Proc. nº 206/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Janeiro de 2018
Descritores:
- Acidente de viação
- Danos não patrimoniais
- Dano morte
- Sofrimento da vítima
SUMÁRIO:
I – De um acidente de viação podem emergir três danos não patrimoniais autonomamente indemnizáveis:
- O dano pela perda da vida, ou dano morte;
- O dano do sofrimento da vítima antes de falecer;
- O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.
II – O dano morte é um dano próprio sofrido pela vítima. É o prejuízo supremo que toda a pessoa pode sofrer. É um dano acrescido e tem que fazer-se sentir ao culpado por ele. A morte é um prejuízo indemnizável que nasce na esfera da titularidade da vítima, portanto. Sem carácter sucessório, é um direito compensatório próprio e autónomo, atribuível às pessoas referidas no art. 489º, nº2, do Código Civil.
III – A indemnização pelo dano referido em II não pode ser arbitrada sem que tenha sido peticionada.
IV – O dano sofrimento da vítima antes de falecer é indemnizável, dependendo, porém, de factores variáveis, como sejam o tempo decorrido entre o evento danoso e o decesso, o estado de consciência ou em coma após o acidente, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve a percepção de que ia morrer, etc.
V – Se não se provar que a vítima sentiu momentos de angústia, sofreu dores, teve consciência do acidente, sentiu a morte aproximar-se, não é possível indemnizar este dano.
Proc. nº 206/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, do sexo feminino, maior, de nacionalidade Chinesa, titular do BIRM nº 52XXXXX(4), residente em Macau, na fracção XX do Bloco XXº do edifício XX, nº XX da Rua do XX,----
B, do sexo feminino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº 52XXXXX(3), residente em Macau, na fracção XX do Bloco XXº do edifício XX, nº XX da Rua do XX,----
C, do sexo masculino, menor, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº 12XXXXX(4), representado pela sua mãe D, de nacionalidade Chinesa titular do BIRM nº 13XXXXX(0), residente em Macau, na fracção XX do Bloco XXº do edifício XX, nº XX da Rua do XX, -----
Instauraram no TJB (Proc. nº CV1-13-0099-CAO) acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:----
E, S.A.R.L., com sede em Macau, na Alameda XX, nº XX, edf. XX, XXº andar;----
F, do sexo masculino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº 74XXXXX(1), residente em Macau, na fracção XX do edf. XX, nº XX da Avenida do XX, tel. 66XXXXX8.
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Foi posteriormente requerida, como associada dos Autores, a intervenção principal de G, viúva, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na Rua do XX, nºXX, edf. XX, Bloco XX, XXº andar ----
e a intervenção principal, como associado dos Réus, de ---
H S.A., com sede em Macau, na Alameda XX, nº XX, edf. XX, XXº andar; ----
I, do sexo masculino, residente em Macau XX街XX號XX大廈XX座XX樓XX; ---
J Limitada, sociedade por quotas, com sede em Macau, na Rua de XX, nºs XX, Edifício XX, XXº andar XX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 6XX2(SO).
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Na acção foi pedida pelos autores a condenação da 1ª Ré E, S.A.R.L., e do 2º Réu F, a pagar aos 3 Autores A, B e C, de forma solidária, o seguinte:
1) Uma indemnização não inferir a MOP2.363.083,00 incluindo a indemnização por dano patrimonial não inferior a MOP1.263.083,00 e a indemnização por dano não patrimonial não inferir a MOP1.100.000,00;
2) Os juros legais desde o dia do trânsito em julgado da sentença até ao pagamento integral.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo sido, em consequência,
- A E SARL e o 2º réu F condenados a pagar a cada um dos autores e à interveniente viúva as quantias indicadas na parte dispositiva do julgado.
- A H absolvida dos pedidos.
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Contra esta sentença foi interposto recurso jurisdicional pelo 2º réu, F, cujas alegações rematou com as seguintes conclusões:
“i) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do TJB em 12 de Outubro de 2016:
“... Destarte o cômputo total da indemnização é igual a MOP2,063,083.00, assim distribuído:
- A pagar a G, MOP171,000.00;
- A pagar a A e B, MOP603,694.30, (1,200,000:3 = 400,000) + 200,000 + (11,083:3 = 3,694.30), a cada uma;
- A pagar a C, MOP684,694.40 (1,200,000:3 = 400,000) + 200,000 + 81,000 + (11,083:3 = 3,694.40)
Sendo o valor da apólice de seguro igual a MOP 1,000,000.00 deve a Companhia de seguros responsável ser condenada ao pagamento até este valor rateadamente a cada um dos beneficiários e o Réu F ser condenado a pagar o remanescente MOP 1,063,083.00 aos beneficiários na proporção do que a cada um faltar receber.
Nestes termos e pelos fundamentos exposto julgando-se a acção parcialmente provada e em consequência parcialmente procedente, decide-se:
1. Condenar a E SARL a pagar a:
1.1. G, a quantia de MOP82.885,66;
1.2. A e B, a quantia de MOP292.617,55 a cada uma;
1.3. C, a quantia de MOP331.879,23.
Tudo acrescido dos juros legais a contar da data desta sentença.
2. Condenar o F a pagar a:
2.1. G, a quantia de MOP88.114,34;
2.2. A e B, a quantia de MOP311.076,78 a cada uma;
2.3. C, a quantia de MOP352.815,17.
Tudo acrescido dos juros legais a contar da data desta sentença.
3. Absolver a H SA dos pedidos.
Custas a cargo dos Autores, interveniente G e Réus Condenados na proporção do decaimento...”
ii) Salvo o devido respeito pela opinião do Tribunal a quo, o recorrente não concorda com o entendimento acima referido do Tribunal a quo, pelo que interpôs o presente recurso ordinário.
iii) Antes de mais, o Tribunal a quo na decisão recorrida formou a convicção de que o recorrente, por não ter mantido uma distância de segurança entre o seu veículo e o que o precedia, violou o disposto no art.º 21.º da Lei do Trânsito Rodoviário, pelo que devia responder pelo acidente em questão a título de negligência inconsciente. Dado que o referido fundamento da decisão do Tribunal a quo está em oposição com a decisão da matéria de facto, verifica-se o vício de erro de julgamento previsto no art.º 571.º do CPC que gera a nulidade da sentença, devendo a decisão ser anulada.
iv) De salientar que embora tenha sido indicado no item g) dos factos dados por provados que o recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, já foi refutado o fundamento de direito com base no qual se procedeu à qualificação jurídico-penal e à determinação da medida da pena a aplicar ao recorrente -- a violação do art.º 30.º da Lei do Trânsito Rodoviário.
v) Os factos dados como provados nos itens os factos descritos nos itens a), b), d), e), f), k), l) e ee) apenas demonstram que o recorrente travou bruscamente o seu motociclo para evitar embate no veículo que o precedia, já que este tinha diminuído de repente a sua velocidade. De facto, o recorrente não podia prever que, depois de o motociclo ter caído de lado, teriam lugar, sucessivamente, os factos seguintes: o passageiro (a vítima no caso vertente) foi projectado do assento do motociclo com matrícula MJ-XX-X5; o autocarro de turismo com matrícula MJ-XX-X3 passou pelo local na faixa esquerda de rodagem; o passageiro (a vítima no caso vertente) caiu, precisamente, entre os pneus dianteiros e traseiros do autocarro de turismo com matrícula MJ-XX-X3; e foi esmagado pelos pneus do autocarro de turismo com matrícula MJ-XX-X3, o que causou a sua morte.
vi) Em consonância com o art.º 480.º do Código Civil, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família.
vii) Como o Tribunal a quo não tinha qualquer fundamento de facto que lhe permitisse concluir que a conduta do recorrente infringiu o art.º 21.º da Lei do Trânsito Rodoviário, atendendo sobretudo a que não se efectuou apreciação relativa à “distância adequada”, essa parte do acórdão do Tribunal a quo está em oposição com a decisão da matéria de facto, pelo que se verifica o vício a que se reporta a al. c) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC que gera a nulidade da sentença, além de se ter violado o disposto no art.º 480.º do Código Civil, devendo, assim, ser revogado o objecto do recurso.
viii) Tendo ainda em conta que pelos factos dados como provados não foi demonstrada a culpa do recorrente no acidente em questão, solicita-se, assim, aos Mm.º Juízes do TSI que apliquem o disposto no art.º 496.º e ss. do Código Civil para determinar, segundo o regime da responsabilidade pelo risco, a proporção de responsabilidade a atribuir ao recorrente na causa vertente e, além de tudo, considerem os fundamentos a seguir expostos na presente petição de recurso de modo a proferir uma nova sentença em substituição da recorrida.
