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Processo n.º 945/2016
(Recurso em matéria cível)

Data: 8 de Fevereiro de 2018

ASSUNTOS:

- Resolução de contrato-promessa
- Prazo razoável sobre a mora fixada pelo credor


SUMÁRIO:

I – Em situação normal, podem ser resolvidos os contratos por duas vias concorrentes:
a) - Por via legal, com invocação de algum dos fundamentos previstos no artigo 797º do CC: incumprimento definitivo por perda objectiva de interesse ou decurso de um prazo razoável sobre a mora fixado pelo credor;
b) - Por via de uma cláusula resolutiva.
II – Celebrado um contrato-promessa há mais de vinte anos, a promitente-vendedora enviou carta para o local indicado pela promitente-compradora, tendo esta devolvida; aquela chegou também a publicar anúncios no jornal Ou Mun Iat Pou para convocar os promitentes-compradores para outorgar as respectivas escrituras públicas e para tal fixou um prazo de 90 dias, um período razoável para esta finalidade. Porém, todas estas diligências revelam-se infrutíferas em relação à promitente-compradora identificada nos autos, por esta estar numa situação de incontactável.

III – Como a promitente-compradora não cumpriu o estipulado, nem respondeu à interpelação em período fixado pela promitente-compradora, as declarações emitidas por esta última são válidas como efeitos admonitórios da resolução do contrato, tendo em conta todo o quadro fáctico assente.


