Processo nº 1036/2017(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:
“Relatório
1. A, com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. que indeferiu o pedido no sentido de se declarar prescrita a pena que lhe faltava cumprir, motivando para, a final, concluir nos termos seguintes:
“1ª O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido de fls. 112, na medida em que entendeu que a pena de prisão aplicada ao recorrente não estava ainda prescrita.
2ª A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo sustentou que o prazo de prescrição da pena não se havia ainda completado, visto que – no seu entendimento – a interrupção ditada pela execução da pena de prisão efectiva perdurou durante todo o período em que o recorrente cumpriu a pena de prisão efectiva, isto é, até ao momento em que lhe foi concedida a liberdade condicional.
3ª Na verdade, entendeu que o cumprimento (efectivo) da pena de prisão determinou não só a interrupção do prazo de prescrição da pena, como também a suspensão da contagem do seu tempo.
4ª O prazo de prescrição da pena tem o seu dies a quo na data em que transita em julgado uma decisão condenatória (art. 114.°, n.° 2 do Código Penal).
5ª A duração do prazo de prescrição da pena é determinada em função da pena efectivamente aplicada ao recorrente, numa correlação positiva pautada pelos limites previstos no art. 114.°, n.° 1 do Código Penal.
6ª In casu, foi aplicada ao recorrente a pena de 8 anos e nove meses de prisão efectiva, por ter sido condenado pelo cometimento do crime de tráfico e actividade ilícitas, p. e p. pelo art. 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M.
7ª Donde resulta, nos termos do art. 114.°, n.° 1, al. c) do Código Penal, que o prazo de prescrição da sua pena de prisão é de 15 anos.
8ª Os prazos de prescrição podem, porém, ser suspensos ou interrompidos, verificado que seja um dos eventos taxativamente previstos nos arts. 117.° e 118.° do Código Penal.
9ª A suspensão do prazo determina que, durante o evento que a determina, a contagem do prazo fique suspensa, reiniciando-se a sua contagem a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (art. 117.°, n.° 3 do CP)
10ª A interrupção do prazo de prescrição da pena, diferentemente, faz reiniciar a contagem do prazo de prescrição a partir do zero (art. 118.°, n.° 2 do CP).
11ª O erro em que se incorreu no despacho recorrido prende-se com uma confusão terminológica entre os dois conceitos, porque a interrupção do prazo de prescrição não implicou a suspensão do mesmo.
12ª Nos termos do art. 118.°, n.° 1, al. a) do CP, o início da execução de uma pena determina, ope legis, a interrupção do prazo de prescrição da mesma, isto é, o reinício da sua contagem.
13ª Havendo cumprimento da pena de prisão, o dies a quo é, efectivamente, o dia em que o arguido iniciou o seu cumprimento, ou execução.
14ª No entanto, a interrupção é um evento que se verifica isoladamente no tempo, um evento que despoleta de imediato as suas consequências e, nesse momento, se esgota.
15ª O art. 318.°, n.° 1 do Código Civil é lacónico e transparente na descrição do conceito: a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.
16ª Assim sendo, teremos forçosamente de concluir que o momento em que se procedeu à execução da pena de prisão aplicada ao recorrente determinou a interrupção do prazo de prescrição da pena.
17ª O tribunal a quo errou, porém, ao considerar que a interrupção perduraria enquanto subsistisse a causa que lhe deu origem.
18ª Na verdade, a interrupção esgotou os seus efeitos no momento em que se iniciou a execução da pena, mas não perdurou enquanto esta foi executada, o que equivaleria a uma simultânea interrupção e suspensão do decurso do prazo de prescrição da pena.
19ª De resto, a confusão terminológica que se descortina na decisão recorrida parece ir mais além. A adoptar o entendimento sufragado no despacho recorrido, a pena de prisão aplicada ao recorrente nunca prescreveria.
20ª Isto porque, ao contrário do que se fez reflectir na decisão recorrida, a concessão da liberdade condicional é em si a continuação da execução da pena de prisão.
