Proc. nº 596/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Janeiro de 2018
Descritores:
- Nulidade de sentença
SUMÁRIO:
A nulidade da alínea b), do art. 571º do CPC não se basta com uma fundamentação insuficiente ou pouco convincente, antes impondo uma ausência de razões que suportam a opção final; isto é, só ocorre a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC quando se verifica ausência total de fundamentação. A mera insuficiência ou deficiência de fundamentação da sentença pode redundar em erro de julgamento.
Proc. nº 596/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A (A有限公司), com sede em Macau, na Avenida do XX, nºs XX, XX, XXº andar, registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º1XXX6 (SO), instaurou no TJB (Proc. nº CV3-11-0057-CAO) acção ordinária contra: ---
B, Lda. (B有限公司), sociedade comercial com sede em Macau, na Rua de XX, n.º XX, edifício XX, XXº andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 2XXX3 (SO).
Pediu a procedência da acção e, em consequência, fosse a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de MOP$7.783.492,09, sendo MOP$7.173.816,00 a título de capital, e MOP$609.676,09, a título de juros de mora legais, calculados à taxa legal, desde a data da constituição em mora até à data da entrada da acção, ou seja 27 de Junho de 2011, bem como os vincendos até efectivo e integral pagamento, e ainda no pagamento de custas e procuradoria devida.
*
Foi na oportunidade proferida sentença, que julgou improcedente a acção e a reconvenção absolvendo as partes dos respectivos pedidos.
*
Contra a sentença recorreu a autora, A, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões (fls. 808-858):
“I. O presente Recurso incide por um lado sobre o despacho de fls. 307 a 309 que indeferiu parcialmente a reclamação apresentada pela ora Recorrente contra a selecção da matéria de facto e ainda sobre a decisão final proferida no âmbito dos presentes autos;
II. Discordando da matéria de facto seleccionada pelo douto Tribunal o quo em sede de despacho saneador, a ora Recorrente apresentou a competente reclamação, conforme melhor consta do requerimento de fls. 258 e seguintes, tendo requerido a inclusão na Base Instrutória dos factos vertidos nos arts. 44º a 49º da sua Réplica;
III. Considerou o douto Tribunal a quo no despacho de fls. 307-309 que tal matéria não era relevante para a decisão da causa;
IV. Tendo em conta que, em sede de contestação - artigos 28.º a 34º -, a Recorrida invocou a nulidade do Contrato de Promoção de Jogos celebrado entre as partes, designadamente por força da violação do disposto no n.º 9 do artigo 17.º da Lei 16/2001, a ora Recorrente considerava ser relevante levar à base instrutória os factos por si alegados nos artigos 44.º a 49.º da Réplica em resposta à referida excepção de nulidade invocada pela Recorrida, uma vez que tais factos - o escrutínio dos contratos por parte da entidade reguladora e a aprovação dos contratos - são essenciais para a defesa da Recorrente no que diz respeito à excepção de nulidade invocada;
V. Dizer-se simplesmente que a matéria que as partes pretendem ver aditada à base instrutória não é relevante para a decisão final equivale a uma total falta de fundamentação ou, ainda que assim não se entenda, a uma fundamentação manifestamente insuficiente;
VI. A utilização da expressão não é relevante é de tal forma abrangente que na modesta opinião da ora Recorrente não contém o mínimo de fundamentação exigível a um despacho judicial que se pronuncia sobre uma reclamação das partes;
VII. A relevância ou não dos factos para a decisão da causa trata-se de um conceito indeterminado que carece de concretização para que as partes destinatárias do despacho que assim decidiu compreendam na íntegra os motivos pelos quais o douto Tribunal entende que a matéria não é relevante;
VIII. Atendendo à extensão das reclamações à selecção da matéria de facto apresentada pelas partes e à diversidade dos factos que consideravam dever ter sido seleccionados, o indeferimento contido no referido despacho de fls. 307-309 com fundamento na não relevância de tal matéria é assim de tal forma genérico que só pode equivaler a uma total falta de fundamentação, pois que não permite, de todo, às partes destinatárias de tal despacho compreender a razão de tal consideração e consequentemente reagir devidamente;
IX. O despacho de fls. 307-309 é nulo na parte em que indefere as reclamações das partes, por carecer de fundamentação de facto e de direito, conforme disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 569.º, n.º 3 do mesmo diploma legal;
X. A Ré alegou em sede de contestação a nulidade do contrato de promoção de jogo, invocando para tanto que, ao exigir-se da Ré que suporte o prejuízo mensal resultante da exploração de jogo de fortuna ou azar daquela sala, está-se a violar a Lei 16/2001;
XI. Em sede de Réplica veio a ora Recorrente, invocar entre outros tactos, que i) estes contratos são analisados e aprovados pelas próprias autoridades que supervisionam e regulam indústria do jogo de Macau, ii) que a sua actividade é devidamente auditada pela DICJ, e ii) que o presente contrato foi devidamente comunicado e escrutinado pela DICJ;
XII. Tais factos são essenciais para demonstrar que o contrato sub judice mereceu a aprovação governamental, e que, por essa razão, ainda que se pudesse configurar esta relação contratual como uma espécie de cessão da exploração da sala VIP em questão, essa cessão estava devidamente autorizada, e como tal não se verificava a nulidade do contrato por violação do nº 9º do art. 17º das Lei 16/2001;
XIII. Não pode, salvo o devido respeito, o Douto Tribunal apreciar a excepção invocada sem que sejam quesitados os factos dos quais se poderá apurar o preenchimento da norma em causa;
XIV. Ao fazê-lo o Tribunal coarctou a Recorrente de se poder defender, apresentado e requerendo os meios probatórios relevantes, da invocada nulidade;
XV. Mais óbvia se torna a essencialidade dos factos alegados pela Recorrente quando é o próprio Tribunal a quo a fazer depender o mérito da presente causa da excepção de nulidade invocado pela Recorrida;
XVI. O douto Tribunal a quo deveria ter apurado os factos que a ora Recorrente alegou e pretendia com a sua Reclamação fossem aditados à base instrutória;
XVII. A selecção da matéria de facto viola o disposto no artigo 430.º, n.º1 do CPC, ficando a padecer de deficiência, por o douto Tribunal o quo ter decidido julgar improcedente a reclamação da selecção da matéria de facto apresentada pela ora Recorrente na parte em que requereu o aditamento à base instrutória dos factos vertidos nos arts. 44º a 49º da sua Réplica;
XVIII. Salvo devido respeito por melhor opinião, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 430.º, n.º 3 do CPC, deve o referido despacho de fls. 307 a 309 ser revogado e ser ordenada a inclusão dos supra mencionados factos na Base Instrutória e ordenar-se a repetição do julgamento;
XIX. O Tribunal a quo decidiu julgar improcedentes os pedidos deduzidos pela Recorrente por entender que o contrato de promoção de jogo celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é nulo por preterição do disposto no n.º 9 do artigo 17.º da Lei 16/2001;
XX. A ora Recorrente não se conforma com esta decisão por considerar que a mesma incorre em erro de julgamento decorrente por um lado de uma errada interpretação, qualificação jurídica e subsunção dos factos às normas aplicadas, e por outro lado da violação de disposições legais de direito adjectivo;
XXI. Entendeu o douto Tribunal o quo que por força do contrato de promoção de jogo celebrado entre a ora Recorrente e a Recorrida, mormente por força das Comissões a pagar à Recorrida poderem sofrer descontos correspondentes a 40,25% das perdas verificadas na sala VIP no mês anterior ao seu pagamento, bem assim como pelo facto de a Recorrida ter ficado responsável pelas despesas de manutenção e conservação do interior da sala do casino, estaríamos perante um cessão, ainda que parcial, da exploração de jogo;
XXII. Os descontos correspondentes a 40,25% das perdas verificadas na sala VIP a que estavam sujeitas as Comissões da Recorrida representam somente uma das variantes da fórmula de cálculo da comissão a que a Recorrida estava intitulada por força do contrato de promoção de jogo;
XXIII. Não existe na Lei nº 16/2001 e nem mesmo no Regulamento Administrativo nº 6/2002 qualquer limitação às partes contratantes sobre as formas de calculo da remuneração do promotor de jogo;
XXIV. Nesta matéria, o Regulamento Administrativo nº 6/2002 refere-se tão só e apenas a comissões e quaisquer outras formas de remuneração pagas por uma concessionária;
XXV. Neste quadro legal as partes têm plena liberdade para acordar os melhores termos e condições que entenderem, por forma a determinar o montante da retribuição devida no âmbito da relação contratual entre concessionária e promotor de jogo;
XXVI. A lei não restringe por qualquer forma a liberdade contratual das partes no que se refere a fixação da retribuição, designadamente no sentido de a actividade de promoção ter um resultado negativo;
XXVII. Por essa razão é que os valores das comissões atribuídas ao promotor de jogo são, in casu, de montante consideravelmente elevado, incorporando as mesmas um risco pelos mesmos assumidos;
XXVIII. Esta prática é uma prática normal e comummente aceite na indústria do jogo da RAEM, e como é sabido, os contratos entre concessionária e promotor de jogo não são o resultado de uma mera relação especifica entre uma concessionária e um determinado promotor de jogo mas antes obedece a um padrão ou a um standard já aceite no sector de jogos, sendo apenas a normal fixar o valor ou a percentagem específica a um determinado promotor de jogo num modelo de contrato já existente.