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ix) Além disso, o Tribunal a quo, na causa vertente, omitiu pronunciar-se sobre: 1) a diminuição repentina da velocidade do veículo precedente, como referido no item b) dos factos provados; e 2) se o condutor do autocarro de turismo com matrícula MJ-XX-X3 deve ou não assumir, em parte respectiva, a responsabilidade pelo acidente em causa.
x) De acordo com o item b) dos factos provados, na altura do acidente, se o veículo que precedia o recorrente não tivesse diminuído de repente a sua velocidade, o recorrente não teria travado bruscamente o seu veículo para evitar a colisão entre eles.
xi) Por isso, existe nexo de causalidade adequada entre a redução repentina de velocidade efectuada pelo condutor do veículo à sua frente, mencionada no item b) dos factos provados, e o falecimento da vítima. A conduta daquele condutor violou a regra de trânsito estabelecida no art.º 30.º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, sendo o mesmo culpado no acidente de viação ora em apreço.
xii) É verdade que não existem nos autos elementos concretos de que resultem provados os dados concretos de identificação do condutor do veículo precedente referido no item b) da matéria de facto provada, nem os dados de identificação do veículo respectivo. Mas não se pode por isso atribuir ao recorrente a quota-parte de responsabilidade que caberia àquele mesmo, independentemente de se tratar de responsabilidade por factos ilícitos ou de responsabilidade pelo risco.
xiii) Ademais, dos factos provados nos itens dd) e ee), ao abrigo das regras da experiência comum, pode deduzir-se razoavelmente que houve um certo lapso de tempo entre aqueles factos seguidos: o recorrente travou o motociclo, tentou equilibrar-se no motociclo, o motociclo caiu de lado, a vítima (falecido) foi projectada do assento do motociclo e caiu no chão, rolando por cerca de um metro. Por isso, na opinião do recorrente, caso I tivesse cumprido o dever de conduzir com cuidado e cautela, poderia ter evitado devidamente a ocorrência do acidente em causa, ou pelo menos se não teria provocado a morte da vítima. Mas na realidade, mesmo depois de o veículo com matrícula MJ-XX-X3 conduzido por I ter passado em cima do corpo da vítima, I não sabia que tinha ocorrido um acidente, nem efectuou qualquer manobra para a travagem e/ou paragem do veículo. Evidentemente, a sua conduta infringiu o preceituado no art.º 15.º da Lei do Trânsito Rodoviário.
xiv) I não cumpriu o dever de cuidado e cautela imposto aos condutores na altura do acidente. Existe nexo de causalidade adequada entre a sua conduta e a morte da vítima.
xv) Nos termos acima expendidos, o Tribunal a quo, por omissão de pronúncia sobre a questão de saber se o condutor do veículo precedente, aludido no item b) dos factos provados, tem culpa e deve, correspondentemente, assumir parte da responsabilidade, violou a disposição do art.º 563.º, n.º 2 do CPC. Por outro lado, o Tribunal a quo, na sua decisão, entendeu que I não tem culpa, sendo que o fundamento aí formulado também está em oposição com a decisão sobre a matéria de facto nos autos. Portanto, existe o vício gerador da nulidade da sentença a que se reporta a al. c) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, devendo anular-se a decisão recorrida. Dest’arte,
xvi) Solicita-se aos Mm.ºs Juízes do TSI que seja o condutor do veículo precedente referido no item b) dos factos assentes condenado a assumir em conjunto com I a responsabilidade civil pelo facto ilícito respectivo.
xvii) Se assim não se entender, deve ser imputada ao recorrente uma percentagem de responsabilidade não superior a 30%, independentemente de o mesmo responder perante os autores e o falecido a título de responsabilidade por factos ilícitos ou de responsabilidade pelo risco.
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xviii) Por outro lado, aos “factos provados” o Tribunal recorrido acrescentou um novo facto - gg), o qual não é facto notório de que trata o art.º 434.º do CPC. A isso acresce que não foi dada ao recorrente oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo facto, pelo que entende o recorrente que a decisão recorrida, nesta parte - acrescentou o facto provado gg), desrespeitou o disposto no art.º 562.º do CPC, além de ter violado o princípio dispositivo consagrado no art.º 5.º do mesmo diploma legal, o princípio da cooperação previsto no art.º 8.º e o princípio do contraditório, devendo anular-se a decisão nesta parte.
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xix) Ainda por cima, a parte final do item 1) dos factos dados por assentes: “...vindo a falecer...” não está certa, em relação à qual, em conformidade com o art.º 599.º do CPC, vem o recorrente deduzir impugnação, com fundamento no “facto provado” constante da certidão de sentença do processo n.º CR4-12-0355-PCS a fls. 16 dos autos, assim também no depoimento da testemunha, médico Dr. K, registado claramente pelo Tribunal a quo na pág. 17 da decisão da matéria de facto e gravado em vídeo e áudio [cfr. gravação da audiência de julgamento (Translator 2): Recorded on 21-Jun-2016 at 15.33.39 (1UK8$0EW06711270). WAV, de 00: a 04:30], entendendo que o facto em questão deveria ser alterado do modo seguinte “1) o corpo da vítima foi atropelado pelos pneus do veículo com matrícula MJ-XX-X3 e em consequência sofreu os ferimentos referidos em c) e aa), os quais causaram a sua morte imediata, tendo a vítima falecido antes de ter sido transportada para o CHCSJ.”
xx) Outrossim, existe contradição entre a decisão prolatada pelo Tribunal recorrido a fls. 396 dos autos “...entre o acidente cerca das 18.00...” e o facto provado no item a) “...por volta das 06H10 da tarde...”.
xxi) Em suma, a indemnização por danos morais baseada nas dores sofridas pela vítima (falecido) antes da morte carece de fundamentos de facto substanciais que demonstrem a existência da obrigação de indemnização estabelecida no art.º 557.º do Código Civil, daí que se deva anular a decisão judicial nesta parte e, por conseguinte, indeferir o pedido de indemnização por danos morais apresentado com base nas dores sofridas pelo falecido antes da morte.
xxii) Caso assim não se entenda, indicar-se-á que, tendo presentes os factos dados como assentes e todas as provas carreadas aos autos, mesmo que o falecido tenha sofrido dores desde a ocorrência do acidente até à sua morte, se se atende a que duraram pouco tempo as dores sofridas, além de se terem em conta as decisões judiciais antes proferidas em casos semelhantes em Macau, deve fixar-se uma indemnização não superior a MOP40.000,00.
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xxiii) A expressão “o pilar económico da família” aludida no item o) dos factos dados como provados pela decisão recorrida, a “sofrendo muito com a perda repentina do pai” referida no item t) dos factos assentes, a “havia laços afectivos fortes” mencionada no item u) dos factos provados, e a “choravam com frequência (choravam todos os dias, incessantemente)” referida nos itens v) e x) dos factos dados por provados, são todas expressões conclusivas, pelo que nos termos do art.º 549.º, n.º 4 do CPC se devem ter como não escritas.
