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Proc. nº 854/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 08 de Fevereiro de 2018
Descritores:
- Regulação do exercício do poder paternal
- Alteração

SUMÁRIO:

I - De acordo com o nº6 do art. 122º do DL nº 65/99/M (O juiz do processo só determina uma conferência de pais (Regime Educativo e de Protecção Social de Jurisdição de Menores), onde até poderá proceder à audição do menor, caso necessário, no caso de o juiz não encontrar motivos para o arquivamento. Mas, se entender que o pedido é infundado ou desnecessária a alteração, mandará arquivar o processo.

II - O disposto no art. 124º do mesmo diploma aplica-se aos casos em que o poder é exercido em comum por ambos os pais.

III - A conferência de pais, bem como a audição do menor, de acordo com o art. 124º só têm lugar, quando os pais não estejam de acordo sobre uma “questão de particular importância”. Ora, uma “questão de particular importância” (conceito jurídico indeterminado) será aquela que se revele especial, que apresente um quadro muito “particular”, que seja “importante” e cujo diferendo seja de tal ordem que seja necessário ao tribunal convocar a sua presença ante o juiz a fim de se tentar colher deles o acordo que entre si não conseguiram alcançar. Mas a tarefa de densificação do conceito deve ser efectuada casuisticamente, ou seja, em presença de cada caso concreto.

Proc. nº 854/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, titular de Bilhete de Identidade de Residente de Macau nº XXXXXX (X), com os demais sinais dos autos, requereu em 2/12/2016 ao processo de Regulação do Exercício do Poder Paternal nº FM1-15-0143-MPS a alteração do acordo que ela e o requerido B, titular de Bilhete de Identidade de Residente de Macau nº XXXXXXX (X) alcançaram.
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O juiz titular do processo, em 9/12/2016, indeferiu o pedido.
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É contra esta decisão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, cujas alegações a recorrente A formulou as seguintes conclusões:
“I - Vem o presente recurso interposto do despacho de 9 DEZ 2016 do Juízo de Família e Menores que indeferiu os pedidos feitos pela recorrente através do seu requerimento de 2 DEZ 2016.
II - Nessa decisão o Tribunal recorrido denegou os pedidos, fundando a sua decisão, em síntese, nos seguintes argumentos: i) o pai da menor não aceitou modificar o acordo; ii) o Ministério Público não se opôs à modificação acordo caso houvesse acordo de ambos os pais; iii) sempre que queiram viajar para fora de Macau, a menor e a recorrente deverão chegar mais cedo aos postos fronteiriços, assim conseguindo evitar qualquer problema com os seus horários.
III - Em sede de regulação do exercício do poder paternal, não são os interesses, direitos ou meras vontades dos pais do menor que devem prevalecer, devendo qualquer decisão ter sempre por pólo norteador o superior interesse do menor.
IV - O Tribunal recorrido nunca equacionou e se debruçou quanto a qual fosse o melhor interesse da menor face aos novos elementos que vieram trazidos aos autos através do requerimento de 2 DEZ 2016, que eram que a menor está em sofrimento e transtorno sempre que entra e sai de Macau porque, devido ao controlo fronteiriço ordenado anteriormente pelo Tribunal, ela (e a mãe) tem sido sempre afastada das filas de espera pelos agentes policiais e levada para um locar aparte e aí mantida por mais de meia hora, sentindo-se como se fosse uma criminosa e evitando, por isso, cada vez mais sequer ousar pensar em sair de Macau, sentindo-se como uma prisioneira.
V - O Tribunal a quo limitou-se a tratar e resolver a questão unicamente com base nas posições manifestadas pelo M.P e pelo pai da menor, como se a questão se pudesse bastar e resolver unicamente com base num pretenso e soberano direito potestativo do pai em se manifestar contrário à alteração, obnubilando a consideração das posições, direitos e melhores interesses da menor, descurando debruçar-se sobre o bem ou mal fundado dos motivos que esta alegou - e se dispôs a explicar de viva voz ao Tribunal -, como se tais posições, direitos e interesses não devessem sequer ser equacionados na sua decisão de indeferimento.