IX. Este modelo de contrato existe no sentido em que ele plasma a vontade dos próprios promotores de jogo de quererem participar nos lucros e prejuízos resultantes do trabalho por eles desenvolvido, sendo esta uma forma de obterem um maior rendimento;
XXX. A existência no contrato de promoção de jogo de uma variante de cálculo da comissão que passe também pela aplicação de uma percentagem às perdas verificadas na sala VIP objecto do contrato de promoção e que a aplicação de tal variante possa implicar para o promotor a obrigação de compensar a concessionária pelo mau resultado da sua actividade, não implica, salvo devido respeito por melhor opinião, a cessão ou transferência, ainda que parcial, da exploração dos jogos naquela Sala VIP;
XXXI. A actividade do promotor é uma actividade complexa e implica um elevado grau de autonomia na forma em como é prestada;
XXII. Os elementos essenciais de cada sala VIP, e a dos autos não é excepção, continuam a ser da responsabilidade da ora Recorrente, tais como os croupiers, as mesas de jogo e todo o equipamento inerente;
XXIII. Ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo o facto da conservação e manutenção da sala VIP ficar a cargo do promotor de jogo nada tem que ver com a existência de uma cessão da exploração da sala, mas tão só com o facto de o promotor ter um elevado grau de autonomia na forma como desenvolve a sua actividade de promoção e naturalmente também com o facto de a actividade dos promotores de jogo ser uma actividade reconhecidamente lucrativa em que este tipo de encargos representa uma ínfima despesa com vista à prossecução de um lucro maior;
XXXIV. Sobre esta matéria já se debruçou o Venerando Tribunal de Segunda Instância no Acórdão proferido no âmbito do processo 272/2003;
XXXV. O contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos trata-se de um contrato com cláusulas standards comuns a todos os contratos de promoção de jogo celebrados entre a ora Recorrente e os promotores que lhe prestam serviços, bem assim como aos demais contratos de promoção de jogo celebrados entre as outas Concessionárias e os seus promotores;
XXXVI. Conforme resulta dos documentos juntos aos autos de fls. 174 a 190, o contrato de promoção de jogo e seus anexos, designadamente o Anexo I relativo ao cálculo da Comissão, foram devidamente comunicados à DICJ;
XXXVII. Conforme resulta do Regulamento Administrativo 34/2003 e do facto de contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos ser, em toda a sua extensão, devidamente comunicado à DICJ, a actividade da ora Recorrente e as relações contratuais que estabelece com os promotores de jogo, designadamente com a ora Recorrida, são escrutinadas, controladas e auditadas pela referida entidade;
XXXVIII. Se alguma ilegalidade houvesse em relação ao contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos, designadamente, se o mesmo implicasse uma transferência ou cessão de exploração de sala VIP não autorizada, ou se alguma ilegalidade houvesse em relação ao cálculo e forma de pagamento das Comissões estipuladas em tal contrato, certamente a DISJ, no uso e no exercício das suas competências, agiria por forma a expurgar e impedir o cometimento de tais ilegalidades;
XXXIX. De fls. 174 a 190 e 322 a 335 resulta que o contrato em causa dos presentes autos não só é objecto de comunicação e consequentemente análise e controlo da DICJ, mas também que todos os valores alegados pela ora Recorrente resultam confirmados, ao cêntimo, pelos documentos emanados da DICJ e elaborados no uso das suas competências de auditoria e fiscalização;
XL. A decisão recorrida fez assim uma errada interpretação do contrato de promoção de jogo em questão e errada subsunção do mesmo ao disposto no artigo 17.º, n.º 9 da Lei 16/2001;
XLI. Ainda que se entenda que o contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos implica uma cessão, ainda que parcial, da exploração da sala VIP objecto do mesmo, sempre se diga que, tal eventual cessão foi devidamente autorizada pela DICJ;
XLII. O douto Tribunal a quo tinha na sua posse elementos suficientes para considerar que tal cessão, a existir, foi devidamente autorizada pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
XLIII. Mal andou o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, incorrendo num manifesto erro de julgamento e na violação do disposto no referido artigo 17.º. n.º 9 da Lei 16/2001, devendo, consequentemente, ser revogada a sentença ora em Recurso e substituída por uma outra que, atenta a factualidade assente e provada nos presentes autos, julgue procedentes por provados os pedidos deduzidos pela ora Recorrente;
XLIV. Para que o douto Tribunal a quo concluísse pela violação do art. 17º, nº 9 da Lei 16/2001, necessário e essencial seria, para além de se concluir pela existência da transferência ou cessão da exploração da sala VIP em apreço da Recorrente para a Recorrida, apurar se tal transferência ou cessão obteve a autorização prévia do Governo;
XLV. Da leitura atenta da sentença sob recurso retira-se que a douto Tribunal a quo se limita apenas a fundamentar a alegada existência da cessão, ainda que parcial, da exploração da sala VIP da Recorrente para a Recorrida, não se tendo em momento algum debruçado sobre a eventual existência de autorização do Governo para tal eventual cessão;
XLVI. Apurar-se da existência ou não da autorização do Governo para a eventual cessão da exploração da sala VIP em causa nos presentes autos, reputa-se essencial para se concluir pela nulidade da mesma, pois que, a ter existido tal autorização não se pode concluir pela nulidade da alegada cessão;
XLVII. Reputando-se a existência de tal autorização um facto essencial para se concluir pela verificação da nulidade da alegada cessão da exploração da sala VIP, incumbia, em primeira linha, ao douto Tribunal a quo providenciar pelo apuramento da sua existência, sendo ademais certo que, tanto a Recorrida como a Recorrente alegaram factos que se prendem com a discussão sobre a existência de tal autorização;
XLVIII. Não podem resultar dúvidas que, na óptica das partes, a existência ou não de autorização governamental para uma eventual cessão de exploração da Sala VIP em questão era matéria essencial para a boa decisão da causa, e tratando-se inequivocamente de matéria controvertida, deveria ser apreciada pelo Douto Tribunal;
XLIX. Por um lado, o Tribunal optou por não levar essa matéria para discussão, indeferindo as reclamações das partes e impedido a Recorrente de fazer prova sobre essa mesma matéria, mas por outro lado, o que acabou por suceder foi que o mérito ou demérito da presente acção assentou totalmente na consideração por parte do douto Tribunal a quo da efectiva verificação da excepção de nulidade invocada pela Recorrida por preterição do disposto no artigo 17.º, n.º 9 da Lei 16/2001, ou seja, também pela inexistência da autorização governamental;
L. Ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo SS3.º do CPC, até ao encerramento da discussão da causa, era ainda possível ao douto Tribunal a quo, ampliar a base instrutória e nela incluir os factos essenciais que lhe permitiriam concluir pela alegada nulidade do contrato de promoção de jogo em causa nos autos decorrente da cessão da exploração da sala VIP sem a existência da autorização do Governo;
LI. Tais factos essenciais foram alegados pelas partes, e conforme é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, a decisão sobre a selecção da matéria de facto não faz caso julgado até ao encerramento da discussão da causa;
LII. Deveria o douto Tribunal o quo ter lançando mão do poder/dever constante da aludida alínea f) do n.º 2 do artigo 553.º do CPC e incluir na base instrutória os factos alegados pelas partes cujo apuramento se reputava essencial para o preenchimento da norma em que baseou a sua decisão;
LIII. Por não ter sido seleccionada, discutida e provada matéria de facto que se reputava essencial para aferir da efectiva violação do disposto no n.º 9, do artigo 17.º da Lei 16/2001, a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 430.º n.º 1 e 433.º e alínea f) do n.º 2 do artigo 553.º, todos do Código de Processo Civil;
LIV. Deverão V. Exas., ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 4 do CPC, anular a decisão ora sob recurso e determinar a ampliação da base instrutória por forma a que da mesma passem a constar os factos essenciais alegados pelas partes em relação à eventual existência da autorização a que alude o n.º 9 do artigo 17.º da Lei 16/2001, ordenando-se a baixa do processo e a repetição do julgamento.
Nestes termos, e nos mais em Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos supra explanados, fazendo V. Exas. dessa forma inteira e sã Justiça!”.
*
A ré respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos (fls. 968-1000):
“1ª
Vem a Autora impugnar o despacho de fls. 308 e 309 proferido pelo Tribunal recorrido que indeferiu a reclamação apresentada pela mesma sociedade na parte em que entendeu não incluir no saneador a matéria dos artigos 44º a 49º da Réplica, pretendendo agora a Autora a revogação daquele despacho e, consequentemente, a inclusão daquela matéria na Base Instrutória e a repetição do julgamento.
2ª
Mais impugna a Autora a própria decisão final perfilhada pelo mesmo tribunal que considerou nulo, e bem, o referido Contrato de Promoção de Jogo, por preterição daquele artigo da Lei n.º 16/2001, diploma esse que, como se cabe, consagra o regime jurídico vigente na RAEM no que concerne à exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.
3ª
Quanto à 1ª parte do recurso, invoca a Autora que o despacho de fls. 308 e 309 é nulo por falta de fundamentação e, a não ser assim entendido, que a mesma decisão peca por deficiência, nos termos do artigo 430º, n.º 2 daquele Código.
4ª
Ora, o Tribunal fundamentou perfeitamente a sua decisão, considerando que os factos trazidos pela Autora em sede de Réplica não eram relevantes para a decisão da causa, partindo do pressuposto legal de que, nos termos do artigo 430º, n.º 1 do CPC, apenas os factos com interesse e relevância para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, podem ser incluídos no saneador.
5ª
A falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC (aplicável ao caso sub judice por força do artigo 569º, n.º 3 do mesmo diploma legal), enquanto motivo de nulidade da decisão, consiste na total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a mesma decisão.
6ª
Em suma, só a ausência de qualquer fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, incompleta ou mesmo errada, é susceptível de conduzir à nulidade da decisão, ou seja, só há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto: da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação.
7ª
Conclui-se assim que o despacho de fls. 308 e 309 encontra-se fundamentado porquanto apresenta inquestionavelmente uma razão de ciência para a não inclusão da matéria dos artigos 44º a 49º da Réplica na Base Instrutória, considerando-a não relevante para a decisão da causa, pelo que não pode deixar de decair, nesta parte, o recurso apresentado pela Autora.
8ª
Quanto à questão suscitada pela Autora que o mesmo despacho peca por deficiência ao não admitir a inclusão daquela matéria na Base Instrutória, nos termos do artigo 430º, n.ºs 1 e 2 do CPC cumpre dizer que, tal como se fez notar na resposta apresentada pela Ré no que se refere à reclamação da Autora de fls. 258 e ss., a causa de pedir formulada por esta sociedade na presente acção, retratada não só na questão do contrato de promoção de jogo como na questão das comissões negativas e nos eventuais créditos da segunda relativamente à primeira, estava já devidamente contemplada no douto despacho saneador, particularmente nos quesitos 1º a 124º da Base Instrutória (e nas alíneas A) a F) dos factos assentes), constituindo assim essa factualidade o acervo de factos constitutivos do direito da Autora na presente acção.
9ª
Pelo que os artigos 44º a 49º da Réplica encerram factos que, como entendeu o tribunal recorrido de forma absolutamente acertada, são perfeitamente irrelevantes para a discussão e decisão do presente pleito, não merecendo qualquer censura o despacho de fls. 308 e 309 que decidiu não introduzir aquela matéria no saneador.
10ª
Até porque a Autora na sua Réplica não alterou ou ampliou a causa de pedir, nos termos permitidos no artigo 217º, n.º 1 do CPC não podendo assim, também por esta razão, ser incluída essa matéria na Base Instrutória.
11ª
Acresce ainda que a Autora alegou a matéria dos artigos 44º a 49º da Réplica de forma a realçar apenas que os contratos de promoção assinados por esta sociedade foram, posteriormente à sua celebração, escrutinados e aprovados pela DICJ, nada tendo essa factualidade a ver com o requisito da prévia autorização governamental consagrado no artigo 17º, n.º 9 da Lei n.º 16/2002 que se mostra necessário para que seja legalmente válida qualquer transferência ou cessão da exploração de jogo ou azar a favor de terceiro.
12ª
Ou seja, a Autora em parte nenhuma do seu articulado veio alegar, no que respeita ao contrato de promoção em causa, que obteve uma prévia autorização por parte do Governo da RAEM que lhe permitisse transferir ou ceder a terceiro, a qualquer título, a exploração de jogos de fortuna ou azar.
13ª
A este respeito, cumpre sublinhar que o artigo 17º, n.º 9 da Lei n.º 16/2002 exige que haja uma autorização prévia do Governo de Macau para que a cessão ou transferência daquela actividade não padeça de nulidade.
14ª
Em suma, assenta a nulidade em questão na falta de um elemento essencial ao acto (ou contrato) em causa - vg., contrato de transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino - que é a autorização prévia por parte do Governo de Macau.
15ª
Pois bem, a Autora não alegou nem muito menos provou que o contrato em causa f objecto de autorização prévia, sendo certo que a matéria dos artigos 44º a 49º da réplica n têm a ver com está problemática e, como tal, por se mostrar irrelevante a mesma matéria a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não foi a me incluída na base Instrutória, como decidiu, e bem, o Tribunal recorrido.
16ª
Importa ainda sublinhar que a DICJ não detém qualquer competência própria ou sequer delegada para autorizar a transferência ou cessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, a favor de terceiros, pelo que também por este motivo não assiste qualquer razão à Autora no seu recurso.
17ª
Conclui-se assim que o despacho de fls. 308 e 309 não peca por deficiência, à luz do artigo 430º, n.º 1 do CPC, não podendo assim o recurso a que ora se responde deixar de decair também nesta parte.
18ª
A questão nuclear dos presentes autos consiste em saber, ao fim ao cabo, se a decisão perfilhada pelo TJB de considerar nulo o Contrato de Promoção de Jogo celebrado entre a Autora e a Ré, por preterição do disposto no n.º 9 do artigo 17º da Lei n.º 16/2001, julgando assim improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora na presente acção, merece alguma censura.
