Processo nº 1069/2017 Data: 14.12.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1069/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 71 a 94 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 96 a 97).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Inconformado com o despacho de 4 de Outubro de 2017, que lhe recusou a liberdade condicional com o fundamento de que não estavam verificados os requisitos para o efeito exigidos pelo artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, dele recorre o recluso B.
Na sua motivação de recurso, intenta convencer que todos os requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional estavam preenchidos, acabando por imputar à decisão recorrida, que lhe denegou a pretendida libertação condicional, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na sua contraminuta de recurso, o Ministério Público pronuncia-se pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, aduzindo que esta efectuou uma correcta apreciação dos pressupostos necessários à concessão da liberdade condicional.
Também nos parece que a decisão recorrida não merece reparo que a possa pôr em xeque.
E começamos por notar que não se vislumbra onde reside a alegada insuficiência da matéria de facto. Percorrendo a decisão recorrida, apura-se que ela convoca e pondera a matéria de facto pertinente e suficiente para decidir a questão da libertação condicional.
Saber se essa factualidade preenche ou não os requisitos de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional já é outra questão.
Estão em discussão os requisitos materiais exigidos pelo artigo 56.° do Código Penal.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
No caso em apreço, tal como a decisão recorrida ponderou e o Ministério Público refere na sua resposta, persistem dúvidas sobre a preparação do recluso para, no imediato, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável. O recorrente adoptou comportamento prisional adequado, é certo, o que é normal e é aquilo que se espera de um recluso. Mas, o seu alheamento das responsabilidades inerentes à reparação dos encargos e danos a que a sua conduta deu causa (custas e indemnizações) não pode deixar de ser analisado e ponderado enquanto indiciador da falta de arrependimento sincero que deve nortear a expiação da pena. A alegação de que não possui proventos para o poder fazer não elimina aquele alheamento, pois nenhuma justificação apresentou, nenhuma satisfação procurou dar. Digamos que, perante aquele manifesto alheamento, ainda não é possível arriscar um juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção na sociedade em conformidade com as regras de convivência, como acabou por concluir o despacho recorrido.
Por outro lado, e não menos importante, subsiste a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
O cometimento de crimes contra a propriedade, com utilização de violência, como sucedeu, é objecto de acentuada reprovação ético-jurídica da comunidade, devido aos impactos negativos que projecta na ordem social e económica da Região Administrativa Especial de Macau, onde, numa região com área muito limitada, a economia é dominada pelo jogo e pelo turismo, num espaço concentrado e de permanente actividade. Neste contexto, a libertação condicional do condenado, quando falta cumprir um terço da pena de prisão que lhe foi aplicada, pode colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que devem ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional.
Impõe-se, pois, concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação de todos os aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, não padecendo de qualquer vício, pelo que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 158 a 159-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– B, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 02.10.2015, para cumprimento de uma pena de 3 anos de prisão que lhe foi aplicada pela prática de 1 crime de “roubo”;
– em 01.10.2017, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 01.10.2018;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar a CANTÃO, R.P.C., e tenciona retomar o anterior emprego como gerente de uma firma comercial.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se incorreu em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e que devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Cremos que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente, sendo antes de se dar aqui como reproduzido o teor do douto Parecer que se deixou transcrito, que dá clara e cabal resposta ao recurso em apreciação.
Seja como for, não se deixa de consignar o seguinte.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 02.10.2015, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.07.2017, Proc. n.° 670/2017, de 14.09.2017, Proc. n.° 794/2017 e de 26.10.2017, Proc. n.° 939/2017).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
Ponderando no tipo de crime em questão, de “roubo”, necessáriamente com “impacto social”, tendo como vítima uma senhora com quem o arguido tinha acordado a prática remunerada de relações sexuais, cometido após passarem a noite juntos, com extrema violência sobre a vítima, e notando-se que o ora recorrente se encontrava em Macau, após o prazo legal de permanência, demonstrando uma total insensibilidade quanto as normas de convivência e segurança em sociedade, fortes se apresentam necessidades de prevenção especial e geral, havendo desta forma de se considerar que verificados não estão os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. a) e b) do C.P.M..
Assim, em face das expostas considerações, há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 14 de Dezembro de 2017
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 1069/2017 Pág. 14
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