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Processo nº 1041/2017 Data: 07.12.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 1041/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 69 a 72 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 74 a 75).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Inconformada com a decisão de 6 de Outubro de 2017, que lhe denegou a liberdade condicional, dela vem recorrer a reclusa A.
Sustenta, em suma, na sua motivação de recurso, que estão preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para a concessão da pretendida liberdade condicional, pelo que, ao assim não considerar, a decisão recorrida violou o artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Na sua contraminuta de recurso, o Ministério Público pronuncia-se pela manutenção da decisão recorrida.
Está em causa ajuizar se estão ou não preenchidos os requisitos materiais de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, posto que a libertação antecipada se mostre compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
No caso vertente, crê-se que nem as exigências associadas à prevenção especial nem os requisitos atinentes às necessidades em matéria de prevenção geral se mostram preenchidos, como bem considerou a decisão sob escrutínio.
Apesar de não haver notícia de desadequação comportamental, por parte da recorrente – o que, por si, não constitui um feito que mereça especial destaque, pois o mínimo que se pode esperar de um recluso que expia uma pena criminal é um porte consentâneo com as regras instituídas no seio do estabelecimento prisional –, o certo é que, na gestão do tempo em contexto prisional, o recorrente tem-se alheado da participação em cursos ou acções de formação profissional, o que condiciona negativamente a sua preparação para o regresso à liberdade. Na verdade, a ocupação do tempo com actividades de formação, quer na perspectiva pessoal da reclusa, quer na perspectiva comunitária, funcionaria como terapia da personalidade evidenciada pela reclusa, onde pontua uma certa indiferença à lei, traduzida na repetição do cometimento de crimes e no desperdício da oportunidade que lhe fora dada com a suspensão da execução da primeira pena aplicada. É, assim, de duvidar que o relativamente curto período de prisão cumprido haja produzido os desejáveis efeitos ressocializadores.
Por outro lado, e não menos importante, subsiste a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852. Não podemos, pois, sufragar a ideia que perpassa pela alegação da recorrente, segundo a qual a questão da prevenção, por já ter sido equacionada e suficientemente tratada no momento da aplicação da pena, não teria agora acuidade. A reentrada ilegal e o uso de documentos falsos para mascarar a imigração ilegal, ilícitos que levaram à condenação da recorrente, proliferam e assumem tal relevo e actualidade na Região Administrativa Especial de Macau, com consequências tão nefastas num território pequeno cuja economia assenta no jogo, que é objecto de uma especial reprovação ético-jurídica da comunidade, a qual poderia questionar a libertação da reclusa neste momento, por não salvaguardar as finalidades de prevenção positiva que também devem ser tomadas em conta na concessão da liberdade condicional.
Desta forma, impõe-se concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação de todos os aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 111 a 112).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 08.08.2016, para cumprimento sucessivo de uma pena de 8 meses de prisão pela prática de 1 crime de “uso de documento falso”, e outra de 1 ano e 1 mês de prisão, pela prática de crimes de “uso de documento falso” e “reentrada ilegal”; (cfr., Proc. n.° CR4-15-0349-PCS e Proc. n.° CR4-16-0146-PSM);
– em 06.10.2017, cumpriu dois terços de tais penas, expiando-as em 06.05.2018;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à HUBEI, R.P.C., de onde é natural, vivendo com a sua família, e tenciona ajudar o marido no restaurante, trabalhando como empregada de mesa.

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 08.08.2016, expiados estão já dois terços das penas que tem de cumprir, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.07.2017, Proc. n.° 670/2017, de 14.09.2017, Proc. n.° 794/2017 e de 26.10.2017, Proc. n.° 939/2017).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Mostra-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta, sendo pois de acolher e dar como integralmente reproduzido o teor do douto Parecer do Ministério Público que atrás se deixou transcrito.

Com efeito, inegável é que em relação aos tipos de crimes pela ora recorrente cometidos muito fortes são as necessidades de “prevenção geral”.

Para além disso, verificando-se também que a recorrente regressou a Macau pouco tempo após expulsa, e com “novos” documentos falsos, afigura-se-nos que, in casu, fortes são também as necessidades de “prevenção especial”, inviável sendo também assim uma decisão favorável a pretensão apresentada.

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. a) e b) do C.P.M., imperativa é a improcedência do recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 07 de Dezembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1041/2017 Pág. 14

Proc. 1041/2017 Pág. 13