VI - Em local algum da peça de 2 DEZ 2016 se referiu ou minimamente se aludiu, por remotamente que o fosse, que o sofrimento da menor fosse motivado por qualquer atraso ou retardamento que lhe provocasse o controlo feito nos postos fronteiriços, pelo que se afigura deslocada a referência feita a que a menor chegasse antecipadamente, mais cedo, aos postos fronteiriços.
VII - Por outro lado, havendo falta de acordo dos pais em questões de particular importância, o Tribunal deve sempre ouvir o menor com mais de 12 anos, isto a menos que existam circunstâncias ponderosas e fundadas que desaconselhem tal audição, devendo o Tribunal fundamentar quais são tais circunstâncias e por que motivos as mesmas devem impor na situação vertente não se escutar o menor.
VIII - Excepcionalmente, o Tribunal não ouvirá o menor com mais de 12 anos se e quando existam - e se indiquem quais sejam - determinadas circunstâncias ponderosas que o desaconselhem, devendo, pois, o Tribunal dar pública nota e fundamentar como dirimiu esse conflito entre o dever legal de ouvir o menor e a verificação que faça da existência de determinadas circunstâncias que, segundo o seu juízo, por mais ponderosas, afastam aquele dever.
IX - Na decisão recorrida uma vez mais nada se diz ou equaciona a esse propósito na decisão recorrida, sendo a mesma inteiramente omissa.
X - O Tribunal recorrido não adoptou in casu a solução que o ordenamento jurídico lhe exige, seja em termos de aplicação da estrita legalidade vigente seja ainda, senão sobretudo, por não ter sequer equacionado e ponderado qual a mais conveniente, oportuna e equitativa solução para a situação trazida aos autos pela recorrente.
XI - A decisão sub judice incorreu na nulidade prevista no art. 571.º, n.º 1, al. d), do C.P.C., por se verificar falta de pronúncia sobre questões que deveria ter conhecido.
XII - Por outro lado, ao não ter adoptado a acima propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes do art. 120.°, n.º1, do R.E.P.S.J.M., do art. 1756.°, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil e do art. 124.°, n.º 3, do R.E.P.S.J.M., e, por outro lado ainda, do art. 1208.° do C.P.C., o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.° do C.P.C..
TERMOS EM QUE se solicita a V. Ex.as seja julgado procedente o recurso, seja revogada a decisão recorrida e, destarte, seja a mesma substituída por outra que se conforme com os termos ora acima expostos.”
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O requerido respondeu ao recurso, nos seguintes termos conclusivos:
“1. O Tribunal a quo fez um enquadramento legal adequado à questão dos autos, não tendo a decisão proferida violado quaisquer dispositivos legais.
2. Foi acordado que a ausência de Macau pela menor, acompanhada com apenas um dos pais, carece do consentimento do outro.
3. Decorre do disposto do n.º 1 do artigo 122.° do R.E.P.S.J.M., “Quando o acordo ou a decisão sobre o exercício do poder paternal não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que esteja estabelecido, qualquer dos progenitores ou o Ministério Público podem requer nova regulação do exercício do poder paternal”.
4. O Recorrente tem cumprido integralmente o acordo estabelecido.
5. Não existe qualquer circunstância superveniente que torne necessário alterar o que já se encontra estabelecido.
6. Pelo que, não pode o acordo ser modificado fora dos pressupostos legais sem o consentimento de ambos os pais.
7. Acresce que, foi precisamente os interesses da menor que baseou o acordo do exercício do poder paternal, o qual foi consentido pelo Ministério Público e homologado pela Meritíssima Juíza.
8. A autorização em causa constitui um meio, acordado pelos pais e consentido pelo Tribunal, que visa garantir os interesses da menor.
9. Uma vez que não existe qualquer falta em questões de particular importância, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 124 do R.E.P.S.J.M. e no n.º 2 do art. 1756.° do C.C., o Tribunal não tem de ouvir a menor.