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xxiv) No tocante à indemnização fixada pelo Tribunal a quo por perda de alimentos, dado que os factos provados nos itens o), p), q) e l) não têm provas suficientes, vem o recorrente, por força do art.º 599.º do CPC, impugnar os referidos factos, tendo por fundamento os depoimentos das testemunhas L e M, gravados em vídeo e áudio [cfr. gravação da audiência de julgamento (translator 2): Record on 21-Jun-2016 at 15.46.21 (1UK8B)7106711270).WAV, para as partes relevantes, vide os n.ºs 57 a 59 da motivação do recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Ademais, não existindo nos autos outra prova documental que permita dar-se como provados os factos acabados de referir, deve-se considerá-los como factos não provados, anular a decisão recorrida e, consequentemente, indeferir as pretensões formuladas pelo autor C e pelo interveniente G relativas a alimentos.
xxv) Caso o Mm.º Juiz não admita a impugnação deduzida contra os factos supramencionados, o recorrente não acompanha a posição do Tribunal a quo, segundo a qual “os períodos para que foi pedida eram curtos”, por isso, “o rendimento do capital é praticamente igual a zero”.
xxvi) Na opinião humilde do recorrente, ainda que o período para que se pediu a prestação de alimentos seja de apenas um mês, não podemos perder de vista e desconsiderar os rendimentos produzidos pelos capitais devido à recepção de uma vez só do montante total que deveria ser pago mensal ou até semanalmente durante vários anos, daí ser necessária uma dedução adequada.
xxvii) Sobretudo, conforme o item m) dos factos provados, a vítima (falecido) era electricista em obras de construção civil antes da morte. Como todos sabem, os electricistas em obras de construção civil não é uma profissão estável, uma vez que não recebem retribuição quando não forem encarregados de nenhuma obra. Por esse motivo, é razoável prever que os valores dos alimentos respectivos seriam reduzidos antes de G atingir 75 anos e C completar 18 anos.
xxviii) Por outra banda, o Tribunal a quo, no momento da decisão, não teve em conta a hipótese de, após a morte da vítima (falecido), G e C serem sustentados por outras pessoas a quem compete a obrigação de alimentos.
xxix) Com base nisto, na óptica do recorrente, o Tribunal a quo não levou em conta a capitalização das indemnizações, o que representa um enriquecimento sem causa para G e C e, neste sentido, uma injustiça para o recorrente. Dest’ arte, deve ser anulada a decisão nesta parte, além de se alterarem as indemnizações fixadas respectivamente a G e C para as quantias de MOP120.000 e MOP50.000, na medida em que estes receberão as prestações alimentares em causa de uma vez só, e não por mês ou semana.
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xxx) Quanto à questão de saber se o falecido tem direito de indemnização pela perda do direito à vida, considerando que o direito à vida pertencia à vítima (falecido), ao abrigo do preceituado no art.º 65.º do Código Civil, a partir do momento em que a vítima (falecido) perdeu a vida, deixou de ter personalidade jurídica necessária a pedir a reparação dos interesses perdidos com a lesão do seu direito à vida.
xxxi) Assim, como (a vítima) nunca teve direito a ser indemnizado pelos interesses lesados com a perda do direito à vida, não existe a possibilidade de tal direito ser transmitido por via sucessória.
xxxii) Além de tudo, em vez de ser a indemnização por danos patrimoniais solicitada pelos autores, foi a título de indemnização por danos morais que o Tribunal a quo condenou (os réus) a pagar aos três autores a quantia de MOP1.000.000,00 com fundamento na perda do direito à vida por parte do falecido, sendo o conteúdo e a natureza da condenação diversos do pedido pelos autores, daí se verificar o vício conducente à nulidade da sentença previsto nos art.ºs 563.º, n.º 3 e 571.º, n.º 1, al. d) do CPC. Foram igualmente violados os art.ºs 65.º, 489.º, n.º 2 e 557.º do Código Civil, porque, no que se refere ao art.º 489.º, n.º 2 do Código Civil, o legislador não pensa na indemnização pelos danos morais sofridos pelo falecido com a perda do direito à vida, mas sim nos danos morais individuais afectivamente sofridos pelos familiares devido à perda do lesado (falecido). Por conseguinte, é de anular a decisão recorrida nesta parte, e indeferir as pretensões formuladas pelos autores.
xxxiii) Se assim não se entender, salvo o respeito e as condolências pelo infeliz falecimento do falecido/vítima, a respectiva indemnização pela perda do direito à vida deve fixar-se num montante não superior a MOP600.000,00.
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xxxiv) De resto, no que diz respeito à indemnização por danos morais concedida aos autores em virtude da perda do pai (vítima), importa ter em vista não só as manifestações de tristeza dos familiares após o acidente, como também os laços de afecto entre o peticionante da indemnização e o falecido, já que quanto mais apertados forem os laços, maiores serão os danos morais sofridos pelo primeiro.
xxxv) Todavia, nos presentes autos, nenhum facto foi dado como provado no concernente aos laços afectivos entre os três autores e a vítima (falecido) antes da morte desta, as suas condições de vida, a confiança e as interacções entre eles, pelo que o Tribunal a quo não tinha fundamento de facto que lhe permitisse fixar a cada um dos três autores, a título de indemnização pelos danos morais resultantes da perda do pai, o montante de MOP200.000,00, sendo de anular a decisão recorrida nesta parte.
xxxvi) Entretanto, segundo juízos de equidade, conjugados com os factos assentes respectivos, designadamente o facto de, aquando da ocorrência do acidente, os três autores terem, respectivamente, 23,20 e 15 anos, e não terem passado muito tempo com o pai, solicita-se ao Mm.º Juiz do TSI que determine, ao abrigo das regras da experiência, os níveis de tristeza que os autores sentiam na altura devido à morte da vítima, e fixe aos mesmos, isoladamente considerados, as quantias de indemnização por danos morais, não devendo, porém, as quantias exceder MOP$100.000,00.
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xxxvii) Por fim, apesar de o Tribunal a quo ter concluído que o recorrente, neste acidente de viação, causou o respectivo resultado danoso por negligência inconsciente e, além disso, a certidão de sentença do processo penal n.º CR4-12-0355-PCS, constante de fls. 14 a 18 dos autos e adoptada pelo Tribunal recorrido, ter demonstrado que o recorrente, nessa altura, auferia mensalmente MOP12.000, tinha a seu cargo um filho estudante, e sofreu um grande choque moral por causa do acidente em questão, o Tribunal a quo não se serviu da disposição do art.º 487.º do Código Civil para fixar, equitativamente, a indemnização em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, devendo, assim, a decisão a quo ser anulada.
xxxviii) No caso de o Mm.º Juiz concordar com a opinião relativa ao art.º 487.º do Código Civil, e considerar que o recorrente, neste acidente de viação, causou a morte da vítima (falecido) por negligência inconsciente, solicita-se ao Mm.º Juiz que, ponderando os argumentos acima expostos em relação à proporção da responsabilidade que deverá ser atribuída ao recorrente no caso sub judice e a cada uma das indemnizações referidas, fixe, segundo os art.ºs 489.º e 487.º do Código Civil e os juízos de equidade, as indemnizações no caso de mera culpa em montantes inferiores aos que corresponderiam aos danos, e defina a proporção da responsabilidade a cargo do recorrente, a fim de determinar, no final, o valor das indemnizações a pagar pelo recorrente.”
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A interveniente “H SA” respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. No entender da recorrida H S.A., o acórdão recorrido não padece dos diversos vícios acima referidos pelo recorrente, sobretudo quanto à decisão tomada pelo Tribunal a quo sobre a atribuição da responsabilidade subjectiva pelo acidente de viação, está a mesma completamente conforme às disposições legais vigentes e as provas produzidas na causa vertente.
2. Segundo o recorrente, se o Tribunal a quo não deu como provado que ele conduzia o motociclo com matrícula MJ-XX-X5 a uma velocidade inadequada, não houve culpa dele na produção do acidente em questão, daí o recorrente não ter obrigação de indemnização.
3. É certo que os factos imputáveis constantes da sentença penal condenatória respeitante ao acidente de viação ora em análise, já transitada em julgado, e alegados pelo demandante cível no presente processo, apenas constituem presunção no caso sub judice, sem que resultem na inversão do ónus da prova.
4. Realizada a audiência de julgamento na causa, o Tribunal a quo deu como não provado o quesito de que o recorrente, na altura do acidente, “não conduzia o veículo a uma velocidade adequada”.
5. Todavia, à luz do art.º 567.º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
6. O facto de o recorrente não ter violado o disposto no art.º 30.º da Lei do Trânsito Rodoviário não afasta, necessariamente, a possibilidade de ele ter desrespeitado outras disposições legais.
7. Veja-se a fundamentação nas p. 17 e 19 da decisão recorrida:
“Destarte, o que provocou a queda de N é a travagem súbita do motociclo em que seguia desequilibrando-se e caindo...
