Processo nº 722/2017 Data: 16.11.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “ofensa simples à integridade física”.
Pena alternativa.
Multa.
SUMÁRIO
Sendo o crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., punível com pena de prisão até 3 anos ou multa, sendo o arguido – com mais de 70 anos de idade – primário, e provado estando que a agressão que cometeu foi uma “reacção” a um empurrão que lhe foi dado, portanto, um acto praticado no “calor da coisa”, adequada se mostra, atento o estatuído no art. 64° do C.P.M., a aplicação de uma pena de multa, em detrimento de uma pena de prisão, (ainda que suspensa na sua execução).
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 722/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, condenando-se ainda o mesmo arguido no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$5.000,00 e juros ao (2°) arguido B; (cfr., fls. 104 a 108-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para – em conclusões, e em síntese – imputar ao Acórdão recorrido o vício de “excesso de pena”, pedindo também a redução do quantum da indemnização; (cfr., fls. 114 a 123).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 125 a 129-v).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação (cfr. fls.115 a 123 dos autos), o recorrente pediu a atenuação da pena aplicada na douta sentença em escrutínio e a redução da quanta de indemnização aí fixada, alegando ser primário, ter 71 anos de idade e o encargo de prestar alimento à sua mulher, ser parte passiva na recíproca agressão e ainda confessar honestamente os factos ilícitos.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.125 a 129v. dos autos), no sentido do não provimento do recurso em exame.
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Ora, os factos dados por provados demonstram indubitavelmente que o recorrente agiu com dolo directo, e o ajuizamento de factos (事實判斷) aponta os meios de provas que constatam inegavelmente a agressão pelo recorrente ao 2° arguido. (在庭審中播放的監控片段顯示事發時嫌犯A數次揮拳打向B,但因角度問題而未能見到B有否反擊。)
De outro lado, não se pode perder da vista que o recorrente, e 1° arguido nunca mostrou arrependimento, a sua confissão é pouco relevante para a descoberta da verdade dos factos, e não se descortinam outras circunstâncias ponderosas em seu favor.
Sendo assim, e tomando como quadro legal a moldura consagrada no n.°1 do art.137° do CPM, e chamando à colação as prudentes jurisprudências concernentes à graduação da pena, afigura-se-nos que é justa e equilibrada a condenação do recorrente na pena de 4 meses de prisão com suspensão da execução no período de 1 ano.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso quanto à condenação penal”; (cfr., fls. 143 a 143-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 105 a 105-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelos art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, condenando-se ainda o mesmo arguido no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$5.000,00 e juros ao (2°) arguido.
E, como se deixou relatado, assaca ao aresto recorrido o vício de “excesso de pena”, pedindo também a “redução do quantum da indemnização”.
Outra questão não colocando, vejamos.
–– Antes de mais, consigna-se que em despacho proferido em sede de exame preliminar, e invocando-se o art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M. e o entendido no Ac. do Vdo T.U.I. de 21.06.2017, proc. n.° 23/2017, decidiu-se não admitir o presente recurso no que toca ao segmento decisório que fixou em MOP$5.000,00 a indemnização em que foi o ora recorrente condenado a pagar; (cfr., fls. 144).
Apresentando-se correcto o decidido, passa-se a decidir da questão pelo recorrente colocada em relação à sua “pena” que considera excessiva.
–– Pois bem, os termos do art. 137° do C.P.M.:
“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. O procedimento penal depende de queixa.
3. O tribunal pode dispensar de pena quando:
a) Tiver havido lesões recíprocas e não se tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor”.
E, como sabido é, um sede de determinação da uma pena importa desde já atentar que preceitua o art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Com efeito, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017, de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017).
É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).
E, como no mesmo sentido decidiu este T.S.I.: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como recentemente se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
No caso dos autos, e como se viu, fixou o Tribunal a quo a pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.