10. Pelo que, o douto Tribunal a quo não violou os artigos 120.°, n.º 1 e 124.°, n.º 3 do R.E.P.S.J.M., o artigo 1756.° do C.C. nem o artigo 1208.° do C.P.C..
11. O douto despacho recorrido também não é nulo, razão pela qual deverá o presente recurso ser julgado improcedente, com as demais consequências legais”.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Regulado o exercício do poder paternal, providência que tem lugar nos casos previstos nos artigos 114.º e 123.º do DL 65/99/M (cf. também artigos 1760.º e seguintes do Código Civil), o que ficar estabelecido pode ser objecto de alteração através de nova regulação do poder paternal, nos casos e nos termos do artigo 122.º do aludido DL 65/99/M, ou em incidente de incumprimento, nos moldes permitidos pelo artigo 121.º do mesmo diploma.
Não estava em causa uma situação de alteração, pois, além de não ter sido requerida formalmente nova regulação do poder paternal, o acordo não estava a ser violado por ambos os progenitores, nem se prefigurava um caso de necessidade de alteração fundada na superveniência de ponderosas circunstâncias, como o Ministério Público teve, aliás, oportunidade de referir.
Também não era caso de incidente de incumprimento, já que nenhum dos progenitores estava a incumprir o acordo.
E também não se estava perante situação que pudesse obter guarida através da providência do artigo 124.º do DL 65/99/M, a qual está especificamente talhada para os casos em que o poder paternal é exercido em comum por ambos os progenitores, sejam ou não casados entre si, convivam ou não maritalmente. Como se viu, o poder paternal ficou atribuído apenas à mãe, ora recorrente.
Portanto, adentro do normal quadro de regulação e alteração das responsabilidades parentais previsto nos artigos 114.º e seguintes, do DL 65/99/M, a pretensão da recorrente não podia lograr acolhimento.
É claro que, sendo aplicável a este tipo de processos, em complemento das regras estipuladas no DL 65/99/M, as disposições atinentes aos processos de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita cedem lugar a juízos de equidade, conveniência e oportunidade, nada impedia que, obtido o acordo de ambos os progenitores, se pudesse operar a pretendida alteração sem a intercorrência de uma acção formal de alteração.
Mas, como vimos, o progenitor não deu o seu assentimento. E sem essa concordância não estava o tribunal legitimado a alterar a regulação do poder paternal, mediante simples requerimento de um dos progenitores, onde não pontuava uma causa de pedir enquadrável nas hipóteses de alteração. A demora na passagem da fronteira e os aborrecimentos que causa não constituem uma circunstância superveniente, e menos ainda uma ponderosa circunstância, que imponham a alteração da regulação do exercício do poder paternal.
Aqui chegados, estamos em condições de nos pronunciarmos sobre os concretos vícios imputados à decisão recorrida.
Não ocorre a violação da disposição do artigo 120.º, n.º 1, do DL 65/99/M, pois não estamos perante uma sentença que devesse regular o poder paternal e que, abstendo-se de o fazer, tenha postergado o superior interesse da menor.
Não resultam afrontadas as normas do artigo 124.º, n." 3, do aludido DL e do artigo 1756.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, porquanto se trata de estatuições aplicáveis a diferendos entre progenitores em questões de particular importância, no quadro do exercício em comum do poder paternal, o que obviamente não está aqui em causa.
Também não ocorreu qualquer violação da norma do artigo 1208.º do Código de Processo Civil, pois o tribunal apreciou o requerimento, não obstante não haver sido lançada mão da acção de alteração, tendo chegado à conclusão de que não se impunha qualquer alteração do anteriormente decidido, o que em nada briga com os critérios de conveniência e oportunidade que presidem ao julgamento no âmbito da jurisdição voluntária.
