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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

   I – Relatório
A requereu, por fax, em 8 de Fevereiro, mas só ontem deu entrada ao original, a providência de habeas corpus, pedindo a imediata apresentação judicial da sua irmã B, alegando o seguinte:
1. O ora requerente é irmão mais novo da Sra. B, maior, casada, natural da RPC, titular de Hong Kong Permanent Identity Card N.º XXXXXXX(X), residente habitualmente em Hong Kong.
2. Pelas 17h00 horas da tarde do passado dia 06 de Fevereiro de 2008 ao tentar atravessar o Posto Fronteiriço do Porto Exterior tendo em vista a sua entrada e permanência em Macau, vinda de Hong Kong, a Sra. B foi detida pelo Pessoal do Serviço de Migração da Polícia de Segurança Pública de Macau destacado naquele Posto Fronteiriço, alegando que o seu documento de viagem tinha um "problema", sem especificar, porém.
3. Pouco depois, foi informado pelo pessoal do Serviço de Migração da PSP que a mesma iria ser entregue ao pessoal da Polícia Judiciária de Macau, órgão policial que solicitara a sua intercepção. Tentando indagar, não foi possível obter qualquer informação adicional sobre o fundamento daquela intercepção.
4. Pouco depois, por volta das 17h15m, a detida Sra. B é entregue ao pessoal da PJ, tendo saído dali transportada através de uma viatura da PJ, acompanhada da sua mãe C. Na noite desse mesmo dia a Sra. C, mãe da detida, é mandada embora das instalações da PJ.
5. A partir daí, dia 06/02/2008, pelas 17h15m da tarde, que a Sra. B se encontra na PJ.
6. Na noite do dia de ontem, 07/02/2008, a família deslocou~se às instalações da PJ, na Rua Central, a fim de tentar entregar algum vestuário à detida bem como para tentar saber da situação da detida. Já nas instalações da PJ, no "lobby" com câmaras de vídeo instaladas, o pessoal da PJ ali em serviço informa verbalmente que a detida Sra. B não se encontrava naquelas instalações!! Indagado o destino da detida, o pessoal da PJ não esclareceu o destino dado à detida - se liberta ou se entregue a alguma entidade competente!!
7. O certo é que a detida Sra. B encontra-se ausente e desaparecida desde a tarde do dia 06/02/2008. E, se, porventura, tivesse sido liberta, certamente que teria contactado com a família, o que não aconteceu até ao presente momento.
8. Decorreram mais de 48 horas sobre a data da sua detenção.
9. Diligências informais feitas na tarde do dia de hoje junto do Juízo de Instrução Criminal apurou-se que a detida não foi ali entregue no dia de hoje.
10. Desconhece-se, assim, o actual paradeiro ou a situação processual da detida Sra. B, acima identificada.
11. Ora tendo decorrido o prazo legal de detenção por 48 horas, sem que a mesma tenha sido liberta ou tempestivamente apresentada perante o órgão judicialmente competente para. a apreciação da sua detenção,
12. Crê-se que a mesma se encontra em situação de detenção ilegal, o que se diz com óbvia ressalva do muito respeito devido.

Foi notificado o Director da Polícia Judiciária (PJ) para apresentar o detido pelas 19 horas, bem como para apresentar as informações e os documentos necessários ao esclarecimento da decisão.
Enviou ofício, em que diz o seguinte:
“B (de sexo feminino, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong n.º XXXXXXX(X)), alvo da difusão vermelha (n.º:X -XXXX/X-XXXX) emitida pelo Secretariado da Organização Internacional de Polícia Criminal.
Em 6 de Fevereiro de 2008, pelas 18H26, B ao chegar a Macau através do Terminal Marítimo do Porto Exterior, foi interceptada pelo graduado do dia do Comissariado do Posto Fronteiriço dos Serviços de Migração da PSP, bem como foi entregue para o presente serviço para fins ditos por convenientes.
De acordo com as estipulações da Interpol, se o paradeiro do arguido visado da difusão vermelha fosse verificado nos países membros, era obrigado a comunicar de imediato ao Bureau Central do país solicitado e à Secretaria Geral da Interpol.
Após a ligação feita pelo Subgabinete de Macau do Gabinete Central Nacional Chinês da Interpol (PJ) ao mesmo Gabinete Central, sabe-se que B tinha envolvido em crime de burla de título de crédito na Cidade de Fuzhou, China, sendo alvo do mandado de captura emitido pelo Departamento da Segurança Pública da Cidade de Fuzhou em 4 de Junho de 2004 e solicitando-se a transferência da mesma para o Interior da China para efeito da investigação uma vez capturada.
De acordo com o despacho exarado pelo Digno Procurador Adjunto em 6 de Fevereiro de 2008 (cfr. anexo), B já foi transferida em 7 de Fevereiro de 2008 para a Polícia do Interior da China para fins tidos por convenientes”.

