Processo n.º 1055/2017 Data do acórdão: 2018-1-25
Assuntos:
– recurso extraordinário de revisão de sentença
– art.º 431.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal
– art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Penal
– superveniência probatória
– superveniência objectiva
– superveniência subjectiva
– elementos de prova novos hoc sensu
S U M Á R I O
1. O art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Penal exige uma superveniência probatória susceptível de abalar seriamente a prova em que se fundou a sentença cuja revisão se requer, superveniência esta que se pode traduzir em duas modalidades: superveniência objectiva, e superveniência subjectiva.
2. Verifica-se superveniência objectiva quando os elementos de prova são novos hoc sensu, no sentido de que não existiam no momento da prolação da sentença cuja revisão se requer. Ou seja, quando esses (novos) elementos de prova só se formaram posteriormente àquele momento.
3. Enquanto a superveniência subjectiva quer referir-se à situação em que a parte requerente da revisão, ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, ou não tinha conhecimento dos elementos de prova em causa, que já existiam, ou então sabia da existência deles, mas não teve possibilidade de os obter. Quer dizer, para haver superveniência subjectiva, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível socorrer a esses elementos de prova no processo em que decaíu. Se a parte tinha conhecimento da existência desses elementos de prova, e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se os não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que pudesse utilizar esses elementos, deveria utilizá-los, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se dos elementos de prova em causa.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 1055/2017
(Autos de recurso extraordinário de revisão da sentença)
Requerente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.o CR3-13-0059-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), A, aí já melhor identificado, foi a final condenado em 11 de Dezembro de 2013, por decisão já transitada em julgado, como autor material de um crime de pertença à associação criminosa, p. e p. pelo art.º 288.o, n.o 2, do Código Penal (CP), na pena de três anos e seis meses de prisão, e como co-autor material de um crime tentado de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, na pena de dois anos de prisão, e, finalmente, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão (cfr. o teor da certidão desse acórdão junta a fls. 60 e seguintes do presente processado de recurso extraordinário de revisão de sentença).
Veio esse arguido condenado pedir a revisão da acima referida decisão condenatória penal, nos citados termos do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), alegando, para o efeito, e na sua essência, que (cfr. o teor do requerimento de revisão a fls. 3 a 16 do presente processado):
– após sujeito à investigação em Macau no dia 3 de Julho de 2012, ele nunca chegou a receber qualquer documento de notificação das Autoridades Judiciárias de Macau (nem da acusação nem do despacho de designação da data da audiência de julgamento), pelo que lhe foi impossível exercer o seu devido direito de defesa antes e depois de julgamento (sendo de frisar que: a morada fornecida por ele em 3 de Julho de 2012 às Autoridades Judiciárias de Macau era a morada constante do seu processo de emissão de bilhete de identidade no Interior da China, porque ele tinha que trabalhar permanentemente em sítio fora dessa morada e o local de trabalho dele não lhe era adequado para receber quaisquer cartas de natureza particular; em Março de 2013, o local de tal morada foi destruído, mas antes dessa destruição, ele e a sua esposa nunca chegaram a receber nessa morada quaisquer documentos enviados por Macau; por tudo isso, o facto de ele não ter chegado a receber as cartas enviadas pelas Autoridades Judiciárias de Macau não lhe era imputável);
– e se tivesse ele tido conhecimento dos factos acusados antes e depois do julgamento, teria ele com certeza ido colaborar com as Autoridades Judiciárias de Macau para a investigação a fim de demonstrar a sua própria inocência, mormente através não só dos depoimentos a obter dos arguidos B e C do mesmo processo, como também da diligência de reconhecimento, por esses dois indivíduos, da própria pessoa do recorrente, para determinar afinal que o próprio recorrente era apenas um jogador em casino;
– depois de ter sido detido agora para cumprimento da referida pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Coloane, ele tem vindo a pedir aos seus familiares para entrarem em contacto com três testemunhas chamadas D, E e F que então tinham ido com ele próprio para Macau no período de 17 a 19 de Março de 2012 para jogar em casino como turistas, pois esses três indivíduos poderiam provar o fim com que ele próprio se deslocou à sala de jogos em questão e todo o ocorrido nesse período;
– razões todas essas que vem pedir a revisão daquela decisão condenatória, pois entende que os depoimentos a prestar pelas cinco pessoas acima referidas e a diligência a fazer para reconhecimento da sua própria pessoa preenchem o requisito de superveniência probatória objectiva e subjectiva e dão para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação penal; e seja como for, pede que nos termos do art.o 392.o, n.o 2, alínea a), do CPP, seja convolado o seu crime tentado de burla em valor consideravelmente elevado para o crime tentado de burla simples, com almejada nova medida da pena.