Finalmente, não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Esta nulidade só ocorre quando o tribunal não se debruça sobre questões que devia apreciar - artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Se o tribunal deixa de abordar meros argumentos, considerandos, hipóteses e outras achegas que as partes vertem nos articulados, isso já não integra a falada omissão. Nas palavras de Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, a pgs. 143, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Ora, a verdadeira questão que fora colocada ao tribunal foi a da alteração parcial do regime de visitas em vigor. E essa foi resolvida, através do indeferimento, com os motivos e fundamentos que constam do despacho recorrido, não restando dúvidas de que o tribunal decidiu a questão que lhe foi posta. A falta de ponderação específica sobre o que mais convinha ao interesse da menor e a audição da própria menor, embora não integrem questões a resolver, sempre estariam prejudicadas pela solução fundada na desnecessidade de alteração.
Ante o exposto, não ocorre qualquer omissão de pronúncia nem foram violados os normativos apontados pela recorrente, não havendo reparo a dirigir ao douto despacho recorrido, que deve ser mantido, negando-se provimento ao recurso.”
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
1 - No âmbito do Processo de Regulação do Exercício do Poder Paternal nº FM1-15-0143-MPS foi alcançado o seguinte acordo entre requerente, ora recorrente, e requerido:
“1. O poder paternal relativo ao menor, C, é exercido pela requerente, A;
2. O requerido, B, a partir do corrente mês, deve pagar à requerente uma quantia de MOP$35.000,00, no último dia de cada mês, através da transferência bancaria, a título de alimentos a favor do menor. A quantia acima indicada não abrange as despesas médicas, de educação e de seguros ora existentes a favor do menor;
3. As despesas médicas, de educação e de seguros ora existentes a favor do menor ficam a cargo do requerido;
4. A partir deste domingo (ou seja, o dia 10 de Abril de 2016), o requerido pode visitar e tomar refeições fora com o menor, das 12:00 às 16:00, em cada domingo, o qual dura pelo período de 4 meses. Passados 4 meses, sem prejuízo do que as partes mantenham ou alterem o regime de visitas de harmonia com as situações reais do menor; e,
5. As partes concordam no caso em que cada uma delas leva o menor para deslocar-se de Macau, é obrigado a obter o consentimento do outro”.
2 – Porque o digno Magistrado do Ministério Público disse nada ter a opor, a Ex.ma Juíza proferiu a seguinte sentença:
SENTENÇA
“Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 117.º do D.L. n.º 65/99/M, de 25 de Outubro, é homologado por sentença judicial o acordo acima indicado sobre o exercício do poder paternal, o pagamento de alimentos e o regime de visitas a favor do menor, C, bem como tem de ser executado em conformidade integral com o seu conteúdo.
Ordena que as partes devam cumprir rigorosamente o conteúdo do acordo.
Custas a cargo das partes, na proporção de metade. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do Regime das Custas nos Tribunais, para efeitos de custas, o valor da causa é fixado em 100 UC.
Comunique à Conservatória do Registo Civil.
Registe e notifique a presente sentença”.
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3 – A requerente dirigiu ao referido processo em 2/12/2016 o seguinte requerimento:
“A, requerente nos autos acima cotados, vem, com a MÁXIMA URGÊNCIA, expor e, a final, requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1. Nos termos da regulação do exercício do poder paternal, presentemente em vigor nos termos do acordo entre a requerente e o requerido, subsequentemente homologado pelo Tribunal, ambos os pais devem consentir na saída do Território da menor quando apenas acompanhada por um deles.
2. Sucede que os últimos meses revelaram que a execução dessa cláusula do acordo se tem mostrado extremamente penosa e prejudicial para a menor.
3. Com efeito, apesar de a requerente em cada saída e regresso a Macau se fazer acompanhar de um documento escrito assinado pelo requerido autorizando a viagem da filha, a verdade é que de todas as vezes que saiem e entram de Macau, ambas são sempre abordadas pelos agentes dos postos fronteiriços da R.A.E.M.
4. Com efeito, estes agentes, ao conferirem os seus documentos de identificação e pesar de lhes ser prontamente entregue o documento autorizativo assinado pelo requerido, mesmo assim pedem, sempre e de imediato, a ambas que saiam da fila e os acompanhem a uma sala à parte.
5. Aí chegadas, sem qualquer explicação, é-lhes apenas pedido que aguardem, o que se prolonga quase sempre por pelo menos 40 minutos.