19ª
A Autora e a Ré assinaram aparentemente um contrato de promoção de jogo a que se refere o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 de Abril de 2002, nos termos do qual foi definido um vínculo sinalagmático em que, da parte da Ré, foi assumido o compromisso de desenvolver a actividade de promoção de jogo a favor da Autora, traduzido na prestação de um conjunto de facilidades com vista a angariar interessados para jogar na referida sala de VIP, e, da parte da Autora, a correlativa obrigação de pagamento de retribuição como contrapartida daquela prestação, contrato esse enquadrável na noção do contrato de prestação de serviço (v., artigo 1080º do CC).
20ª
Sucede que esse contrato vai muito mais longe que isso, estabelecendo um regime de partilha de lucros e perdas entre a Autora e a Ré no que se refere à exploração de jogo na referida sala VIP, ou seja, a Ré partilhava, na prática, com a Autora, tanto nos lucros como nas perdas decorrentes da exploração de jogo naquela sala, numa percentagem de 40.25%, modelo esse que se situa totalmente fora do âmbito das actividades de promoção de jogo.
21ª
Deveria a Autora, e só ela, enquanto concessionária da actividade de jogo de fortuna azar, auferir os lucros como suportar as perdas decorrentes dessa exploração de jogo.
22ª
Através desse sistema de partilha de lucros e perdas, mais não fez a Autora senão transferir ou ceder parcialmente a exploração de jogos de fortuna ou azar, na referida sala, para a sociedade promotora, a ora Ré, tal como foi alegado na contestação e sufragado na sentença recorrida.
23ª
A Ré assumiu assim o risco derivado dessa exploração, suportando inclusivamente perdas na referida proporção de 40.25%, apresentando-se a Ré como parceira da Autora no se refere à exploração de jogo de fortuna e azar na referida sala VIP.
24ª
A propósito, imputa a Autora à Recorrente o incumprimento das suas obrigações contratuais na parte em que esta não assegurou a aquisição, na maior parte dos meses em que durou a relação contratual entre as duas partes, de fichas de jogo “mortas” no valor mínimo mensal de HKD 300,000,000.00.
25ª
Só que, em bom rigor, o que a Autora vem peticionar nos presentes autos é, basicamente, a proporção contratualizada das perdas decorrentes da exploração de jogo daquela sala que, alegadamente, a Ré teria de assumir, mesmo nos meses em que a Ré assegurou a aquisição de fichas “mortas” em valor superior a HKD 300,000,000.00, como aconteceu em Dezembro de 2006 e em Janeiro e Abril de 2007.
26ª
O que nos leva a concluir que o que se discute na presente acção não é qualquer incumprimento contratual por parte da Ré, mas tão somente o regime de ganhos e perdas definido no contrato em questão e a ilegalidade que esse modelo acarreta.
27ª
Acresce que a decisão recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento, ao contrário do que vem alegado pela Autora
28ª
Quanto ao argumento da Autora de que os descontos correspondentes a 40,255 das perdas verificadas na referida sala VIP representam apenas uma das variantes da fórmula de cálculo da retribuição, cumpre dizer que o que aqui realmente se discute é o regime de partilha de lucros e perdas convencionado entre a Autora e a Ré que não pode deixar de ser entendida como um modelo de transferência ou cessão, ainda parcial, da exploração de jogo na referida sala, situação que a lei proíbe expressamente por força do disposto do n.º 9 do artigo 17º da Lei n.º 6/200l.
29ª
Quanto ao alegado princípio da liberdade contratual, não se pode deixar de dizer também que o mesmo principio não pode naturalmente infringir o texto e o espírito da própria lei, designadamente do artigo 7º, n.º 1 da Lei n.º 16/2001 que reserva a actividade de exploração de jogo às sociedades anónimas constituídas na RAEM às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, e, sobretudo, o artigo 17º, n.º 9 da mesma Lei que, como vimos, veda a possibilidade de transferência ou cessão, ainda que parcial, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar, a menos que haja prévia autorização do Governo nesse sentido.
30ª
E quanto ao facto do contrato em questão obedecer alegadamente a um padrão já aceite no sector do jogo e de o mesmo ter sido comunicado à DICJ, isso não implica nem garante de que tal prática esteja em conformidade com a lei, até porque a intervenção administrativa e legislativa assumida pelo Governo de Macau, ao fixar um limite máximo da remuneração ou comissão a receber pelo promotor de jogo no âmbito da actividade de promoção de jogo (vide, art.º 27º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 cuja redacção foi introduzida pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009), não pode deixar de ser interpretada como um manifestação firme contra essa prática no sector do jogo.
31ª
A Lei impede efectivamente que o promotor de jogo suporte as perdas resultantes do exercício da exploração de jogo porquanto, sendo a actividade promotora de jogo remunerada, a contrapartida dessa prestação tem que assumir um resultado positivo ou, pelo menos, nunca pode revestir um resultado negativo.
32ª
Como se pode ler na sentença recorrida, a “comissão negativa” não é, na sua substância, nem comissão nem remuneração, mas sim a assunção real de perdas e prejuízos resultantes do jogo, sendo que essa realidade está manifestamente em desconformidade com a Lei que regula o jogo em Macau.
33ª
Por fim, o tribunal recorrido não violou qualquer preceito normativo, designadamente os artigos 5º, 6º, n.º 3, 430º, n.º 1, 433º e 553º, n.º 2, al. f), todos do CPC.
34ª
A Autora não referiu nos citados artigos da sua Réplica nem em qualquer outro articulado qualquer factualidade que nos leve a concluir da existência de uma autorização prévia por parte do Governo no que concerne à transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar; com efeito, a ora Recorrente limita-se a alegar uma hipotética aprovação por parte da DICJ relativamente ao contrato de promoção em causa, em momento posterior ao da sua outorga, o que, convenhamos, não é a mesma coisa.
35ª
O regime legal da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, de acordo com o resulta da Lei n.º 16/2001, encontra-se estruturado para que todas as relações jurídicas directas tenham como sujeitos únicos as concessionárias e as subconcessionárias da exploração do jogo e o Governo.
36ª
A actividade de jogos de fortuna ou azar só é admitida quando a entidade que a exerce é uma concessionária ou subconcessionária de jogos de fortuna ou azar em casino (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 16/2001).
37ª
Para a Autora existiria uma “autorização prévia” concedida pela DICJ no tocante à transferência ou cessão para a Ré da exploração de jogos de fortuna ou azar na aludida sala VIP, sendo certo que essa matéria, como vimos, nunca foi alegada pela Autora.
38ª
A DICJ, de acordo com a Lei n.º 16/2001 e, bem assim, de acordo com o disposto no Regulamento Administrativo n.º 34/2003, não detém qualquer competência própria ou sequer delegada para autorizar a transferência ou cessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, sendo que essa actividade é condicionada a uma autorização prévia por parte do Governo de Macau, particularmente do Senhor Chefe do Executivo.
39ª
Em suma, a transferência ou cessão para outrem, que não o concessionário, da exploração da actividade de jogos de fortuna ou azar deve ser precedida de autorização do Governo, sem a qual a mesma é nula (cfr. artigo 17º, nº 9 da Lei nº 16/2001).
40ª
Concluindo-se, assim, que não existe qualquer legislação que se refira à pretensa autorização pela DICJ nem tão pouco regulamentos, directivas ou despachos de delegação de competências do Governo da Região nesse sentido.
41ª
Pelo que também improcede nesta parte o recurso interposto pela Autora.
42ª
De qualquer modo, poderá esse douto Tribunal entender eventualmente que se mostra necessário apurar se houve autorização prévia emanada do Governo que permitisse a transferência ou cessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, a favor da Ré, na referida sala VIP.
43ª
E, nesse caso, importaria saber se a matéria vertida no artigo 31º da contestação - “o Governo de Macau em momento algum autorizou a A. a transferir as suas obrigações no que concerne ao pagamento dos prejuízos decorrentes da sua actividade para terceiros, designadamente para a Ré.” -, que não foi incluída na Base Instrutória, não obstante a Ré ter pugnado nesse sentido (vide, reclamação de fls. 277 e ss. apresentada pela Ré), corresponde (ou não) à verdade.
44ª
Como foi dito na referida reclamação, importaria apurar se a factualidade do artigo 31º da contestação é verdadeira e, para tanto, deveria a mesma ser levada à Base Instrutória por forma a esclarecer esta dúvida.
45ª
Termos em que, ampliando o âmbito do presente recurso nos termos permitidos pelo artigo 590º, n.º 1 do CPC, se requer a V. Exas., a título subsidiário, caso V. Exas. entendam absolutamente necessário apurar a questão supra referida com a correlativa repetição de julgamento, que se ordene a inclusão da matéria do artigo 31º da contestação na Base Instrutória, propondo-se a redacção para o respectivo quesito nos termos explicitados na referida reclamação de fls. 277 e ss. dos autos.
Termos em que, face ao acima exposto, deve o recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se assim a decisão recorrida que absolveu a Ré, ora Recorrida dos pedidos.
A título subsidiário, caso V. Exas. entendam absolutamente necessário apurar a questão supra referida com a correlativa repetição de julgamento, requer-se a V. Exas., nos termos permitidos pelo artigo 590º, n.º 1 do CPC, se se ordene a inclusão da matéria do artigo 31º da contestação na Base Instrutória, propondo-se a redacção para o respectivo quesito nos termos explicitados na reclamação de fls. 277 e ss. dos presentes autos que foi apresentada pela Ré, ora Recorrida.
Fazendo-se assim a habitual Justiça!”
*
A ré apresentou recurso subordinado, na sequência do que, tendo sido recebido, formulou as seguintes conclusões alegatórias (fls. 897-927):
“1ª
O presente recurso incide, por um lado, sobre a decisão da matéria de facto perfilhada pelo TJB no que concerne aos quesitos 132º e 133º da base instrutória e, por outro lado, sobre a decisão final que julgou improcedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pela ora Recorrente a coberto das alíneas b) e c).
2ª
Importa reter que o TJB entendeu que o Contrato de Promoção de Jogo celebrado entre a ora Recorrida e a ora Recorrente é nulo, por preterição do disposto no n.º 9 do artigo 17º da Lei n.º 16/2001, e, consequentemente, julgou improcedentes os pedidos deduzidos pela era Recorrida no seu petitório.
3ª
E, em consequência, entendeu ainda o tribunal a quo, em face daquela decisão, de que não poderia a Recorrente exigir à Recorrida qualquer indemnização ao abrigo e no cumprimento daquele contrato, julgando assim, de igual modo, improcedentes os pedidos formulados em sede de reconvenção.
4ª
Particularmente na questão das quantias retidas pela Recorrida, a título de um imposto inexistente, há que precisar que o pedido reconvencional formulado pela ora Recorrente nessa parte não reveste natureza indemnizatória, ao contrário do que transparece na sentença recorrida, pelo que o pedido reconvencional formulado a coberto da alínea c) deveria ter sido apreciado e julgado procedente, sem prejuízo da decisão que, como vimos, julgou, de forma plenamente acertada, nulo o Contrato de Promoção de Jogo acima aludido.
5ª
A ora Recorrente vem, em primeiro lugar, impugnar a decisão de facto que integra a douta sentença decisão recorrida, ao abrigo do artigo 599º do CPC, designadamente a resposta negativa (NÃO PROVADO) que foi dada pelo Tribunal a quo no que respeita à matéria dos quesitos 132º e 133Q da base instrutória.
6ª
Recorde-se que essa matéria quesitada foi retirada dos artigos 82º e 85º da contestação, em sede de reconvenção, e incluída, e bem, na base instrutória como integrante da causa petendi do pedido reconvencional deduzido pela ora Recorrente a coberto da alínea b).
