--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 25/01/2018 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 1119/2017
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. B (B), arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenando pela prática como autor material de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelos art°s 142°, n.° 3 do C.P.M., e art. 93°, n.° 1 e 94°, al. 1) da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e a pena acessória de inibição de condução por 2 anos.
Em cúmulo jurídico com a pena de 5 meses de prisão, também suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, que lhe tinha sido aplicada no âmbito do Processo CR4-16-0120-PSM, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, mantendo-se-lhe a pena acessória de inibição de condução por 2 anos.
Em relação ao “pedido de indemnização civil” enxertado nos autos, decidiu o Colectivo condenar a demandada civil “COMPANHIA DE SEGUROS XXXX”, (XXXX保險有限公司), a pagar à demandante C (C) a quantia de MOP$1.478.863,47 e juros; (cfr., fls. 459 a 472 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Quanto à “decisão crime”, diz que excessiva é a pena, e quanto à “condenação civil”, considera haver “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 499 a 510-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso, na parte penal, não merece provimento; (cfr., fls. 516 a 520).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“B recorre do acórdão de 28 de Julho de 2017, que o condenou na pena global de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão de 1 ano e 8 meses, aplicada pelos factos do presente processo, e de 5 meses, aplicada no âmbito do processo CR4-16-0120-PSM.
Diz, no que respeita à parte penal – única sobre a qual nos pronunciaremos –, que o tribunal, por um lado, não atendeu aos factores que lhe eram favoráveis, e que se o tivesse feito, ou seja, se tivesse atendido a tais factores, a pena não teria sido superior a um ano, com execução suspensa por 2 anos; por outro lado, afirma que também a pena conjunta resultante do cúmulo, fixada em 1 ano e 10 meses, se mostra demasiado grave e pesada, o que não sucederia se tivessem sido ponderadas aqueles factores ou circunstâncias favoráveis, pois, nessa hipótese, deveria ter sido condenado na pena global de 1 ano e 3 meses, suspensa na sua execução por 2 anos.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público aponta para a total improcedência do recurso e defende a manutenção integral do julgado.
Vejamos, restringindo, como dissemos, a nossa apreciação à parte penal da condenação.
O recorrente foi condenado, neste processo, por um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.
Tratando-se de um crime previsto e punível pelo artigo 142.°, n.° 3, do Código Penal, com referência aos artigos 93.°, n.° 1, e 94.°, alínea 1), da Lei do Trânsito Rodoviário, a moldura penal oscila entre o mínimo de 1 ano e 1 mês e o máximo de 3 anos. O tribunal, após enunciar a matéria dada como provada, fixou a pena em 1 ano e 8 meses de prisão, fazendo-o com apelo aos critérios dos artigos 40.°, 64.° e 65.° do Código Penal, explicitando a não opção por pena de multa e as circunstâncias que essencialmente influíram na determinação da pena, incluindo o facto de o arguido ser primário ao tempo do cometimento do crime, como melhor se vê de fls. 548 a 554 dos autos (versão traduzida do acórdão).
Pois bem, o que contrapõe o recorrente a isto? Limita-se a afirmar que o tribunal não atendeu aos factores favoráveis ao arguido. Que factores? Não esclarece.
E no tocante ao cúmulo jurídico, que, numa moldura variável entre um mínimo de 1 ano e 8 meses e um máximo de 2 anos e 1 mês de prisão, fixou a pena conjunta em 1 ano e 10 meses, nos termos do artigo 72.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, o recorrente limita-se também à afirmação da excessividade da pena, remetendo igual e singelamente para a falta de ponderação das circunstâncias favoráveis. Quais, já vimos que as não identificou.
Ora, perante o laconismo desta alegação é altamente duvidoso que a peça cumpra os requisitos substanciais da motivação de recurso. No fundo, ela não contém a enunciação dos fundamentos do recurso, limita-se a discordar da decisão sem apontar os motivos concretos da discordância. E constituindo esta enunciação dos fundamentos o cerne da alegação de recurso, como resulta do artigo 402.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, a sua falta acarretará a falta de motivação, com a consequência da rejeição prevista no artigo 410.° do Código de Processo Penal.