6. Por fim, é-lhes dito simplesmente que já está verificado e confirmado que a menor pode sair de Macau com a mãe, aqui requerente.
7. Saliente-se que esta situação tem ocorrido sempre, seja à saída, seja à entrada e tanto em relação a viagens curtíssimas (no mesmo dia), curtas (um fim-de-semana) ou de duração superior ou, ainda, seja para local pouco distante (por exemplo, Hong Kong) ou um pouco mais distante (por exemplo, Filipinas).
8. Ora, a filha tem 12 anos e não percebe por que motivo ela e a mãe têm de passar tantos e repetidos vexames pessoais ao serem colocadas à parte por agentes da polícia perante todas as pessoas de cada vez em que estão a sair ou a reentrar de Macau, sentindo a menor uma intensa vergonha e desgosto por sentir que ela, bem como a mãe, estão a ser tratadas e aos olhos de terceiros que estão na fila é como se fossem criminosas.
9. Para a menor, tomou-se já traumática idéia de sair de Macau pois sabe que ao fazê-lo e, depois, ao regressar, terá sempre de enfrentar essa situação embaraçosa, sentindo-se crescentemente uma “prisioneira” em Macau.
10. Acresce que a filha esta habituada a ir muitas vezes a hong kong somente 1 ou 2 dias e actualmente deixou de fazer isso uma vez que tudo é extremamente traumatizante.
11. Há uns dias atrás a menor já explicou esta situação ao seu pai através de uma mensagem de correio electrónico de 30 NOV 2016 (DOC. 1), sendo que, acredita que o seu pai vai concordar com a eliminação dessa exigência porque é sensível a esta situação e perceber o estado de aflição crescente em que a filha vive ultimamente, situação que a requerente acredita que já só poderá ser alterada através do Tribunal.
12. A verdade é que a vida da menor sempre foi e continuará a ser em Macau, que é o centro estabilizado e permanente da sua vida em qualquer dos seus planos, seja familiar, seja escolar ou social.
12. No que diz respeito à posição da requerente, esta expressamente autoriza e, em nome da sua filha, pede que:
a) Cancelamento junto dos postos fronteiriços da R.A.E.M. do controlo de autorização dos pais para a entrada ou saída de Macau;
b) Nas viagens inferiores a 4 dias necessário comunicar por escrito ao progenitor que não viaja com a filha; e,
c) Nas viagens superiores a 4 dias necessário comunicar e obter autorização por escrito do progenitor que não viaja com a filha.
13. Em qualquer caso, o essencial e a requerente pede a V. Ex.ª que ordene e comunique aos postos fronteiriços da R.A.E.M. para deixarem de proceder a tal controlo à entrada ou saída de Macau.
14. A menor, atenta a sua idade, declara também que se dispõe a ser chamada a depor perante V. Ex.ª a fim de poder explicar de viva voz e em detalhe a situação traumatizante que tem vivido sempre que sai e volta a Macau, nem que seja por uma tarde ou um dia.
15. Esta situação deverá, pois, ser revertida ou, pelo menos, atenuada em homenagem àqueles que são os melhores interesses da menor, que são os de poder sair e entrar de Macau sem o constrangimento e embaraço permanentes atrás explicados a V. Ex.ª.
16. A requerente pede ainda, por fim, muito respeitosamente, a V. Ex.ª a máxima urgência na apreciação e decisão do presente assunto a fim de permitir que, na viagem de Natal que vai fazer com a filha às Filipinas - com data de ida em 20 DEZ 2016 e regresso a Macau em 31 DEZ 2016 -, toda a situação constrangedora acima descrita não volte uma vez mais a suceder.
Assim, requer-se a V. Ex.ª que sejam ouvidos, com a máxima urgência, o requerido, pai da menor e o Ministério Público, e depois, ordene o seguinte:
a) Cancelamento junto dos postos fronteiriços da R.A.E.M. do controlo de autorização dos pais para a entrada ou saída de Macau;
b) Nas viagens inferiores a 4 dias necessário comunicar por escrito ao progenitor que não viaj a com a filha; e,
c) Nas viagens superiores a 4 dias necessário comunicar e obter autorização por escrito do progenitor que não viaja com a filha.