O Relator,

________________
Fong Man Chong







Processo n.º 945/2016
(Recurso em matéria cível)
Data : 8/Fevereiro/2018

Recorrente : A

Recorridos : B
C

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I - RELATÓRIO
A, identificada nos autos, notificada da sentença do TJB (P.º n.º CV3-15-0007-CAO), datada de 19/07/2016 (fls. 117 a 124), que julgou improcedente o pedido por ela formulado, contra tal decisão veio, em 27/07/2016, interpor o recurso jurisdicional para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 131 a 145, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Por contrato escrito datado de 10.08.1993 a A. prometeu-vender e os RR. prometeram-comprar a fracção autónoma "X", sita no XX.° andar, do Bloco XX, de prédio a construir e a denominar por "XX", no Quarteirão C da XX, não havendo sido fixado no contrato prazo para a celebração do contrato de compra e venda, estipulando-se na cláusula 13 do contrato que, "o promitente-comprador deveria, conforme o que fosse estabelecido pela sociedade promitente-vendedora, assinar a escritura de compra e venda", ou seja, que o prazo para cumprimento da prestação de celebração do contrato definitivo seria fixado pela promitente-vendedora através de interpelação para o efeito ao promitente-comprador - conforme previsto no art. 777.°, n.º 1, do C.C. de 1966.
II. Como nos termos do referido contrato, circunstâncias e usos é necessário fixar um prazo para o cumprimento e a determinação de tal prazo foi deixada ao credor, a sociedade A. que ficou obrigada à celebração do contrato de compra e venda com os compradores após o registo de constituição do regime de propriedade horizontal, interpelou os RR. promitentes-compradores por diversas vias - por carta, telefone e anúncios publicados em jornais de língua chinesa de grande circulação em Macau [no período de 21.06.1996 a 17.02.2004] - para, em determinados prazos, comparecerem junto dos escritórios da sociedade para tratar das formalidades necessárias à celebração da escritura de compra e venda e registo da aquisição junto da Conservatória do Registo Predial de Macau, sob pena de serem responsabilizado pelos prejuízos decorrentes da mora, mas os RR. não compareceram-se a obrigação não tiver prazo certo, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, nos termos do art. 794.°, n.ºs 1 e 2, al. a), do C.C. actual, e art. do Código Civil anterior
III. A sociedade A. fixou um último prazo de 90 dias, a contar da publicação de anúncio [16.06.2004] no jornal de língua chinesa de maior circulação em Macau, o "Ou Mun Iat Pou", e enviou carta registada em 01.07.2004 para o endereço de contacto indicado no contrato pelos pro mi tentes-compradores, os RR., concedendo um último prazo de noventa dias a contar da data da emissão da carta [15.06.2004], para tratar de todos os procedimentos necessários à celebração da escritura de compra e venda, advertindo de que "decorrido tal prazo a sociedade recusar-se-á a celebrar a escritura".
IV. A esta última e derradeira intimação ao cumprimento feita pela sociedade A. aos RR. devem ser aplicadas as normas relevantes do Código Civil de 1999, por o art. 11.º, n.º 2, do mesmo Código Civil, que regula a aplicação da lei no tempo, prescrever que quando a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
V. Na última interpelação dirigida pela sociedade A. aos RR. a sociedade A. foi clara ao declarar que lhes concedia um último prazo de 90 dias, a contar de 16.06.2004 (opta-se pela data do anúncio mais tardia que a data da emissão da carta), para contactar a sociedade para se tratar dos procedimentos da escritura e que, decorrido tal prazo a sociedade recusaria celebrar a escritura e trataria da questão junto do Tribunal de Macau -à interpretação desta declaração deve ser aplicado o disposto nos arts. 228.° e 230.° do C.C. - inexistindo dúvidas para qualquer destinatário da referida declaração que a sociedade A. fixou um prazo final, terminante, categórico, ou seja, um prazo peremptório, aos RR. para cumprimento da prestação.
VI. A nova redacção do art. 797.° do C.C., não exije que a interpelação feita pelo credor contenha a cominação de que decorrido o prazo final fixado para o cumprimento da prestação, sem que a mesma seja feita, considerará o devedor em incumprimento definitivo. O que tal normativo exara é que, estando o devedor em mora "se a prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoávelmente fixado pelo credor ", "considera-se para os efeitos constantes do artigo 790.º, como não cumprida a obrigação" (art. 797.°, n.º 1, b), do C.C.).
VII. A cominação decorre, pois, da lei e não do facto de a mesma constar ou não exarada na interpelação- entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 797.°, n.º 1, b), do C.C.
VIII. Aliás o mesmo artigo confere, após a fixação deste último prazo ou prazo final para o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor, duas alternativas ao credor, como consta do n.º 3 do referido artigo:
- resolver o contrato, nos termos do art. 790.º do C.C., por meio de declaração recepticia, i.e. devidamente comunicada pelo credor e recebida pelo devedor;
OU
- optar por exigir a realização coactiva da prestação e a indemnização pela mora, se na interpelação fixando um último prazo para o cumprimento da prestação pelo devedor não houver, desde logo, declarado que optaria pela primeira das consequências (art. 797.º, n.º 3, "in fine")
IX. Dada a nova redacção do dispositivo legal que actualmente regula a matéria, não tem o credor na interpelação que fixe novo prazo ao credor em mora para voluntáriamente cumprir a sua obrigação, de declarar que, não sendo cumprida a prestação devida no referido prazo, como a doutrina e a jurisprudência entendiam necessário na vigência do art. 808.° do C.C. anterior, resolverá o contrato, por tal consequência decorrer directamente da lei. Também não tem de declarar que exercerá o direito, que lhe é conferido por lei, de resolver o contrato, pois, se o fizer, não poderá optar pelo segundo direito que lhe é conferido por lei de requerer a execução coactiva da prestação e a indemnização pela mora - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 797.°, n.º 1, b), do C.C.
X. Ainda que se entendesse aplicável o art. 808.° do C.C. anterior, ainda assim, na interpelação dirigida pela sociedade A. ao R., estão presentes os três elementos necessários à interpelação admonitória:
a) a intimação para o cumprimento - solicitação da comparência do devedor nos escritórios da sociedade para tratar das formalidades necessárias à celebração da escritura;
b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento- menção de que se fixava o prazo final de noventa dias a contar de 16.06.2004, para esse efeito;
c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo- a advertência de que se o devedor nada fizesse, decorrido tal prazo, não poderia exigir à sociedade a celebração da escritura, o que no entendimento de qualquer declaratário leigo em matéria de direito, não tem outro significado que não o de que devido ao incumprimento do devedor o credor se considerava dispensado de cumprir a contraprestação a que estava obrigado, e recorreria ao tribunal para pôr fim ao contrato.
