打印全文
Proc. nº 1077/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Janeiro de 2018
Descritores:
      - Suspensão de eficácia.
      - Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO:

Se a revogação da contratação de 10 trabalhadores não residentes a uma empresa de construção civil não provocar necessariamente a paralisação da sua actividade, nem prejudicar necessariamente a sua imagem e credibilidade laboral e empreendedora, não cremos que a execução do acto suspendendo provoque previsivelmente um prejuízo de difícil reparação para a requerente, para efeito do disposto no nº1, al. a), do art. 121º do CPAC.

Processo nº 1077/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“A”, assim designada em português e “A” em inglês, com o domicílio profissional no XXX, Macau, com a referência de registo n.º XXX na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, -----------
Requereu a suspensão de eficácia ----------
Do despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças, em 16 de Outubro de 2017, que rejeitou e confirmou a decisão tomada em 26 de Julho de 2017 pelo Director dos Serviços para os Assuntos Laborais, de revogar a autorização de contratação de 10 trabalhadores não residentes ao serviço da requerente.
*
A entidade requerida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido.
*
O digno Magistrado do MP pronunciou-se pelo deferimento nos seguintes termos:
“Lançado na Informação n.º032933/INF/DCTNR/2017 (doc. de fls.41 a 47 dos autos), O despacho suspendendo consiste em negar provimento ao recurso hierárquico e confirmar a decisão do 1º grau consubstanciada em revogar a autorização anteriormente concedida à Requerente, autorização que lhe permitia contratar 10 trabalhadores-não-residentes.
Em harmonia com as jurisprudências pacíficas, trata-se in casu de um acto administrativo de conteúdo positivo, por provocar directamente a alteração da statu quo da Requerente. À luz do disposto na alínea b) do art.120º do CPAC, verifica-se a idoneidade do objecto, no sentido de ser susceptível de suspensão da eficácia o referido despacho. Resta saber se se preencherem os três requisitos previstos no n.º1 do art.121º do CPAC.
*
No actual ordenamento jurídico de Macau, formam-se doutrina e jurisprudência pacíficas e constantes que propagam que são, em princípio geral, cumulativos os requisitos previstos no n.º1 do art.121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Viriato Lima e Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, 2015, pp.340 a 359; José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2013, pp.305 e ss.).
O requisito da alínea a) do n.º1 do art.121.º do CPAC (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar. (cfr. arestos no TUI nos Processos n.º33/2009, n.º58/2012 e n.º108/2014)
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.ºl, por aí não se esta-belecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º799/2011 e n.º266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tomar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º1106, do TUI nos Processos n.º33/2009 e n.º16/2014, do TSI no Processo n.º266/2012/A)
E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º1123, do TSI nos Processos n.º17/2011/A e n.º265/2015/A)

A maior ou menor dificuldade em contabilizar prejuízos em acção judicial não constitui, em princípio, fundamento para considerar preenchido o requisito da alínea a) do no.º1 do art.121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. (aresto no TUI no Processo n.º4/2016)
No caso sub judice, a Entidade Requerida admite que a concessão da suspensão da eficácia do acto em causa não determinará grave lesão do interesse público concretamente prosseguido, de outra banda, não se divisam fortes indícios da ilegalidade do correlativo recurso contencioso. O que implica que basta indagar se a Requerente tenha provado que a imediata execução provocará prejuízo de difícil reparação a si mesma?
Repare-se que o acto suspendendo se consubstancia em revogar a autorização da contratação dos 10 trabalhadores-não-residentes, e deste modo, daí decorre necessariamente que a Requerente perderá todos estes trabalhadores com a imediata execução do despacho suspendendo.
Assim que seja, e tomando em devida ponderação os argumentos expostos nos arts.12º a 57º do Requerimento que se mostram verosímeis e sérios, afigura-se-nos seriamente provável que a imediata execução poderá causar à Requerente a falha no cumprimento de contratos em curso e, até, paralisação da actividade.
A nível da doutrina e jurisprudência, é assente que a paralisação da actividade e a consequente perda da clientela constitui prejuízo de difícil reparação para empresários comerciais ou industriais. (vide. José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2013, pp.295 e ss.)