21ª Nessa medida, a concessão da liberdade condicional é uma medida de execução da sanção privativa da liberdade ou forma de execução da pena de prisão.
22ª Enquanto o juiz não determinasse no presente processo-crime a extinção da pena, após a concessão da liberdade condicional, esta nunca prescreveria, pois na verdade nunca deixaria de estar a ser executada.
23ª O que redundaria numa situação manifestamente injusta, pois o agente que houvesse sido condenado e cumprido, no mínimo, 2/3 da pena seria prejudicado sobremaneira face a um agente que nunca houvesse cumprido qualquer parcela da sua pena.
24ª Este último poderia beneficiar do decurso normal do prazo de prescrição, ao invés que àqueloutro não restaria alternativa senão aguardar pelo limite máximo de duração do prazo de prescrição, previsto no art. 118.°, n.° 3 do Código Penal.
25ª Aqui chegados, devemos concluir que o prazo de prescrição da pena foi interrompido com o início do cumprimento da pena, isto é, a 6 de Maio de 2012, data em que transitou em julgado a sentença condenatória.
26ª Assim, volvidos quinze anos sobre essa data, e não tendo havido qualquer outra causa que tenha determinado a interrupção ou suspensão do prazo de prescrição da pena, a mesma prescreveu no dia 6 de Maio de 2017.
27ª O decurso do tempo, efectivamente, veio apartando inexoravelmente os factos jurídicos relevados negativamente das consequências nefastas dele derivadas, dissipando as necessidades de uma reacção veemente da ordem jurídica, da utilidade da pena e consequentemente o interesse e a legitimidade do estado em procurar executá-la.
28ª Hoje em dia, volvidos praticamente 16 anos sobre a prática dos actos censuráveis, é manifesto que o decurso do tempo reduziu as expectativas contrafácticas até se tornarem praticamente indiscerníveis, tendo as necessidades de prevenção geral sido devidamente amenizadas (senão eclipsadas) pelo cumprimento de dois terços da pena há mais de uma década atrás (!) e as necessidades de prevenção especial desaparecido por inteiro, dada a referida distância temporal entre o ser humano que cometeu o crime e o ser humano a quem hoje se pretendem pedir responsabilidades.
29ª A prescrição da pena aplicada ao recorrente implica a extinção da sua responsabilidade penal, o que humildemente, e contando com o muito douto suprimento de Vossas Excelências, se requer seja ditado.
30ª O despacho recorrido violou, na óptica do recorrente, a norma ínsita no art. 118.°, n.° 1, al. a) do Código Penal, ao interpretá-la erroneamente, designadamente por considerar que a interrupção perdura enquanto durar a execução de pena e, consequentemente, suspende o decurso do prazo de interrupção durante esse período.
31ª Como se deixou exposto, a norma referida interrompe o prazo de prescrição da pena com o início de execução da mesma, começando nessa data a correr novo prazo”; (cfr., fls. 116 a 123-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 125 a 126).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Vem A recorrer do despacho de 26 de Setembro de 2017,· do Mm.° Juiz de Instrução Criminal, que considerou não prescrita a pena de 8 anos e 9 meses de prisão que lhe fora imposta no processo CR3-02-0036-PCC.
Sustenta, na sua minuta de recurso, que o despacho em crise violou, por erro de interpretação, a norma do artigo 118.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, entendimento que é refutado pelo Ministério Público, em cuja resposta se defende o acerto e a manutenção do julgado.
Vejamos.
O recorrente foi condenado na pena de 8 anos e 9 meses de prisão, que transitou em julgado em 6 de Maio de 2002. Nesta mesma data iniciou o cumprimento da pena. Em 21 de Agosto de 2007 foi libertado condicionalmente, mediante sujeição a certos deveres. Em Janeiro de 2009 deixou de cumprir esses deveres, o que deu causa à instauração de processo para revogação da liberdade condicional, no âmbito do qual, e mau grado as diligências empreendidas, não foi ainda possível ouvi-lo.