XI. As partes, designadamente a A. por acção e alegação dos factos como causa de pedir, e o juiz titular do processo, no momento do saneamento e preparação para julgamento, consideraram que os factos alegados como causa de pedir eram suficientes e próprios para decidir da procedência do pedido formulado pela A. de resolução do contrato-promessa de compra e venda por incumprimento definitivo dos devedores e, só na decisão, foram as partes confrontadas com a questão de que os factos alegados e provados, não são suficientes para julgar da procedência do pedido formulado pela A., o que constitui decisão-surpresa, e implica a nulidade da sentença por não ter sido observado o princípio do contraditório que impõe que o juiz tenha que dar oportunidade às partes para se pronunciarem sobre questão de direito nunca anteriormente considerada - da inobservância do disposto no art. 3.°, n.º 3, injine, do CPC, decorre a nulidade da sentença, nos termos do art. 571.°, n.º 1, al. d), do mesmo CPC.
Concluindo, a Recorrente pede que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que dê acolhimento total ou parcial às conclusões acima expostas.
* * *
Os Réus, ora Recorridos B e C, como estão ausentes em parte incerta, não apresentaram contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes conforme o que consta da sentença ora recorrida:
A. A sociedade A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que adoptou a firma “A”, em português, “A”, em chinês, e“A”, em inglês, registada sob o n.º XXXX(SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, que tem por objecto o investimento no sector imobiliário, a importação e exportação, a grosso ou a retalho, que como agentes, quer como representantes exclusivos, de quaisquer bens ou produtos. (Artigo 1º)
B. Por contrato escrito datado de 10/08/1993 a sociedade A. prometeu vender e os RR. B e C prometeram comprar a fracção autónoma do XXº andar “X”, do Bloco XX, do prédio designado por XX, em construção, no Quarteirão C da XX, pelo preço de HK$318,000, equivalente a MOP$328,500, a pagar em duas prestações, de HK$79,525 e outra do remanescente do preço, da quantia de HK$238,575, a pagar no prazo de sete dias a contar da recepção da notificação para o efeito, enviada por carta registada pela sociedade A. aos compradores, após a emissão da licença de utilização. (Artigo 2º)
C. A obra de construção do prédio foi dada como concluída em 18/05/1993, foi vistoriada em 21/06/1993, e, consequentemente, foi emitida a Licença de Utilização n.º123/93 de 21/06/1993 pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes. (Artigo 3º)
D. Após construção e inscrição da constituição do regime de propriedade horizontal, feita pela Ap. N.º65 de 22/03/1995 na Conservatória do Registo Predial de Macau, o imóvel vendido ficou com o seguinte identificação:
Fracção autónoma “XX”, do XXº andar “X”, para habitação, com entrada pelo XXXX, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado por “Bloco II”, XXXX e XXXX, inscrito sob o artigo n.º XXXX (na DSF o Bloco II tem o artigo XXXX) na Matriz Predial do Concelho de Macau, descrito sob o n.º XXXX, a fls. XXX do Livro B-111 na Conservatória do Registo Predial de Macau, com a constituição do regime de propriedade horizontal registada pela inscrição n.º XXXX, a fls. XXX do Livro F-87M e construído em terreno concedido por arrendamento pela Região Administrativa Especial de Macau, pelo prazo de 25 anos a contar de 13/03/1986, já renovado por um novo período de 10 anos a contar de 13/03/2011, nos termos do contrato de concessão formalizado pelo escritura de 13/03/1986, lavrada a fls. XXX do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 250 da Direcção dos Serviços de Finanças, já revisto, e registado pela inscrição n.º 22050 do Livro F-22 na referida conservatória. (Artigo 4º)
E. Após o registo da propriedade horizontal a sociedade A. interpelou os RR: por carta para comparecerem junto dos escritórios da sociedade para tratarem das formalidades necessárias à celebração da escritura e registo. (Artigo 5º)
F. Os Réus não compareceram. (Artigo 6º)
G. A sociedade A. tentou interpelar pelo telefone de contacto os RR. para o mesmo efeito, mas não logrou qualquer contacto. (Artigo 7º)
H. A sociedade A. tentou interpelar todos os compradores das fracções que ainda não haviam comparecido junto dos escritórios da sociedade para tratar dos procedimentos necessários à celebração da escritura e registo através de anúncios publicados em diversos jornais de Macau e Hong Kong. (Artigo 8º)
I. Havendo em 16/06/2004 publicado no jornal de língua chinesa de maior circulação em Macau, o “Ou Mun Iat Pou”, anúncio do seguinte teor :
“A
(Última notificação para celebração de escritura)
       Em conformidade com o anúncio publicado por esta sociedade em 17/02/2004 no “Ou Mun Iat Pot” dirigido aos pequenos proprietários compradores do XX, sito no Quarteirão C dos Aterros da XX, notificando-os para celebrar a escritura. Para protecção dos seus interesses e para se celebrar o mais depressa possível as escrituras das lojas, moradias e parques de estacionamento daqueles que ainda o não fizeram, decide esta sociedade conceder-lhes um último prazo de 90 dias a contar da publicação da presente notificação, para que os pequenos proprietários contactem a sociedade o mais cedo possível para tratar dos procedimentos de registo para escritura, decorrido tal prazo a sociedade recusar-se-á a celebrar a escritura com tais proprietários e tratará da questão junto do tribunal de Macau.
       Esta sociedade quer transmitir a propriedade do XX aos pequenos proprietários e para protecção dos seus interesses devem ser tratados o mais cedo possível os procedimentos de registo para escritura. Esta sociedade notifica os pequenos proprietários que devem pagar a totalidade das contribuições devidas ao Governo para evitar a aplicação de multas. Caso contrário os pequenos proprietários terão que, eventualmente, assumir as suas responsabilidades.
       O endereço desta sociedade: Macau, Rua Nova da Areia Preta 337, Ed. Kam Hoi San, Bloco I, r/c, Loja “C”.
       Contacto telefónico: XXXXXX Fax: XXXXXX
       Desenvolvedor: A”(Artigo 9º)
J. A sociedade A. enviou carta registada em 01/07/2004 para o endereço de contacto indiciado no contrato pelos promitentes-compradores, so RR., qual seja, Hong Kong, XXXXX, concedendo um último prazo de noventa dias a contar da data da emissão da carta, 15/06/2004, para tratarem de todos os procedimentos necessários à celebração da escritura de compra e venda, sob pena de “após o decurso de tal prazo a sociedade não proceder à transmissão, nem celebrar a escritura”. (Artigo 10º)
K. Os RR. nunca contactaram a sociedade A. (Artigo 11º)
L. A sociedade A. mandou por diversas vezes os seus empregados verificar se a fracção autónoma prometida vender estava ocupada, mas nunca logrou encontrar aí alguém. (Artigo 12º)
M. A sociedade A. foi quem, desde 1994, pagou todos os impostos, rendas do terreno e prestações de administração de condomínio relativas à fracção autónoma “G16” do prédio descrito sob o n.º 21966-II na Conservatória do Registo Predial de Macau. (Artigo 13º)
N. Os RR. não se dispuseram a celebrar o contrato de compra e venda da fracção nos prazos fixados pela sociedade A. nas diversas interpelações publicadas em jornais de Macau para o efeito. (Artigo 14º)
O. E também o não fizeram na interpelação final que a sociedade A. publicou no jornal de língua chinesa “Ou Mun Iat Pou”, fixando o prazo de 90 dias a contar da publicação do referido anúncio no dia 16/06/2004 em que a sociedade A. avisou que decorrido o referido prazo se recusaria a celebrar a escritura de compra e venda e trataria da questão junto dos tribunais de Macau. (Artigo 15º)