7ª
Reclama assim a ora Recorrente da A o direito a uma indemnização, nos termos e ao abrigo do artigo 29.º, n.º 3 do contrato de promoção de jogo assinado, em 24 de Março de 2006, entre as duas partes, com duração de três anos (24/03/2006 a 23/03/2009), e nos termos gerais da lei civil, indemnização essa que deveria incluir não só o prejuízo decorrente da rescisão abrupta do contrato de promoção de jogo, bem como os danos futuros, a título de lucros cessantes, que o fecho da mesma sala acarretou para a mesma sociedade ao impedi-la de continuar a exercer a sua actividade a partir daquele momento até ao termo do mesmo contrato, nos termos do artigo 558.º do Código Civil (CC).
8ª
Ora, é precisamente na parte dos danos futuros em que se discute a questão da sua previsibilidade e determinabilidade, nos termos do artigo 558º, n.º 2 do CC, que foi alegado que, in casu, o cálculo dos danos futuros, a título de lucros cessantes, seria uma operação simples de fazer porquanto implicaria uma previsão segura sobre os rendimentos que a ora Recorrente iria auferir pelo período (de cerca de onze meses) que ainda restava do referido contrato de promoção de jogo até ao seu termo (i.e., de 25 de Abril de 2008 a 23 de Março de 2009).
9ª
Na perspectiva da Recorrente, as receitas provenientes do jogo aumentaram 9,6% no ano de 2009, ultrapassando o recorde anterior de MOP109,8 mil milhões estabelecido em 2008, de acordo com a Revista Económica e Financeira e com os dados estatísticos oficiais de Macau.
10ª
Em resultado dessa premissa, e segundo critérios de verosimilhança ou probabilidade, a Recorrente obteria no futuro, muito pela certa, durante aquele período de cerca de 11 meses, lucros significativos no exercício da sua actividade, seguindo a tendência de crescimento observada no mercado do jogo em Macau em 2008 e 2009.
11ª
Ora, o Tribunal entendeu, na nossa perspectiva mal, considerar NÃO PROVADOS ambo os quesitos em questão.
12ª
No tocante à resposta do quesito 132º, o Tribunal a quo não valorou minimamente o documento de fls. 345 dos autos que impunham, por si só, sobre esse ponto específico da matéria de facto, decisão diametralmente oposta à que foi adoptada pelo tribunal recorrido.
13ª
A este respeito, estipula o artigo 599º, n.º 1, alínea b) do CPC que cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição de recurso, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre a matéria de facto em causa, decisão diversa da recorrida.
14ª
Pois bem, o documento de fls. 345 dos autos consiste numa declaração oficial emitida pela própria Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), em 19 de Fevereiro de 2 que certifica “que o montante das receitas brutas provenientes do jogo em Macau, no ano de 2008 foi de MOP$109.826.263.261.00 (cento e nove mil oitocentos e vinte e seis milhões, duzentos e sessenta e três mil, duzentas e sessenta e uma patacas) e no ano de 2009 foi de MOP$120.383.058.385.00 (cento e vinte mil trezentos e oitenta e três milhões, cinquenta e mil, trezentos e oitenta e cinco patacas) ”.
15ª
Impunha-se assim que o tribunal tivesse considerado PROVADO toda a matéria constante do quesito 132º, tendo por base o documento da DICJ acima aludido que confirma a matéria do quesito em causa, podendo eventualmente, num quadro de rigor e perfeccionismo, ter esclarecido que se tratam de receitas brutas (antes de imposto).
16ª
De igual modo, impunha-se uma resposta diferente à que foi apurada pelo Tribunal a quo no que concerne ao quesito 133º.
17ª
Com efeito, a sala de jogo em questão apresentou, nos meses de Março e Abril de 2008, rendimentos líquidos (lucros), respectivamente, nos valores de HKD 1,065,000.00 e de HKD 197,000.00, como a Recorrida admite expressamente na sua petição e como resulta dos documentos juntos autos pela DICJ (de fls. 324, 328 e 331) e das respostas aos quesitos 97º e 104º da base instrutória.
18ª
A par disso, as receitas (brutas) do jogo subiram, como vimos, de 2008 para 2009, em cerca de 9.6%, de MOP$109.826.263.261,00 para MOP$120.383.058.385,00.
19ª
Ora, para que os danos futuros sejam reparáveis têm que ser previsíveis com suficiente segurança, podendo assentar em meras probabilidades mas que sejam tão fortes que a verificação dos danos deva ter-se como certa, havendo que dispor nos autos de qualquer elemento para estabelecer a respectiva previsibilidade.
20ª
No caso presente, esses elementos estão consubstanciados nos resultados positivos da sala nos meses de Março e Abril de 2008, com rendimentos líquidos (lucros) na ordem de HKD 1,065,000.00 (2008) e de HKD 197,000.00 (2009), e sobretudo no acréscimo significativo registado nas receitas do jogo em Macau, de 2008 para 2009, o que nos leva à conclusão que a ora Recorrente iria auferir, com toda a probabilidade, lucros em resultado da sua actividade durante aquele período de Abril de 2008 a Março de 2009.
21ª
Socorrendo-nos à chamada presunção judicial (presumptio hominis) prevista no nosso Código (v., artigos 342º e 344º do CC), alicerçada na factualidade dada como assente e na prova recolhida nos presentes autos que foi acima mencionada, impunha-se que o tribunal recorrido procedesse à formulação de deduções lógicas e racionalmente fundamentadas assentes naquela factualidade e, bem assim, naquela prova.
22ª
Seria, pois, lícito ao Tribunal recorrido tirar a conclusão ou ilação lógica e fazer a sua interpretação e esclarecimento, apoiando-se naquela matéria assente e naquela prova, ilação essa que, constituindo matéria de facto, nos levaria inevitavelmente à premissa de que a Recorrente iria auferir, presumivelmente e com segurança bastante, lucros durante aquele período de Abril de 2008 a Março de 2009, caso mantivesse a sua actividade de promoção de jogo.
23ª
A chamada prova por presunções (judiciais) permitida pelo artigo 342º e segs. do CC - “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para fi facto desconhecido” (artº 342º do CC) - teria, também aqui, importante relevo no juízo valorativo de considerar provada a matéria do quesito 133º no sentido de que a ora Recorrente sofreu um dano, a título de perda de lucros cessantes, por virtude da conduta da Recorrida.
24ª
Poder-se-á questionar, quanto muito, que a Recorrente, muito embora tenha feita prova desses danos, não conseguiu quantificar esses mesmos danos.
25ª
Ora, estipula o artigo 564º, n.º 2 do CPC: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
26ª
A aplicação desta norma, para o que aqui interessa, depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores de prejuízos, mas tem como pressuposto de aplicação a prova de existência de danos.
27ª
A ora Recorrente deduziu um pedido reconvencional de conteúdo concreto, a título de perda de ganhos (perda de lucros cessantes) mas que não logrou fixar, com precisão a extensão desses prejuízos, podendo fazê-lo em sede de liquidação em execução de sentença.
28ª
Daí que, por mais elementar razão de justiça e de equidade, deveria o tribunal a quo ter dada como provado a existência de danos daquela natureza, embora em montante não apurado.
29ª
Termos em que deve o presente recurso nesta parte ser considerado como procedente, revogando-se a decisão de facto perfilhada pelo Tribunal recorrido que recaiu sobre os quesito 132º e 133º, devendo assim estes quesitos ser considerados PROVADOS nos termos acima requeridos.
30ª
Ficou cabalmente provado nestes autos que foi precisamente a Recorrida que incumpriu unilateralmente o contrato de promoção de jogo em causa que fora assinado por ambas as partes, de forma totalmente ilegítima e ilegal, sem apresentar qualquer fundamento ou justificação para o efeito, em absoluta violação do que ficara contratualmente acordado.
31ª
Cumpre referir que o contrato de promoção de jogo celebrado pela ora Recorrida e a ora Recorrente tinha a duração de 3 anos contados da data da respectiva assinatura, com inicio em 24 de Março de 2006 e termo a 23 de Março de 2009 (cfr. resposta ao quesito 125º).
32ª
Sendo que o contrato poderia ser resolvido com base nos factos elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do mesmo contrato (vide, redacção daquele artigo a coberto da resposta aos quesitos 126º e 127º).
33ª
Provado ficou que a Recorrida enviou, no dia 11 de Janeiro de 2008, uma carta à ora Recorrente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. resposta aos quesitos 128º e 138º), na qual declarava que, a partir do dia 20 de Janeiro daquele ano, iria deixar de destacar funcionários para a sala HJ120 e que aquela sala deveria ser-lhe devolvida até final (31/01/2008), sem que assistisse à primeira, na perspectiva da segunda, qualquer razão ou fundamento para a tomada daquela decisão.
34ª
Tendo a Recorrida, no dia 25 de Abril de 2008, retirado da sala HJ120 todos os seus funcionários de casino e, bem assim, as mesas de jogo, cadeiras e todos os móveis e ainda todas as fichas de jogo (cfr. resposta ao quesito 129º), provocando, desse modo, o encerramento abrupto daquela sala.
35ª
Impedindo desse modo que a Recorrente continuasse a exercer a sua actividade de promoção de jogo, na mesma sala, a partir dessa data (cfr. resposta ao quesito 130º).
36ª
Acresce que, tal como se requereu anteriormente, deverá ainda ser dado como provado que “As receitas brutas provenientes do jogo aumentaram para 9.6% no ano de 2009, ultrapassando o recorde anterior de MOP 109.8 mil milhões estabelecido em 2008”, no que concerne ao quesito 132º, e que “A Ré iria auferir, por mês, de 25 de Abril de 2008 a 23 de Março de 2009, lucros mensais em montante específico não apurado”, no que concerne ao quesito 133º.
37ª
Aqui chegados, cumpre sublinhar, de novo, que a sala em questão apresentou, nos meses de Março e Abril de 2008, rendimentos líquidos (lucros), como provado ficou nos presentes autos (cfr. resposta aos quesitos 97º e 104º), o que torna ainda mais difícil de entender a decisão tomada pela Recorrida de encerrar a referida sala no dia 25 de Abril daquele ano.
38ª
Tem assim a Recorrente direito a uma indemnização, nos termos do artigo 29.º, n.º 3, do referido contrato e nos termos da lei civil.
39ª
Essa indemnização deverá incluir os danos futuros, a título de lucros cessantes, que fecho da mesma sala acarretou para a ora Recorrente (artigo 558.º do Código Civil).
40ª
Na verdade, o encerramento da sobredita sala de jogo - sala C (sala HJ120) do casino sito no Hotel D, em Macau - levou a que a Recorrente tivesse de cessar repentinamente a sua actividade de promoção de jogo, sendo de recordar que essa actividade era dirigida exclusivamente a captar interessados a jogar na referida sala (vide, neste sentido, artigo 6º da p.i.).
41ª
Pois bem, é condição liminar para a atendibilidade dos danos futuros a respectiva previsibilidade e, desde logo, a sua determinabilidade, nos termos do artigo 558º, n.º 2, do CC.
42ª
A previsibilidade de que fala a lei supõe uma certeza futura, considerando o decurso normal das coisas, ou seja, seguindo a lição de Vaz Serra (RLJ, 113.º-326; Sent. 26-7-1979:CJ, 1982, 5.º-287), para que o tribunal possa atender a danos futuros, é necessário que eles sejam previsíveis com segurança bastante.
43ª
Assim, os danos futuros só serão susceptíveis de consideração se for notório que eles hão-de forçosamente verificar-se; no mínimo, que hão-de verificar-se segundo toda a probabilidade.
44ª
Por outras palavras, para que os danos futuros sejam reparáveis têm que ser previsíveis com suficiente segurança, podendo assentar em meras probabilidades mas que sejam tão fortes que a verificação dos danos deva ter-se como certa, havendo que dispor nos autos de qualquer elemento para estabelecer a respectiva previsibilidade.