Posto isto, o recorrente assevera que, tendo decorrido 15 anos desde 6 de Maio de 2002, a pena se encontra prescrita.
Temos para nós que não lhe assiste razão.
É verdade que a pena transitou em julgado em 6 de Maio de 2002, pelo que, nessa data começou a correr o prazo de prescrição, que é de 15 anos – artigos 114.°, n.°s 1, alínea c), e 2, do Código Penal.
E é também exacto que, nessa mesma data, com o início da execução da pena, se interrompeu o prazo da prescrição – artigo 118.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal.
Só que, contrariamente ao entendimento do recorrente, cremos que não se iniciou logo aí a contagem de um novo prazo de prescrição. É que o começo da execução constitui apenas o marco inicial da interrupção, a qual, nos termos do referido inciso, perdura enquanto subsistir a execução.
É o que resulta da alínea a) do n.° 1 do artigo 118.° do Código Penal, parecendo ser esse também o entendimento subjacente às notas de Leal-Henriques à referida norma, em “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, volume II”, quando afirma que, cessada a causa que determinou a interrupção – ou seja, a execução – volta a correr novo prazo prescricional, ou quando, referindo-se ao alcance daquela alínea a), vinca que se a execução se iniciou… não faria sentido que o prazo prescricional continuasse a correr e viesse entretanto a prejudicar a respectiva execução. Igual entendimento parece ter seguido o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 16 de Março de 2006, exarado no processo 83/2006, ao afirmar que como a execução da pena constitui uma causa interruptiva da prescrição… o respectivo prazo só começou a correr a partir da liberdade condicional.
Temos, pois, que, no caso vertente, o prazo de prescrição da pena só começou a correr quando cessou a causa de interrupção traduzida na execução, ou seja, com a concessão da liberdade condicional, em 21 de Agosto de 2007, pelo que o termo do respectivo prazo se mostra ainda distante.
Uma interpretação diversa do artigo 118.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, poderia conduzir à situação absurda de prescrição de penas durante o seu cumprimento, o que o sistema por certo não quis.
Ante o exposto, improcedem os fundamentos do recurso, ao qual deve ser negado provimento”; (cfr., fls. 143 a 144).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Como se deixou relatado, vem interposto recurso do despacho proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. que indeferiu o pedido no sentido de se declarar prescrita a pena de prisão que ao ora recorrente faltava cumprir.
Porém, como se deixou adiantado, não se vislumbram razões para se acolher a pretensão apresentada, sendo antes de se subscrever a decisão recorrida e de se considerar o presente recurso “manifestamente improcedente”.
Passa-se a (tentar) demonstrar este nosso ponto de vista.
Vejamos.
As causas de extinção do “procedimento criminal” e da “pena” são, quanto ao primeiro caso, a prescrição, a morte do agente e a amnistia; quanto à extinção da pena, a prescrição, a morte do agente, a amnistia, o perdão genérico e o indulto.
A lei distingue duas modalidades de prescrição: a do “procedimento criminal”, (cfr., art°s 110° e segs.), que se extingue logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os prazos legais, e a “prescrição da penas e das medidas de segurança”, (cfr., art°s 114° e segs.), que obsta à execução de uma consequência jurídica do crime a partir de decisão transitada em julgado.
No primeiro caso, o instituto da prescrição torna impossível o procedimento criminal e, por essa via, a aplicação de uma qualquer sanção; no segundo, ele torna impossível a execução de uma pena constante de uma condenação transitada em julgado.
Como observa L. Henriques entende-se por prescrição “a extinção do direito público de procedimento criminal ou de execução ou prossecução de execução de uma pena, em virtude do seu não exercício no tempo que a lei fixou para o efeito”, assumindo-se como “um instrumento que atribui relevância ao desgaste que o tempo provoca na prática do facto ilícito-penal ou nas suas consequências”.