E, sem prejuízo do muito respeito por diverso entendimento, outra se nos mostra que deva ser a solução.
De facto, preceitua o art. 64° do C.P.M. que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
E, atento o assim estatuído, e ponderando nas circunstâncias da situação dos autos e que nos é revelada pela factualidade dada como provada, cremos que se deve dar aplicação ao comando legal em questão, optando-se por uma pena não privativa da liberdade, ou seja, por uma pena de multa.
Na verdade, a agressão perpetrada pelo ora recorrente, ocorre no âmbito de um “desentendimento com o ofendido”, aquando da subida para um autocarro de transporte público, como “reacção” a um empurrão que lhe foi dado pelo ofendido depois deste assistir a um choque, (encontrão), entre o arguido e a sua esposa.
Ora, infelizmente, é sabido como estas situações acontecem…
Com a pressa que algumas (ou muitas) pessoas têm de entrar para o autocarro, (e não ficar de fora), e de apanhar um assento vago (antes que fiquem todos ocupados), ocorrem, muitas vezes “contactos” e “encontrões” indesejados e que originam discussões ou desentendimentos, e mesmo, como no caso, agressões.
Como é evidente, com isto não se quer – de maneira nenhuma – dizer que “legítima”, “adequada” ou “razoável” foi a conduta do arguido ora recorrente, pois que a situação exposta não integra nenhuma “causa que exclui a ilicitude ou a sua culpa”, (cfr., art. 30° a 38° do C.P.M.), o mesmo sucedendo com qualquer das situações previstas no art. 137°, n.° 3, al. a) e b) do C.P.M., e que poderiam levar a uma “dispensa da pena”.
Todavia, afigura-se-nos que o “condicionalismo” relatado não deixa de demonstrar que foi uma “reacção espontânea”, ou, como se diz na gíria, no “calor da coisa”, e, como (sem esforço) se alcança, menos reflectida.
E, tal circunstancialismo, a revelar um dolo menos intenso, não pode deixar de ser tido em conta, (nomeadamente, a título de prevenção especial).
Por sua vez, importa ter presente que o arguido é “primário”, (tendo à data dos factos, mais de 70 anos de idade), o que se afigura ser também uma circunstância – com relevo – a se ter em conta.
E, atento o que se expôs, cremos pois que, in casu, adequado se mostra de accionar o preceituado no art. 64° C.P.M., aplicando-se ao arguido dos autos uma pena de multa.
Há então que se chamar à colecção o art. 45° do C.P.M. onde se estatui que:
“1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 65.º, tendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.
2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
3. Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação; dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.
4. A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes”.
E, tendo presente a factualidade dos autos, aqui, em especial, que a agressão perpetrada causou ao ofendido 7 dias de doença, (mas que o arguido também ficou lesionado), mostra-se nos que adequado é a pena de multa de 30 dias.
Ponderando na situação económico financeira do arguido, que como “rendimento” tem apenas o subsídio mensal de velhice no montante de MOP$3.000,00, crê-se que se deve fixar uma taxa diária junto ao mínimo legal, de MOP$60,00 por dia, perfazendo uma multa global de MOP$1.800,00.
Para o caso de não a pagar (injustificadamente), e não sendo a dita multa substituída por trabalho, terá o arguido que cumprir 20 dias de prisão subsidiária; (cfr., art. 47°, n.° 1 do C.P.M.).
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Por fim, consigna-se que a decisão agora proferida não aproveita o (2°) arguido dos autos, B, porque verificado não está o condicionalismo previsto no art. 392° do C.P.P.M..
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, e em conferência, acordam conceder provimento ao recurso (quanto à decisão crime), ficando o arguido condenado na multa de 30 dias, à taxa diária de MOP$60,00, perfazendo a multa global de MOP$1.800,00 ou em 20 dias de prisão subsidiária.
Sem tributação.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 16 de Novembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 722/2017 Pág. 6
Proc. 722/2017 Pág. 5