...travagem essa que o seu condutor e aqui Réu F poderia ter evitado se considerando as circunstâncias do trânsito - congestionamento de trânsito e chuva - tivesse conduzido de forma a garantir que a distância entre o seu veículo e o que lhe precedia garantia parar em segurança nos termos do art.º 21.º da Lei do Trânsito Rodoviário.
Assim sendo, apurando-se que o F condutor do motociclo em que seguia N não conduziu com dever de cuidado a que estava obrigado...”
8. Em relação à supracitada convicção acerca da responsabilidade subjectiva, o Tribunal a quo, em sede da “decisão sobre a matéria de facto”, citou os depoimentos das testemunhas presenciais do acidente, O e P:
“...aqui 2º Réu, de uma travagem abrupta e repentina que este teve de efectuar quando passava à esquerda da faixa de rodagem da direita, entre os veículos que circulavam na faixa de rodagem da esquerda e da direita, ultrapassando entre as duas faixas de rodagem os veículos que seguiam numa e noutra, serpenteando com o motociclo entre os veículos que circulavam na ponte em marcha lenta - incluído o próprio motociclo. Aliás, o condutor do motociclo consegue fazer parar o veículo que conduzia no espaço que tinha, sem embater noutro, contudo, tal travagem abrupta fez com que o motociclo caísse...”
9. Em suma, nessa altura, estava a chover, o pavimento estava molhado e escorregadio, havia congestionamento (cfr. decisão recorrida - item d) dos factos provados), fazia um vento forte (cfr. item e) dos factos provados), numa situação dessa, o recorrente, na segunda lomba da Ponte da Amizade (cfr. item j) dos factos provados), com um passageiro (falecido) no motociclo (cfr. item a) dos factos provados), ultrapassou entre as duas faixas de rodagem os veículos que seguiam numa e noutra antes de ocorrido o acidente. Não cumpriu nem o disposto no art.o 21.º da Lei do Trânsito Rodoviário que obriga à manutenção da distância suficiente entre o seu veículo que o que o precedia, nem o dever de conduzir com cuidado, pois que travou bruscamente o motociclo com matrícula MJ-XX-X5, fazendo com que o motociclo, descontrolado, caísse no chão e, no final, morresse o falecido nos autos esmagado pelos pneus traseiros do autocarro de turismo.
10. Com base nisso, o Tribunal a quo entendeu que o recorrente tem culpa no acidente em questão, devendo, por isso, pagar, na totalidade, a indemnização pelos danos.
11. Alegou o recorrente que o Tribunal omitiu pronunciar-se sobre a diminuição súbita do veículo que o precedia referida no item b) dos factos provados, avançando que aquele condutor de identidade desconhecida tem responsabilidade subjectiva.
12. Importa sublinhar aqui que o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que “o veículo que circulava à frente do recorrente diminuiu de repente a sua velocidade” não implica que o condutor desse veículo precedente “violou a regra de trânsito consagrada no art.º 30.º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário”, ou seja, aquele facto serve apenas de uma condição necessária e não suficiente a este último.
13. O Tribunal a quo, nas p. 9, 14 e 15 da “decisão sobre a matéria de facto” já esclareceu que o acidente de viação em causa não foi provocado pela diminuição súbita de velocidade efectuada pelo condutor do veículo que precedia o recorrente.
14. Resumindo, o Tribunal a quo deu fundamentação suficiente no que diz respeito à exclusão da responsabilidade subjectiva do condutor do veículo precedente, pelo que não se verifica o vício alegado pelo recorrente de omissão de pronúncia.
15. Por outro lado, entendeu o recorrente que o Tribunal a quo ainda omitiu a apreciação da culpa de I, condutor do autocarro de turismo com matrícula MJ-XX-X3, segurado pela recorrida, na produção do respectivo acidente.
16. A recorrida concorda da afirmação do recorrente no artigo 10.º da motivação do recurso, no sentido de que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família.
17. Tal como se referiu no item ee) dos factos provados constante da decisão recorrida e citado pelo recorrente:
“Quando o pneu traseiro direito do veículo com matrícula MJ-XX-X3 que conduzia o I atropelou a vítima...” (sublinhado da recorrida)
18. Além disso, foi dado como provado pelo Tribunal a quo o item cc) dos factos assentes:
“No momento do acidente I podia ver o que se passava no pavimento à frente do seu veículo.” (sublinhado da recorrida)
19. Por outras palavras, in casu, quando o falecido caiu da faixa direita de rodagem na faixa esquerda, no pavimento entre os pneus direitos dianteiro e traseiro do autocarro de turismo, ficou o mesmo fora da visão do condutor do autocarro de turismo.
20. Por esse motivo, foi aludido na p. 18 da decisão recorrida:
“Relativamente ao condutor do veículo pesado o que resulta é que este nada pôde fazer, nem lhe era exigido que fizesse, uma vez que, atentas em circunstâncias em que tudo acontece não lhe era exigível que previsse que alguém poderia cair entre os seu eixos de rodagem, nem tão pouco que imobilizasse o seu veículo em tempo e antes de esmagar a vítima, uma vez que a queda se dá nas traseiras do seu campo de visão.” (sublinhado da recorrida)
21. Se se tem a diligência de um bom pai de família como critério de apreciação da culpa para os efeitos da responsabilidade por factos ilícitos, é óbvio que o condutor do autocarro de turismo não esteja obrigado a responder pelos danos advindos do acidente respectivo.
22. A propósito da alegação do recorrente no artigo 23 da motivação do recurso, segundo a qual o acórdão do TUI proferido no processo n.º 111/2014, invocado pelo Tribunal a quo, não serve como referência ao caso sub judice.
23. Conforme o recorrente, o condutor do veículo pesado nos autos acima referidos efectuou manobra para travar o veículo depois de ter esmagado o falecido, ao passo que, no presente processo, o condutor do autocarro de turismo continuava sem ter conhecimento da ocorrência do acidente depois de ter passado em cima do falecido, razão pela qual, na opinião do recorrente, sobre o condutor do autocarro de turismo nos presentes autos recai uma responsabilidade subjectiva.
24. Todavia, salvo o devido respeito, a recorrida não acolhe a opinião acabada de referir.
25. No dito processo do TUI, antes do acidente, o veículo pesado estava a circular na faixa esquerda de rodagem, vindo de trás. Pouco tempo depois, o falecido, desequilibrando-se, caiu na faixa esquerda de rodagem, à frente do veículo pesado. Por isso, o condutor do veículo pesado podia detectar o falecido caído na faixa esquerda de rodagem.
26. Neste caso concreto, o falecido caiu, rolando pelo chão, na faixa esquerda de rodagem, entre os pneus direitos dianteiro e traseiro do autocarro de turismo, que estava a circular ao lado esquerdo do motociclo com matrícula MJ-XX-X5 conduzido pelo recorrente, encontrando-se, portanto, fora do campo de visão do condutor do autocarro de turismo.
27. Ainda assim, no acórdão proferido no aludido processo n.º 111/2014, o TUI entendeu que o condutor do veículo pesado não poderia prever que o falecido ia cair na faixa de rodagem, daí não haver culpa da parte dele.
28. Nestes termos, a convicção do Tribunal a quo de que o condutor do autocarro de turismo, I, não tem culpa não está, de maneira alguma, em oposição com a decisão da matéria de facto da causa vertente.
29. Face ao exposto, a razão pela qual o recorrente não se conformou com a decisão recorrida consiste simplesmente na discordância da valoração pelo Tribunal a quo dos aludidos “factos não provados”.
30. Ora, a apreciação das provas pelo julgador faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
31. E para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, a valoração das provas é norteado pelo princípio da imediação.
32. Por isso, o Tribunal a quo estava, certamente, em melhores condições de apreciar, de forma imparcial e justa, as provas produzidas na audiência de julgamento.
33. O recorrente não pode desconfiar que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de vícios, apenas porque o seu ponto de vista pessoal diverge da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.
34. Por último, o recorrente solicitou que, no caso de o venerado TSI entender que a recorrida não tem responsabilidade civil, seja a mesma condenada a assumir, na proporção respectiva, a responsabilidade pelo risco.