Várias são as razões apontadas para justificar o efeito extintivo da responsabilidade conferido ao decurso do tempo e que normalmente têm que ver com os fins das penas, com a necessidade de segurança jurídica, com o enfraquecimento na comunidade do abalo provocado pela prática do ilícito, com as acrescidas dificuldades investigatórias resultantes do decurso do tempo (e assim potenciadoras da ocorrência de erros judiciários), e que impõem que a máquina judiciária não intervenha para além de um tempo tido como razoável.
Daí que o legislador tenha estabelecido “prazos” considerados suficientes para que ocorra a intervenção das instituições, esgotada ficando a possibilidade de se continuar a “perseguir” quem adoptou condutas contrárias às prescrições criminais após o seu decurso.
Dito isto, há que decidir se prescrita está a pena que ao ora recorrente foi aplicada.
E, como se nos apresenta evidente e já se deixou adiantado, claro é que tal pena ainda não prescreveu, sendo de se dar aqui como integralmente reproduzido o teor do douto Parecer do Ministério Público que se deixou transcrito e que, de forma cabal, responde à argumentação pelo recorrente apresentada.
Porém, seja como for, (e com o único intuito de melhor responder à questão pelo recorrente colocada), consigna-se o que segue.
Nos termos do art. 114° do C.P.M.:
“1. As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) 25 anos, se forem superiores a 15 anos de prisão;
b) 20 anos, se forem iguais ou superiores a 10 anos de prisão;
c) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
d) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;
e) 4 anos, nos casos restantes.
2. O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.
E, nos termos do art. 118° do mesmo C.P.M.:
“1. A prescrição da pena e medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser entregue ou onde não possa ser alcançado.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição da pena e medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.
No caso, em causa estando uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão, sabendo-se que o ora recorrente iniciou o seu cumprimento em 06.05.2002 e que em 21.08.2007 foi condicionalmente libertado, vejamos.
Pois bem, face à medida da dita pena, dúvidas não há que o prazo para a sua prescrição é de 15 anos; (cfr., art. 114°, n.° 1, al. c), atrás transcrito).
E, sabendo-se que “in casu” se discutem os efeitos da causa interruptiva prevista na alínea a), n.° 1, do art. 118° do C.P.M., há que dizer que incorre o recorrente em (manifesto) equívoco ao considerar a “execução da pena” como um “facto interruptivo (da prescrição) autónomo”, (ou “instantâneo”, ou como alega, “isolado no tempo”; cfr., concl. 14ª), não sendo um “facto que perdura no tempo”, (ou cujos efeitos perduram no tempo).
E, como se mostra evidente, (e ainda que possa, ou não tenha que ser sempre um “facto duradouro”, como sucede com a situação prevista na alínea b) do mesmo comando legal), óbvio é que outro deve ser o entendimento a adoptar.
De facto, este o (único) sentido que se nos apresenta adequado, aliás, como cremos nós, é também entendido por L. Henriques, (citado no douto Parecer), e que, de forma cristalina, em anotação ao art. 118° do C.P.M. sobre a “interrupção da prescrição” (da pena), salienta que – apenas quando – “cessada a causa que determinou a interrupção”, volta a correr novo prazo.
Dest’arte, apresenta-se pois de considerar que enquanto o “facto interruptivo” – sendo um “facto duradouro”, como a “execução da pena” – se verificar, mantendo a sua eficácia, mantém-se, igualmente, a “causa” que determinou a interrupção da prescrição, apenas com a sua extinção voltando a correr novo prazo.
In casu, sendo a “causa de interrupção” a “execução da pena” (de 8 anos e 9 meses de prisão) que ao recorrente foi aplicada, importa considerar que tal causa se manteve durante a dita execução, apenas se podendo iniciar a contagem de um novo prazo de prescrição com uma alteração de tal situação, o que veio a ocorrer com a sua libertação condicional; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. deste T.S.I. de 16.03.2006, Proc. n.° 83/2006).
Doutra forma, (e como – bem – se salienta no douto Parecer do Ministério Público e vale a pena aqui voltar a referir), até se corria o risco de se poder vir a ter de considerar prescrita uma pena, enquanto esta se encontrava em (plena) execução, o que, de todo, não se mostra de conceber.