Caso não seja possível, como cautela de patrocínio, seja unicamente ordenado o cancelamento junto dos postos fronteiriços da R.A.E.M. do controlo de autorização dos pais para a entrada ou saída de Macau, continuando sempre a ser necessária, em qualquer situação, a autorização por escrito do progenitor da menor que não viaja.
Por fim, se achar necessário e não existe acordo de todos os intervenientes, determine a marcação de uma conferência de pais e autorize o depoimento da menor por V. Ex.ª”.
*
4 – O requerido B opôs-se ao pedido e o juiz titular do processo proferiu, então, a seguinte decisão:
“In casu, a requerente apresentou ao Juízo o requerimento da alteração do acordo alcançado entre as partes (vide fls. 74 dos autos), pela razão de que, aquando da saída de Macau dos menor e requerente, tem sempre gastado pelo menos 40 minutos para as formalidades administrativas referente à autorização de saída, pelo que requereu a dispensa do consentimento do requerido.
Além disso, ainda relevou que a requerente com o menor deslocava-se sempre a Hong Kong, acreditando que o requerido também concorde com o cancelamento da restrição da saída de Macau à excepção de obter o consentimento dos pais do menor.
O requerido, tendo sido notificado do respectivo requerimento, disse não concordar com o respectivo requerimento e, solicitou ao Juízo que o requerimento devia ser indeferido. (vide fls. 145 a 147 dos autos)
No tocante ao requerimento, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que, à excepção de obter o consentimento das partes, o respectivo acordo só podia ser alterado com base dos factos supervenientes ocorridos, o que não foi o caso, pois, devia ser mantido o mesmo (vide fls. 148 dos autos).
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Após análise do fundamento apresentado pela requerente, este Juízo entende que qualquer homem médio costuma sair de casa mais cedo aquando da deslocação ao exterior, a fim de evitar influência ao itinerário devido às formalidades alfandegárias de saída. Portanto, as formalidades de saída são muitas morosas, o que não constitui fundamento na alteração do respectivo acordo.
Ao contrário, as partes, como pais do menor, têm direito de saber as situações da vida do menor, designadamente as suas deslocações para o exterior.
Visto que o requerido disse, de forma clara, não concordar com a respectiva alteração, bem como não há fundamento suficiente para alterar o respectivo acordo, este Juízo decide indeferir o requerimento apresentado pela requerente sobre o cancelamento da restrição da saída de Macau do menor à excepção de obter o consentimento das partes.
Notifique e D.N.”
***
III – O Direito
1 - Vem o recurso interposto do despacho que indeferiu a pretensão da mãe do menor, que era no sentido da alteração do exercício do poder paternal, de forma a que deixasse de ser necessário o consentimento do requerido para poder sair de Macau com a filha, ao contrário do que estava estipulado na sentença de regulação do exercício do poder paternal.
A razão para o pedido apresentado pela mãe, aqui recorrente, prendia-se com o imenso tempo no posto fronteiriço que ela e a menor eram forçadas a gastar para verificação, pelos respectivos serviços de segurança, da situação de regulação do exercício do poder paternal, tanto à saída, como na reentrada em Macau.
Acrescentava que esta situação de longa demora nos postos fronteiriços (pelo menos 40 minutos) é traumatizante para a filha, com 12 anos, que se sente “prisioneira” em Macau, e que a leva já a não querer ir a Hong Kong, como era seu hábito frequente.
Razão pela qual, a ora recorrente pretendia a alteração do exercício do
poder paternal, de modo a que fosse:
a) Dispensado o controlo fronteiriço da autorização dos pais para a entra e saída da menor de Macau;
b) Nas saídas inferiores a 4 dias apenas fosse preciso comunicar ao outro progenitor a viagem;
c) Nas saídas superiores a 4 dias fosse necessária a comunicação e autorização por escrito do outro progenitor.
O recorrido, em resposta escrita a este pedido, porém, não deu o consentimento à pretendida alteração.