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    IV - FUNDAMENTAÇÃO
Antes de conhecermos do mérito do recurso, verificamos algumas “particularidades” que têm a ver a “história” contada na PI e depois reflexões nos factos considerados assentes pelo Tribunal a quo.
A ilustre mandatária alega, logo no 2º parágrafo da PI, que “por contrato escrito datado de 10.08.1993 a A. prometeu-vender e os RR. prometeram-comprar a fracção autónoma "G", sita no 16.° andar, do Bloco II, de prédio a construir e a denominar por "XX", no Quarteirão C da Areia Preta, não havendo sido fixado no contrato prazo para a celebração do contrato de compra e venda, estipulando-se na cláusula 13 do contrato que, "o promitente-comprador deveria, conforme o que fosse estabelecido pela sociedade promitente-vendedora, assinar a escritura de compra e venda", ou seja, que o prazo para cumprimento da prestação de celebração do contrato definitivo seria fixado pela promitente-vendedora através de interpelação para o efeito ao promitente-comprador - conforme previsto no art. 777.°, n.º 1, do C.C. de 1966.”
Ora, esta versão não corresponde, de todo em todo, à verdade, porque o documento nº 2 (fls. 19 a 21), que é um contrato de cessão da posição contratual, diz expressamente, no seu 1º parágrafo, que a Parte B (1º Réu, B) cedeu a sua posição contratual à 2ª Ré (Senhora C), e a Recorrente (Autora) assinou nesse mesmo documento, sinal de dar o seu consentimento à respectiva transmissão.
Assim, impõe-se realçar o seguinte:
a) - Este documento (contrato) foi junto pela Autora, cuja autenticidade nunca foi questionada, por quem quer seja, tem de ser aceite no seu todo.
b) – A Parte B (1º Réu, B) deixa de ter legitimidade de intervir neste processo, por não ser titular da relação jurídica em discussão.
c) – Restam apenas a promitente-vendedora que é a Parte A e a Parte C (Senhora C) (segue-se a terminologia utilizada no referido contrato). Por isso, compreende-se a razão de que as cláusulas 3ª a 13ª do mencionado contrato se referem sistematicamente aos direitos e deveres da Parte C (Senhora C).
d) – Nestes termos, usando da faculdade conferida pelo artigo 629º/1-a) (primeira parte), o Facto Assente B há-de ser alterado, por forma a consignar do seguinte modo:
     B) Por contrato escrito datado de 10/08/1993, a sociedade A. consentiu que a Parte B cedeu a sua posição contratual à Parte C, prometendo esta comprar a fracção autónoma do XXº andar “X”, do Bloco XX, do prédio designado por Ed. XX, em construção, no Quarteirão C da XX, pelo preço de HK$318,000, equivalente a MOP$328,500, a pagar em duas prestações, de HK$79,525 e outra do remanescente do preço, da quantia de HK$238,575, a pagar no prazo de sete dias a contar da recepção da notificação para o efeito, enviada por carta registada pela sociedade A. aos compradores, após a emissão da licença de utilização, conforme o teor do documento junto aos autos (fls. 20 a 21) (Artigo 2º).