35. Como se referiu acima, o Tribunal a quo, tendo apreciado e analisado cabalmente todas provas existentes nos autos, concluiu, por um lado, que o recorrente tem responsabilidade subjectiva pelo acidente em apreço, e excluiu, por outro lado, a culpa do condutor do veículo que precedia ao do recorrente e a culpa do condutor do autocarro de turismo que circulava ao seu lado esquerdo.
36. Portanto, no caso dos autos não se verificam os requisitos para se condenar a recorrida no pagamento de indemnização com base na responsabilidade pelo risco.
37. Afigura-se à recorrida, H S.A., que a decisão do Tribunal a quo não enferma dos vícios previstos na lei, devendo, assim, manter-se o acórdão recorrido.
38. Sendo a produção do acidente de viação em questão imputável exclusivamente à conduta do recorrente F, a recorrida não está obrigada a pagar qualquer indemnização.
39. Portanto, afigura-se à recorrida, H S.A., que a decisão do Tribunal a quo não enferma dos vícios previstos na lei, devendo, assim, manter-se o acórdão recorrido.
Pelo exposto, solicita-se ao venerado Tribunal Colectivo que
I. Julgue improcedente o recurso, mantenha o acórdão recorrido e, assim, indefira todas as pretensões eventualmente formuladas contra a recorrida H S.A.; e
II. Condene o recorrente F a pagar as custas judiciais, as despesas das partes e os honorários.
Pede-se que faça a habitual justiça!”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
a) Conforme os factos provados da sentença do Processo nº CR4-12-0355-PCS transitada em julgado, em 9 de Novembro de 2011, por volta das 06H10 da tarde, o 2º Réu, F, conduzia um motociclo de matrícula MJ-XX-X5, junto com N, pai dos 1ª a 3º Autores, circulando pela faixa direita de rodagem na Ponte da Amizade, na direcção da Taipa a Macau;
b) Quando o 2º Réu chegou ao troço à frente do poste de iluminação nº 706A25 dessa ponte, os veículos que o precediam diminuíram de repente as suas velocidades. Para evitar o embate, o 2º Réu travou bruscamente o seu motociclo com matrícula MJ-XX-X5;
c) Realizada a autópsia pelo médico-legal, confirmou-se que a vítima N faleceu por causa de sofrer de lesões graves resultantes da força externa contundente extrema no crânio cerebral, no tórax e no abdómen;
d) Na ocorrência do acidente, estava a chover, o pavimento estava molhado, havia congestionamento e a iluminação era suficiente;
e) Na altura do acidente, soprava um vento forte;
f) O acidente de viação ocorreu no troço à frente do poste de iluminação nº 706A25 na Ponte da Amizade, correspondente à localização da segunda lomba da mesma;
g) No Processo nº CR4-14-0355-PCS, o 2º Réu foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência;
h) Aquando do acidente, a 1ª Ré, E S.A.R.L., era a seguradora do motociclo com matrícula MJ-XX-X5, com a apólice nº LFH/MCY/2010/021013, o capital seguro é de MOP1.000.000.00 por acidente;
i) Quando o acidente aconteceu, a vítima tinha 46 anos, divorciado, tinha 2 filhas e 1 filho que ainda era menor nesse memento, que são A, B e C, respectivamente, ora 1ª a 3º Autores nos presentes autos;
j) A 4ª Autora, G, é mãe da vítima;
k) O 2º Réu efectuou uma travagem súbita com o motociclo de matrícula MJ-XX-X5 na sequência do que o motociclo caiu, o que fez com que N fosse projectado do assento traseiro do motociclo para o pavimento entre os pneus dianteiros e traseiros do veículo pesado de matrícula MJ-XX-X3 que circulava na faixa esquerda de rodagem;
l) N foi atropelado pelos pneus do veículo com matrícula MJ-XX-X3 e em consequência sofreu os ferimentos referidos em c) e o que consta da resposta dada ao item aa). A vítima foi transportada numa ambulância para o Centro Hospitalar Conde de São Januário vindo a falecer;
m) A vítima trabalhava como electricista de construção civil, auferindo o salário mensal de cerca de MOP12.000;
n) As despesas de funeral resultantes do presente acidente de morte da vítima são de RMB6.145, equivalente a MOP8.193, bem como de MOP2.890, no valor total de MOP11.083;
o) A vítima era o pilar económico da família, necessitando de prestar alimentos à sua mãe que vive em Zhuhai e sustentar o seu filho ainda menor que vive em Macau;
p) A vítima prestava mensalmente à sua mãe (4ª Autora) a quantia de MOP3.000, a título de alimentos;
q) A vítima suportava mensalmente as despesas com necessidades essenciais do filho (3º Autor), C, que ainda se encontrava menor nesse momento, no valor de MOP3.000;
r) A 4ª Autora G nasceu em 08.08.1941;
s) O 3º Autor C nasceu em 14.02.1996;
t) Este acidente provocou aos 1ª a 3º Autores a perda de um familiar próximo, sofrendo muito com a perda repentina do pai;
u) A vítima era divorciado e havia laços afectivos fortes entre N e os três filhos aqui 1ª a 3º Autores;
v) Após a ocorrência do acidente, os 1ª a 3º Autores choravam com frequência e sentiam-se muito triste;
w) As 1ª e 2ª Autoras tiveram de faltar ao serviço para tratar de assuntos relativos ao funeral do seu pai;
x) As 1ª a e 2ª Autoras após a morte do pai choravam com frequência e tinham dificuldade em dormir;
y) O 3º Autor ficou angustiado e por causa do funeral do pai teve de faltar às aulas uma semana;
z) O 3º Autor após a morte do pai mostrava-se triste, reservado e introvertido;
aa) Na sequência do referido na resposta dada ao item l), o rosto da vítima ficou desfigurado;
bb) O veículo pesado com matrícula MJ-XX-X3, não seguia a uma velocidade superior a 50km/h;
cc) No momento do acidente I podia ver o que se passava no pavimento à frente do seu veículo;
dd) Na altura em que a vítima foi projectada a uma distância de 0,9 metros no pavimento o I não soube o que aconteceu;
ee) Quando o pneu traseiro direito do veículo com matrícula MJ-XX-X3 que conduzia o I atropelou a vítima, não se efectuou qualquer manobra para travagem e/ou paragem do veículo;
ff) O 2º Réu não conduzia o motociclo a uma velocidade superior a 40km/h;
gg) N faleceu no dia 09.11.2011 às 18.42 horas – doc. a fls. 19, certidão de óbito.
***
III – O Direito
1 - Ocorreu um acidente de trânsito.
Era Novembro de 2011, por volta das 18,00. Chovia, soprava um vento forte, registava-se congestionamento de tráfego e a iluminação era suficiente.
Um motociclo, conduzido pelo réu F, ora recorrente, transportava na parte de trás do assento o passageiro N, pai dos 1º a 3º autores, e filho da interveniente G.
Este veículo de duas rodas circulava pela faixa de rodagem na Ponte da Amizade, no sentido Taipa-Macau.
F travou bruscamente para evitar embater no veículo que o precedia. Devido a essa súbita travagem, o motociclo tombou para a via.
N, com a queda do veículo, acabou por ser projectado para o pavimento, onde rolou durante perto de um metro. Nesse momento ficou entre os pneus dianteiros e traseiros de um pesado que nesse instante circulava na faixa esquerda de rodagem.
I, condutor do veículo pesado, não se apercebeu do que se tinha passado e por isso não efectuou qualquer travagem.
Em consequência, o pesado atropelou a vítima com o pneu traseiro direito.
Em resultado do atropelamento, N viria a falecer.
*
2 - A sentença recorrida, recorde-se, julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu F, condutor do motociclo, e a Seguradora respectiva, no pagamento de indemnizações aos autores por danos patrimoniais e não patrimoniais.
O recorrente, porém, não aceita esta condenação, com os argumentos que se enunciam já de seguida.
*
3 - Para o recorrente, a sentença impugnada incorreu em nulidade, por registar oposição entre fundamentos de facto e decisão (art. 571º, nº1, al. c), do CPC).
Para ilustrar esta questão, o recorrente acha que a matéria de facto dada por provada não suporta a decisão tomada, que foi a de o condenar como único responsável pelo acidente.