45ª
No caso presente, o cálculo dos danos futuros, a título de lucros cessantes, consiste, como se viu, uma operação simples de fazer porquanto implica uma previsão segura sobre os rendimentos que a ora Recorrente iria auferir pelo período de onze meses que ainda restava do contrato de promoção de jogo ora em análise.
46ª
Como se viu, as receitas provenientes do jogo aumentaram 9,6% no ano de 2009, ultrapassando o recorde anterior de MOP109,8 mil milhões estabelecido em 2008.
47ª
Portanto, segundo critérios de verosimilhança ou probabilidade, atento o curso normal das coisas (vide, no mesmo sentido, RTJ, 10-2-1998: CJ/STJ, 1998, l.º-65), a Recorrente obteria no futuro, muito pela certa, lucros significativos no exercício da sua actividade de promoção, seguindo a tendência de crescimento observada no mercado de jogo em Macau em 2008 e 2009, sendo prova disso os rendimentos líquidos que a referida sala registou nos meses de Março e Abril de 2008.
48ª
Ou seja, estão em causa lucros que se revelam previsíveis com segurança bastante (v. artigos 488º, n.º 3, e 558º, n.º 2, do CCM) que a ora Recorrente deixou de auferir durante o período do contrato que faltava cumprir aquando da rescisão unilateral ilícita promovida pela Recorrida.
49ª
Grau de certeza ou de probabilidade que nos garante que a ora Recorrente iria auferir, por mês, de 25 de Abril de 2008 a 23 de Março de 2009, lucros mensais significativos, segundo critérios de verosimilhança e de equidade estabelecidos na lei, embora em valor que ficou por apurar e que só será liquidado em sede de execução de sentença.
50ª
Estamos aqui perante a figura da violação do interesse contratual positivo.
51ª
A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido.
52ª
Temos assim que a cessação ilícita e abrupta do contrato de promoção traduzida no fecho da sala inviabilizou, na prática, a Recorrente de ter a remuneração que teria, caso tivesse tido a possibilidade de continuar a sua actividade de promoção de jogo que, como resulta dos autos, se destinava, a título exclusivo, aos jogadores dessa sala de jogo.
53ª
Estes lucros cessantes designam-se frequentemente por “custos de oportunidade” os quais se traduzem nos custos relativos à melhor utilização alternativa dos recursos (a conclusão de um outro negócio, o tempo e o dinheiro desperdiçados, etc.) ocupados pelo lesado.
54ª
O direito a indemnização por incumprimento definitivo do contrato de promoção dos autos por parte da Recorrida integra assim a indemnização por lucros cessantes, i.e. o valor correspondente ao que a Recorrente deixou de receber por força da conduta - ilícita - da Recorrida.
55ª
Temos assim que a decisão recorrida deve ser revogada, devendo a Recorrida ser condenada no pagamento de HKD7,150,OOO.00, equivalente a MOP$7,364,500.00, a título de lucros cessantes, a favor da ora Recorrente.
56ª
Ficou ainda assente nos presentes autos que a Recorrida deduziu nos montantes a pagar à ora Recorrente um total de HKD273,069.00, a título de “imposto”, por conta da aquisição das fichas especiais de jogo, desde Dezembro de 2006 a Abril de 2008 (cfr. resposta ao quesito 134.º).
57ª
No entanto, não existe qualquer base legal (e muito menos contratual) para a cobrança daquele “imposto” tendo, por isso, essas verbas sido indevidamente descontadas nas comissões devidas à ora Recorrente, tal como foi sublinhado na contestação (v., artigos 86º, 87º e 88º) e na própria tréplica (v., artigos 35º a 41º).
58ª
Sendo a dedução daqueles montantes totalmente ilegal.
59ª
Nesta matéria imperam, como se sabe, os Princípios da Tipicidade e da Legalidade em Direito Fiscal, que a alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009 e, bem assim, a alínea 3) do artigo 71º da Lei Básica da RAEM protegem.
60ª
De acordo com os referidos princípios de Direito Fiscal, os impostos só podem ser criados por Lei e só podem ser cobrados quando uma norma específica os preveja por via da incidência que será aplicável a um determinado facto tributário.
61ª
Com efeito, o Direito Fiscal impõe ao seu aplicador e intérprete a conformação com princípios básicos de protecção dos particulares, que encontram especial sedimentação nos referidos Princípios da Legalidade Tributária, especialmente na vertente em que este absorve o da Tipicidade Tributária.
62ª
Ora, o “imposto” cobrado pela A junto da ora Recorrente, por conta da aquisição das fichas especiais de jogo, não encontra, no ordenamento jurídico da RAEM, qualquer previsão, o que significa que é ilegal a pretensa tributação.
63ª
Mais acresce que o legislador da Região estabeleceu, na alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009, um critério de reserva de lei formal quando esteja em causa o regime tributário, norma que constitui o garante absoluto da segurança jurídica e de certeza no Direito que enforma toda a fiscalidade, possibilitando assim aos particulares conhecer e computar os seus encargos tributários com base directa e exclusivamente na lei.
64ª
O Princípio da Tipicidade implica que se considere quais as situações jurídicas tributáveis, seleccionando-se quais as manifestações de riqueza que num regime de numerus clausus poderão determinar a obrigação tributária.
65ª
No caso, e como se referiu, inexiste qualquer tipo de imposto que sujeite a tributação a aquisição das fichas especiais de jogo.
66ª
Nesta sequência, não sendo devido qualquer imposto sobre aquelas aquisições, a sua cobrança pela A é manifestamente ilegal, concluindo-se que as verbas em causa foram indevidamente descontadas nas comissões devidas à ora Recorrente.
67ª
Temos assim que a decisão recorrida deve ser revogada, devendo a Recorrida ser condenada a proceder à devolução/entrega a favor da ora Recorrente do montante de HKD273,069.00, equivalente a MOP$281,261.07, a título de montantes indevidamente deduzidos nas comissões recebidas pela Recorrente.
Pelo que, nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado procedente, devendo a decisão de facto e a sentença proferidas pelo Tribunal a quo serem revogadas e, em consequência:
a) Devem os quesitos 132º e 133º ser considerados provados nos termos acima explicitados;
b) Deve a Recorrida ser condenada no pagamento de HKD7,150,000.00, equivalente a MOP$7,364,500.00, a título de lucros cessantes, a favor da ora Recorrente; e, por fim,
c) Deve a Recorrida ser condenada a proceder à devolução ou entrega a favor da ora Recorrente do montante de HKD273,069.00, equivalente a MOP$281,261.07, a título de montantes indevidamente deduzidos nas comissões recebidas pela Recorrente.
Fazendo-se assim a habitual Justiça! ”
*
A autora da acção respondeu ao recurso subordinado nos seguintes termos conclusivos (fls. 1004-1018):
“I. O quesito 132º não contém em si qualquer facto concreto que seja relevante para a decisão da causa, mostrando-se até bastante conclusivo;
II. O documento de fls. 345 onde se suporta a Recorrente mais não é do que uma informação da DICJ a certificar dois dados, quais sejam, o montante das receitas do jogo em Macau em 2008 e o montante das receitas do jogo em Macau em 2009;
III. O informação da DICJ de fls. 345 não tem a virtualidade de dar resposta positiva ao quesito 132º da base instrutória i) porque a informação diz respeito à generalidade das receitas brutas provenientes do jogo em Macau, e não ao lucro obtido por cada uma das concessionárias; ii) porque não especifica por exemplo quanto foram as receitas de cada uma das concessionárias, e de onde a mesma provém, isto é, se do jogo de massa, se das slot machines, se das Salas VIP, etc.; iii) porque o documento em causa diz respeito aos lucros do jogo em Macau tendo por base os resultados de todas as concessionárias de jogo, ou seja, em momento algum se refere tal informação à receitas dos promotores de jogo (vulgo Junkets), como é o caso concreto Recorrente;
IV. Não há necessariamente uma relação intrínseca entre o aumento das receitas do jogo com o aumento das receitas dos promotores de jogo;
V. Do documento de fls. 345 não resulta a queda vertiginosa que se verificou no sector do jogo VIP e que atingiu directamente e de forma relevante a actividade dos promotores de jogo, como foi o caso da ora Recorrente;
VI. A Recorrente insiste numa resposta positiva ao quesito 133º da base instrutória quando ali se trata de um facto meramente especulativo e conclusivo;
VII. A Recorrente não poderá assentar o factor de previsibilidade de um lucro cessante futuro de quase 1 ano com base nos lucros da sala VIP da qual era promotora referente a dois meses, Março e Abril de 2008;
VIII. O lucro da referida Sala VIP não é seu, é da concessionária de jogo, ora Recorrida, e nessa medida, o mesmo em momento algum poderá reflectir o lucro da sua actividade;
IX. Quanto ao lucro da sua actividade, este não é conhecido porque a Recorrente nunca o alegou, como lhe competia;
X. Cabia à Recorrente alegar e provar, nomeadamente:
i) as receitas obtidas na sua actividade de promoção de jogo durante certo período (razoavelmente um período bem mais longo do que apenas dois meses);
ii) os custos operacionais decorrentes da sua actividade, como sejam, o numero de trabalhadores, os montantes dos salários mensais, outros custos com combustíveis, equipamentos, despesas de transporte e alojamento dos seus clientes, etc., e nenhum destes factos foi alegado e muito menos provado em sede de audiência de julgamento;
XI. Se a Recorrente não logrou provar o seu próprio lucro obtido enquanto esteve em actividade, também não poderia lograr provar a previsibilidade de um lucro futuro;
XII. A Recorrente faz uma interpretação errada e até abusiva dos critérios de previsibilidade dos lucros cessantes e das regras das presunções judiciais, olvidando o dever e ónus que lhe incumbe de alegar e provar os factos que pudessem comprovar o direito a qualquer lucro cessante;
XIII. Se há sector em Macau que sofreu um forte e inesperado abalo foi o sector do jogo, com importantes quedas nas receitas, predominantemente motivadas pela vertiginosa queda do mercado das salas VIP, pelo que só esse facto afasta qualquer certeza futura que pudesse existir relativamente às receitas ou lucros futuros;
XIV. A sindicância feita pelo Tribunal de Primeira Instancia só em casos muito restrito poderá ser posta em causa;
XV. E o certo é que a Recorrente não logrou nas suas alegações demonstrar o erro grosseiro na resposta aos quesitos em questão pelo que não deve nessa matéria ser alterada a decisão do tribunal a quo;
XVI. Ficou provado nos autos que foi a Recorrente quem cessou a actividade de promoção da sala de jogo -. Resposta ao quesito l02Q da base instrutória, sendo este facto é inequívoco e muito claro quanto ao incumprimento do contrato;
XVII. A Recorrente não cumpriu as suas obrigações contratuais, nomeadamente a compra de fichas de jogo contratualmente acordado, situação que perdurou por mais de 10 meses;
XVIII. Mais resulta até à presente data a dívida à Recorrida, não obstante as várias interpelações para pagamento;
XIX. Quanto à dedução do imposto, a Recorrente litiga de forma abusiva e contrária às obrigações por si, livre e esclarecidamente assumidas aquando da celebração do contrato de promoção de jogo com a ora Recorrida, e também de uma forma contraditória com o comportamento que ao longo da execução do contrato assumiu perante a Recorrida;
XX. Nos termos do contrato de promoção de jogo sub judice a Recorrente autorizou Recorrida a descontar nas referidas remunerações cujo pagamento lhe seja devido, de acordo com as obrigações contratuais, os impostos legalmente estabelecidos.
