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Processo nº 1159/2017
Data do Acórdão: 08MAR2018


Assuntos:

Embargos à declaração de insolvência
Omissão de pronúncia
Ónus de prova
Factos materiais
Factos conclusivos


SUMÁRIO


A omissão de pronúncia, geradora da nulidade processual a que se alude o artº 571º/1-d) do CPC incide sobre as questões que o Juiz tem o dever de resolver face ao disposto no artº 563º/2 do CPC, com as quais não se devem confundir as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentar a solução de direito, por elas pretendida ou defendida, a ser dada às verdadeiras questões suscitadas.

A expressão “quando o activo do seu património seja inferior ao passivo”, utilizada no artº 1185º do CPC, como requisito de cuja verificação depende a declaração de um devedor no estado de insolvência, em si não é um facto material, directamente susceptível de constituir o thema probandum, mas sim um juízo conclusivo que carece de ser sustentado pelos factos materiais concretos. Para formular este juízo, pode o Tribunal fazer ilação dos factos materiais índice, essenciais e/ou instrumentais, capazes de sustentar tal juízo conclusivo da carência dos meios financeiros para pagar as dívidas.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 1159/2017


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, requerido e declarado insolvente nos autos de insolvência nº CV2-16-0003-CFI, de que é requerente B Casino, S.A., deduziu no âmbito dos autos de embargos que correm por apenso àqueles autos principais de insolvência, pedindo que fossem julgados procedentes embargos e, por conseguinte, ser declarada nula ou sem efeito a decretada insolvência dele próprio.

Admitidos e devidamente tramitados os embargos, foi afinal proferida a sentença julgando improcedentes os embargos deduzidos por A:

I – Relatório:
  A (A) (2XXX-2XXX-1XXX), maior, titular do BIRPM n.º 51XXXXX(X), residente em Macau, na Rua ......, ...... Court, ...º andar “...”, Taipa (澳門氹仔......花園......苑...樓...座);
  veio deduzir os presentes
  Embargos
  à insolvência contra si intentada pela
  B Casino, S.A. (B娛樂場股份有限公司), e em inglês, B Casino Company Limited, com sede em Macau, na Alameda ......, n.ºs ...-..., Centro Comercial do ......, ...º andar, registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1XXXX(SO);
  com os fundamentos constantes do requerimento de embargos de fls. 18 a 32,
  concluiu pedindo que fossem julgados procedentes os presentes embargos e, em consequência, declarada nula ou sem efeito a decretada insolvência do Embargante.
*
  Notificadas a Sra. Administradora da Falência e a Embargada para contestarem, apenas esta última contestou os embargos com os fundamentos constantes de fls. 95 a 111 dos autos.
  Concluiu pedindo que fossem julgados improcedentes os embargos.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
*
  Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  REQUERIMENTO INICIAL:
- Com base nos mesmos empréstimos que servem de causa de pedir na presente acção, a Embargada também intentou, em simultâneo, uma acção de insolvência contra o outro sócio administrador das Sociedades C e D e intentou uma acção executiva contra o mesmo sócio administrador.
- Na acção executiva CV2-16-0195-CEO, o executado E deduziu embargos.
- A Sociedade de D deduziu embargos no processo em que foi declarada falida os quais foram recebidos e pendem sob o n.º CV1-16-0002-CFI-A.
- No processo de insolvência requerida contra o sócio E, a correr termos sob o n.º CV3-16-0003-CFI, foi já proferida sentença que julgou improcedente o pedido de insolvência da qual a Embargada, ali Requerente, interpôs recurso.
- A prova produzida, nas diversas acções judiciais, quer pela da Embargada, quer pelas sociedades Requeridas, pelos Embargante e E eram documentos parcialmente iguais e róis de testemunhas idênticos, tendo sido as mesmas as testemunhas ouvidas excepto num dos julgamentos em que se ouviu uma testemunha a menos.
- A Sociedade C começou a explorar uma Sala VIP no casino F da Requerente em 2007.
- Por sua vez, a Sociedade D explorava uma Sala VIP no casino B desde 2011.
- A actividade das Sociedades C e D, detidas e administradas pelos sócios, A e E, dependia do know-how e dos conhecimentos destes.
*
  CONTESTAÇÃO:
- O património imobiliário do Embargante consiste apenas no direito à meação da fracção autónoma designada por “B24”, registada a favor deste e da sua mulher, onerada por hipoteca voluntária pela concessão de crédito até MOP$5.000.000,00.
***
III – Fundamentos:
  Cumpre analisar a matéria alegada, os factos provados e aplicar o direito.
  Pretende o Embargante a revogação da decisão que o declarou insolvente.
  Para o efeito, defende que o seu activo é superior ao passivo por ser titular de participações sociais de duas sociedades detentoras de créditos de valor bastante superior ao dos créditos da Embargante.
  Para a mesma finalidade, alega o Embargante que a Embargada abusou do direito ao pedir a insolvência daquele porque, com base nos mesmos factos relacionados com idênticos contratos de crédito celebrados por duas sociedades de que o Embargante é sócio administrador e socorrendo-se de idênticos meios de prova, intentou várias acções judiciais, duas para a declaração de falência destas sociedades, duas para a declaração de insolvência do Embargante e do outro sócio administrador das sociedades, outras para a execução não só das sociedades mas também daqueles dois últimos de cujos conhecimentos dependia a actividade das citadas sociedades. Segundo o Embargante, o recurso a esses processos judiciais, além de excessivo, ou peca por acumular o fim e utilidade dos mesmos e criar situações ilícitas ou por os anular reciprocamente porque a procedência de uns torna os demais processos judiciais destituídos de interesse.
  Ainda conforme o Embargante, o pedido da Embargada padece do mesmo problema de abuso de direito porque aquele é apenas fiador das dívidas discutidas nestes autos sendo as sociedades as devedoras principais.
  Mais entende o Embargante que o abuso de direito da Embargada se manifesta no facto de ter sido esta quem, sem qualquer aviso prévio, encerrou uma das duas salas de jogo onde as citadas sociedades estavam a exercer a sua actividade, impedindo não só uma das sociedades prosseguir a sua actividade comercial que permitiria a ambas as sociedades arrecadar receitas suficientes para saldar as referidas dívidas, mas também as duas sociedades cobrar os seus créditos de valor superior a estas dívidas.
*
  Antes de mais, convém salientar que nos artigos 47º a 49º do requerimento de embargos, o Embargante põe em causa parte da decisão sobre a matéria de facto dada no julgamento feito aquando da apreciação do pedido de insolvência. Uma vez que o Embargante participou nesse julgamento, esta não é a sede própria para questionar o acerto daquela decisão sendo, portanto, a matéria de facto, então, apreciada tida em conta nos exactos termos em que ficou decidida.
  Assim, a presente sentença fará articulação do que ficou demonstrado naquele outro julgamento e do que foi, então, alegado mas não provado com a matéria dada como provada nos presentes autos de embargos.
*
  Delimitada a matéria de facto a atender, é ainda de salientar que o objectivo da análise que se segue é o de aquilatar se, a partir dos dados ao nosso dispor, o entendimento sufragado na sentença proferida nos autos de insolvência de que o activo do Embargante era inferior ao seu passivo deve ser revogada.
  Além disso, é ainda de apreciar se os factos novos alegados pelo Embargante, provados em sede de julgamento da matéria de facto nestes autos, são suficientes para afastar a conclusão a que chegou a mesma sentença de que não havia abuso de direito por parte da Embargada.
*
  Passivo e activo do Embargante
  Flui do acima exposto que o Embargante não põe em causa a existência das dívidas cujo capital ascende a HK$312.000.000,00 nem a sua qualidade de fiador.
  Conforme ficou demonstrado anteriormente, a sociedade C devia à Embargada HK$112.000.000,00, a título de capital, e a sociedade D devia à Embargada HK$200.000.000,00, também a título de capital, e, para a garantia destas dívidas, o Embargante constituiu-se solidariamente fiador e principal pagador perante a Embargada, renunciando ao benefício da excussão prévia.
  Por força da renúncia ao benefício de excussão, nada obsta a que a Embargada invoque esses créditos para os efeitos pretendidos pela mesma, como foi já salientado na sentença embargada.
  Isto no que diz respeito ao passivo.
*
  No que se refere ao activo, os fundamentos invocados pelo Embargante nestes autos consiste no seguinte: como está demonstrado que o Embargante é titular de várias quotas sociais sendo duas delas de sociedades detentoras de créditos de valor superior ao valor das dívidas acima referidas o seu activo também é superior ao seu passivo.
  Consta da matéria dada como provada nos autos de insolvência que o Embargante é titular da fracção autónoma designada por “B24”, registada em nome do Embargante e da sua mulher, onerada com uma hipoteca voluntária pela concessão de crédito até MOP$5.000.000,00, e de seis quotas sociais, duas das quais das sociedades C e D.