Ora, como é bom de ver, esta pretensa oposição não caracteriza a nulidade a que se refere o art. 571º.
Na verdade, para o recorrente, a aplicação do direito foi errada, na medida em que os factos apurados deveriam ter conduzido a uma outra decisão, nomeadamente uma que repartisse a responsabilidade por outros condutores na produção do evento danoso.
Mas, se o recorrente defende que os factos não sustentam a condenação, então o problema não é de nulidade de sentença, mas sim de erro de julgamento, questão que mais à frente se analisará.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
*
4 - Depois, o recorrente procura convencer este tribunal de que os factos provados deveriam ter conduzido a uma repartição de responsabilidade, de acordo com a teoria do risco. E estaria aqui verificada uma má aplicação das regras jurídicas.
Não cremos que tenha, porém, razão.
Com efeito, a factualidade provada – e que nós em síntese acima expusemos em III-1 – aponta para uma responsabilidade civil unicamente imputável ao recorrente.
Com efeito, verificando-se boa iluminação no local, o condutor do motociclo deveria ter conduzido com prudência e cuidado, atendendo às condições do tráfego (congestionado), ao local de trânsito (sobre a ponte), às condições atmosféricas (chovia e ventava fortemente) e da via (estava molhada).
A travagem súbita do motociclo deveu-se, é certo, ao facto de os veículos que seguiam à sua frente terem diminuído de repente a sua velocidade. Mas, isso mais torna claro que o condutor do veículo de duas rodas deveria ter respeitado um espaço maior entre o seu e o veículo que o precedia. É isso o que impõem as regras de boa condução estradal. Se tivesse respeitado tais regras, provavelmente não teria que efectuar essa brusca travagem; bastar-lhe ia diminuir a marcha do seu veículo, sem brusquidão, nem repente, e com isso teria evitado a queda deste e do passageiro que consigo seguia na parte de trás do assento.
Portanto, estamos perante uma condução desatenta, alheia ao dever de cuidado, logo negligente, por parte do recorrente.
Foi, em suma, essa travagem brusca a causa da queda do veículo, bem como do passageiro que nele era transportado.
*
4.1 - O recorrente acha, porém, que o tribunal deveria ter ponderado a diminuição repentina da velocidade do veículo que o precedia, bem como a conduta do motorista do veículo pesado (autocarro de turismo), para desse modo concluir pela repartição de responsabilidades na produção do sinistro.
Não está certo. O veículo precedente terá tido necessidade de diminuir a velocidade por motivo não apurado. Portanto, se não se conhece a razão para esse comportamento, nunca se poderia imputar parte da culpa a essa diminuição de velocidade ao acidente verificado. Repare-se que a diminuição repentina de velocidade nem sequer é equivalente a travagem súbita. E se esse é o veículo que vai à frente, será sobre o condutor que o segue que recaem todas as precauções e cautelas estradais de forma a evitar qualquer embate nele.
Pode até acontecer que essa diminuição tenha uma justificação plausível e correspondente a uma boa condução estradal. O contrário é possível também, não o negamos. Nada se sabe a este respeito. Em todo o caso, o que há a referir é que o condutor do motociclo deveria mostrar atenção ao tráfego, tendo em atenção as características e estado da via e do veículo, a pessoa transportada, as condições meteorológicas, a intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias especiais, para em condições de segurança fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, tal como o impõe o art. 30º, nº2, da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei 3/2007).
Quanto ao veículo pesado, porque ia na sua faixa de rodagem e porque é um veículo longo, não seria exigível ao seu condutor que se apercebesse de alguém que tivesse caído à via. Não seria exigível que tivesse avistado a queda do motociclo que circulava ao seu lado. Daí que não tivesse que efectuar qualquer travagem para evitar que os rodados traseiros desse veículo passassem sobre a vítima acabada de cair na via.
Temos assim que, face à responsabilidade subjectiva apurada, não se vê motivo para uma repartição de responsabilidades assente numa responsabilidade objectiva, aqui inaplicável (art. 496º, do CC).
*
5 - Na parte III das suas alegações, o recorrente suscita a violação do art. 562º, nº 2 e 3 do CPC por parte do tribunal “a quo”, por ter dado como provado o facto constante da alínea gg), segundo o qual “N faleceu no dia 9/11/2011 às 18.42 horas – doc. a fls. 19, certidão de óbito”).
Entende que o tribunal não podia dar por provada a morte, por não ser um facto notório e por não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre a certidão de óbito.
Mal se percebe qual o objectivo deste fundamento do recurso. Se o tribunal fez levar à matéria de facto provada a morte do passageiro do motociclo, isso é o resultado junção do documento junto a fls. 19 dos autos e da força probatória que dele emerge, face ao art. 3º do Código do Registo Civil, segundo o qual “A prova resultante do registo civil quanto aos factos a ele obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, salvo nas acções de estado ou de registo” (cfr. tb art. 142º e 149º do CRC; também art. 356º, nº2 e 357º, nº1, do CPC).
A observância do contraditório em nada iria alterar o conteúdo da declaração do documento, se até o próprio recorrente nas suas alegações acaba por reconhecer a morte da vítima.
Improcede, pois, esta questão.
*
6 - No passo seguinte da sua impugnação, o recorrente insurge-se contra o facto concernente ao momento da morte e contra a atribuição da indemnização pelo dano não patrimonial referente às dores sofridas pelo falecido.
*
6.1 - Quanto ao primeiro aspecto, opina o recorrente que, tendo em atenção o depoimento da testemunha Dr. K - segundo o qual os ferimentos sofridos era adequados a causar a morte imediata -, não poderia o tribunal ter dado por provado o teor da alínea l), de que a “vítima foi transportada numa ambulância para o Centro Hospitalar …vindo a falecer…” (art. 2º da BI).
Acha portanto que o tribunal deveria ter dado por provado que a morte foi imediata!
Sucede que ninguém afirmou que a morte foi imediata. Mesmo que os ferimentos pudessem ter, em termos de normalidade, conduzido a esse desfecho instantâneo, o próprio médico não foi, nem parece que o pudesse ter sido, assertivo e peremptório numa confirmação desse tipo no caso em apreço. Por isso se limitou a dizer que os ferimentos eram simplesmente “adequados” à produção da morte imediata, e não que produziram imediatamente esse desfecho.
Nada a objectar, pois, sobre a forma como foi dada a resposta ao referido artigo da base instrutória.
*
6.2 - Acha ainda que há contradição entre o facto alinhado na matéria de facto assente quanto à hora do acidente e a da morte da vítima. Isto porque na alínea a) está assente que o acidente ocorreu “por volta das 6 H10”, tendo no entanto o tribunal, na fundamentação referido que ele ocorreu “cerca das 18,00” e o “óbito pelas 18.42”.
Não há contradição, porém.
Dizer que o acidente ocorreu por volta das 18.00 é uma maneira simplificada de reportar temporariamente o evento na tarefa de subsunção dos factos ao direito. Não há nisso qualquer pecado, nem foi intenção do tribunal desdizer o que estava especificado na alínea a). De resto, nem essa ténue e quase insignificante diferença é fundamental ao desfecho do caso, nem sequer ao “quantum” da indemnização pelas dores potencialmente sofridas pela vítima.
Quanto ao momento do óbito, não se tendo provado a morte imediata no local e no tempo do acidente, o tribunal limitou-se a estabelecer a data que foi estabelecida no documento de fls. 19 (certidão de óbito).
Por isso, não há qualquer censura a fazer quanto a este ponto.
*
6.3 - Relativamente ao dano referente às dores sofridas pela vítima, o recorrente defende que a vítima não as poderia ter sofrido face à morte imediata que sofreu.
O tribunal “a quo”, mesmo reconhecendo nada se ter provado sobre se a vítima mortal teve ou não dores, acabou por lhe reconhecer um direito a uma compensação por dano não patrimonial por ter sofrido lesões.
Vejamos.
Como a jurisprudência tem afirmado, o dano morte e o dano sofrimento da vítima sentido antes da morte (dores, angústia, sensação de morte a aproximar-se, etc.) são distintos e autonomamente indemnizáveis (No direito comparado, por exemplo, o Ac. do STJ, de 18/12/2007, Proc. nº 07B3715).
