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Processo n.º 312/2016 Data do acórdão: 2018-1-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tráfico de menor gravidade
– art.o 11.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– erro notório na apreciação da prova
– formação da livre convicção sobre factos em prova inexistente
– confissão integral e sem reservas dos factos
S U M Á R I O
O facto de o tribunal sentenciador recorrido ter fundado a sua livre convicção sobre os factos imputados ao arguido recorrente em sede do tipo legal de tráfico de menor gravidade do art.o 11.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, na realmente inexistente “confissão integral e sem reservas” dos factos deste delito pelo recorrente, faz padecer a sua decisão condenatória do vício de erro notório na apreciação da prova do art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 312/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 293 a 304 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-15-0155-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.o 11.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, em um ano e três meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da mesma Lei, em dois meses e quinze dias de prisão, e, finalmente, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares com a pena então aplicada num outro processo penal com o n.o CR3-14-0526-PCS, na pena única de um ano e cinco meses de prisão efectiva, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando e pedindo, em suma, que ele não chegou a confessar, na audiência de julgamento em primeira instância, o crime de tráfico de menor gravidade, pelo que, ao contrário do que foi afirmado pelo Tribunal sentenciador desta vez nesse acórdão ora recorrido, esse Tribunal, ao formar a livre convicção sobre os factos provados relativos a esse delito, não o pôde fazer também com base numa prova que inexistiu, qual seja, na “confissão integral e sem reservas” dele a propósito deste também acusado crime, daí que a decisão condenatória desse crime estava a padecer do vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), razões por que ele deveria ser absolvido desse crime, ou deveria ser reenviado todo o objecto do processo para novo julgamento, e fosse como fosse deveria ser reduzida a pena do crime de consumo de estupefaciente (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 346 a 357 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de reenvio do processo (cfr. a resposta de fls. 367 a 375 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 402 a 402v), pronunciando-se também no sentido de reenvio do processo.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos elementos dos autos (incluindo a audição do conteúdo da gravação da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal Colectivo recorrido), sabe-se que:
– o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 293 a 304 dos autos, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– segundo o facto acusado n.o 5 e o correspondente facto finalmente provado n.o 5, a droga consumida pelo outro arguido do mesmo processo chamado B foi fornecida pelo arguido ora recorrente;
– na fundamentação probatória desse aresto, foi escrito que “A convicção do tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou da apreciação crítica das provas, nomeadamente, a confissão integral e sem reservas dos arguidos e depoimento da testemunha ouvida, bem como, dos documentos de fls. 82 a 86” (cfr. o teor do primeiro parágrafo da página 13 do texto do acórdão, a fl. 299 dos autos);
– na acta da audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal recorrido (lavrada a fls. 291 a 292v dos autos), não consta que o arguido recorrente tenha confessado integralmente e sem reservas os factos imputados a ele nos termos previstos no art.o 325.o, n.o 1, do CPP, mas sim que ele “A toda a matéria respondeu oralmente” (cfr. concretamente, o teor de fl. 291v dos autos);
– da audição do conteúdo da gravação da audiência de julgamento em primeira instância, resulta que o arguido ora recorrente não chegou a confessar integralmente e sem reservas os factos imputados a ele respeitantes ao crime de tráfico de menor gravidade, pois declarou ele nessa audiência que foi o outro arguido chamado B quem lhe tirou a sua droga para consumo, sem prévia autorização dele próprio.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O recorrente começa por assacar ao acórdão recorrido o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP.
Procede esta alegação, em face dos dados processuais acima coligidos na parte II do presente acórdão de recurso. Efectivamente, não pôde o Tribunal recorrido ter fundado a sua livre convicção sobre os factos imputados ao arguido ora recorrente em sede do tipo legal de tráfico de menor gravidade, também numa prova que nunca existiu, qual seja, a “confissão integral e sem reservas” dos factos pelo recorrente.
Como o acusado crime de tráfico de menor gravidade está interligado, in casu, com o imputado crime de consumo ilícito de estupefaciente, e atenta toda a hipótese da norma incriminadora deste crime (cfr. o art.o 11.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, que está interligado com o art.o 8.o, n.o 1, da mesma Lei, o qual tem a seguinte menção: “fora dos casos previstos no n.o 1 do artigo 14.o”), entende-se necessário reenviar todo o objecto do processo relativo ao arguido recorrente para novo julgamento, por um novo Tribunal Colectivo (cfr. o art.o 418.o, n.os 1 e 3, do CPP), com o que já não é mister conhecer de todo o restante alegado na motivação do recurso a propósito do imputado crime de consumo ilícito de estupefaciente, por este crime do arguido ora recorrente ir ser objecto também do novo julgamento em primeira instância.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, reenviando todo o objecto do processo relativo ao arguido recorrente para novo julgamento.
Sem custas.
Macau, 18 de Janeiro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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