  Nada de relevante ficou demonstrado nestes autos acerca do activo do Embargante. Pois, aqui deu-se tão-só como provado que a referida fracção autónoma era o único imóvel do Embargante.
  Na sentença que declarou a insolvência fez-se uma análise dos possíveis valores desse imóvel e das participações sociais.
  Com base na análise aí feita, entendeu-se que a quota-parte do imóvel pertencente ao Embargante não podia valer mais do que alguns milhões de patacas.
  Quanto às quotas sociais, consta da citada sentença os dados a partir dos quais se concluiu que as quotas sociais do Embargante em quatro das seis sociedades não podiam ter valor ou proporcionar receitas ao Embargante tendo aí sido explicado o motivo deste entendimento.
  Relativamente às quotas sociais das restantes duas sociedades, ou seja, das sociedades D e C, também na sentença embargada se debruçou sobre os respectivos factos provados, designadamente o de a quota social do Embargante corresponder a 96% do capital de cada uma destas sociedades. Aí foi salientado que não havia dados que demonstravam que essas quotas proporcionariam dividendos suficientes ao Embargante para pagar as suas dívidas ou qual era o valor efectivo das quotas sociais; que não estava provado que essas sociedades eram titulares de créditos de mais de HK$700.000.000,00; e que, estando as salas de jogo encerradas, essas sociedades não podiam proporcionar qualquer receita ao Embargante.
  Ora, essa condição das duas sociedades e a não demonstração da existência dos créditos alegados pelo Embargante tornam impossível concluir que o activo do Embargante é superior ao valor do seu passivo ou que corresponde a 96% dos alegados créditos apesar de o mesmo ser titular de quotas sociais correspondente a 96% do capital social das sociedades.
  Consequentemente, não se pode deixar de manter o entendimento sufragado na sentença embargada de que o activo do Embargante ascendia, apenas e no máximo, a alguns milhões de patacas, ou seja, muito inferior à dívida de HK$312.000.000,00 acima referida.
*
  Abuso de direito
  Quanto à existência de várias acções judiciais baseados nos mesmos factos relacionados com idênticos contratos de crédito celebrados, nas quais se utilizaram os mesmos meios de prova, está provado nestes autos e nos de insolvência que, com base nos mesmos empréstimos dos presentes autos, a Embargada intentou seis acções judiciais pedindo a declaração de falência da sociedade C e da sociedade D, a declaração de insolvência do Embargante e de um outro sócio administrador destas sociedades, a execução da sociedade D, do Embargante e deste outro sócio administrador e que a prova produzida, nessas acções, quer pela da Embargada, quer pelas sociedades Requeridas, pelos Embargante e E eram documentos parcialmente iguais e róis de testemunhas idênticos, tendo sido as mesmas as testemunhas ouvidas excepto num dos julgamentos em que se ouviu uma testemunha a menos.
  Para o Embargante, o recurso a esses processos judiciais, além de excessivo, ou peca por acumular o fim e utilidade dos mesmos e criar situações ilícitas ou por os anular reciprocamente porque a procedência de uns torna os demais processos judiciais destituídos de interesse, como foi já referido.
*
  Sobre a possibilidade que intentar as acções acima citadas, na sentença embargada foi já concluído que a interposição simultânea de quatro acções judiciais não consubstanciava abuso de direito porque nada na lei obrigava o credor a fazer esgotar os demais meios processuais para obter o pagamento junto do devedor antes de pedir a sua insolvência e que o pedido de execução, que se baseava apenas na falta de pagamento, não tinha precedência sobre o pedido de insolvência que, se funda na insuficiência do activo do devedor para saldar o seu passivo.
  Esse entendimento mantém-se apesar de, nestes autos, se ter apurado que a Embargada intentou mais duas acções na mesma data, uma de declaração de insolvência do outro sócio administrador das duas sociedades e uma de execução do mesmo sócio administrador sendo os meios de prova utilizados em todas as acções parcialmente iguais e que actividade das Sociedades C e D, detidas e administradas pelos sócios, A e E, dependia do know-how e dos conhecimentos destes.
  É que, esses factos em nada alteraram as referidas circunstâncias, pois, continua a estar em causa meios processuais facultadas pela lei que não se excluem mutuamente e nos quais podem ser utilizados idênticos meios de prova.
  Ademais, sendo todos os devedores solidários no pagamento da dívida (dos quais o Embargante por força da fiança com renúncia do benefício de excussão), assiste à Embargada pedir o pagamento da totalidade da dívida tanto apenas a qualquer um deles, segundo a ordem que lhe aprouver, como simultaneamente a todos eles, igualmente sem qualquer ordem precedência.
  Assim, cai também por terra o abuso de direito com fundamento no facto de o Embargante ser apenas fiador dos devedores principais.
*
  Em relação à acumulação do fim e utilidade das acções judiciais e criação de situações ilícitas, a intervenção do tribunal aliado ao acompanhamento feito pelos próprios demandados impede a eventualidade de duplicação do pagamento à Embargada.
  Quanto à anulação do fim e utilidade das acções judiciais, além de ocorrer apenas no caso de a Embargada vir a ser pago integralmente numa ou nalgumas das acções, isto é precisamente o resultado do controlo acima referido. Do ponto de vista da Embargada, pode ser do seu interesse socorrer-se de todos os meios ao seu dispor para ver os seus créditos satisfeitos. Se a mesma entender fazer uso de todos eles ao mesmo tempo, quiçá para evitar o risco de perda das garantias patrimoniais, nada pode ser feito para a impedir porque não há precedência entre as acções como foi já salientado mais acima.
*
   Entende o Embargante que a Embargada igualmente abusou do direito de pedir a insolvência porque foi esta quem criou a situação em que as sociedades, o Embargante e o outro sócio administrador se encontram. Pois, alega que a Embargada, sem qualquer aviso prévio, encerrou uma das duas salas de jogo onde as citadas sociedades estavam a exercer a sua actividade, impedindo não só que uma das sociedades prosseguisse a sua actividade comercial a qual traria a ambas as sociedades receitas suficientes para saldar as referidas dívidas mas também cobrar os seus créditos de valor superior a estas dívidas.
  Trata-se de matéria já invocada nos autos de insolvência nos quais o Embargante não logrou demonstrar nem o encerramento sem aviso imputado à Embargada nem a existência dos créditos alegados por aquele.
  Ora, sem esses factos não é possível ao tribunal afirmar que a Embargada abusou do seu direito ao pedir a insolvência do Embargante.
*
  Pelo que, nada resta senão julgar improcedentes os presentes embargos por não terem sidos afastados os pressupostos que determinaram a declaração da insolvência.
***
IV – Decisão:
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedentes os embargos deduzidos pelo Embargante, A.
  Custas pela massa.
  Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, vem agora o embargante A recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