Assim, porque a peça de motivação não contém, na parte penal, salvo melhor juízo, os fundamentos específicos do recurso, o que equivale a falta de motivação, deve o recurso ser rejeitado, indo nesse sentido o meu parecer.
Para a hipótese de assim não se entender, e se considerar que, apesar de tudo, a peça alegatória pode ser encarada como motivação substancial do recurso quanto à parte penal da decisão, temos por bem acompanhar inteiramente a resposta do Ministério Público em primeira instância, dada a pertinência e o esforço da abordagem, perante a quase inexistente e insondável motivação do recurso.
Neste caso, e corno bem ressuma da resposta, apresenta-se óbvia a improcedência do recurso, o que deverá conduzir a que seja rejeitado ou objecto de não provimento”; (cfr., fls. 622 a 623).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso no que toca à decisão crime, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 460-v a 463, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou nos termos atrás explicitados.
–– No que toca à “decisão crime”, diz que o Acórdão recorrido padece de “excesso de pena”.
Vejamos.
Ao crime pelo arguido cometido – em virtude de ser um crime cometido “no exercício da condução” – cabe a pena de prisão de 1 ano e 1 mês até 3 anos ou pena de multa; (cfr., art°s 142°, n.° 3 do C.P.M., e art. 93°, n.° 1 e 94°, al. 1) da Lei n.° 3/2007).
Como se viu, foi o recorrente condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, entendendo o arguido que “suficiente era a pena de 1 ano de prisão”, (que, como é óbvio, não se pode acolher).
Prescreve o art. 40° do C.P.M. que:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, temos entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017, de 16.11.2017, Proc. n.° 722/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017).
Ponderando na factualidade dada como provada e no estatuído no art. 64° do C.P.M. entendeu o Tribunal a quo que inadequada era a pena (alternativa) de multa, tendo optado pela de prisão de 1 ano e 8 meses.
Ora, tendo em conta que o acidente dos autos ocorreu quando o arguido conduzia sob influência de álcool, tendo atropelado a vítima quando esta se encontrava a atravessar uma passadeira para peões, evidentes são as (muito) fortes necessidades de prevenção criminal, a reclamar alguma dureza na reacção penal.
Nesta conformidade, e tendo presente a moldura penal em questão, motivos não há para se considerar a pena de 1 ano e 8 meses de prisão inadequada ou excessiva, (isto, tanto na sua “natureza” como “medida”).
Por sua vez, o mesmo se mostra de dizer em relação à “pena única”, resultado do cúmulo jurídico que se efectuou com uma outra pena de 5 meses de prisão, aplicada no processo CR4-16-0120-PSM.
De facto, atento os critérios do art. 71° do C.P.M., e em causa estando uma moldura penal com um “limite mínimo de 1 ano e 8 meses” e um “limite máximo de 2 anos e 1 mês de prisão”, não se vê como se possa considerar excessiva a pena aplicada de 1 ano e 10 meses de prisão (que se suspendeu na sua execução por 2 anos).
Como temos vindo a afirmar, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017, de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1133/2017).
No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como recentemente se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Sendo de confirmar o que se deixou consignado, à vista está a solução.
–– Quanto à “parte civil”, mostra-se-nos que o presente recurso não é de admitir.
Com efeito, o ora arguido, era também um dos requeridos no pedido civil deduzido pela ofendida dos autos, tendo sido do mesmo absolvido pelo T.J.B..
E vem agora recorrer do segmento decisório em questão, alegando um eventual “direito de regresso” da demandada seguradora que foi condenada no pagamento da indemnização.
Ora nestes termos, e como já decidiu este T.S.I. – cfr., vg., o Ac. de 28.04.2011, Proc. n.° 720/2010 – verificados não estão os pressupostos do art. 391° do C.P.P.M. para que se possa admitir o recurso em questão.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso no que toca à “decisão crime”, não se admitindo o recurso quanto ao segmento que decidiu o pedido de indemnização civil enxertado nos autos.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do seu recurso na parte crime, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 25 de Janeiro de 2018
José Maria Dias Azedo
Proc. 1119/2017 Pág. 14
Proc. 1119/2017 Pág. 1