XXI. E ao longo da execução do contrato, o referido imposto relativo à aquisição de fichas sempre foi, mês após mês, de acordo com o estabelecido contratualmente, descontado nas retribuições da Recorrente;
XXII. O imposto sobre as comissões pagas a promotores de jogo é devido ao abrigo do art. 29º da Lei 16/2001 de 19 de Setembro, do Memorando de Entendimento de 13/08/2004 e do regulamento administrativo nº 23/2005 de 09 de Dezembro;
XXIII. E portanto, é completamente falsa a argumentação aduzida pela Recorrente de que o imposto que lhe foi mensalmente deduzido nos termos do contrato não tem base legal;
XXIV. A Recorrente carece em absoluto de razão, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso subordinado.
Nestes termos, e nos mais em Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso subordinado, fazendo V. Exas. dessa forma inteira e sã Justiça!”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“ Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma sociedade anónima que se dedica à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casinos. (alínea A) dos factos assentes)
- A Autora é concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos, nos termos do Despacho publicado no Suplemento da Série II do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, de 3 de Abril de 2002, e da alteração publicada na Série II do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 18, de 04/05/2005. (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré é uma sociedade registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º 2XXX3(SO) que se dedica à actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino. (alínea C) dos factos assentes)
- A Ré exerceu a referida actividade enquanto titular da licença n.º EXX1 emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos. (alínea D) dos factos assentes)
- Em 24 de Março de 2006 a Autora celebrou com a referida sociedade um Contrato de Promoção de Jogos de Fortuna ou Azar em Casino para a Sala C (HJ120), no Casino D, conforme documento que se junta sob a designação de doc. 3 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos, e que adiante se passará a referir como Contrato de Promoção de Jogos. (alínea E) dos factos assentes)
- Nos termos da cláusula 58 do contrato, com excepção das despesas primeiras obras de benfeitorias e das facilidades básicas, a Ré ficou responsável, entre outras, pelas despesas de manutenção e conservação do interior da sala do casino, incluindo mas não se limitando às despesas de telefone. (alínea F) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- No âmbito do referido Contrato de Promoção de Jogos, a Ré comprometeu-se a tomar todas as diligências necessárias à promoção do mercado, entre as quais, o aprovisionamento de transporte, alimentação, alojamento e entretenimento, com vista a captar os interessados para jogarem. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- A Ré obrigou-se contratualmente a adquirir mensalmente à Autora, para os jogadores por si angariados, fichas de jogo especiais, destinadas a serem exclusivamente utilizadas na sala C (HJ120), no montante mínimo mensal fixado em 300 milhões de dólares de Hong Kong, a que correspondem 309 milhões de patacas. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Nos termos da cláusula 16ª do contrato, a Autora obrigou-se a pagar mensalmente à Ré uma retribuição que é composta por comissões e subsídios, sendo a descrição detalhada e fórmula de cálculo da retribuição mencionados nos Planos A e B que constituem o anexo do contrato. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Ainda nos termos da referida cláusula 16ª, essa retribuição abrange, nos termos do contrato, o subsídio que a Autora concedeu à Ré, competindo à Autora elaborar e definir, de tempo a tempo, o regulamento e termos de aproveitamento do referido subsídio. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Mais ficou estipulado nessa referida cláusula que a Autora tem o direito de deduzir da retribuição da Ré o montante que esta lhe deva, incluindo mas não se limitando aos montantes de créditos a curto prazo e possíveis deduções de acordo com o plano A e B mencionados supra. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- A retribuição acordada era paga pela Autora à Ré até ao dia 10 do mês seguinte a que mesma diz respeito, os termos da cláusula 17ª do contrato. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Nos termos da cláusula 19ª do contrato, a Ré autorizou a Autora a descontar os impostos legalmente estabelecidos nas remunerações cujo pagamento lhe fosse devido. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- O cálculo da retribuição, nos termos do contrato outorgado entre Autora e Ré, era escolhido pela Ré de entre um de dois esquemas de pagamento que se encontram descritos no anexo ao contrato. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Tendo a Ré optado pela Plano B. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- E segundo o qual o valor de retribuição correspondia a 40,25% do valor dos rendimentos obtidos na sala de jogo por si promovida. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Caso fosse verificado um prejuízo no exercício mensal da referida sala de jogo, 40,25% desse prejuízo seria descontado no valor da remuneração a que no mês seguinte a Ré teria direito -. Comissão Negativa. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- As partes acordaram que o valor de tais Comissões Negativas poderia ser reduzido nas remunerações do meses seguintes em vez de descontado de uma só vez. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- O que foi feito durante a execução do contrato. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Da remuneração da Ré faziam ainda parte os seguintes subsídios:
a) Subsídio para Refeições correspondente a 0,075% do valor das fichas especiais compradas pelo promotor em representação dos seus clientes. Essa provisão não era dada em numerário, devendo, ao invés, ser utilizada em estabelecimentos alimentares para o efeito designados.
b) Subsídio de Alojamento e Transporte correspondente a 0,075% do valor das fichas especiais compradas pelo promotor em representação dos seus clientes. Essa provisão não era dada em numerário, devendo, ao invés ser realizada por meio de bilhetes de oferta de jetfoil e vouchers de alojamento em quatros de hotel designados. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Durante o período de vigência do contrato, Autora e Ré mantiveram uma conta corrente reflectindo na mesma a fórmula de cálculo acordada. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Conforme resulta do documento n.o4, tal conta corrente apresenta um saldo negativo em desfavor da Ré no montante de HK$6.964.870,00 (seis milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e setenta dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- A título de Comissões Negativas e Impostos legal, - a Ré falta pagar à Autora o valor global de HK$7.026.443,00 (sete milhões, vinte e seis mil, quatrocentos e quarenta e três dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- A título de despesas de Hotel e Transporte incorridas pela Ré que ultrapassaram o valor de 0,075% estipulado no contrato, a Ré falta pagar à Autora o valor de HK$17.281,00 (dezassete mil, duzentos e oitenta e um dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Finalmente, a título de despesas com telefones, a Ré falta pagar à Autora o valor de HK$249,00 (duzentos e quarenta e nove dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Este valor está sujeito a uma compensação do valor de HK$79.103,00, correspondente ao valor da Comissão a que a Ré teria direito por conta dos resultados do mês de Abril de 2008. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- No mês de Dezembro de 2006, a Ré promoveu a aquisição de fichas especiais de jogo no valor de HK$345.500.000,00. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- Por conta da aquisição dessas fichas, a ora Autora suportou o pagamento de um imposto no valor de HK$41.460,00, correspondente à aplicação da taxa de imposto de 0,012%. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- Nesse mesmo mês, a sala de jogo promovida pela Ré apresentou um prejuízo no valor de HK$3.403.000,00. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- No final do mês de Dezembro de 2006, a Ré ficou com um saldo negativo perante a Autora no valor de HK$1.411.168,00. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Em Janeiro de 2007, a Ré promoveu a aquisição de fichas especiais de jogo no valor de HK$354.500.000,00. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Por conta da aquisição dessas fichas, a ora Autora suportou o pagamento de um imposto no valor de HK$42.540,00, correspondente à aplicação da taxa de imposto de 0,012%. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- E a sala de jogo promovida pela Ré apresentou um prejuízo no valor de HK$3.290.000,00. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- No final do mês de Janeiro de 2007, a Ré ficou com um saldo negativo perante a Autora no valor de HK$1.366.765,00. (resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- A acrescer ao saldo negativo do mês anterior, perfazia uma dívida total valor de HK$2.777.933,00. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- Já no mês de Fevereiro de 2007, a sala de jogo promovida pela Ré apresentou um ganho no valor HK$12.220.000,00. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- Atento saldo negativo que apresentara nos meses anteriores, a Autora ao abrigo do contratualmente estipulado, descontou no valor de tal comissão o montante de HK$84.000,00 respeitante ao valor do Imposto avançado pela Autora nos meses de Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- Como não recebesse qualquer Comissão nos dois meses anteriores, a Ré e a Autora acordaram que o montante relativo às Comissões Negativas transitado seria descontado gradualmente das Comissões subsequentes a que a Ré teria direito. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- A Autora acedeu em descontar nas Comissões dos meses subsequentes o montante de HK$805.000,00, até que se encontrasse integralmente satisfeita a quantia em dívida. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- Acabando assim a Ré por receber naquele mês de Fevereiro de 2007 uma Comissão no valor de HK$4.001.626,00. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- No mês de Março de 2007, a Ré promoveu a aquisição de fichas de jogo no valor de HK$257.000.000,00. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
- Relativamente ao qual a Autora pagou a título de imposto o valor de HK$30.840,00. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- A sala de jogo apresentado um ganho de HK$5.629.000,00. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- A que corresponderia uma Comissão a favor da Ré no valor de HK$2.265.673,00. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- Após ter sido deduzido da Comissão o valor do imposto nesse mesmo mês suportado pela Autora. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Bem como o valor HK$805.000,00 relativo ao valor das Comissões Negativas de Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007, conforme anteriormente acordado entre as partes. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- A Ré recebeu a título de Comissão nesse mês de Março de 2007 o valor de HK$1.429.833,00. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- No mês de Abril de 2007, a Ré promoveu a aquisição de HK$312.000.000,00 de fichas. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- A Autora suportou o pagamento do imposto, entretanto reduzido para a taxá de 0,01 %, no montante de HK$31.200,00. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- E a sala de jogo apresentou uma perda de HK$13.180.000,00. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- Em consequência, a Ré deveria ter pago à Autora, a título de Comissão Negativo o valor de HK$5.304.950,00 e a título de imposto HK$31.200,00. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Valor este que se soma ao valor das Comissões Negativas de Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007 que ainda se encontrava por liquidar, no montante de HK$1.083.933,00. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- No mês de Maio de 2007, tendo promovido a aquisição de HK$135.500.000,00, e tendo apresentado a sala de jogo um ganho no valor de HK$3.910.000,00. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- A Ré, após a dedução do valor de HK$13.550,00 suportado pela Autora a título de imposto, teria direito a receber uma Comissão no valor de HK$1.560.225,00. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- Uma vez que se encontrava ainda por liquidar o valor do imposto suportado pela Autora no mês anterior, a essa Comissão foi deduzido o montante de HK$31.200,00. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- Tendo a Ré recebido apenas o valor de HK$1.529.025,00. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- Face aos sucessivos resultados negativos, a Autora concordou em não proceder ao qualquer outro desconta na Comissão que a Ré recebeu neste mês de Maio de 2007. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Em Junho de 2007, a Ré promoveu a aquisição de fichas no valor de HK$130.100.000,00. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Tendo a Autora suportado o imposto no valor de HK$13.010,00. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Nesse mês a sala promovida pela Ré apresentou um resultado positivo de HK$5.014.000,00. (resposta ao quesito 55º da base instrutória)