Pelo exposto, há-de absolver o 1º Réu B da instância, por lhe faltar a legitimidade processual nestes autos (artigos 58º, 412º/2 e 413º/e) do CPC.
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Limpada esta questão prévia, passemos a ver o mérito do recurso.
Como o objecto deste recurso é a decisão de primeira instância, importa ver o que o Tribunal a quo disse no caso sub judice.
“Natureza jurídica da relação jurídica estabelecida entre as partes
(Nota prévia: não obstante transcrevermos aqui o teor da sentença, nela foram introduzidas alterações necessárias em sintonia com a absolvição do 1º Réu, sem alterar o sentido da decisão tomada pelo Tribunal a quo.)
A Autora pretende a resolução do acordo por incumprimento imputável aos Réus, assim, para apreciar o presente litígio, urge saber qual é natureza jurídica do acordo celebrado entre as partes.
Segundo o art°410° de C.C. de 1966, “1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se consta de documento assinado pelos promitentes”.
“O contrato-promessa é convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.” (Prof. Antunes Varela, in Obrigações em Geral, Vol. I. pag. 312)
Consoante os factos assentes supra referidos, ficaram provados que, em 10 de Agosto de 1993, a Autora celebrou um acordo com a Ré, nos termos do qual esta prometeu comprar e aquela prometeu vender a fracção autónoma do XX° andar X, do prédio designado por Ed. “XX”, em construção no Quarteirão C da XX, pelo preço de HKD$318.000,00.
Decorre desse acordo que a Autora estava obrigada a emitir uma declaração de vontade de venda do bem prometido à Ré e esta estava obrigada a emitir a declaração de compra. Dúvidas não restam que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto mediato uma fracção autónoma, integrado no prédio em construção.
Dado que o contrato diz respeito ao imóvel, de acordo com o disposto do n°2 do artigo acima transcrito e do art°875° do mesmo Código, o acordo é válido se for celebrado pela forma escrita.
Face ao documento junto aos autos a fls. 19 a 21, o contrato invocado pela Autora satisfaz a forma exigida por lei.
*
Incumprimento do contrato por parte da Ré
Debruçamos então se a Ré deixou de cumprir a sua promessa.
Segundo o preceito do art°777° do C.C., “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.”
Preceitua-se o disposto do n°2 do art°804° do C.C. 66, “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”
Por outro lado, prevê-se o n°1 do art°805° que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, salvo no caso de obrigação com prazo certo, da obrigação proveniente do facto ilícito ou do impedimento da interpelação pelo próprio devedor.
“Não havendo prazo certo para a celebração da escritura de compra e venda, só há mora dos promitentes, após estes terem sido interpelados, nos termos do art°805°, n°1 do C.C.” (cfr. Acórdão do S.T.J. de 06 de Março de 1986, in BMJ355, 352)
Fica provado que a obra de construção do prédio foi concluída em 18/05/1993 e foi emitida a Licença de Utilização n°123/93 de 21/06/1993 pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e que foi feita inscrição da constituição do regime de propriedade horizontal sob a apresentação n°65 de 22/03/1995 na Conservatória do Registo Predial.
Com a conclusão dessas formalidades administrativas, já se encontra em condições para a celebração da escritura pública de compra e venda das fracções autónomas integradas no respectivo prédio.
No caso em apreço, não foi invocado que as partes tinham estipulado prazo para a outorga da escritura pública. Assim, na falta de estipulação do prazo, deve o credor proceder a interpelação do devedor para cumprir a sua obrigação.
Está assente que após o registo da propriedade horizontal, a Autora chegou a interpelar a Ré por carta, para tratar as formalidades necessárias à celebração da escritura e registo, mas a Ré não compareceu. Está provado igualmente que a Autora publicou um anúncio no jornal de língua chinesa para convidar todos os condomínios para contactar a sociedade a fim de tratar as formalidades para proceder à escritura, sob pena de se recusar a celebrar a escritura pública. E enviou mais uma carta registada em 01/07/2004, com conteúdo semelhante, ao Senhor e à Ré conjuntamente, para que estabelecessem contacto com a Autora, de todos esses actos não lograva qualquer resposta por parte da Ré.
Desses factos concretos considerados assentes podemos extrair-se a conclusão de que a Autora tem cumprido o seu dever em interpelar a Ré para fazer vencimento da sua obrigação.
Assim, tendo feito a interpelação, não tendo a contraparte cumpriu a obrigação de outorgar a escritura pública a que se refere o contrato-promessa, a Ré fica em mora no cumprimento.
De acordo com o disposto do art°798° do C.C. de 1966, “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”
Nos autos, a Ré não se mostra provar o facto que ilide a presunção de que o incumprimento não procede da culpa sua.
Há que concluir que a Ré incorreu em mora por não ter cumprido a obrigação. Isto é em relação à mora.
* * *
Resolução do contrato
Verificada está que a Ré se encontram em mora no cumprimento, urge ainda aquilatar se assiste à Autora o direito de resolução do contrato.
Dispõe-se o n°1 do art°432° do CC66, “A resolução do contrato só é admitida fundado na lei ou em convenção”.
Segundo as jurisprudências e doutrina dominante, a resolução do contrato-promessa por via de lei, só pode ocorrer perante um incumprimento definitivo.
Segundo o acórdão do Tribunal da Segunda Instância, no processo 1245, de 24 de Fevereiro de 2000, “O incumprimento definitivo do contrato-promessa encontra-se pela verificação de situações (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa, impossibilidade da prestação e perda de interesse na prestação que a induzam.”
Em termos de direito comparado, decidiu-se no Acórdão de 13 de Julho de 2004, do STJ, in CJ II, p. 145, o seguinte:
“De qualquer modo, a resolução do contrato fundada na lei pressupõe que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento e a outra o tenha cumprido ou diligenciado pelo seu cumprimento.”
Assim, pode incluir-se na falta de cumprimento ou inexecução obrigacional lato sensu, para além da impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.”
“A mora do devedor só dá ao credor o direito a resolver o contrato, por incumprimento definitivo, no caso de perda do seu interesse na prestação, ou no caso de esta não poder ser realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.”(cfr. Acórdão do T.R.P. de 19 de Janeiro de 1993, in CJ, Ano XVIII, Tomo I, 203)
De acordo com o preceituado no n°1 do art°808° do CC66, o credor apenas tem direito a resolver o contrato em consequência da mora do devedor, ou ser perder aquele o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
Da análise acima referida se resulta que a Ré está em mora na outorga da escritura pública, cabe averiguar se a mora se tinha sido convertido em incumprimento definitivo.
Em relação à perda do interesse na prestação, essa é apreciada objectivamente de acordo do n°1 do art°808° do C.C. de 1966.
Dos factos considerados provados se deduza que o contrato prometido não foi celebrado apesar de a Ré ter já sido interpelada pela Autora por carta, e genericamente por anúncios publicados no jornal de língua chinesa. Na verdade, desde o registo da propriedade horizontal até à data da acção, já tem volvido de cerca de vinte anos, o que é um prazo bastante longo. Por outro lado, está provado que durante esses anos, foi a Autora quem suportou os impostos, rendas de terreno e as despesas de condóminos. Mas, mesmo assim, não se configura suficiente para permitir concluir a perda do interesse por parte da Autora na prestação, considerando que não foi alegado menos provado que não foi cumprida por parte dos Réus a obrigação de pagamento de preço, nem que o suporte das despesas inerentes ao imóvel pela Autora lhe causasse perturbações extraordinárias ou intoleráveis, nem consta dos autos a tradição da coisa, condição dependente para que o promitente-comprador fique com o dever de suportar as despesas do condomínio. Assim, na falta de outros elementos fácticos, não podemos ter por verificada a perda do interesse por parte da Autora em consequência da mora na celebração do contrato definitivo da Ré.
No que se concerne à interpelação admonitória, não se demonstra que a Autora lançou mão a esse meio para converter a mora da Ré em incumprimento definitivo.
Com efeito, para que haja interpelação admonitória, é necessária a fixação dum prazo certo ao promitente faltoso para o cumprimento da obrigação com a advertência de resolução do contrato caso não for cumprido dentro do prazo concedido.
Sobre o requisito da interpelação admonitória, decidiu-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em 20 de Maio de 2010, processo 1847/05, “Ora, tem-se como pacífico o entendimento que, para produzir os efeitos de incumprimento e resolução estabelecida na norma, a interpelação admonitória, deve, além de fixar um prazo razoável para o cumprimento, informar com clareza que a inexecução da prestação dentro desse prazo terá como consequência ter-se a mesma como definitivamente incumprida, isto é, deve conter uma intimação clara e inequívoca psra cumprir sob pena de ser ter como verificado o incumprimento definitivo.”
No caso vertente, provado ficou que desde o registo da propriedade horizontal, a Autora dirigiu cartas à Ré, sendo última ocorrida em 01/07/2004, e publicou anúncios no jornal, estes dirigidos, em geral, aos moradores do edifício, para que a Ré ou os moradores contactaram com a Autora e tratar os procedimentos necessários à outorga da escritura pública.
Todavia, considerando o teor da carta de 01/07/2004 e dos anúncios feitos pela Autora, nenhum deles pode ser entendido como interpelação admonitória.
Pois consta deles apenas a convocação da Ré ou os moradores do edifício para tratar as formalidades da outorga da escritura pública sob pena de a Autora se recusar de a fazer, nada se menciona a intimação clara da sua consequência, isto é, a resolução do contrato, assim, nem a carta nem o anúncio se pode ser considerada como interpelação admonitória.
Em suma, não se pode considerar convolada a mora no incumprimento definitivo por inverificação da perda do interesse nem da interpelação admonitória.
Assim, não se ocorre, nesse caso, qualquer situação de incumprimento definitivo propriamente dito.
Dest’arte, não assiste à Autora o direito de resolução do contrato, assim, outro destino não poderá dar senão julgar improcedente o pedido da Autora.”