*
2 - A decisão impugnada não deu deferimento ao pedido. A fundamentação utilizada foi esta:
- Como “qualquer homem médio”, e para fugir à morosidade das formalidades nos postos fronteiriços, deverão a recorrente e a filha tentar apresentar-se lá “mais cedo”;
- A demora nestas formalidades não constitui fundamento para alteração do acordo sobre o exercício do poder paternal;
- Os pais da menor têm o direito de conhecer as situações da vida do filho, designadamente as suas deslocações para o exterior;
- O progenitor recorrido não deu o seu acordo à pretendida alteração.
*
3 - Vejamos.
Bem. A recorrente entende que a decisão recorrida é nula (art. 571º, nº1, al. d), do CPC), porque não se pronunciou sobre o bem ou mal fundado dos motivos invocados pela requerente no seu pedido de alteração, com particular destaque para a situação de sofrimento invocada pela filha e para os superiores interesses da menor na análise do caso.
É verdade que o despacho não especificou a situação do sofrimento, isto do trauma que provocará na filha da recorrente o longo tempo que ela tem que esperar até que as autoridades confirmem a sua situação concreta de regulação do poder paternal em apreço.
Contudo, em nossa opinião, tal não faz ruir a fundamentação utilizada pelo despacho. Não nos podemos esquecer que as decisões judiciais neste tipo de processos estão sempre dependentes dos superiores interesses dos menores, mesmo que essa referência nelas não seja feita de um modo expresso.
Ora, a decisão em causa, apesar de algum laconismo, elencou várias razões para o indeferimento, que o TSI acaba por compreender e sufragar. Na verdade, as saídas da menor, já com 12 anos, uma adolescente, portanto, devem ser seguidas de perto pelos pais, seja pelo acompanhamento pessoa e directo que qualquer deles faça da filha nas suas saídas para o exterior de Macau, seja pelo acompanhamento indirecto que o outro progenitor faz com o seu consentimento. É a isto que o despacho em crise se refere, estamos seguros, quando valoriza a recusa do recorrido em dar o seu “agreement” à alteração pretendida pela recorrente.
Ora, quando o pai da menor nega o seu consentimento fá-lo em função dos perigos que espreitam a verdura de qualquer adolescente de 12 anos nos seus movimentos, nas suas deslocações, enfim na sua vida quotidiana. Portanto, se o progenitor masculino manifesta a sua preocupação desse jeito, o tribunal, ao fundamentar a sua decisão também na posição do pai, não está senão a fazer suas as preocupações dele e, consequentemente, a agir segundo os melhores interesses da menor, da sua vida e da sua integridade.
Quanto à demora nos postos fronteiriços, este TSI lamenta o facto, mas também a compreendemos. Sempre achamos preferível que as autoridades realizem o seu dever de protecção e de acatamento das decisões judiciais com eficiência e competência – até mesmo com algum excesso de zelo -, do que com leviandade, ligeireza, negligência e falta de cuidado, circunstâncias que poderiam abrir as portas a situações graves de incumprimento judicial, de raptos, etc. Esperamos que a própria recorrente também compreenda que a referida demora acaba por ser para bem da própria menor e para os seus interesses, por muito que isso cause alguns atrasos e constrangimentos. Nós percebemos que estas formalidades das autoridades junto dos postos fronteiriços criem embaraços e incómodos. Porém, nada podemos fazer, se tudo isso é feito em cumprimento da decisão judicial e se não há acordo dos progenitores para o evitar.
*
4 – A recorrente acha também que este caso, desencadeado com o seu requerimento de 2/12/2016, deveria ter levado à realização de uma conferência, em que própria filha pudesse ser ouvida pelo juiz, nos termos do art. 124º, nº3, do Regime Educativo e de Protecção Social de Jurisdição de Menores (DL nº 65/99) e art. 1756º, nº2, do Código Civil.
O art. 1756º, nº2 não se mostra aplicável ao caso, uma vez que se não trata de regular o exercício do poder paternal “na constância do casamento”, como é pressuposto da norma.
