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Processo n.º 1068/2017 Data do acórdão: 2018-1-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– detenção indevida de utensílio
– art.o 15.o da Lei n.o 17/2009
– garrafas com tubos de uso comum na vida quotidiana
S U M Á R I O
As garrafas com tubos nelas inseridos, sendo objectos de uso comum na vida quotidiana, não podem ser considerados como utensílio especificadamente destinado ao consumo de droga, pelo que os mesmos não podem suportar a condenação do arguido recorrente em sede do tipo legal de detenção indevida de utensílio do art.o 15.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1068/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrente (4.º arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 566 e seguintes dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-17-0153-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, em dois meses de prisão, e de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.º 15.º da mesma Lei, também em dois meses de prisão, e, finalmente, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, na pena única de três meses de prisão efectiva, veio o 4.º arguido desse processo chamado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando e pedindo, em suma, que devia ser ele absolvido do crime de detenção de utensílio (por o “utensílio” em questão apenas ser constituído por garrafas plásticas, tubos e papéis) e devia ter a sua pena especialmente atenuada ao abrigo do art.o 66.o, n.os 1 e 2, alíneas d) e e), do Código Penal (CP), ou merecer a aplicação da pena de multa em vez da de prisão (a fim de ser evitada a aplicação de pena de prisão de curta duração), ou, fosse como fosse, merecer a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 608 a 622 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 644 a 646v dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 668 a 670), pronunciando-se no sentido de absolvição do crime de detenção de utensílio, com manutenção do juízo de valor de aplicação da pena efectiva de prisão ao recorrente pela prática do crime de consumo de estupefacientes.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 566 a 581v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– são duas garrafas plásticas com tubos plásticos inseridos (cfr. as fotografias constantes da fl. 35 aludida no último dos três parágrafos do facto provado 2 descrito na fundamentação fáctica do acórdão recorrido) e um outro tubo plástico (cfr. as fotografias constantes da fl. 31, em anexo ao documento da fl. 30 referida no primeiro parágrafo do facto provado 4 descrito nessa mesma fundamentação fáctica) que estão em causa na incriminação do recorrente em sede do crime de detenção indevida de utensílio, garrafas e tubos esses que são de uso comum na vida quotidiana das pessoas;
– o recorrente já não é delinquente primário, tendo ficado condenado penalmente em quatro processos com decisões já transitadas em julgado.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O recorrente começa por pretender a absolvição do crime de detenção indevida de utensílio. Procede este pedido, porquanto as duas garrafas plásticas com tubos plásticos nelas inseridos em causa e um outro tubo plástico então tudo apreendidos na posse do recorente, sendo de uso comum na vida quotidiana, não podem ser considerados como utensílio especificadamente destinado ao consumo de droga, e como tal não podem suportar a condenação dele em sede do tipo legal de detenção indevida de utensílio.
Resta ver a também pretendida atenuação especial da pena. Atentos os diversos antecedentes criminais do recorrente, é necessário mesmo medir a pena aplicável ao remanescente crime de consumo ilícito de estupefacientes dele na respectiva moldura penal normal, independentemente da mais indagação por ociosa (cfr. o critério material plasmado no n.o 1 do art.o 66.o do CP para efeitos de activação, ou não, do mecanismo de atenuação especial da pena).
E também para prevenir o recorrente da prática de novo crime em futuro, é de impor-lhe realmente a pena de prisão em vez da de multa (cfr. o critério material do art.o 64.o do CP para efeitos de decisão sobre a escolha de qual espécie das penas).
Nota-se que tendo em conta todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância pertinentes à medida da pena, à luz dos padrões vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, do CP, a pena de dois meses de prisão aplicada no acórdão recorrido para o crime de consumo ilícito de estupefacientes já não admite mais redução.
Por fim, quanto à questão de suspensão da execução da pena de prisão, é inviável formar mais algum juízo de prognose favorável ao recorrente em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP, porquanto ele já não é um deliquente primário e tem diversos antecedentes criminais, pelo que se crê que a simples censura dos factos e ameaça da execução da pena já não conseguirão realizar, nesta vez, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a nível da prevenção especial.
Portanto, procede parcialmente o recurso, sem mais abordagem por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, absolvendo o 4.o arguido recorrente A do imputado crime de detenção indevida de utensílio, passando a condená-lo apenas como autor material de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, na pena, já aplicada no acórdão recorrido, de dois meses de prisão efectiva.
Pagará o recorrente metade das custas do recurso, e duas UC de taxa de justiça devido ao seu decaimento parcial no recurso.
Macau, 18 de Janeiro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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