A) A douta sentença recorrida não curou, verdadeiramente, de sindicar o invocado abuso de direito de acção por parte da Recorrida.
B) Para além disso, omitiu qualquer pronúncia sobre o abuso de direito, no plano substantivo, que o Recorrente invocou na sua petição de embargos, termos em que, salvo o respeito devido, a decisão recorrida, que declarou e manteve o estado de insolvência do Recorrente, se apresenta inquinada por omissão de pronúncia.
C) O Embargante é titular de 96.° do capital social das sociedades C e D, tendo o Embargante alegado serem as mesmas detentoras de créditos sobre terceiros de cerca de setecentos milhões de dólares de Hong Kong.
D) Impunha-se ao tribunal a quo julgar provado o facto relativo aos aludidos créditos da sociedade, cuja existência, aliás, nunca foi negada por parte da Embargada, a qual se vai limitando a repetir, sem mais, que os mesmos créditos são incobráveis.
E) Sendo factos constitutivos da pretensão da Recorrida, sobre esta recaía o ónus de demonstrar que o valor das aludidas quotas sociais (direitos do Recorrente) era inferior ao passivo do Embargante (nºs. 1 e 3 do art.º 335.º do Código Civil), - facto que declaradamente não alegou e muito menos demonstrou, sendo certo, ademais, que não estava o Embargante adstrito a demonstrar o contrário.
F) E ainda que a Embargada algo tivesse alegado a respeito da insuficiência patrimonial das mencionadas quotas, o certo é que - quer por ter o Embargante alegado a existência dos mencionados créditos de cerca de 700 milhões, consubstanciados em "markers" titulando dívidas de jogadores, quer porque o conhecimento de tal realidade foi oficiosamente adquirido pelo tribunal (art.º 434.º do Código de Processo Civil), - sempre a solução seria a mesma, por aplicação do disposto no art.º 339.º do Código Civil.
G) Dest'arte, e na dúvida ou desconhecimento sobre a importância relativa desses direitos do Embargante, julga-se impossível formular um juízo fundamentado sobre a sua condição patrimonial, não podendo, por conseguinte, ser o mesmo declarado em estado de insolvência.
H) Assim sendo, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, verifica-se erro de julgamento da sentença a quo, por insuficiência da matéria de facto para a decisão proferida, com o que violou as normas supra citadas no Código Civil.
I) Esta, ainda, ferida de nulidade, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
  Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve proceder o presente recurso e, por conseguinte, ser revogada a decisão recorrida, com as legais consequências,
  esperando-se de V. Exªs. acostumada
  JUSTIÇA!


