Processo n.º 1162/2017 Data do acórdão: 2018-1-3
(Da suspensão de eficácia de acto administrativo)
Assuntos:
– suspensão de eficácia de acto administrativo
– art.º 120.º do CPAC
– acto positivo
– acto negativo
– acto de içar invertidamente a Bandeira Nacional
– Serviços de Alfândega
– lesão grave do interesse público
– pena disciplinar
S U M Á R I O
1. Por força do art.º 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita.
2. Doutrinalmente falando, o acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado (por exemplo, um acto administrativo que aplica uma sanção a um interessado), enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado (por exemplo, um acto de indeferimento de atribuição de um subsídio requerido).
3. A decisão do Senhor Secretário para a Segurança que confirma a decisão disciplinar punitiva de um funcionário público alfandegário (por este ter içado invertidamente a Bandeira Nacional no Terminal Marítimo de Coloane) é um acto positivo.
4. A aferição do requisito exigido na alínea b) do n.° 1 do art.° 121.° do CPAC tem que ser feita caso a caso, em função do teor do comando concretamente emitido no acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer.
5. Não se pode deferir o pedido de suspensão de eficácia da decisão disciplinar punitiva daquele acto que fere naturalmente o prestígio dos Serviços de Alfândega perante o público em geral, por o mesmo acto não deixa de lesar gravemente o interesse público que a própria decisão punitiva pretende ver prosseguido.
O relator substituto,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 1162/2017
(Do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo)
Requerente: A
Órgão Administrativo requerido: Secretário para a Segurança
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I. RELATÓRIO
A, Verificador Alfandegário n.o ..., veio pedir, nos termos do art.o 123.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo de Contencioso Administrativo (CPAC), a suspensão da eficácia do Despacho n.o 112/SS/2017, de 5 de Dezembro de 2017, do Senhor Secretário para a Segurança, confirmativo, em sede de recurso hierárquico, da decisão aplicadora da pena disciplinar de 80 dias de suspensão de funções, por se entender, ali, que o próprio verificador alfandegário tinha actuado com violação dos deveres de obediência, zelo e aprumo no desempenho da missão de içar a Bandeira Nacional da República Popular da China na manhã do dia 21 de Abril de 2017 no Terminal de Coloane, deveres esses previstos nos art.os 6.o, n.o 2, alínea a), 8.o, n.o 1, e 12.o, n.o 2, alínea f), do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 66/94/M, de 30 de Dezembro.
Para tanto, alegou no seu requerimento de fls. 2 a 11 do presente processado, e na sua essência, que tendo tal despacho confirmativo da punição disciplinar conteúdo positivo, causador de prejuízos de difícil reparação para ele, a suspensão da eficácia do mesmo deveria ser deferida, até porque a não execução imediata do mesmo nem causaria lesão ao interesse público, para além de o juízo punitivo disciplinar em causa ter sido formado com apreciação errada da prova, e, fosse como fosse, ser também exagerada a pena disciplinar aplicada, se comparada com um outro caso congénere mas com circunstâncias fácticas mais graves.
Citado nos termos do art.o 125.o, n.o 3, do CPAC, o Senhor Secretário para a Segurança como Órgão Administrativo ora requerido respondeu a fls. 19 a 21, nuclearmente no sentido de indeferimento do pedido, por considerar que o interesse público seria gravemente lesado com a suspensão da execução da decisão disciplinar punitiva, já que a “eventual suspensão de eficácia da decisão punitiva (…) aportaria ao interior da corporação uma indelével ideia de tolerância orgânica, mas também pública, a avaliar pela dimensão do impacto que o incidente teve na opinião comum, tão veiculada foi pelos órgãos de comunicação social”.
Em sede de vista, o Digno Procurador-Adjunto emitiu parecer a fls. 26 a 27v, pugnando pela improcedência da medida cautelar em questão, por entender, em suma, que na esteira das doutrina jurídica e jurisprudência citadas no próprio parecer, seriam sustentáveis e acreditáveis as preocupações da Entidade Requerida, mormente a nível da salvaguarda da disciplina interna da corporação em causa.
Cabe, pois, decidir urgentemente do pedido vertente, nos termos ditados pelo art.º 129.º, n.º 2, segunda parte, do CPAC.
