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Processo nº 549/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 25/Janeiro/2018

Assuntos: Título executivo
      Juros de mora

SUMÁRIO
Não constando do título executivo o reconhecimento da obrigação de juros, não são exigíveis na respectiva acção executiva os juros de mora, por não haver título executivo para o efeito.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 549/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 25/Janeiro/2018

Recorrente:
- B (executado/embargante)

Objecto do recurso:
- Despacho que rejeitou liminarmente os embargos

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pelo exequente C contra o executado B (doravante designado por “recorrente”), veio este deduzir contra aquele, por apenso, a oposição à execução por meio de embargos, pedindo a redução da dívida exequenda, com fundamento na falta de título executivo quanto aos juros de mora.
Por decisão do Tribunal Judicial de Base, foram rejeitados os embargos.
Inconformado, interpôs o executado recurso para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 19 a 22 dos autos, que rejeitou os embargos de executado, interpostos pelo aqui recorrente, à execução intentada por C, nos quais pedia o indeferimento da execução quanto aos juros de mora pedidos pelo exequente.
2. A douta decisão do Tribunal “a quo”, considerou que estavam observados os requisitos legais para que os juros sejam exigíveis e que existe título para o efeito.
3. Salvo todo o respeito que é devido, não concorda o Recorrente com tal entendimento, porquanto, relativamente aos juros de mora peticionados pelo Exequente, não foi estipulada qualquer convenção expressa sobre os juros de mora no documento que serve de título executivo.
4. Apenas se refere que, em 20 de Outubro de 2005, o Executado contraiu um empréstimo no valor total de HKD$600.000,00, comprometendo-se a pagar ao Exequente, a quantia de HKD$200.000,00 até ao final do mês de Outubro de 2005 e o remanescente montante de HKD$400.000,00 antes do final do ano de 2005.
5. Por outro lado, mesmo se se entendesse que o eventual direito a juros de mora a partir do final do ano de 2005, salvo todo o respeito que é devido, considera-se que aquele momento define tão somente um prazo inicial a partir do qual pode ser exigida. Contudo a data do vencimento do direito não foi indicada pelo Exequente ora recorrido, não tendo por isso prazo certo.
6. Contudo, é a própria a sentença, a fls. 22 dos autos, que menciona que o título executivo não se refere aos juros de mora.
7. Ora, nos termos do art. 794º do CC, não tendo a obrigação prazo certo, o recorrente só ficaria constituída em mora depois de ter sido judicial ou extra judicialmente interpelado para cumprir.
8. Pelo que nessa medida, trata-se de uma obrigação cujo vencimento apenas ocorre depois de interpelado ao cumprimento.
9. Contudo, visto não resultar qualquer prova de interpelação para cálculo de eventuais juros de mora nunca deverá ser considerada tal obrigação, para tal efeito.
10. Por outro lado, a citada posição do Exmº Juiz Desembargador Abrantes Geraldes vertida na douta decisão, deve ser apenas entendida como referência.
11. Desde logo, porque o referido texto se refere a uma realidade existente em Portugal anterior a 2001 e, que necessitou de uma intervenção legislativa operada pelo Dec. Lei 38/2003 de 8/3 para que, de acordo como o n.º 2 então introduzido no artigo 46º do CPC Português, se pudessem “considerar abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”.
12. Pois que, apesar da questão não ser pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, era dominante a jurisprudência portuguesa que afastava a exequibilidade dos juros de mora de títulos particulares e das sentenças judiciais (vide, entre outros, os acórdãos do TRC, de 10-03-1987, in CJ, tomo II, pág. 67, TRC, de 18-12-1984, in CJ, tomo V, pág. 98 e do TRP, de 18-02-1993, in CJ, tomo I, pág. 236).
13. Porém, com a aprovação do novo Código de Processo Civil Português pela Lei 41/2013 de 26/06, o legislador, procurou dignificar a respectiva categoria de títulos executivos, pretendendo incutir uma maior segurança jurídica nas acções executivas instauradas e evitar que as partes deduzissem oposições às execuções apenas para discussão do documento particular e da relação subjacente ao mesmo, como vinha acontecendo até então.
14. Na RAEM, todavia, nunca o legislador tomou a opção de introduzir no artigo 677º do CPCM (cujo texto corresponde ao do artigo 46º do antigo CPC Português) texto idêntico ao do n.º 2 do citado artigo 46º do CPC Português.
15. Não se podendo, por isso, considerar que os juros de mora se encontram abrangidos pelo título, sendo necessário demonstrar a existência de mora em sede de acção executiva.
16. Aliás, sobre esta matéria, e em pelo menos dois casos em tudo idênticos ao dos autos agora em recurso, já se pronunciou o Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM, no sentido de que “Não decorrendo do teor do título executivo em causa nem resultando da presunção da lei, a mora, imputável ao executado e justificativa da indemnização mediante pagamento de juros à taxa legal, carece sempre de ser demonstrada em sede de uma acção declarativa” – acórdãos proferidos nos Processos n.º 166/2012, de 19.04.2012 e n.º 221/2015, de 28.05.2015.
17. Ora, salvo melhor opinião, o título executivo é um documento escrito que tem valor probatório quanto à existência do direito de crédito, ou seja, que atesta, com suficiente grau de segurança, o conteúdo e os sujeitos da relação creditícia.
18. O que significa que, no ponto de vista formal, o ora Exequente não tem título executivo contra o Executado quanto ao pagamento de juros de mora, nos termos que foram peticionados, mostrando-se necessária a produção de prova, quanto aos termos e condições do pagamento dos pretendidos juros.
19. Pelo que, em conclusão e à míngua de nenhuma estipulação entre as partes no título executivo apresentado, e não tendo o exequente intentado a competente acção declarativa para demonstrar a existência da mora, carece a execução de título executivo bastante quanto aos juros de mora peticionados, não devendo o Executado pagar os juros moratórios calculados nos termos ora peticionados pelo Exequente.
20. Nestes termos, entende que deve o presente recurso ser considerado procedente, e, dispondo o artigo 12º n.º 1 do CPC da RAEM que “A acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites” deve a douta sentença objecto do presente recurso ser revogada e substituída por outra que, conclua pela procedência dos embargos, e a consequente absolvição do Recorrente quanto aos juros peticionados.”
*
Ao recurso não respondeu o exequente/embargado.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Serve de base à execução o seguinte escrito particular:
“本人B現向C先生
轉借港幣陸拾萬圓正.
向D有限公司購入
“XXXX”第四座......及第三座......單位.
本人將於本年10月底付還港幣貳拾萬圓,
餘數肆拾萬將不遲於本年底全數
付還.
此致
B
2005年10月20日
ID. 5/0*****/*”