A embargada contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (fls. 202 a 218 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

O embargante, ora recorrente, coloca-nos, em sede de recurso, as seguintes questões:

1. Da omissão de pronúncia; e

2. Da superioridade do passivo do património da embargante ao seu activo.

Comecemos pela apreciação do alegado vício formal da sentença recorrida.

1. Da omissão de pronúncia

A embargante suscitou a questão de abuso de direito por parte da requerente da insolvência, uma vez que, na sua óptica, ao intentar várias acções judiciais, todas com base nos mesmos factos relacionados com os dois contratos idênticos celebrados entre a embargante B Casino, S.A., e o embargante, ele próprio, a embargante abusou do seu direito de proceder contra ele, pois o recurso a tais processos judiciais, além de excessivo, ou peca por acumular o fim e utilidade dos mesmos e criar situações ilícitas ou por os anular reciprocamente porque a procedência de uns torna os demais processos judiciais destituídos de interesse.

Sobre a questão do invocado abuso de direito, o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que, em síntese, não sendo o pedido de declaração de insolvência obrigatoriamente precedido dos demais meios processuais, nomeadamente acção executiva, para obter o pagamento junto do devedor, nem a activação da acção de insolvência se mostrando incompatível com a instauração de acção executiva em simultâneo, não se verificou in casu o alegado abuso de direito, uma vez que o credor pode optar por recorrer apenas a qualquer destes meios judiciais ou a todos cumulativamente, desde que todos sejam legalmente possíveis.

Face ao assim decidido, o embargado, ora recorrente, entende que a sentença recorrida não se debruçou sobre o alegado nos artºs 32º, 36º, 42º a 46º do requerimento da dedução dos embargos.