- Ao valor da comissão referido no artigo anterior, retomando o anteriormente acordado, foi deduzido não só o valor relativo ao imposto suportado pela Autora nesse mês, mas também o montante de HK$805.000,00, relativo aos valores das comissões negativas em atraso. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
- No mês de Junho de 2007, a Ré recebeu uma Comissão no valor de HK$1.200.125,00. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- Em Julho de 2007, o volume de fichas adquiridas na sala de jogo C era no valor de HK$161.400,00, a sala teve um resultado negativo de HK$470.000,00. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- O valor suportado naquele mês a título de imposto, ou seja, HK$16.140,00, na Comissão a que a Ré teria direito no mês seguinte. (resposta ao quesito 60º da base instrutória)
- No final do mês de Julho a dívida da Ré para com a Autora ascendia a HK$S.789.173,00, correspondente HK$16.140,00 a imposto adiantado e o restante a Comissões Negativas acumuladas desde Dezembro de 2006. (resposta ao quesito 61º da base instrutória)
- Em Agosto de 2007, a Ré promoveu a aquisição de fichas no valor de HK$188.700.000,00. (resposta ao quesito 62º da base instrutória)
- Tendo a: Autora suportado um imposto no valor de HK$18.870, (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
- Nesse mês a sala de jogo apresentou um resultado positivo no valor de HK$8.840.000,00. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
- Após lhe ter sido deduzido o valor de imposto em divida no mês anterior e naquele mesmo mês, nos valores respectivos de HK$16.140,00 e HK$18.870,00. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)
- E ainda os anteriores acordados HK$805.000,00 relativo às comissões negativas em atraso. (resposta ao quesito 66º da base instrutória)
- A Ré recebeu uma comissão no valor de HK$2.718.090,00. (resposta ao quesito 67º da base instrutória)
- Em Setembro de 2007, mediante fichas adquirida no valor de HK$99.700.000,00. (resposta ao quesito 68º da base instrutória)
- A sala de jogo apresentou um resultado positivo de HK$2.837.000, (resposta ao quesito 69º da base instrutória)
- Comissão essa a que foi deduzido o valor do imposto nesse mês suportado pela Autora, no montante de HK$9.970,00. (resposta ao quesito 70º da base instrutória)
- E também o valor de HK$402.500,00, relativo a comissões negativas atraso. (resposta ao quesito 71º da base instrutória)
- No final desse mês a Ré recebeu da Autora o valor de HK$729.000,00. (resposta ao quesito 72º da base instrutória)
- A redução do valor a deduzir por conta das comissões negativas em atraso de HK$805.000,00 para HK$402.500,00, obteve o acordo das partes. (resposta ao quesito 73º da base instrutória)
- E resultou de um pedido da Ré tendo em conta os repetidos resultados negativos que nos últimos meses vinha enfrentando. (resposta ao quesito 74º da base instrutória)
- Face à repercussão que tais resultados negativos vinham representando para a actividade da Ré. (resposta ao quesito 75º da base instrutória)
- E cooperando para que a Ré lograsse recuperar de forma sólida a sua actividade. (resposta ao quesito 76º da base instrutória)
- A Autora acedeu em suspender, por um prazo razoável, as deduções que vinha fazendo nas Comissões da Ré. (resposta ao quesito 77º da base instrutória)
- Não obstante no mês de Outubro de 2007, a sala de jogo promovida pela Ré ter logrado alcançar um ganho de HK$5.129.000,00, e consequentemente, a Ré ter recebido uma Comissão no valor de HK$2.057.068. (resposta ao quesito 78º da base instrutória)
- Em Novembro de 2007, com ficha adquiridas no montante de apenas HK$19.800.000,00. (resposta ao quesito 80º da base instrutória)
- A sala de jogo promovida pela Ré ainda apresentou um ganho de HK$1.310.000,00, tendo consequentemente a Ré recebido uma Comissão de HK$525.295,00. (resposta ao quesito 81º da base instrutória)
- Em Dezembro de 2007, face ao um volume de fichas adquirido no valor de HK$60.900.000,00. (resposta ao quesito 82º da base instrutória)
- A sala de jogo apresentou perdas no montante de HK$2.374.000,00. (resposta ao quesito 83º da base instrutória)
- A Ré deveria ter entregue à Autora, a título de Comissão Negativa, o valor de HK$955.535,00 e de imposto suportado, o valor de HK$6.090,00. (resposta ao quesito 84º da base instrutória)
- O que não sucedeu. (resposta ao quesito 85º da base instrutória)
- Em Janeiro de 2008, a Ré promoveu a aquisição de fichas no valor de HK$79.400.000,00. (resposta ao quesito 87º da base instrutória)
- Tendo a Autora suportado um imposto no valor de HK$7.940,00 relativo a essa aquisição. (resposta ao quesito 88º da base instrutória)
- À sala de jogo, nesse mês, apresentou uma perda de HK$2.l80.000,00. (resposta ao quesito 89º da base instrutória)
- Para além do imposto adiantado pela Autora nesse mês, a Ré deveria ter entregue, a título de comissão negativa, o montante de HK$877.450,00. (resposta ao quesito 90º da base instrutória)
- Em Fevereiro de 2008, face a um volume de ficha adquirido no valor de HK$33.800.000,00. (resposta ao quesito 91º da base instrutória)
- A sala de jogo apresentou um resultado negativo no montante de HK$1.560.000,00. (resposta ao quesito 92º da base instrutória)
- Assim, para além do imposto nesse mês suportado pela Autora, no montante de HK$3.380,00. (resposta ao quesito 93º da base instrutória)
- A Ré deveria ter entregue à Autora a título de Comissão Negativas o valo de HK$627.900,00. (resposta ao quesito 94º da base instrutória)
- Já em Março de 2008, a Ré promoveu a aquisição de fichas no valor HK$6.300.000,00. (resposta ao quesito 95º da base instrutória)
- Tendo a Autora suportado o pagamento do imposto no montante HKD$630.00. (resposta ao quesito 96º da base instrutória)
- Nesse mês a: sala de jogo “apresentou um ganho no montante HK$1.063.000,00. (resposta ao quesito 97º da base instrutória)
- Tendo a Ré o direito a receber uma Comissão no montante de HK$427.858,00. (resposta ao quesito 98º da base instrutória)
- Ao valor desta comissão foram deduzidos os valores do impostos avançados pela Autora nos meses de Dezembro de 2007 (HK$6.090,00) e Janeiro e Fevereiro de 2008 (HK$7.940,00 e HK$3.380,00, respectivamente). (resposta ao quesito 99º da base instrutória)
- E também o valor do imposto desse mesmo mês de Março. (resposta ao quesito 100º da base instrutória)
- Por conta dos resultados obtidos em Março de 2008, a Ré recebeu da Autora uma comissão no valor de HK$409.818,00. (resposta ao quesito 101º da base instrutória)
- Sucede que, em 25 de Abril de 2008 a Ré cessou a actividade de promoção da sala de jogo ora em apreço. (resposta ao quesito 102º da base instrutória)
- Nesse mês de Abril de 2008, face a uma volume de ficha adquirido no valor de HK$1.900.000,00. (resposta ao quesito 103º da base instrutória)
- A sala de jogo apresentou um resultado positivo no montante de HK$197.000,00. (resposta ao quesito 104º da base instrutória)
- A Autora deveria ter entregue à Ré a título de Comissão o valor de HKD$79,103.00, já após a dedução do valor do imposto suportado pela Autora nesse mês. (resposta ao quesito 105º da base instrutória)
- Comissão essa que não lhe chegou a ser paga pela ora Autora. (resposta ao quesito 106º da base instrutória)
- A data da cessão da actividade da Ré, esta tinha para como a Autora uma dívida a título de Comissões Negativas no valor global de HK$7.026.443,00 (sete milhões, vinte e seis mil e quatrocentas e quarenta e três dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 107º da base instrutória)
- Valor esse que não pode ser assim recuperado pela ora Autora. (resposta ao quesito 108º da base instrutória)
- Já a título de despesas relativas a bilhetes de viagem e quartos de Hotel, a Ré falta pagar à Autora o montante de HK$17.281,00. (resposta ao quesito 109º da base instrutória)
- Tendo promovido a aquisição em Março de 2008 de fichas especiais no valor de HK$6.300.000,00. (resposta ao quesito 110º da base instrutória)
- A Ré pode gastar nesse mês, a título de subsídio de transporte e alojamento, o valor de HK$4.725,00. (resposta ao quesito 111º da base instrutória)
- Nesse mês de Março de 2008 a título despesas de transporte e alojamento a Ré gastou HK$18.061,00. (resposta ao quesito 112º da base instrutória)
- Pelo que, ultrapassou em HK$13.336,00 o valor contratualmente estabelecido a título de tal subsídio. (resposta ao quesito 113º da base instrutória)
- Em Abril de 2008 a Ré promoveu a aquisição de fichas especiais no valo de HK$1.900.000,00. (resposta ao quesito 114º da base instrutória)
- A Ré teria direito a gastar nesse mês, a título de subsídio de transporte e alojamento, o valor de HK$1.425,00. (resposta ao quesito 115º da base instrutória)
- Nesse mês a título despesas de transporte e alojamento HK$5.370,00. (resposta ao quesito 116º da base instrutória)
- Pelo que, ultrapassou em HK$3.945,00 o valor contratualmente estabelecido a título de tal subsídio. (resposta ao quesito 117º da base instrutória)
- Valores esses que foram inteiramente suportados pela Autora. (resposta quesito 118º da base instrutória)
- Também no que respeita às despesas de telefone, a Autora suportou por conta da Ré, durante o período contratual, o valor global de HK$249,00. (resposta ao quesito 119º da base instrutória)
- Através da carta datada de 15 de Setembro de 2010, que foi enviada para a sede da Ré pela Autora por correio registado com aviso de recepção, foi interpelada a Ré para pagar o valor reclamado pela Autora. (respostas aos quesitos 120º e 121º da base instrutória)
- E recepcionada na referida sede em 27 de Setembro de 2010. (resposta ao quesito 122º da base instrutória)
- A Ré foi ainda interpelada por escrito pelos mandatários da Autora, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 29 de Novembro de 2010, a recebida na morada da Ré em 30/11/2010. (resposta ao quesito 123º da base instrutória)
- Ora, até à presente data, a Ré não procedeu ao pagamento da supra referida quantia à Autora. (resposta ao quesito 124º da base instrutória)
- O contrato celebrado pela Autora, ora Reconvinda, e a Ré, ora Reconvinte, tinha a duração de 3 anos contados da data da outorga, i.e., de 24 de Março de 2006 a 23 de Março de 2009. (resposta ao quesito 125º da base instrutória)
- Foram ainda estipulados nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 29º do mesmo contrato os seguintes:
a) 如簽署一方未能履行其義務,而且這種嚴重行為或重覆違約行為,使得雙方難以維持合作關係;(例如:第一簽署人未能按時支付條款十六之報酬;第二簽署人無故停止於所屬貴賓廳之中介人服務;第一簽署人認為第二簽署人嚴重違反了本合同或本合同所提及的文件(包括但不限於第一簽署人不時制定的組織及經營指示、守則、規定及程序的條款或內容。)
b) 發生的嚴重事件引致無法執行合同或嚴重損害了合同,從而使雙方難以按照原來的條款維持合同關係;(例如:天災、戰亂等不可抗力事件的發生。)
c) 在本合同到期或續期前30天其中一方簽署人以書面通知另一方簽署人。(resposta ao quesito 126º e 127º da base instrutória)
- A Reconvinda enviou uma carta datada de 11 de Janeiro de 2008 Reconvinte junto a fls. 123, cujo teor aqui se dá por reproduzido (respostas aos quesitos 128º e 138º da base instrutória)
- A Reconvinda, no dia 25 de Abril de 2008, a retirou da sala HJ120 todos os seus funcionários de casino e, bem assim, as mesas de jogo, cadeiras e todos os móveis e ainda todas as fichas de jogo. (resposta ao quesito 129.º da base instrutória)
- Impedindo desse modo que a Reconvinte continuasse a exercer a sua actividade de promoção de jogo, na mesma sala, a partir dessa data. (resposta ao quesito 130º da base instrutória)
- A Reconvinda deduziu nos montantes a pagar ao Reconvinte um total HK$273.069,00, a título de “imposto”, nos termos supra citadas, por conta da aquisição das fichas especiais de jogo, desde Dezembro de 2006 a Abril de 2008. (resposta ao quesito 134º da base instrutória)
- A partir do mês de Maio de 2007, a Reconvinte não conseguiu promover o valor mínimo de fichas estipulado no contrato celebrado com a Reconvinda. (resposta ao quesito 135º da base instrutória)
- Situação que se manteve durante 10 meses consecutivos. (resposta ao quesito 136º da base instrutória)
- A Reconvinte enviou duas cartas datadas de 10 e 16 de Janeiro de 2008 à ora Reconvinte, cujo teor constante de fls. 201 e 202, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 139º da base instrutória)
- A Reconvinda emitiu a comunicação escrita datada de 7 de Abril de 2008, cujo teor constante de fls. 203 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 140º da base instrutória)
***
III – O Direito
A – Do recurso da autora:
1º - Da decisão sobre a reclamação quanto à selecção da matéria de facto (cfr. art. 430º, nº3, do CPC).