Ora, o dano não patrimonial sofrimento da vítima é variável em função de factores diversos, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e o falecimento, a circunstância de a vítima ter estado consciente, inconsciente ou em coma imediatamente após o evento, se teve dores e qual a sua intensidade, se teve consciência de que ia morrer, etc. (No direito comparado, v.g., Ac. do STJ, de 28/11/2013, Proc. nº 177/11; Ac. do STJ, de 15/04/2009, Proc. nº 08B3704; Ac. do STJ, de 4/06/2008, Proc. nº 1618/08).
Por isso, e nada se tendo provado acerca destes factores (se sentiu momentos de angústia, se teve dores, se teve consciência do acidente, se sentiu a morte aproximar-se), não é possível indemnizar este dano (neste sentido, no direito comparado, entre outros, Ac. do STJ, de 24/06/2008, Proc. nº 1577/08; e do do STJ, de 31/03/2009, Proc. nº 09A0507).
Coisa parecida, aliás, teve este TSI já oportunidade de decidir quando manifestou que “Não há que indemnizar a vítima pelo sofrimento que teve nos momentos que precederam a morte se está provado apenas que teve dores físicas numa situação “sem sinais de vida” sequente a graves lesões crâneo-encefálicas “(Ac. do TSI, de 16/05/2002, Proc. nº 63/2002).
Procede, pois, este fundamento do recurso.
*
7 - No passo seguinte da sua impugnação, o recorrente considera que o tribunal operou com uma série de expressões conclusivas, de que são exemplo “pilar económico da família” (alínea o)), “sofrendo muito com a perda repentina do pai” (alínea 7)), “laços afectivos fortes” (alínea u)), “choravam com frequência” (alíneas v) e x)).
E por ser assim, defende que elas deveriam ser tidas como não escritas.
Contudo, de todas as expressões referidas, a mais temerária poderia ser a primeira “pilar económico da família”. É certo que “pilar económico da família” tem em vista afirmar que a vítima era o sustentáculo da família em termos económicos. Ou seja, a intenção era afirmar ser ele quem obtinha o rendimento necessário à manutenção das despesas da sua família.
Não negamos, ainda assim, que seja uma expressão aberta, mal definida, imprecisa, indeterminada. E, portanto, fixá-la na matéria dos factos assentes poderia, se isolada, ser pouco assertiva acerca da factualidade que pretende transmitir.
Contudo, além de ela ter já entrado na linguagem comum e, portanto, ser dotada de um mínimo de significação e conteúdo substantivo, o certo é que os factos restantes têm a força suficiente para a dotarem de uma expressão significativa. Basta ver que era ele quem prestava alimentos à mãe com 3000 patacas mensais (alíneas o) e p)) e sustentava o filho menor que vice em Macau (alíneas o) e p)).
Portanto, pensamos que a matéria de facto conjugada sobre este assunto é suficiente para suportar o teor da referida alínea o).
Quanto às restantes, discordamos que não possam ser consideradas. São expressões que reflectem uma situação de facto que toda a gente aceita, quer até por ser do senso comum e do conhecimento notório de que os familiares sentem e sofrem muito com a perda de um pai falecido ou que haja laços afectivos fortes entre AA e a vítima (toda a gente sabe o que isto significa) e que chorem com frequência essa perda. S
Improcede, pois, esta parte do recurso.
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8 - Depois, insurge-se contra a indemnização arbitrada por perda de alimentos, por entender que os factos pertinentes (valor do rendimento salarial, e quantitativo dos alimentos prestados à mãe e filhos da vítima) não se encontram provados.
Ora, posta assim a questão, estamos mais uma vez perante a impugnação da matéria de facto.
Mas, também aqui não tem razão. Com efeito, não é preciso que a testemunha que depôs sobre o valor do rendimento mensal da vítima, como electricista, fosse empregada da mesma entidade patronal. O acórdão que fez o julgamento da matéria de facto não deixou de referir que o salário de 12000 patacas mensais por parte da vítima era aquele que constituía a “média” salarial paga nesse ramo de actividade. Ora, quanto a este aspecto, é inatacável a fundamentação do referido acórdão (cfr. fls. 372vº). Esta conclusão pode ser obtida a partir de uma testemunha se ela exercer a mesma profissão (cfr. também, a propósito, o doc. 5 junto com a pi, pág. 16 vº).
O tribunal “a quo” formou livremente essa convicção e este TSI não pode fazer censura a esse julgamento, porque os autos não nos apontam diferentes elementos que impliquem uma outra decisão factual quanto a esta questão.
Quanto aos alimentos, por muito que o recorrente ache que são valores não demonstrados, a verdade é que o tribunal não considerou assim. E a testemunha que depôs sobre o assunto terá falado com segurança e convencimento, para o tribunal “a quo” ter acreditado nas suas palavras e se ter bastado com as suas declarações sem necessidade de prova documental.
Repetimos: o TSI dificilmente pode fazer ruir a convicção do julgamento da matéria de facto. Na verdade, “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 23/02/2017, Proc. nº 845/2016).
Improcede, pois, a impugnação.
*
8.1 - A questão seguinte tem que ver com o quantum da indemnização arbitrada ao filho menor C (até à idade de 18 anos) e à mãe (esta reportando-a até à idade de 75 anos) relacionada com os alimentos que ambos recebiam da malograda vítima. Discorda o recorrente do seu valor e defende que deveriam os valores encontrados a este título deveriam ser reduzidos para MOP$ 120.000,00 e 50.000,00 respectivamente.
Ora, o tribunal “a quo” acolheu o cálculo efectuado pelos autores tendo em atenção a idade da mãe (que contava com 70 anos) e do filho menor (que tinha 15 anos) à data do acidente e aquela que seria apropriada (75 e 18, respectivamente) para cômputo do termo da prestação de alimentos. E achou por bem atribuir as indemnizações de 171.000,00 para a mãe e 81.000,00 para o filho.
Pugna agora o recorrente que, pelo facto de esta indemnização ser atribuída de uma só vez, deveria ser reduzida, atendendo à circunstância principal de a vítima não ter um emprego fixo e ser razoável que, antes de aqueles familiares atingirem as idades referidas, ela não pudesse manter sempre a sua actividade se não tivesse obra de construção civil para executar.
Quanto a isto, somos a dizer que a atribuição da indemnização foi feita segundo um juízo de prognose de normalidade. E quanto a nós, não custa ponderar, por ser mais do que notório, que não era sequer provável que a vítima electricista deixasse de ter obras de electricidade para executar durante uns breves quatro ou cinco anos numa terra como esta, Macau, sempre em constante progresso e crescimento construtivo.
Quanto ao valor em si mesmo atribuído não tem, pois, este TSI motivo para qualquer reprovação.
-
Também defende que este valor deveria ser reduzido em função da capitalização do capital atribuído, uma vez que a importância indemnizatória foi atribuída de uma só vez.
Esquece o recorrente, porém, que à data da sentença recorrida (12/10/2016) já o período considerado (diferença entre os 70 e 75 anos e entre os 15 e 18, com reporte à mãe e ao filho da vítima, em relação à idade que possuíam à data do acidente) tinha acabado nos dias 8 de Agosto de 2016 e 14 de Fevereiro de 2014, respectivamente.
Significa isto que não se pode falar aqui em capitalização do quantum atribuído, nem consequentemente, nenhuma razão para fazer qualquer dedução, uma vez que os valores encontrados eram aqueles que se mostravam devidos em relação ao momento da sentença e não a qualquer momento futuro.
-
O recorrente acrescenta que a vítima não era filho único da autora sua mãe, podendo ser sustentada pelos outros.
Ora quanto a este aspecto, o que conta dizer é que era o falecido a pessoa que sustentava a mãe com aquela quantia de RMB 2500 por mês e nada a fazer quanto a esta prova. O recorrente não conseguiu provar que os outros filhos (quantos, o que faziam, quanto ganhavam?) – que nem sequer eram parte na causa - podiam substituir-se ao irmão falecido nesse encargo.
-
Improcede, pois, esta questão do recurso.
*
9 - De seguida, avança o recorrente para a defesa da tese de que não existe fundamento para a concessão aos filhos da vítima de uma indemnização por danos não patrimoniais em razão da morte, que a sentença computou em MOP$ 1.000.000.00.