Em síntese, foi ai alegado e concluído que, após o encerramento da sala de jogo da C, de que é sócio maioritário o embargante, forçado e imposto pela embargada, que torna bem mais difícil a recuperação dos créditos sobre os jogadores, devedores da sala de jogo, a conduta da embargante consistente na instauração da presente acção com vista à declaração da insolvência do ora embargante configura autêntico e próprio abuso de direito.

Assim, não tendo curado de sindicar o invocado abuso de direito e tendo-se limitado a entender e concluir que a embargada tão só usou de (todos os) expedientes que a lei lhe confere, a sentença padece da nulidade por omissão de pronúncia a que se refere o artº 571º/1-d) do CPC.

A lei reza que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Trata-se de uma invalidade processual nominada, que consiste na inobservância do dever legal, imposto ao Juiz, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – artº 563º/2 do CPC.

Face ao disposto nessa norma, temos presente que o Juiz só tem o dever de apreciar e decidir das questões, que lhe tenham sido colocadas pelas partes, para além das questões de conhecimento oficioso.

Há que distinguir duas coisas.

Uma coisa é questão suscitada pelas partes, outra coisa é consideração, argumento ou razão produzida pelas partes para sustentar a pretendida solução a ser dada à questão por elas suscitada.

In casu, não temos dúvidas de que o Tribunal já apreciou e decidiu a questão do invocado abuso de direito, uma vez que, como salientámos supra, na sentença recorrida, foi apontada inexistência da relação de precedência e da relação de exclusão entre os meios judiciais a que recorreu a B Casino, S.A., requerente da presente acção de insolvência, e concluído que esta se limitou a recorrer aos meios judiciais legalmente admissíveis apenas para tentar obter a satisfação dos créditos que tem sobre a embargante.
Cremos que o recorrente está a confundir questões com argumentos, que são duas coisas distintas e não confundíveis.

Na verdade, o Tribunal a quo pronunciou-se já sobre o invocado abuso de direito.

De outro modo, o recorrente não poderia alegar agora em sede de recurso, que “a ser assim, e se bem se interpretou o entendimento do douto tribunal a quo ……” (sub. nosso, vide a fls. 190 dos presentes autos.), pois isso pressupõe a existência da fundamentação da decisão sobre o invocado abuso de direito e a ciência por parte do ora recorrente das razões que levaram o Tribunal a quo a decidir como decidiu.

O que, no fundo, o recorrente pretende dizer é apenas a omissão por parte do Tribunal a quo na apreciação de alguns argumentos por ele deduzidos para sustentar o invocado abuso de direito.

Todavia, de acordo com o que ficou dito supra, o Tribunal não tem o dever de conhecer de todos os argumentos produzidos pelas partes, mas sim apenas as decisões que lhe tenham sido colocadas e as de conhecimento oficioso.

Não enferma, portanto, a sentença recorrida da omissão de pronúncia, geradora da nulidade.

Improcede esta parte do recurso.

2. Da superioridade do passivo do património do embargante ao seu activo.

O embargante, ora recorrente, em sede de recurso, questionou a bondade da decisão de mérito consubstanciada na sentença dos embargos por ele deduzidos à declaração de insolvência, imputando-a erro de julgamento uma vez que, para ele, se não verificou o requisito da superioridade do passivo do património do embargante ao seu activo, de cuja verificação depende a declaração da insolvência.

O recorrente entende que se não verificou o tal requisito, por a requerente B Casino, S.A., a quem, na óptica do embargante, cabe o ónus de provar a superioridade do passivo do declarado insolvente ao seu activo, não ter logrado prová-la, por um lado, e por terem sido alegados pelo embargante, em sede de embargos à declaração da insolvência, os factos, não negados pela embargada, de as sociedades C e D, de cujos capitais ele, embargante, detém 96%, serem detentoras de créditos sobre terceiros de cerca de setecentos milhões de dólares de Hong Kong, por outro.