Está em causa a seguinte decisão recorrida:
“É fundamento dos presentes embargos de executado a inexistência de título executivo quanto aos juros de mora peticionados.
Relevando que o título dado à execução é um título particular, e do qual não consta expressamente qualquer menção aos juros de mora, importa, desde já, conhecer da sustentação do dito fundamento nos termos e para os efeitos do disposto no artº 697 al. a), do C.P.C., ex vi artº 699 nº 1 do mesmo diploma.
Da nossa parte sempre entendemos que mesmo nesse caso existe título em relação aos juros de mora.
É esta, de resto, a posição do ilustríssimo Desembargador Abrantes Geraldes, autor de variadíssima bibliografia no âmbito do processo civil português, e sua referência incontornável.
Refere ele.
Com efeito, resultando do art. 677º al. c) do CPC, “a exequibilidade quando esses documentos reflictam a “constituição ou reconhecimento” de obrigações de natureza pecuniária, basta associar o conteúdo da declaração, na parte correspondente ao montante do capital e à exigibilidade da obrigação principal, para extrair, por mera indução, a constituição e a quantificação da obrigação acessória: montante dos juros = (capital x taxa de juros x tempo).
Por isso, colocados perante documento integrando um contrato de mútuo, mesmo que nele apenas se tenha explicitado a obrigação de pagamento do capital em determinada data, é legítima a cobrança coerciva da quantia correspondente aos juros moratórios à taxa legal, a contar da data fixada para o cumprimento da obrigação principal. Basta a constatação de que decorreu o prazo para que se assuma a “constituição” da obrigação de juros.
Esta solução é contrariada, embora sem explicação das razões, por Teixeira de Sousa. Também no Ac. da Rel. do Porto, de 18-3-83, in CJ, tomo I, pág. 236, se decidiu que o título executivo (no caso, uma escritura de cessão de quotas onde se fixaram prestações a cargo do cessionário) só tem força executiva relativamente aos juros moratórias se tal obrigação tiver sido convencionada e figurar no documento.
Por seu lado, Lopes do Rego sustenta a extensão da exequibilidade aos juros de mora apenas “de lege ferenda”, na defesa de medidas destinadas a descongestionar o processo declaratório, quando preconizava que “as exigências práticas levarão a consentir a introdução de execução …”. Para isso sugeria uma solução em que na fase liminar do processo de execução se alegassem os factos em termos semelhantes ao que ocorre em case de liquidação ou de determinação da quantia exequenda.
Mas não encontro razão para aquelas objecções nem por esta exigência suplementar. Se as mesmas poderiam encontrar alguma justificação na anterior redacção do art. 46º, al. c), do CPC (artº 677º al. c) do CPC de Macau), quando nele se pressupunha que a obrigação “constasse” do documento particular, já não se justificavam face a documentos exarados ou autenticados por notário, na medida em que o art. 50º apenas impunha que tais documentos “comprovassem” a existência da obrigação, o que, quanto aos juros de mora, seria manifesto.
De todo o modo, a posterior evolução normativa retirou razão de ser àquele primeiro argumento, já que em relação a quaisquer documentos extrajudiciais basta que “importem a constituição ou reconhecimento” da obrigação de natureza pecuniária para que se reconheça a sua exequibilidade, permitindo, assim, envolver, sem dúvida alguma, a obrigação de juros.
É este juízo que leva Lebre de Freitas (Acção executiva, 2ª ed., pag. 32, e CPC anot., V.I, pag.88) a afirmar nada impedir que, “no caso de título extrajudicial do qual conste uma obrigação pecuniária, se peçam juros de mora legais (art. 806º do CC), não obstante o título apenas referir o capital”, com o pertinente argumento de que a “divida de juros decorre da própria lei, posta em confronto com o título”.
Em conclusão, fundando-se o pressuposto processual específico da acção executiva – o título executivo – na presunção da existência do direito que lhe subjaz, a eficácia executiva abarca, naqueles casos, igualmente os juros de mora em resultado da conjugação dos diversos preceitos natureza substantiva que servem para constituir e quantificar a respectiva importância”. – Cfr. www.trc.pt / index. php / doutrina / 441- exequibilidade - da – sentenca-condenatoria - quanto - aos – juros – de - mora.
Ora, no caso em apreço, o documento particular, cuja exequibilidade não é posta em causa, não se refere aos juros de mora. Todavia também não os afasta, sendo que foi alegado o prazo para o pagamento do capital que o mesmo versa e isso não é posto em causa.
Estes dados tanto bastam para, ao abrigo da posição que adoptámos, considerar que estão observados os requisitos legais para que os juros sejam exigíveis e que existe título para o efeito, posição que, na nossa óptica, deve hodiernamente ser assumida pelo TSI, de resto tendo sido sufragada, pelo que sabemos, por pelo menos um senhor juiz, ainda que vencido.
Pelo exposto, por falta de fundamento legal enquadrável nos artigos 697 e 699, rejeitam-se os presentes embargos.
Custas pelo embargante.
Notifique e registe.”