Sobre este pedido de revisão, o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal Judicial de Base opinou pela improcedência da argumentação do requerente (cfr. a exposição de fls. 190 a 194v do processado).
Subsequentemente, foi emitida (a fls. 204 a 211v) informação judicial à luz do art.o 436.o do CPP, no sentido de não provimento de todo o pretendido pelo requerente.
Subido o processado para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), o Digno Procurador-Adjunto emitiu parecer (a fls. 226 a 228), também no sentido de indeferimento do pedido de revisão.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame do presente processado, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão:
O arguido condenado ora requerente do recurso extraordinário de revisão de sentença chegou a prestar – na fase de inquérito do processo penal que veio a dar origem ulteriormente ao Processo Comum Colectivo n.o CR3-13-0059-PCC do TJB – em 3 de Julho de 2012, como medida de coacção a que passou a ser sujeito, o seu termo de identidade e residência (a fl. 3418 desse mesmo processo), com indicação de uma morada no Interior da China, e chegou a prestar consentimento escrito (a fl. 3419 desse processo) no sentido de a ulterior audiência de julgamento ser realizada na sua ausência, na previsível impossibilidade de ser notificado para comparecer em data a designar para a realização da mesma.
Subsequentemente, foram enviadas diversas cartas de notificação pelas Autoridades Judiciárias de Macau acerca do processo penal dele para a morada então declarada no dito termo de identidade e residência, tendo ou a sua mãe ou a sua esposa assinado os talões de recepção dessas cartas (cfr. o teor de fls. 5456, 5463, 6235, 6595, 6848 e 7065 do mesmo processo).
É com os elementos de prova arrolados no seu pedido (de fls. 3 a 16 do presente processado, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido) que ele pretende fundar o recurso extraordinário de revisão da decisão condenatória penal tomada no acima já referido acórdão de 11 de Dezembro de 2013 do Processo Comum Colectivo n.o CR3-13-0059-PCC do TJB.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cabe notar de antemão que ante os elementos dos autos já acima coligidos na parte II do presente acórdão, se vê que o requerente chegou a prestar o termo de identidade e residência, com indicação de uma morada sua no Interior da China, pelo que nos termos do art.o 181.o, n.o 2, do CPP, ficou ele com a obrigação de comunicar a sua qualquer eventual nova residência ou o lugar onde pudesse ser encontrado. E é nesta obrigação de comunicação que residem também os efeitos coactivos dessa medida de prestação do termo de identidade e residência. Como do exame do processo condenatório principal acima referido, não resulta que o ora requerente tenha feito qualquer comunicação da alteração da sua morada então declarada no seu termo de identidade e residência, pelo que, nesse circunstancialismo, fica totalmente irrelevante, a nível processual penal falando, o alegado facto da destruição do sítio correspondente a essa morada então declarada inicialmente. In casu, o facto de os talões das diversas cartas de notificação expedidas pelas Entidades Judiciárias de Macau (para o ora requerente para a morada declarada por este no seu termo de identidade e residência) sobre o andamento do processo penal em questão não terem sido assinados pela própria pessoa do ora requerente mas sim pela sua mãe ou pela sua esposa não pode precludir a consideração de que essas cartas já foram objecto de notificação com sucesso ao próprio ora requerente.
Voltando agora ao cerne do assunto sub judice:
O ora requerente quer fundar o seu pedido de revisão na norma da alínea d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP.