A propósito dos requisitos para a declaração de insolvência, reza o artº 1185º/1 do CPC que o devedor que não seja empresário comercial pode ser declarado em estado de insolvência quando o activo do seu património seja inferior ao passivo.

Ora, a expressão “quando o activo do seu património seja inferior ao passivo” em si não é um facto material, susceptível de ser objecto da prova, mas sim uma conclusão, ou, pelo menos um facto conclusivo que carece de ser demonstrado pelos factos materiais concretos.

Para chegar a tal conclusão, é preciso que sejam demonstrados factos materiais índice que sustentam um juízo conclusivo de que o devedor não tem o património suficiente para pagar as dívidas.

No caso, ficou provada nos autos principais de acção de insolvência a seguinte matéria de facto, alegada pela requerente da declaração da insolvência, ora recorrida:

- A Requerente é uma sociedade que se dedica à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino e, ainda, à prática de actos inerentes a tal actividade, incluindo a concessão de crédito para jogo.
- No exercício da sua actividade, a Requerente celebrou em Novembro de 2015, dois contratos de promoção de jogo, com a Sociedade Promoção de Jogos C Limitada, registada na CRCBM sob o n.º 2XXXX(SO) e a Sociedade Promoção de Jogos D Limitada, registada na CRCBM sob o n.º 3XXXX(SO), respectivamente, das quais o Requerido é administrador, mediante os quais as partes acordaram em estabelecer uma relação comercial, que consistia na promoção do negócio do jogo por parte da C e da D, a ser realizada em salas destinadas a esse fim nos casinos da Requerente.
- Nesse mesmo dia, a Requerente celebrou contrato de crédito com:
• A C, mediante o qual a Requerente concedeu uma linha de crédito, na modalidade de crédito rotativo, até ao limite máximo de HK$179.000.000,00, nos termos e condições aí acordados, válido para o período entre a sua celebração e o dia 31 de Dezembro de 2016 (Contrato A); e
• A D mediante o qual foi concedida uma linha de crédito, na modalidade de crédito rotativo, até ao máximo de HK$200.000.000,00, nos termos e condições aí acordados, válido para período entre a sua celebração e o dia 31 de Dezembro de 2016 (Contrato B).
- Em virtude da celebração dos Contratos A e B, a Requerente colocou à disposição da C e da D, fichas de jogo, não negociáveis, para serem utilizadas por estas ou pelos seus clientes, com o intuito exclusivo de as mesmas serem jogadas nos casinos da Requerente aí melhor identificados.
- A utilização das fichas de jogo acima referidas realizava-se a pedido das C e D, junto da Requerente, por meio de avisos de saque (em inglês, denominados “drawdown notices” ou “markers”), nos termos dos quais se definia a quantia mutuada e o respectivo período de restituição.
- A falta de restituição de qualquer das quantias mutuadas, implica o vencimento de juros convencionados à taxa mensal de 1,5%, calculados sobre o montante em dívida, desde a data de vencimento até integral e efectiva restituição.
- Para garantia das quantias mutuadas nos termos dos Contratos A e B, o Requerido, aí designado como Garante, constituiu-se solidariamente fiador e principal pagador perante a Requerente relativamente a todas as importâncias que as C e D devessem ou viessem a dever por via destes Contratos, renunciando ao benefício da excussão prévia.
- Ainda nessa data, o Requerido entregou à Requerente um cheque por si subscrito com o n.º HE6XXXXX, sacado sobre o Bank of China, Sucursal de Macau, para garantia do pagamento das obrigações por si assumidas ao abrigo do Contrato B e uma declaração por si assinada segundo a qual expressamente autorizava a Requerente a preencher os elementos que estivessem em falta, in casu, a data da emissão do cheque e a quantia em dívida, em caso de incumprimento das obrigações assumidas.
- Em 1 de Março de 2016, o Requerido assinou e entregou à Requerente um cheque com o n.º GH001XXXXX, sacado sobre o Guangdong development Bank, Sucursal de Macau, para garantia do pagamento das obrigações por si assumidas ao abrigo do Contrato A e uma declaração por si assinada segundo a qual expressamente autorizava a Requerente a preencher os elementos que estivessem em falta, in casu, a data da emissão do cheque e a quantia em dívida, em caso de incumprimento das obrigações assumidas.
- Nos termos do Contrato A, a C utilizou a linha de crédito concedida pela Requerente, estando ainda em dívida, a título de capital, as quantias mutuadas melhor discriminadas na tabela infra, no valor global de HK$112.000.000,00:
Aviso de saque n.º
Quantia mutuada em dívida
Data de amissão
CMK006628
HK$10.000.000,00
07/07/2016
CMK006724+1
HK$5.000.000,00
16/08/2016
CMK006726
HK$10.000.000,00
08/07/2016
CMK006727
HK$12.000.000,00
08/07/2016
CMK006630
HK$10.000.000,00
09/07/2016
CMK006914
HK$10.000.000,00
01/08/2016
CMK007020
HK$10.000.000,00
04/08/2016
CMK007119
HK$10.000.000,00
04/08/2016
CMK007025
HK$5.000.000,00
10/08/2016
CMK007027
HK$5.000.000,00
10/08/2016
CMK007029
HK$5.000.000,00
11/08/2016
CMK007016
HK$5.000.000,00
12/08/2016
CMK007030
HK$5.000.000,00
13/08/2016
CMK007217
HK$5.000.000,00
14/08/2016
CMK007031
HK$5.000.000,00
16/08/2016