Assim, afigurando-se-nos que adequado é o entendimento no sentido de que a interrupção da prescrição da pena, se dá com o início da sua execução, e que se mantém durante esta mesma execução, apenas se devendo começar a contar novo prazo (nos termos do n.° 2 do art. 118° do C.P.M.) se se vier a verificar uma alteração de tal situação, visto está que desde a data da concessão da liberdade condicional ao ora recorrente, (em 21.08.2007), não decorreu o prazo de 15 anos para se poder declarar prescrita a sua pena; (no sentido de que a interrupção da prescrição da pena com a sua execução não é um “facto isolado no tempo”, cfr., v.g., o Ac. de S.T.J. de 13.11.2014, Proc. n.° 464/07, da Rel. do Porto de 22.02.2017, Proc. n.° 1422/08, da Rel. de Lisboa de 08.03.2017, Proc. n.° 27/01, da Rel. de Coimbra de 26.05.2009, Proc. n.° 561/00 e da Rel. de Évora de 21.03.2017, Proc. n.° 49/99, todos in, “www.dgsi.pt”).
Nesta conformidade, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 146 a 155 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Notificado do assim decidido, veio o arguido apresentar expediente com o teor seguinte:
“A, recorrente nos autos à margem epigrafados, notificado da rejeição, por parte do relator, do recurso por si interposto, vem, nos termos do art. 407.°, n.° 8 do Código de Processo Penal, apresentar reclamação para a conferência, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O recurso jurisdicional interposto pelo ora reclamante foi rejeitado pelo relator dos presentes autos de recurso penal visto ser, na sua óptica, manifestamente improcedente.
De acordo com o despacho reclamado, a interrupção do prazo de prescrição da pena de prisão, nos termos do art. 118.°, n.° 1, al. a) do Código Penal, inicia-se com o cumprimento efectivo da pena de prisão e perdura durante todo o tempo em que o arguido condenado permanece encarcerado.
2. Ora, o referido preceito legal determina que a prescrição da pena interrompe-se com a sua execução e não durante a sua execução. Como teve o reclamante oportunidade de explicar nas suas alegações, o efeito interruptivo da prescrição esgota-se no evento que o determina.
Caso contrário, estaríamos não perante uma interrupção da prescrição mas sim uma suspensão da prescrição.
“A suspensão tem o efeito de suster a contagem do tempo da prescrição, não se incluindo no prazo desta o espaço de tempo durante o qual ocorreu a suspensão. O vencimento do prazo é, assim, prorrogado pelo tempo em que a prescrição esteve suspensa.
A interrupção, por sua vez, inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo para a prescrição”, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 375, nota de rodapé n.° 1, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO
3. A interrupção do prazo de prescrição da pena não determina, ao contrário do que a lei determina expressamente para a suspensão, a sustação da sua contagem enquanto perdura o evento que a despoleta (cf. para a suspensão o preceituado no art. 117.°, n.° 2 do Código Penal).
A suspensão da contagem do prazo prescritivo é, por inerência, apanágio da suspensão da prescrição, nisso se definindo tal fenómeno.
4. Nesses termos, cremos ser isolada (ou pelo menos descontextualizada) a interpretação extraída do Conselheiro Leal-Henriques na sua ANOTAÇÃO E COMENTÁRIO AO CÓDIGO PENAL DE MACAU, VOLUME II (pág. 550) de que o prazo interrompido voltará a correr apenas quando cessar a causa que a ditou; desde logo, por não ter qualquer acolhimento na lei.
De resto, o próprio Conselheiro não parece discordar do entendimento sufragado pelo ora reclamante quando identifica a causa de interrupção prevista no art. 118.°, n.° 1, al. a) do Código Penal como sendo “o começo de execução da pena ou da medida de segurança” (op. cit., pág. 551).
Do que resulta, nos termos do art. 118.°, n.° 2 do Código Penal, que após o início da execução da pena, começa a correr novo prazo de prescrição, sendo este, portanto, o momento que determina o novo dies a quo do prazo de prescrição.