Está em causa a decisão proferida a fls. 308-309 que indeferiu a reclamação apresentada pela autora no seu requerimento de fls. 258 e sgs., em que pretendia a inclusão da matéria dos arts. 44º a 49º da sua réplica na Base Instrutória.
Segundo a tese da autora/recorrente, se a ré invocou na sua contestação a nulidade do contrato consigo celebrado, haveria que levar à Base Instrutória a matéria dos arts. 44º a 49 da réplica que alegadamente visam contrariar a invocada invalidade contratual.
O tribunal “a quo” não o fez, porém, nem sequer após a reclamação. E não o fazendo, diz a recorrente, praticou um despacho inválido por falta de fundamentação (invalidade assente na previsão do art. 571º, nº1, al. b), do CPC) e por atentar contra o disposto no art. 430º do CPC.
Apreciemos.
*
1.1 – Da falta de fundamentação
O despacho que decidiu as reclamações sobre a selecção da matéria de facto, após deferir algumas “rectificações”, concluiu: “Indefiro as outras partes das reclamações por não serem relevantes para a decisão da causa”.
É esta parte do despacho que está em crise. Para a recorrente esta forma de justificar o indeferimento equivale a total falta de fundamentação ou, então, a fundamentação manifestamente insuficiente, por ser demasiado abrangente, genérico, conclusivo e sem enquadramento fáctico.
Pois bem. A invocada nulidade por falta ou insuficiência de fundamentação não se verifica. Como é jurisprudência uniforme, a nulidade da alínea b), do art. 571º do CPC não se basta com uma fundamentação insuficiente ou pouco convincente, antes impondo uma ausência de razões que suportam a opção final; isto é, só ocorre a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC quando se verifica ausência total de fundamentação (v.g., na jurisprudência local, os Acs. do TUI, de 15/02/2012, Proc. nº 1/2012; TSI de 15/12/2009, Processos nºs 1026/2009 e nº 1027/2009; de 13/07/2000, Proc. nº 24/2000; de 10/11/2011, Proc. nº 955/2009; na doutrina, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, II, pág. 669; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 687). A mera insuficiência ou deficiência de fundamentação da sentença pode redundar em erro de julgamento (cit. ac. do TUI).
Ora, na situação em apreço, o despacho que decidiu as reclamações verteu a razão pela qual não as deferiu: os factos concretos não seriam relevantes à decisão da causa. Está fundamentado o indeferimento, mesmo que o juiz do processo pudesse ser mais profundo na explicação.
Nesta parte, portanto, o recurso não procede.
*
1.2 – A segunda vertente do recurso tem por objectivo demonstrar a necessidade, que o despacho reclamado não teria enxergado, de incluir na Base Instrutória a factualidade constante dos arts. 44º a 49º da Réplica, como resposta à nulidade contratual suscitada pela ré.
Vejamos. Antes de mais nada, mal se percebe como quereria que aquela factualidade fosse levada à Base Instrutória. Se ela visava chamar a atenção para a análise e aprovação das entidades que regulam a indústria do jogo em Macau (art. 44º), se ela pretendia demonstrar que a actividade e contas da autora estão sujeitas a escrutínio e auditoria da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (factos 45º- 47º) e alertar para o facto de que o contrato foi comunicado à DICJ, conforme documento junto (art. 48º), entidade que nunca levantou qualquer obstáculo aos termos contratuais (art. 49º), e se até haveria documento a ilustrá-lo, então o que mais faria sentido é que os factos respectivos fossem levados ao acervo da factualidade assente, e não à factualidade probanda a incluir na Base Instrutória. É que quanto à actividade da DICJ não há controvérsia, se ela mesma advém da competência fornecida pela própria lei (art. 430º, nº1, als. a) e b), do CPC).
Saber se esta matéria seria útil ao desfecho da causa é já questão diferente e para a qual será necessário efectuar o conveniente exercício de ponderação pela 1ª instância, como passaremos a explicar.
Repare-se que no art. 32º da contestação a ré alegou que em momento algum o Governo de Macau autorizou a transferir as suas obrigações no que concerne ao pagamento dos prejuízos decorrentes da sua actividade para terceiros, designadamente para si. Nesta alegação podemos nós entrever a invocação da nulidade do negócio, por afrontamento à lei que exige a transferência da actividade de exploração de jogo a que alude o art. 17º, nº 9, da Lei nº 16/2001. E esta matéria não foi aceite pela autora na sua réplica, porque a impugnou (cfr. v.g. art. 68º).
Ora, se a sentença concluiu que os factos mostravam uma transferência ou cessão da exploração do jogo, então apenas uma parte da fattispecie estava apurada. Haveria que indagar se essa transferência ou cessão fora autorizada pelo Governo, porque essa é uma condição para que a nulidade pudesse ser decretada.
Com efeito, este preceito prescreve o seguinte:
“É nula a transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, a da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, bem como de outras actividades que constituam obrigações legais ou contratuais da concessionária, sem prévia autorização do Governo” (destaque nosso)
Acontece que sobre esta segunda parte da “fattispecie” nada a sentença declarou, porque partiu para a estatuição sem estar apurada ou verificada em concreto (isto na factualidade provada) a premissa menor do silogismo normativo.
Neste sentido, a decisão não pode manter-se.
Os autos terão que baixar à 1ª instância a fim de que seja levada à Base Instrutória o teor do art. 32º da contestação, sem prejuízo da inclusão da matéria dos arts. 44º a 49º da contestação no conjunto dos factos assentes.
E uma vez apurada e definida toda essa factualidade o tribunal “a quo” deverá proceder a nova sentença em que deverá concluir se houve ou não autorização do Governo e se a acção da DGIC preenche ou não o requisito autorizativo que a lei confere ao Governo, decidindo então o pedido e a reconvenção conforme for de direito.
Procede, pois, o recurso nesta parte, o que prejudica a análise da impugnação recursória na parte em que a autora ataca a sentença quanto à nulidade contratual decidida.
Anular-se-á, portanto, a sentença com base no art. 629º, nº1, do CPC para aqueles efeitos.
*
B – Do recurso subordinado da Ré
1 – Da impugnação da matéria de facto
Está em causa a matéria dos arts. 132º e 133º da Base Instrutória, que o tribunal “a quo” julgou não provados.
Quanto ao primeiro, entende a recorrente que, face ao documento de fls. 345 o mesmo deveria ter sido dado como provado.
Apreciando.
Perguntava-se nele: “As receitas provenientes do jogo aumentaram para 9,6% no ano de 2009, ultrapassando o recorde anterior de MOP$ 109.8 mil milhões estabelecido em 2008?”
É verdade que o documento em causa, oficial e proveniente de entidade pública, revela um aumento da receita proveniente do jogo naquele valor percentual entre 2008 e 2009.
Também é verdade que a receita do jogo ali consignada é a receita bruta da RAEM proveniente de todos os casinos e não da A. Portanto, pode acontecer que a receita do casino da A pode ter sido superior ou inferior.
Mas esta questão não deveria ter levado o tribunal a julgar não provada a referida matéria, por ela ser verdadeira. O que deveria era, portanto, consignar e esclarecer que “As receitas da RAEM provenientes do jogo aumentaram 9,6% no ano de 2009 relativamente ao ano de 2008”.
Saber se esse aumento da receita geral da RAEM tem igual repercussão no aumento dos lucros do casino da A e, concretamente, da sala VIP em causa, é questão que fica para análise sobre a substância do pedido reconvencional. O que não podia era dar simplesmente como não provada a matéria do quesito, o qual, se alterará nos termos acabados de referir.
Procede nesta parte o recurso.
*
Quanto ao art. 133º, perguntava-se nele:
“A ré iria auferir, por mês, de 25 de Abril de 2008 a 23 de Março de 2009, lucros mensais na ordem de HKD$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) segundo critérios de verosimilhança e de equidade estabelecidos na lei, perfazendo um montante global de HKD$ 7.150.000,00 equivalente a MOP$ 7.364.500,00?”
O tribunal recorrido deu por não provada esta factualidade, com o argumento da vaguidade do depoimento das testemunhas e por falta de elementos substanciais que suportam a existência dos supostos lucros que a ré deixou de auferir.
Pois bem. Nada tem este TSI a censurar ao julgamento que o tribunal “a quo” fez sobre este facto cuja prova incumbia à ré ora recorrente. Com efeito, nem o alegado facto de a sala ter registado resultados positivos nos meses de Março e Abril de 2008 significa que igual performance se verificaria nos meses posteriores, nem o referido aumento geral das receitas da RAEM advém necessariamente de equivalente aumento das receitas da referida sala VIP naquele período. Podia até vir a registar prejuízos sob a promoção de jogo por parte da ré, quem sabe? Quem garante que esta promotora do jogo seria diligente no sentido de angariar clientela em numero e qualidade que houvesse de produzir lucros naquela escala? Ninguém sabe.
Cremos por isso que nenhuma presunção judicial é possível extrair neste caso, ao contrário do que defende a recorrente.
Ou seja, não sendo possível responder afirmativamente ao referido quesito, nem sequer de um modo restritivo, cremos ter andado bem o tribunal”a quo” na resposta dada.
*
2 - Da decisão final
Também neste ponto a ré, subordinadamente, entende que deveria a sentença condenar a autora no pagamento dos lucros cessantes e dos impostos deduzidos por ela nos montantes a pagar-lhe.
Ora, esta matéria não pode ser apreciada autonomamente aqui, visto que o recurso interposto pela ré não foi independente, mas subordinado.
Sendo assim, e uma vez que o recurso jurisdicional interposto pela autora referente à sentença não foi apreciado acima, pelas razões oportunamente expostas, também este recurso subordinado da ré não pode ser conhecido. Lembremos que a 1ª instância terá que voltar à sala de audiência para apuramento da factualidade acima aludida e, na oportunidade, proferir nova sentença, onde irá pronunciar-se de novo sobre a eventual nulidade ou não do contrato e sobre os efeitos dessa sanção na esfera da reconvinte, ora recorrente, ou sobre as consequências petitórias tanto da acção, como da reconvenção, no caso de inexistência da referida nulidade.
Não se conhece, pois, do recurso nesta parte.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
A - Do recurso da autora da acção
1 – Julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência:
a. Anular a sentença;
b. Determinar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de que seja levada à Base Instrutória o teor do art. 32º da contestação e posterior repetição do julgamento quanto a essa parte, sem prejuízo da inclusão da matéria dos arts. 44º a 49º da contestação no conjunto dos factos assentes.
2 – Julgar prejudicado o conhecimento do recurso na parte referente à sentença impugnada.
B - Do recurso subordinado da ré/reconvinte:
1 – Julga-se parcialmente procedente o recurso subordinado da ré da acção quanto ao julgamento da matéria de facto, em consequência do que se fixa a resposta à matéria do art. 132º da BI nos seguintes termos:
“Provado que as receitas da RAEM provenientes do jogo aumentaram 9,6% no ano de 2009 relativamente ao ano de 2008”.
2 – Julga-se improcedente o recurso na parte restante quanto ao julgamento da matéria de facto.
3 – Julga-se prejudicado o conhecimento do recurso na parte referente à sentença impugnada.
Custas por Autora e Ré/reconvinte em 1/5 e 2/5, respectivamente.
T.S.I., 18 de Janeiro de 2018
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong
596/2017 -60-