E como esta norma processual penal é substancialmente homóloga à do art.° 673.°, n.° 4.°, do Código de Processo Penal de 1929 (CPP de 1929), outrora vigente em Macau, que rezava que uma sentença com trânsito em julgado só poderá ser revista se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado, afigura-se útil adaptar aqui, e nos termos mutatis mutandis a expor infra, a análise em geral da problemática em causa já feita no aresto deste TSI, de 12 de Outubro de 2000, no processo n.° 94/2000, onde foi decidido um recurso de revisão interposto sob a égide daquele preceito do Código de Processo Penal de 1929:
Como se sabe, o preceito do art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do CPP exige uma superveniência probatória susceptível de abalar seriamente a prova em que se fundou a sentença cuja revisão se requer, superveniência esta que se pode traduzir em duas modalidades:
– superveniência objectiva;
– e superveniência subjectiva.
Verifica-se superveniência objectiva quando os elementos de prova são novos hoc sensu, no sentido de que não existiam no momento da prolação da sentença cuja revisão se requer. Ou seja, quando esses (novos) elementos de prova só se formaram posteriormente àquele momento.
Enquanto a superveniência subjectiva quer referir-se à situação em que a parte requerente da revisão, ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, ou não tinha conhecimento dos elementos de prova em causa, que já existiam, ou então sabia da existência deles, mas não teve possibilidade de os obter.
Quer dizer, para haver superveniência subjectiva, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível socorrer a esses elementos de prova no processo em que decaíu.
Se a parte tinha conhecimento da existência desses elementos de prova, e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se os não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que pudesse utilizar esses elementos, deveria utilizá-los, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se dos elementos de prova em causa.
(E tudo isto são ideias aliás retiradas mutatis mutandis da doutrina do PROFESSOR ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil anotado, Volume VI (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 353 e segs., que se mantêm ainda actuais e como tal também aplicáveis na interpretação do alcance da norma do art.º 431.º, n.º 1, alínea d), do actual CPP).
E só após verificado o requisito de “novidade” – na vertente objectiva ou na subjectiva – dos elementos de prova qualificados como sendo novos pelo requerente da revisão, é que se pode passar a ajuizar se os mesmos, de per si ou combinados com os já apreciados no processo anterior, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Isto é: passa-se a indagar qual teria sido o resultado da decisão proferida no processo anterior, se os novos elementos de prova estivessem no processo.
Assim, se se convence de que se esses elementos novos estivessem no processo, a sentença teria sido diversa, então deve admitir-se a revisão da sentença. E para isto, os novos elementos probatórios hão-de ser tal que criem um estado de facto diverso daquele sobre que assentou a sentença cuja revisão se requer.
Entretanto, há que distinguir também duas fases da revisão, a saber: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do CPPM). E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.°s 439.°, 441.° e 442.° do CPPM). Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do mesmo CPPM, confrontadamente) (apud também mutatis mutandis, o PROFESSOR ALBERTO DOS REIS, ibidem).
Aplicando-se agora a tese em geral acima reputada como correcta ao presente caso concreto, é de verificar que os elementos de prova ora apresentados pela pessoa ora requerente no seu requerimento de revisão de sentença não podem ser considerados novos, em qualquer das duas vertentes supra definidas. De facto, todos esses elementos de prova referidos no pedido de revisão tidos por novos por ele, já existiram neste Mundo mesmo antes da realização da audiência de julgamento então feito pelo Tribunal sentenciador, e o próprio requerente já soube da existência das aí referidas cinco pessoas e tinha possibilidade para as indicar no processo para, nomeadamente, prestarem declarações ou depoimentos em defesa da posição dele próprio.
Desta feita, é de concluir que não se pode emitir um juízo rescindente ao caso sub judice, não sendo já mister conhecer de todo o remanescente alegado pela requerente no seu pedido de revisão acerca da subsidiariamente pretendida convolação de crime (já que o recurso extraordinário de revisão de sentença não se destina para tal).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em denegar a revisão pretendida pelo arguido condenado A.
Custas pelo requerente, com cinco UC de taxa de justiça.
Macau, 25 de Janeiro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.° 1055/2017 Pág. 5/12