Em rigor, há só uma questão que nos cabe analisar e resolver nesta sede de recurso: estão reunidos ou não os pressupostos necessários à resolução do contrato-promessa celebrado entre a Autora e a Ré.
Ora, é do entendimento quase uniforme que, em matéria de resolução de contratos, designadamente de contratos-promessa de compra e venda de imóveis ou de outros bens, pode operar por duas vias concorrentes:
    a) - Por via legal, com invocação de algum dos fundamentos previstos no art. 797º do CC: incumprimento definitivo por perda objectiva de interesse ou decurso de um prazo razoável sobre a mora fixado pelo credor;
    b) - Por via de uma cláusula resolutiva.
    No caso dos autos, não se encontra nenhuma cláusula que prevê expressamente a resolução do contrato-promessa (ao contrário daquilo que a ilustre mandatária defende). Mesmo na alínea b) da cláusula 2 do contrato, prevê-se que, após a emissão da licença de utilização (ocupação) do Edifício em causa, a promitente-vendedora (Autora) tem de enviar carta com aviso de recepção para os promitentes-compradores para pagar o remanescente do preço ou tratar de formalidades de constituição de hipoteca. Daí a resolução nunca é automática.
    Depois, na cláusula 3ª prevê-se que, quando a Parte C (promitente-comprador) não efectuar pagamento de preço pontualmente ou abdicar de direito de adquirir o imóvel, a Parte A ficará com as quantias pagas e terá o direito de vender o imóvel a terceiro, ao que a Parte C não pode opor-se, nem a Parte C terá direito a indemnização. Em bom rigor, aqui também não se prevê expressamente a resolução do contrato, não obstante implicitamente está essa possibilidade.
    Resta ver outras hipóteses tal como o Tribunal a quo analisou. Só interessa analisar as circunstâncias que a Autora/Recorrente considerara relevantes para a extinção do contrato.
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Em princípio, inclinaremos para dar razão ao tribunal a quo em termos de fundamentação e da decisão, porém, considerando as particularidades do caso, demonstradas por factos assentes, entendemos que a justiça do caso sub judice impõe uma decisão noutro sentido, visto que:

1) - Sem dúvida a Autora quer resolver a situação o mais rápido possível, pois o contrato-promessa está celebrado há mais de 20 anos, faltando ainda uma parte do preço por pagar por parte da Ré, e não foi outorgada ainda a respectiva escritura pública (de compra e venda).
2) – Razão por que a Autora tentou por várias vias para contactar e convocar a 2ª Ré para tratar das formalidades necessárias à outorga de escritura pública, mas tudo em vão.
3) – Foi enviada carta para o local indicado pela 2ª Ré, tal foi devolvida. Foram publicados anúncios jornais de Macau para convocar todos os promitentes-compradores para outorgar escrituras públicas, também não resultou nada em relação à 2ª Ré.
4) – Os seguintes factos provados demonstram claramente que a Autora fez tudo possível com vista à resolução da situação:
     - Após o registo da propriedade horizontal a sociedade A. interpelou os RR: por carta para comparecerem junto dos escritórios da sociedade para tratarem das formalidades necessárias à celebração da escritura e registo. (Artigo 5º)
     - Os Réus não compareceram. (Artigo 6º)
     - A sociedade A. tentou interpelar pelo telefone de contacto os RR. para o mesmo efeito, mas não logrou qualquer contacto. (Artigo 7º)
     - A sociedade A. tentou interpelar todos os compradores das fracções que ainda não haviam comparecido junto dos escritórios da sociedade para tratar dos procedimentos necessários à celebração da escritura e registo através de anúncios publicados em diversos jornais de Macau e Hong Kong. (Artigo 8º)
     - Havendo em 16/06/2004 publicado no jornal de língua chinesa de maior circulação em Macau, o “Ou Mun Iat Pou”, anúncio do seguinte teor :
“A
(Última notificação para celebração de escritura)
       