Vejamos, agora, o que dizem os arts. 122º e 124º do DL nº 65/99:
Artigo 122.º
(Alteração de regime)
1. Quando o acordo ou a decisão sobre o exercício do poder paternal não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias surpervenientes tornem necessário alterar o que esteja estabelecido, qualquer dos progenitores ou o Ministério Público podem requerer nova regulação do exercício do poder paternal.
2. O requerente expõe sucintamente os fundamentos do pedido e, quando o regime tenha sido estabelecido por acordo extrajudicial, junta ao requerimento certidão do acordo e da sentença homologatória.
3. Quando o regime tenha sido fixado pelo tribunal, o requerimento é junto ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que é requisitado quando, segundo as regras da competência, seja outro o juiz competente para conhecer da nova acção.
4. O requerido é citado para, no prazo de 8 dias, alegar o que tenha por conveniente.
5. Junta a alegação, ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, quando considere o pedido infundado ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo.
6. Quando não mande arquivar o processo, o juiz ordena o seu prosseguimento, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 115.º a 120.º
7. Antes de mandar arquivar o processo ou de ordenar o seu prosseguimento, o juiz pode ordenar as diligências que considere necessárias.
Artigo 124.º
(Falta de acordo dos pais em questões de particular importância)
1. Quando o poder paternal seja exercido em comum por ambos os pais, mas estes não estejam de acordo em alguma questão de particular importância, qualquer deles pode requerer ao juiz a resolução do diferendo.
2. Autuado o requerimento, seguem-se os termos previstos nos artigos 115.º, 117.º e 118.º
3. Na falta de acordo, o juiz ouve o filho que tenha completado 12 anos, excepto quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.
4. Realizadas as diligências necessárias, o juiz decide.
O primeiro preceito alude aos casos de alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal. Portanto, adequa-se ao nosso caso. Ora, o juiz do processo só determina uma conferência (face à remissão para o art. 115º feita no nº 6), onde poderá proceder à audição do menor, mas apenas no caso de não encontrar motivos para o arquivamento. Quer dizer, se entender que o pedido é infundado ou desnecessária a alteração, mandará arquivar o processo; na hipótese contrária, então, ouvirá os pais interessados em conferência tendo em vista a possível alteração.
Neste caso, o juiz não encontrou razões para o prosseguimento e, por isso, indeferiu a pretensão. Por conseguinte, não o achamos violado pela decisão sindicada.
Quanto ao segundo, também ele se mostra respeitado.
Por um lado, ele aplica-se aos casos em que o poder é exercido em comum por ambos os pais, o que não é o caso, tendo em conta o teor da sentença do acordo de regulação de fls. 8-10 do apenso de tradução (fls. 51 dos presentes autos).
Em segundo lugar, a conferência, bem como a audição da menor, só têm lugar, quando os pais não estejam de acordo sobre uma “questão de particular importância”. Ora, uma “questão de particular importância” (conceito jurídico indeterminado) será aquela que se revele especial, que apresente um quadro muito “particular”, que seja “importante” e cujo diferendo seja de tal ordem, que seja necessário ao tribunal convocar a sua presença ante o juiz a fim de se tentar colher deles o acordo que entre si não conseguiram alcançar. E só na falta desse acordo é que o tribunal poderá chamar o menor com mais de 12 anos.
Ora, a tarefa de densificação do conceito deve ser efectuada casuisticamente, ou seja, em presença de cada caso concreto. Mas, se não estamos errados, a situação dos autos não é de tal modo premente, imperiosa e grave que se mostre adequada ao preenchimento do referido conceito.
Como se viu, o magistrado, ainda que expressamente o não tivesse dito, não viu necessidade de chamar as pessoas à sua presença. E os factos trazidos aos autos para justificarem o pedido não são, em nosso entendimento, de particular importância que justifiquem a alteração do poder paternal nos moldes pretendidos.
Por tudo o que se deixa dito, e pelo mais que o digno Magistrado do MP opinou e que aqui também fazemos nosso, com a devida vénia, não vemos razão para verter censura sobre o dito despacho.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
T.S.I., 08 de Fevereiro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
854/2017 1