “furto” do 197° do C.P.M..
Continuemos, vendo-se agora da “medida da pena”.
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, e, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017, de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017 e de 16.11.2017, Proc. n.° 722/2017).
No caso dos autos, e como se referiu, o arguido ora recorrente tem “antecedentes criminais”, registando já outras duas condenações, (cfr., matéria de facto), tudo a indicar uma personalidade alheia às normas de convivência social, e que insiste em delinquir, pelo que, atentos os critérios do art. 40° e 65°, à factualidade dada como provada, à moldura penal para os crimes cometidos e tendo em conta as fortes necessidades de prevenção especial e geral, excessiva não se apresentam as penas parcelares de 2 anos e 6 meses e de 7 meses de prisão que, aliás, como o Tribunal a quo fez questão de notar, foram objecto de atenuação especial ao abrigo do art. 201° do C.P.M., evidente sendo que foram consideradas todas as circunstâncias favoráveis ao ora recorrente.
Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017 e de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017).
No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como recentemente se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Dito isto, e não nos parecendo haver erro evidente ou manifesta desproporção, à vista está a solução quanto à questão da “medida da pena”.
Continuemos.
–– Quanto à “pena única” resultado do “cúmulo jurídico”, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).
Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.11.2013, Proc. n.° 695/2013, de 03.04.2014, Proc. n.° 178/2014 e de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017).
Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 2 anos e 6 meses” e um “limite máximo de 5 anos e 7 meses de prisão”, cremos que censura também não merece a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão fixada que, em nossa opinião, reflecte, correctamente, a forte necessidade de prevenção criminal especial e geral que, no caso, se impõe.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 11 de Janeiro de 2018
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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