     Em conformidade com o anúncio publicado por esta sociedade em 17/02/2004 no “Ou Mun Iat Pot” dirigido aos pequenos proprietários compradores do XX, sito no Quarteirão C dos Aterros da XX, notificando-os para celebrar a escritura. Para protecção dos seus interesses e para se celebrar o mais depressa possível as escrituras das lojas, moradias e parques de estacionamento daqueles que ainda o não fizeram, decide esta sociedade conceder-lhes um último prazo de 90 dias a contar da publicação da presente notificação, para que os pequenos proprietários contactem a sociedade o mais cedo possível para tratar dos procedimentos de registo para escritura, decorrido tal prazo a sociedade recusar-se-á a celebrar a escritura com tais proprietários e tratará da questão junto do tribunal de Macau.
       
     Esta sociedade quer transmitir a propriedade do XX aos pequenos proprietários e para protecção dos seus interesses devem ser tratados o mais cedo possível os procedimentos de registo para escritura. Esta sociedade notifica os pequenos proprietários que devem pagar a totalidade das contribuições devidas ao Governo para evitar a aplicação de multas. Caso contrário os pequenos proprietários terão que, eventualmente, assumir as suas responsabilidades.
       O endereço desta sociedade: Macau, XXXXXXXX
Contacto telefónico: XXXXXX Fax: XXXXXX
     
     Desenvolvedor: A”(Artigo 9º)
     - A sociedade A. enviou carta registada em 01/07/2004 para o endereço de contacto indiciado no contrato pelos promitentes-compradores, so RR., qual seja, Hong Kong, XXXXXX, concedendo um último prazo de noventa dias a contar da data da emissão da carta, 15/06/2004, para tratarem de todos os procedimentos necessários à celebração da escritura de compra e venda, sob pena de “após o decurso de tal prazo a sociedade não proceder à transmissão, nem celebrar a escritura”. (Artigo 10º)
     - Os RR. nunca contactaram a sociedade A. (Artigo 11º)
     - A sociedade A. mandou por diversas vezes os seus empregados verificar se a fracção autónoma prometida vender estava ocupada, mas nunca logrou encontrar aí alguém. (Artigo 12º)
     - A sociedade A. foi quem, desde 1994, pagou todos os impostos, rendas do terreno e prestações de administração de condomínio relativas à fracção autónoma “G16” do prédio descrito sob o n.º 21966-II na Conservatória do Registo Predial de Macau. (Artigo 13º)

5) – A Recorrente/Autora fixou um último prazo de 90 dias, a contar da publicação de anúncio (16/06/2004) no jornal "Ou Mun Iat Pou" e enviou carta registada em 01/07/2004 para o endereço de contacto indicado no contrato pela promitente-compradora, concedendo um último prazo de noventa dias a contar da data da emissão da carta (15/06/2004), para tratar de todos os procedimentos necessários à celebração da escritura de compra e venda, advertindo de que "decorrido tal prazo a sociedade recusar-se-á a celebrar a escritura", apesar de termos muita dúvida sobre a legalidade deste “ultimatum”, mas este não deixa de ser um sinal claro e expresso da vontade da Autora: resolver definitivamente a situação!
O artigo 797° do CC de Macau dispõe:
     1. Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790º como não cumprida a obrigação se, em consequência da mora:
     a) O credor perde o interesse que tinha na prestação, ou
     b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.
     2. (…)”

Em face dos factos acima citados, é do nosso entendimento que a Recorrente/Autora cumpriu o que a lei exige para interpelar a Ré, o fracasso não se deve à culpa da Recorrente, mas sim à situação de incontactável da 2a Ré.
6) Por outro lado, se a Autora fosse um pouco cauteloso, invocando a prescrição do direito de celebração do contrato prometido, tal prazo da prescrição também já passou, o que impede que a 2ª Ré viesse a exercitar o seu direito. Obviamente não podemos decidir com base nesse facto, por a matéria de prescrição não ser de conhecimento oficioso, mas não deixa de ser uma realidade objectiva.
7) Pelo que, entendemos que pela Autora foi fixado um período razoável para a 2ª Ré para vir outorgar a respectiva escritura pública, não tendo esta cumprido, nem voluntariamente nem “forçadamente”, há-de concluir pelo verificado o efeito admonitório, decorrente das declarações feitas pela Recorrente/Autora, o que fundamenta a declaração da resolução do contrato-promessa mantido entre a Autora e a 2ª Ré.
* * *
Tudo visto e analisado, resta decidir.

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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:

1) – Absolver o 1º Réu da instância por ilegitimidade (artigos 58º, 412º/2 e 413º/e) do CPC.
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2) – Julgar PROCEDENTE o recurso, revogando a decisão da 1ª instância e declarando resolvido o contrato-promessa celebrado entre a Autor a e a 2ª Ré, datado de 10/08/1993.
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Sem custas.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 8 de Fevereiro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
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