Procedeu-se a audiência pública, nos termos do art. 205.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

II – Factos apurados
Foram apurados os seguintes factos:
B, cidadã chinesa, do sexo feminino, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong n.º XXXXXXX(X), era alvo da difusão vermelha (n.ºX -XXXX/X-XXXX) emitida pelo Secretariado da Organização Internacional de Polícia Criminal, por crime de burla de título de crédito na Cidade de Fuzhou, China, sendo alvo do mandado de captura emitido pelo Departamento da Segurança Pública da Cidade de Fuzhou em 4 de Junho de 2004 e solicitando-se a transferência da mesma para o Interior da China para efeito da investigação uma vez capturada.
Pelos motivos indicados, em 6 de Fevereiro de 2008, pelas 18H26, B, ao chegar a Macau através do Terminal Marítimo do Porto Exterior, foi interceptada pelo graduado do dia do Comissariado do Posto Fronteiriço dos Serviços de Migração da PSP e entregue à Polícia Judiciária.
Comunicado ao Ministério Público, o Ex.mo Procurador Adjunto, por despacho de 6 de Fevereiro de 2008, determinou a entrega de B às Autoridades do Interior da China, o que foi efectivado em 7 de Fevereiro de 2008, tendo sido entregue ao Departamento de Segurança Pública de Zhuhai.

III – O Direito
Como se retira do encadeado dos factos, B era procurada pelas Autoridades do Interior da China, pela prática de crime.
Ao chegar a Macau, vinda de Hong Kong, foi detida e o Ministério Público determinou a sua entrega às Autoridades do Interior da China, o que foi executado em 7 de Fevereiro, ainda antes de o irmão ter apresentado esta providência de habeas corpus.
A pretensão mostra-se, desta maneira, de impossível concretização dado que o Tribunal de Última Instância não tem jurisdição fora da Região Administrativa Especial de Macau.
Sempre se dirá, no entanto, que este Tribunal, em Acórdão de 20 de Março de 2007, no Processo n.º 12/2007, num caso idêntico, decidiu que a entrega de infractores em fuga às autoridades do exterior da RAEM sujeita-se à disposição de lei especial. E dado que não existem normas inter-regionais ou locais que regulem a entrega de infractores em fuga entre o Interior da China e a RAEM, embora tenha o objectivo de executar a ordem de detenção vermelha emitida pela Interpol, na falta de normas jurídicas específicas que sejam aplicáveis, o Ministério Público, a PJ ou quaisquer autoridades públicas não podem deter o indivíduo, que está sob mandado de captura da Interpol, para efeitos de entregar ao Interior da China como parte requerente.
Claro que pode haver vozes discordantes em relação a tal entendimento; embora, até agora, só tenhamos assistido à invocação de meros slogans sem conteúdo substantivo. E como é que se pode defender a legalidade da entrega de infractores em fuga, sem lei ou Acordo que a prevejam, se as meras citações e notificações de actos judiciais em matéria civil e comercial entre a Região Administrativa Especial de Macau e o Interior da China necessitaram de um Acordo que as previsse (Acordo publicado no Boletim Oficial, II Série, de 29.8.2001)? É que não é comparável a agressividade, quanto aos direitos fundamentais das pessoas, entre uns actos e os outros.
De qualquer maneira, independentemente da diversidade de opiniões – sempre legítimas - num Território regido pela lei as decisões dos tribunais prevalecem sobre as de outras autoridades, desde que em matéria das suas atribuições e competências, como é o caso (art. 8.º, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
Quer isto dizer que tendo já este tribunal decidido, por Acórdão de 20 de Março de 2007, que era ilegal a entrega de infractor em fuga às Autoridades do Interior da China, ainda assim se persiste em proceder a tal entrega, sem lei ou Acordo que a prevejam, sem processo organizado, sem possibilitar a defesa por parte do detido e sem ordem para tal de um juiz.
Estes actos desacreditam a Justiça, minam o Estado de Direito e não prestigiam a Região Administrativa Especial de Macau.

IV - Decisão
Face ao expendido, julgam extinta a instância por impossibilidade superveniente subjectiva da lide.
Sem custas, fixando os honorários ao Ilustre Defensor nomeado em seiscentas patacas, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.

Macau, 12 de Fevereiro de 2008.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira - Jorge Miguel Pinto de Seabra




1
Processo n.º 3/2008