II. DOS ELEMENTOS PERTINENTES À DECISÃO
Para efeitos de encontro da solução ao caso concreto de que ora se ocupa, fluem do exame dos elementos constantes do processado processado de pedido de suspensão de eficácia, os seguintes dados pertinentes:
– ao ora Requerente A, Verificador Alfandegário n.o ..., foi proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança o Despacho n.o 112/SS/2017, de 5 de Dezembro de 2017, confirmativo, em sede de recurso hierárquico, da decisão aplicadora da pena disciplinar de 80 dias de suspensão de funções, por se entender, nesse despacho, que o próprio Requerente tinha actuado com violação dos deveres de obediência, zelo e aprumo no desempenho da missão de içar a Bandeira Nacional da República Popular da China na manhã do dia 21 de Abril de 2017 no Terminal de Coloane (pois nessa manhã, e segundo a livre convicção dessa Entidade Requerida sobre a prova, a Bandeira Nacional tinha sido içada invertidamente pelo Requerente), deveres esses previstos nos art.os 6.o, n.o 2, alínea a), 8.o, n.o 1, e 12.o, n.o 2, alínea f), do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 66/94/M, de 30 de Dezembro.
III. DO DIREITO
Juridicamente falando, e tal como já se considerou designadamente no acórdão do Primeiro de Agosto de 2003, minutado pelo ora mesmo relator para o Processo n.º 174/2003 deste Tribunal de Segunda Instância: Por força do disposto no art.º 120.º do CPAC, para se poder ver suspensa a eficácia de um acto administrativo, este tem que ser, desde logo e pelo menos, um acto com conteúdo positivo, ou um acto com conteúdo negativo que apresente uma vertente positiva à qual a suspensão seja circunscrita.
E doutrinalmente falando, o acto positivo é aquele que, grosso modo, impõe um encargo ou um ónus a um interessado (por exemplo, um acto administrativo que aplica uma multa ou uma sanção a um interessado particular), enquanto o acto negativo tem por objecto negar uma pretensão do interessado (por exemplo, um acto de indeferimento de atribuição de um subsídio requerido por um interessado particular).
Nos presentes autos, o despacho punitivo em questão é um acto positivo, por estar, materialmente, a impor ao ora Requerente uma sanção disciplinar.
Urge, assim, saber se na situação vertente, estão reunidos, ao mesmo tempo, os requisitos exigidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, já que a verificação do da alínea a) desse n.o 1 fica dispensada, por comando do n.o 3 do mesmo artigo.
A propósito da alínea b) do n.º 1 desse artigo, para indagar se a suspensão de eficácia ora peticionada determina, ou não, grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto administrativo referido, crê-se que a aferição deste requisito tem que ser feita caso a caso, em função do teor do comando concretamente emitido no acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer.
No caso em apreço, a Entidade Administrativa ora requerida decidiu confirmar, em sede de recurso hierárquico, a punição disciplinar do Requerente com pena de suspensão de 80 dias de funções, por entender ter este violado os deveres de obediência, zelo e aprumo com relevância disciplinar nos termos referidos no seu despacho.
Está em causa o acto, praticado por um funcionário público alfandegário, de içar, invertidamente, a nossa Bandeira Nacional no Terminal Marítimo de Coloane, que é um local público. (Nota-se que na presente sede de cognição do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo, não se pode indagar do mérito dos pressupostos fácticos do próprio acto administrativo, pois esta tarefa faria parte propriamente do eventual objecto de cognição do tribunal no contencioso contencioso do acto administrativo).
Nesta perspectiva, tal acto tido por praticado (na óptica da Entidade Administrativa requerida) pelo Requerente não se resume a um acto com impacto meramente interno como um “assunto dentro de casa”, mas sim com impacto visível para toda a gente que tivesse olhado para a Bandeira Nacional naquela manhã naquele sítio em que foi içada invertidamente.
Esse concreto acto de içar invertidamente a Bandeira Nacional fere naturalmente o prestígio dos Serviços de Alfândega perante o público em geral, daí que a eventual suspensão da eficácia da decisão disciplinar punitiva desse acto não deixa de lesar gravemente o interesse público que a mesma decisão punitiva pretende ver prosseguido (neste sentido, e como já citado no judicioso parecer do Digno Procurador-Adjunto, apud DIOGO FREITAS DO AMARAL, in DIREITO ADMINISTRATIVO, Volume IV, Lisboa, 1988, página 315, últimos dois parágrafos).
Dest’arte, naufraga o pedido de suspensão de eficácia, sem mais abordagem, por desnecessária.
IV. DECISÃO
Em harmonia com o exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do Despacho n.o 112/SS/2017, de 5 de Dezembro de 2017, do Senhor Secretário para a Segurança.
Custas do presente processado pelo Requerente, com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 3 de Janeiro de 2018.
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Chan Kuong Seng Mai Man Ieng
(Relator substituto) (Procurador-Adjunto presente na conferência)
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Kan Cheng Ha
(Primeira Juíza-Adjunta substituta)
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Chan Io Chao
(Segundo Juiz-Adjunto substituto)
Processo n.º 1162/2017 9/9