Ora bem, foi movida execução pelo exequente contra o executado, ora recorrente, tendo este deduzido embargos à execução, alegando não haver título executivo quanto aos juros peticionados por aquele, pedindo a redução da quantia exequenda.
Sendo assim, a única questão que se coloca neste recurso é saber se o exequente tem título executivo para executar os juros de mora.
Como observa o Professor Alberto dos Reis, “Desde que a execução não é conforme ao título, na parte em que existe a divergência, tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título”1.
Preceitua a alínea c) do artigo 677º do CPC que os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto, podem servir de base à execução.
Como refere Lopes de Rego, quanto aos documentos particulares, “a força executiva tanto é conferida aos que incorporem o acto ou negócio constitutivo do débito exequendo, como aos de carácter puramente recognitivo, que envolvam mero reconhecimento pelo devedor de uma obrigação pré-existente”.
Ora, tendo em consideração o teor do escrito particular que serviu de base à execução, é de verificar que não foi estipulada qualquer convenção expressa sobre os juros de mora.
Não obstante que na obrigação pecuniária a indemnização – juros devidos – decorre da lei substantiva prevista n.º 1 do artigo 795.º do CC, mas em termos processuais o exequente não pode pedir quantitativamente mais do que o título que executa lhe permite.
Temos aqui os chamados limites da própria acção executiva (artigo 12.º do CPC).
Nas palavras de Rodrigues Bastos2, “a espécie e montante da dívida, a identidade da coisa, a delimitação do facto” são os limites da acção executiva.
Nestes termos, salvo o devido respeito, tendo sido reconhecida pelo executado perante o exequente uma dívida no montante de HKD$400.000,00, prometendo aquele devedor saldá-la até finais do ano 2005, mas do ponto de vista formal, por não constar do título executivo o reconhecimento da obrigação de juros moratórios, somos a entender que os juros de mora não são exigíveis na respectiva acção executiva, por não haver título executivo para o efeito.
No mesmo sentido decidiram os Acórdãos deste TSI, nos Processos n.ºs 166/2012 e 221/2015.
Nestes termos, com fundamento na falta de título executivo quanto ao pagamento de juros de mora peticionados pelo exequente, há-de conceder provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente B, revogando o despacho recorrido, devendo os embargos prosseguir os seus termos.
Sem custas.
Registe e notifique.
***
RAEM, 25 de Janeiro de 2018

Relator
Tong Hio Fong

Primeiro Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong

Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
1 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, pág. 151
2 J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 3.ª edição, Pág. 100
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