5. Como atempadamente se suscitou nas alegações de recurso, não se podem confundir conceitualmente a suspensão e a interrupção dos prazos de prescrição, ainda que se possa configurar que um evento possa ao mesmo tempo despoletar a interrupção e a suspensão dum prazo de prescrição, contanto a lei o preveja especificamente.
A interrupção, pela sua natureza, determina a inutilização para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (cf. art. 318.°, n.° 1 do Código Civil).
Após cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cf. art. 118.°, n.° 2 do Código Penal).
6. Aceitando como bom o entendimento sufragado no despacho reclamado, a interrupção dum prazo de prescrição não difere, na essência, da suspensão da prescrição, apenas acrescentando a esta o reinício da contagem do prazo.
Esta configuração da interrupção como uma suspensão agravada vem retirar a autonomia que sempre existiu na doutrina jurídica entre ambos os conceitos, constituindo um enquadramento não só inovador como no fundo revolucionário das vicissitudes previstas para a contagem dos prazos de prescrição.
7. O juiz-relator dos presentes autos de recurso jurisdicional faz ainda uma alusão, em termos de jurisprudência comparada, ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 13.11.2014, ao Acórdão da Relação do Porto de 22.02.2017, ao Acórdão da Relação de Lisboa de 08.03.2017, ao Acórdão da Relação de Coimbra de 26.05.2009 e ao Acórdão da Relação de Évora de 21.03.2017.
Ressalvado o devido respeito, tais acórdãos não têm aplicação no caso em discussão nos presentes autos, visto que se pronunciam sobre a pena autónoma de substituição da suspensão da execução da pena de prisão.
Não se pode transpor para o presente caso o entendimento naqueles acórdãos sufragado, até porque, no despacho reclamado (e também no despacho recorrido) se entende – erroneamente, como teve o reclamante oportunidade de explanar nas alegações de recurso – que a concessão da liberdade condicional não configura uma medida (ou forma) de execução de execução da pena de prisão.
8. Finalmente, quanto ao argumento de que com a adopção do entendimento do reclamante poderíamos chegar ao absurdo de considerar prescrita uma pena que se encontra em plena execução também aqui não colhe a posição reclamada.
Nos termos do art. 114.° do Código Penal, o prazo de prescrição das penas é necessária e consideravelmente maior do que a pena em si.
Assim sendo, e tendo em conta que (o início d)a execução da pena interrompe sempre o seu prazo de prescrição, fácil é de verificar que tal situação impassivelmente sucederia.
TERMOS EM QUE, por se discordar dos fundamentos em que assentou a rejeição do recurso, deve o recurso interposto pelo ora reclamante ser levado ao conhecimento e decisão da conferência deste Venerando Tribunal.
(…)”; (cfr., fls. 159 a 160-v).
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Sobre este expediente, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:
“O recorrente A reclama, para a conferência, da decisão sumária de fls. 146 e seguintes, que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Questiona a rejeição por discordar dos fundamentos em que ela assentou, intentando rebatê-los e procurando reafirmar e reforçar os argumentos expendidos na sua alegação de recurso, na tentativa de persuadir que a pena de prisão de 8 anos e 9 meses em que foi condenado se mostra efectivamente prescrita.
Continuamos em crer que não lhe assiste razão.
Seja-nos permitido remeter para o nosso parecer de fls. 143 a 144, onde deixámos expressos os motivos da nossa discordância quanto à pretendida declaração de prescrição, motivos de cuja procedência continuamos convictos e que, não obstante o esforço argumentativo do recorrente, não saem neutralizados.
O argumento fundamental do recorrente, utilizado, quer nas suas alegações de recurso, quer agora na reclamação para a conferência, radica na suposta instantaneidade dos efeitos da interrupção. Na sua tese, por força das características do próprio instituto da interrupção, os seus efeitos produzem-se instantaneamente, o que origina a contagem imediata de novo prazo, em contraposição com a suspensão, cujos efeitos perduram no tempo, só se retomando a contagem quando eles findam.
