Processo n.º 884/2017 Data do acórdão: 2018-1-25 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 6.o da Lei n.o 21/2009
– recrutamento de trabalhadores não residentes
– agência de emprego licenciada
– consenso verbal sobre a contratação
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– reenvio do processo para novo julgamento
S U M Á R I O
1. O art.o 6.o da Lei n.o 21/2009 prevê que os trabalhadores não residentes podem ser recrutados através de uma agência de emprego licenciada. Quando esse recrutamento é feito por agência de emprego licenciada, é natural e frequente, conforme ditam as regras da experiência da vida, que não há contacto pessoal prévio entre os recrutandos e o empregador.
2. In casu, o facto de o acusado transgressor ter subscrito, por escrito, os pedidos de autorização de permanência dos dois ofendidos em Macau como trabalhadores não residentes já indicia a existência de consenso verbal (ainda que não obtido pessoalmente, por contacto directo) no referente à contratação desses como seus trabalhadores.
3. Daí que andou evidentemente ao arrepio das regras da experiência humana a decisão tomada pelo tribunal recorrido a nível de julgamento de factos quando este julgou provado que o acusado transgressor não celebrou contrato verbal de trabalho com os dois ofendidos.
4. É, pois, de reenviar o processo para novo julgamento, por constatação do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 884/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 133 a 135v dos autos de processo de contravenção laboral n.° LB1-17-0031-LCT do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base (TJB), que absolveu o acusado transgressor A, como titular de “B Beauty House” (B汽車美容), das imputadas duas contravenções p. e p. pelas disposições conjugadas do art.o 20.o da Lei n.o 21/2009, de 27 de Outubro, e dos art.os 10.o, alínea 2), 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em suma, que estava a dita decisão absolutória a padecer do vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP) (porquanto a falta de qualquer contacto entre esse acusado transgressor como empregador e os dois trabalhadores não residentes ofendidos em causa antes da contratação desses não implicaria a inexistência de celebração de contrato verbal ou escrito de trabalho entre tal empregador e estes, já que segundo o art.o 6.o da Lei n.o 21/2009, os trabalhadores não residentes podem ser recrutados directamente pelo empregador ou através de uma agência de emprego licenciada, sendo, pois, o caso dos autos, conforme os elementos documentais neles constantes, a situação prevista na parte final desse preceito legal), e como tal, deveria aquele acusado transgressor passar a ser condenado nos termos em que vinha acusado, com condenação também no pagamento de quantias indemnizatórias a favor dos dois ofendidos já previamente calculadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 140 a 144v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, não respondeu o acusado transgressor.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 152 a 153), pronunciando-se no sentido de existência de acordo verbal, entre o transgressor e os dois trabalhadores ofendidos, de contratação de trabalho, pelo que aquele deveria ser condenado nos termos peticionados na motivação de recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos elementos dos autos, sabe-se o seguinte:
– a sentença ora recorrida encontra-se proferida a fls. 133 a 135v dos autos, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– segunda a fundamentação fáctica dessa sentença, ficou nomeadamente provado que: aos dois ofendidos dos autos, chamados C e D, foi autorizada, em 18 e 12 de Julho de 2016, a permanência temporária em Macau como trabalhadores não residentes; e o acusado transgressor não celebrou contrato escrito ou verbal de trabalho com esses dois ofendidos.
– na fundamentação probatória desse aresto, foi referido que a formação da livre convicção sobre os factos se baseou na análise dos documentos juntos aos autos e do depoimento do Senhor Inspector da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (que depôs na audiência de julgamento no sentido, nomeadamente, de que as formalidades de pedido de autorização de permanência temporária em Macau dos dois ofendidos foram tratadas por uma agência intermediária de contratação de trabalhadores, não tendo esses mesmos dois ofendidos chegado a ter contacto com o acusado transgressor);
– segundo o teor dos documentos a que se referem as fls. 16 a 17 dos autos, a “B Beauty House”, como entidade empregadora, subscreveu, em 11 de Julho de 2016, por escrito, os pedidos de autorização de permanência em Macau dos dois ofendidos como trabalhadores não residentes;
– de acordo com o teor da resposta dada por ofício pela Direcção dos Serviços de Finanças a fl. 94, desde Fevereiro de 2016, o acusado transgressor A era titular da “B Beauty House”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
A Digna Delegada do Procurador ora recorrente assaca à sentença recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP.
Procede esta alegação, em face dos dados processuais acima coligidos na parte II do presente acórdão de recurso.
Efectivamente, o simples facto, relatado pelo Senhor Inspector ouvido como testemunha na audiência de julgamento em primeira instância, de os dois ofendidos não terem chegado a ter contacto com o acusado transgressor no procedimento de pedido de autorização de permanência em Macau deles como trabalhadores não residentes é neutro no tocante à verificação ou não da existência de algum contrato verbal ou escrito de trabalho entre o acusado transgressor e os dois ofendidos, porquanto o art.o 6.o da Lei n.o 21/2009 prevê também que os trabalhadores não residentes podem ser recrutados através de uma agência de emprego licenciada. E quando esse recrutamento é feito por agência de emprego licenciada, é natural e frequente, conforme ditam as regras da experiência da vida, que não há contacto pessoal prévio entre os recrutandos e o empregador.
Ao invés, o facto de a “B Beauty House” ter subscrito, por escrito, em 11 de Julho de 2016 (data em que o acusador transgressor era seu titular), os pedidos de autorização de permanência dos dois ofendidos em Macau como trabalhadores não residentes já indicia a existência de consenso verbal entre o acusado transgressor e os dois ofendidos (ainda que não obtido pessoalmente, por contacto directo) no referente à contratação deles próprios como trabalhadores não residentes daquela.
Daí que andou evidentemente ao arrepio das regras da experiência humana a decisão tomada pelo Tribunal recorrido a nível de julgamento de factos quando este julgou provado que o acusado transgressor não celebrou contrato verbal de trabalho com os dois ofendidos.
Por efectiva constatação do vício do art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, é de ordenar, nos termos do art.o 418.o, n.os 1 e 2, do CPP, o reenvio de todo o objecto do processo para novo julgamento, por um Tribunal Colectivo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em reenviar todo o objecto do processo para novo julgamento.
Sem custas. Fixam em trezentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 25 de Janeiro de 2018.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 884/2017 Pág. 1/8