Tudo isto aconselha-nos a entender, por cautela e preocupação com a provável paralisação da actividade, que se verifique in casu o requisito prescrito na alínea a) do n.º1 do art.121.º do CPAC, portanto, a pretensão de suspensão de eficácia do Requerente merece deferimento.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”.
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
*
Quanto à junção das peças de fls. 123 a 128 e 144 a 145 dos autos, bem como dos documentos a elas conexos, não se vê inconveniente algum. Com essa posição, a requerente não está a alterar o pedido, nem a causa de pedir, mas somente a justificar e desenvolver, no quadro do seu dever instrutório e probatório, o ónus demonstrativo do prejuízo de difícil reparação que sobre si impende ao abrigo do art. 121º, nº1, al. a), do CPAC. Por isso, não haverá que apelar ao disposto no art. 212º do CPC (princípio da estabilidade da instância), para lhe negar a pretensão.
O facto de alguns desses elementos poderem ter sido juntos anteriormente não significa que não sejam úteis e relevantes e não possam ser admitidos. Daí que os admitamos, até porque nenhum obstáculo processual encontramos que impeça tal apresentação. Note-se, aliás, que a petição já cumpria o dever instrutório a que alude o art. 123º, nº3, do CPAC. A posterior apresentação cabe, assim, perfeitamente no âmbito do art. 450º, nº2, do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC.
Contudo, como não está provado que os não podia ter juntado aquando da petição inicial, será a requerente condenada em multa pela tardia apresentação (art. 101º, nº1, do Regime das Custas Judiciais).
***
III – Os Factos
1 - Por despacho n.º 20663/IMO/DSAL/2017 de 26 de Julho de 2017, o Director dos Serviços para os Assuntos Laborais revogou a autorização de contratação de 10 trabalhadores não residentes conferida à A.
2 - Em 17 de Agosto de 2017, a requerente apresentou reclamação ao Director dos Serviços para os Assuntos Laborais.
3 - Em 18 de Setembro de 2017, o Director dos Serviços para os Assuntos Laborais proferiu despacho n.º 25264/IMO/DSAL/2017, no sentido de “manter a decisão original”.
4 - Em 24 de Agosto de 2017, a requerente interpôs recurso hierárquico à entidade requerida (Secretário para a Economia e Finanças).
5 - Em 13/10/2017 foi emitido o seguinte parecer emitido pelo Director substituto da DSAL:
Ex.mo Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
Embora a interessada tenha apresentado a explicação escrita e documentos, a explicação não basta para constituir justificação suficiente para se poder apoiar o seu requerimento; ao mesmo tempo tendo em conta que: 1. Segundo mostram as informações em posse da nossa Direcção e as informações fornecidas pela interessada ao responder à audiência, a interessada permitiu a todos os seus trabalhadores não residentes autorizados a si própria (viz. XXX) gozar de férias não remuneradas a longo prazo. Obviamente, a interesse não tem a necessidade real de contratar trabalhadores não residentes; além disso, a situação acima mencionada não se coaduna com as justificações apresentadas por esta ao apresentar à nossa Direcção o seu requerimento; 2. A interessada não justificou em relação ao assunto especificado no ponto 1 supra em relação ao ofício de audiência emitido pela nossa Direcção n.º 033889/DCTNR/2017.
Nestes termos, propõe-se manter a decisão constante do despacho original.
À consideração superior
do Ex.mo Sr. Secretário
O director, substituto
(ass.: vd. o original)
Aos 13 de Outubro de 2017


6 - Em 16/10/2017, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho sobre este parecer:
“Mantenha-se a decisão no despacho original” (fls. 92).
7 - A requerente dedica-se à actividade de execução de obras de construção, reparação e decoração de edifícios.
8 - A requerente tem prestado serviço em obras públicas várias desde há vários anos, nomeadamente ao Instituto Cultural (cfr. fls. 120 e sgs.), e presentemente tem algumas obras em curso.
***
IV – O Direito
Tal como o aceita o digno contestante, a presente providência cautelar reúne os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº1, do art. 121º do CPAC.
Falta ver se o mesmo acontece em relação ao requisito dos prejuízos de difícil reparação contemplado na alínea a), do mesmo nº1.
Recordemos que o acto suspendendo revogou a autorização de contratação de 10 trabalhadores não residentes (TNR), essencialmente por ter sido apurado que em boa parte do ano, e durante alguns meses (aparentemente entre o final de cada ano e o termo das férias do ano novo chinês), os referidos 10 trabalhadores, deixam de trabalhar em Macau, de onde se ausentam, ao que parece para, na terra natal de cada um, poderem exercer a sua profissão na área de construção civil com rendimentos não inferiores aos auferidos na RAEM.
A requerente argumenta que a perda destes TNR irá impedi-la de executar as obras adjudicadas, conduzirá ao seu sancionamento e provocará, inclusive, a sua dissolução face à impossibilidade de continuar o exercício da sua actividade.
Estamos convencidos, porém, que isso não está demonstrado, salvo o devido respeito por opinião contrária. Isto é, não há elementos nos autos que nos digam, nem com certeza, nem sequer com a probabilidade ou verosimilhança que se impunha, que a execução imediata deste despacho provocará a impossibilidade de satisfação das obras que tiver em curso, pelo menos em termos absolutos e irreversíveis. Aliás, nem sequer sabemos quantos TNR tem a requerente ao seu serviço, coisa que se mostraria relevante para se poder efectuar um juízo de prognose quanto a este alegado prejuízo futuro ou imediato. Com efeito, não é mesma coisa perder 10 trabalhadores em 100, por exemplo, ou perdê-los de entre um total de 15 ou 20.
Sendo assim, não cremos que se possa falar necessariamente de uma paralisação da actividade da requerente como consequência da execução do acto suspendendo, nem tampouco a perda de “clientela” da sua actividade. Quer dizer, a execução do acto não impedirá fatalmente a requerente de continuar a sua laboração.
Portanto, mesmo que se reconheça que a execução do acto afecte de algum modo a sua actividade, temos para nós que não estão reunidas as condições que nos permitam concluir que sem os 10 trabalhadores em causa seja “previsível” que a requerente sofrerá um “prejuízo de difícil reparação”.
Também nos parece que a fama comercial, credibilidade e prestígio de que a requerente possa beneficiar no meio industrial em que se move não saem necessariamente abalados caso o acto se execute. Numa terra como Macau, que para si atrai a chegada de tantos trabalhadores oriundos de diversos quadrantes geográficos para contribuírem para o seu engrandecimento, a vinda para a RAEM e regresso à terra de origem desses TNRs, seja qualquer for a razão, é coisa que não é raro ver-se. E essa vicissitude atinge os mais variados empregadores, nos seus mais diferentes ramos de actividade. Não cremos, pois, que este caso importune e abale a credibilidade laboral e empreendedora da requerente.
Significa isto que não se mostra, quanto a nós, demonstrado o requisito da alínea a) mencionada.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
- Condenar a requerente, pela tardia apresentação de elementos (cfr. II supra), na multa de 3 UC (art. 101º, nº1, do Regime das Custas Judiciais).
- Indeferir a providência.
Custas da providência pela requerente, com taxa de justiça em 5 UC.
T.S.I., 18 de Janeiro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa


1077/2017 10