Neste capítulo, o recorrente apresenta dois fundamentos.
Por um lado, argumenta ter sido violado o disposto no art. 489º, nº2, do Código Civil, por entender que o direito à vida pertencia à vítima e não ser possível a reparação dos interesses dela a partir do momento em que faleceu, por ter deixado então de ter personalidade jurídica.
Vejamos.
O dano morte é um dano próprio sofrido pela vítima. É o prejuízo supremo que toda a pessoa pode sofrer. É um dano acrescido e tem que fazer-se sentir ao culpado por ele (Diogo Leite de Campos, A vida, a morte e a sua indemnização, in BMJ nº 365, pág. 5).
A morte é um prejuízo indemnizável que nasce na esfera da titularidade da vítima, portanto. Sem carácter sucessório, é um direito compensatório próprio e autónomo, atribuível às pessoas referidas no art. 489º, nº2 (Ac. do TSI, de 4/12/2003, Proc. nº 159/2003; Ac. do STJ, de 24/05/2007, Proc. nº 07B1359).
A perda da personalidade jurídica com a morte apenas é relevante para efeito de se negar indemnização concernente aos vencimentos remuneratórios que a vítima pudesse obter no futuro a título de lucros cessantes (Acs. do TUI, de 16/04/2004, Proc. nº 7/2004; de 28/01/2015, Proc. nº 122/2014).
Por conseguinte, a posição defendida pelo recorrente não tem apoio no art. 489º, nº2, do Código Civil, que expressamente prevê a atribuição da indemnização aos filhos da vítima em caso de morte.
E o valor atribuído pela 1ª instância a este título é sensato, não merece objecção alguma e está dentro da margem que a jurisprudência local costuma seguir (v.g., Ac. do TUI, de 11/03/2008, Proc. nº 6/2007).
Este primeiro argumento, portanto, não poderia proceder.
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Mas, vejamos o segundo.
Em sua opinião, o tribunal não poderia atribuir esta indemnização pelo dano morte, ao abrigo do art. 489º, nº2, do CC, uma vez que ele não foi peticionado pelos autores. E, por isso, estaria cometida a nulidade a que se refere o art. 571º, nº1,al d), do CPC, por excesso de pronúncia.
Os autores/recorridos na sua resposta ao recurso consideram que o tribunal não fez mais do que qualificar diversamente os danos peticionados.
Ponderemos a questão.
Como se sabe, em caso de morte, emergem três danos não patrimoniais indemnizáveis (entre outros, no direito comparado, o Ac. do STJ de 15/04/2009, Proc. nº 08P3704):
- O dano pela perda da vida, ou dano morte;
- O dano do sofrimento da vítima antes de falecer, cuja indemnização varia em função do tempo decorrido entre o evento danoso e o decesso, o estado de consciência ou em coma após o acidente, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve a percepção de que ia morrer;
- O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.
Ora, efectivamente, o que os autores pediram a título de danos não patrimoniais, e citando expressamente o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 489º do CC (mas não o nº2), foram duas indemnizações assim estruturadas:
Em primeiro lugar, a indemnização pela perda do pai, o que se reflectiu na invocada tristeza, incapacidade da concentração no trabalho, influência no desempenho laboral, na dificuldade em adormecer durante a noite, no choro frequente, na mágoa inconsolável, na falta de concentração nas aulas por parte do 3º réu, na dificuldade em aceitar a morte do pai, na natureza taciturna adquirida por esse mesmo autor. Indemnização que computaram em MOP$ 200.000,00 para cada filho.
Ou seja, são factos que traduzem um dano não patrimonial sofrido pelos autores, e que encontra respaldo no nº3 do art. 489º, nº3, do CC, não o dano sofrido pela infeliz vítima, ao abrigo do art. 489º, nº2, que não foi invocado, nem ao abrigo do qual não foi peticionada nenhuma indemnização.
Em segundo lugar, o valor indemnizatório atribuído a título de dores sofridas pela vítima antes de falecer. Já vimos, porém, que quanto a este valor indemnizatório, não há lugar a ele, nos termos do ponto acima 6.3, para o qual remetemos.
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Sendo assim, o tribunal “a quo” excedeu-se, foi além do dispositivo e cometeu a nulidade a que se refere o art. 571º, nº1, al. d), 2ª parte, do CPC, pois atribuiu a indemnização de um MOP$ 1.000.000,00 (um milhão de patacas) pelo dano morte não peticionado.
Procede, pois, o recurso quanto a esta questão.
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10 - Insurge-se ainda o recorrente contra a indemnização concedida aos autores por danos não patrimoniais em razão do sofrimento de cada um dos três filhos pela perda do pai. E isto por entender que os autos não forneciam os factos indispensáveis à fixação do valor indemnizatório de MOP$ 200.000,00 a cada um.
Mas, quanto a isto, é fácil negar razão ao recorrente face à matéria provada e a que já acima fizemos referência no ponto 9.
Porque a decisão tem suporte fáctico e jurídico (cfr. art. 489º, nº3, fine, do CC), não cremos que seja necessária mais nenhuma justificação para a atribuição da referida indemnização, que nos parece justa e equitativa.
Improcede, pois, esta questão.
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11 - Por fim, o recorrente acha que o tribunal “a quo” desconsiderou o disposto no art. 487º do Cod. Civil.
Não estamos de acordo.
Em primeiro lugar, porque a indemnização fixada derivou já de um juízo de “adequação”. Ou seja, o tribunal “a quo” ao arbitrar aquela indemnização por a julgar adequada, fê-lo segundo um juízo de equidade, segundo as circunstâncias do caso em todas as suas dimensões.
Em segundo lugar, o “quantum” fixado, principalmente agora que a indemnização pelo dano morte será excluída, não pode ser tido por excessivo. E, como se sabe, a aplicação do art. 487º do CC só se justifica quando o volume da reparação for muito elevado, para que esta se não torne manifestamente injusta em face da culpa do lesante, da disparidade das condições económicas, etc., etc. (Ac. da RC, de 43/07/1984, Proc. nº 13356, in CJ 1984, IV, pág. 38).
Deste modo, também este fundamento do recurso se tem que dar por naufragado.
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12 - Epílogo
Face a tudo o que vem de ser exposto, as indemnizações serão distribuídas da seguinte maneira:
- A mãe da vítima, de seu nome, G, receberá, tal como decidido na 1ª instância, a quantia indemnizatória de MOP$ 171.000,00.
- Os filhos A e B receberão cada um MOP$ 203.694,30, ou seja 200.000,00 +(11.083,00:3=3.694.30).
- O filho C receberá a quantia indemnizatória de MOP$ 284.694,30, ou seja, 200.000,00+81.000,00+ (11.083,00:3=3.694,30).
O montante das indemnizações a estes filhos deve-se, pois, a duas razões:
Em primeiro lugar, ao facto de ter sido excluída a quota parte de cada um no valor 400.000,00, do total de 1.000.000,00 a título de dano morte.
Em segundo lugar, à circunstância de ter sido retirada do cômputo a indemnização arbitrada a título de dores sofridas pela vítima antes de falecer (200.000,00).
A indemnização total a atribuir cifra-se, então, em MOP$ 863.082.90 (171.000,00+203.694,30+203.694,30+284.694,30).
Face, porém, ao valor do seguro (MOP$ 1000.000,00), apenas será a Seguradora, E SARL a suportar sozinha a indemnização arbitrada.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso jurisdicional, nos seguintes termos:
1 - Julgam nula a sentença na parte em que atribuiu aos 1º a 3º autores/recorridos a indemnização pelo dano morte (MOP$ 1.000. 000,00).
2 - Revogam a sentença na parte em que condenou o 2º réu/ora recorrente a pagar aos 1º a 3º autores indemnização de MOP$ 200.000,00 pelo dano sofrimento da vítima antes de morrer.
3 - Absolvem o réu F (recorrente) do pedido.
4 - Confirmam a sentença recorrida na parte restante.
Custas em ambas as instâncias pelos AA (sem prejuízo do apoio judiciário concedido), interveniente e Seguradora E SARL em função do decaimento.
T.S.I., 18 de Janeiro de 2018
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
206/2017 -1-