Mas não é assim, ou não é sempre assim. A recontagem imediata do prazo ou o sobrestar dessa recontagem dependem do recorte que o texto legal dê à interrupção no caso específico que se tenha em vista.
Por exemplo, o artigo 319.° do Código Civil prevê que a interrupção se protele pelo lapso de tempo que medeia entre a citação e o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, o que, convenhamos, pode durar vários meses ou anos. A Lei 13/2012, de 10 de Setembro, prevê, no seu artigo 20.°, n.° 3, um caso de interrupção prolongada no tempo. E também em Portugal, em cujo sistema jurídico o direito de Macau encontra os seus alicerces, abundam casos de interrupção cujos efeitos perduram no tempo. Veja-se, a título exemplificativo, a norma do artigo 34.°, n.° 3, do Decreto-lei n.° 154/91, de 23 de Abril.
O que interessa, pois, na caracterização da interrupção e na sua diferenciação da suspensão, não é tanto a instantaneidade do efeito e a retoma imediata da contagem, mas, sim a inutilização do tempo anteriormente decorrido. Se há lugar a essa inutilização, estamos perante interrupção. Se o tempo anteriormente decorrido não é inutilizado, mas há apenas uma pausa na sua contagem, com posterior retoma, então estamos perante suspensão.
Nestes termos, e dado que a execução da pena, enquanto causa de interrupção da prescrição prevista no artigo 118.°, alínea a), do Código Penal, é um evento que se prolonga no tempo, somos levados à conclusão de que bem andou a decisão sumária em crise ao rejeitar o recurso por manifesta inverificação da prescrição da pena.
Consequentemente, não há reparo a dirigir à decisão sumária objecto de reclamação, cujo sentido deve se mantido, indeferindo-se a reclamação”; (cfr., fls. 162 a 163)
*
Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 164).
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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o arguido reclamar da decisão sumária nos presente autos proferida.
Porém, em resultado de uma análise aos autos efectuada, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.
Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento da questão colocada – e acertada na solução.
Na verdade, e pelos motivos que aí se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no que toca à “questão” sobre a qual competia emitir pronúncia, quanto à “prescrição da pena”, sendo pois de se manter o entendimento no sentido de que “a interrupção da prescrição da pena, se dá com o início da sua execução, e que se mantém durante esta mesma execução, apenas se devendo começar a contar novo prazo (nos termos do n.° 2 do art. 118° do C.P.M.) se se vier a verificar uma alteração de tal situação”, o que torna imperativa a solução a que se chegou.
Dest’arte, e constatando-se que o ora requerente limita-se a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da reclamação apresentada.
Decisão
3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 18 de Janeiro de 2018
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
(com declaração de voto)
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Tam Hio Wa
(subscrevo apenas a decisão)
Declaração de voto ao Acórdão de 18 de Janeiro de 2018 do
Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 1036/2017
Votei a favor da decisão tomada no acórdão proferido hoje por este Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos recursórios n.o 1036/2017 (porque também realizo que a prescrição da pena de prisão se interrompe durante todo o tempo em que está a ser executada propriamente a prisão), sem prejuízo do meu entendimento de que como durante todo o período de tempo em relação ao qual foi concedida a liberdade condicional ao recluso até antes da revogação da liberdade condicional, não foi legalmente possível executar a remanescente parte da pena de prisão correspondente ao período de liberdade condicional, a contagem do prazo de prescrição da pena de prisão teria que ficar suspensa (cfr. o art.o 117.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal, que reza que a prescrição da pena se suspensa durante o tempo em que a execução não puder legalmente continuar), suspensão de contagem do prazo essa que só ficaria cessada com a tomada de decisão revogatória da liberdade condicional, constituindo o próprio acto de tomada dessa decisão revogatória da liberdade condicional, no caso da pessoa condenada ora recorrente, uma outra causa de interrupção do prazo de prescrição da pena (cfr. o art.o 118.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal – que preceitua que a prescrição da pena se interrompe com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local onde não possa ser alcançado).
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
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