- Nos termos do Contrato B, a D utilizou a linha de crédito concedida pela Requerente, estando ainda em dívida, a título de capital, as quantias mutuadas melhor discriminadas na tabela infra, no valor global de HK$200.000.000,00:

Aviso de saque n.º
Quantia mutuada em dívida
Data de emissão
GCMK057774
HK$10.000.000,00
08/07/2016
GCMK057886
HK$10.000.000,00
09/07/2016
GCMK057994
HK$10.000.000,00
09/07/2016
GCMK057995
HK$10.000.000,00
10/07/2016
GCMK057889
HK$10.000.000,00
11/07/2016
GCMK058144
HK$10.000.000,00
12/07/2016
GCMK058146
HK$10.000.000,00
13/07/2016
GCMK058057
HK$10.000.000,00
15/07/2016
GCMK058347
HK$10.000.000,00
15/07/2016
GCMK058245
HK$10.000.000,00
15/07/2016
GCMK058147
HK$10.000.000,00
15/07/2016
GCMK058058
HK$10.000.000,00
15/07/2016
GCMK058460
HK$10.000.000,00
09/08/2016
GCMK058561
HK$5.000.000,00
11/08/2016
GCMK058463
HK$5.000.000,00
11/08/2016
GCMK058769
HK$5.000.000,00
12/08/2016
GCMK058677
HK$5.000.000,00
12/08/2016
GCMK058563
HK$5.000.000,00
12/08/2016
GCMK058565
HK$5.000.000,00
12/08/2016
GCMK058770
HK$5.000.000,00
12/08/2016
GCMK058465
HK$5.000.000,00
13/08/2016
GCMK058772
HK$5.000.000,00
13/08/2016
GCMK058568
HK$5.000.000,00
13/08/2016
GCMK058685
HK$5.000.000,00
13/08/2016
GCMK058466
HK$5.000.000,00
13/08/2016
GCMK058686
HK$5.000.000,00
13/08/2016
GCMK058773
HK$5.000.000,00
14/08/2016

























- A Requerente levou a cabo diligências para a cobrança das dívidas junto das C e D e dos garantes, ou seja, E (E) e o Requerido, tendo sido realizadas várias reuniões para tentar encontrar uma solução amigável, nomeadamente, em 5 de Setembro de 2016, sem que, todavia, tenham as partes logrado obter um plano de pagamento.
- A Requerente enviou missivas às partes, incluindo ao Requerido, exigindo o cumprimento pontual e integral das obrigações assumidas por estes.
- Em 8 de Setembro de 2016, a Requerente enviou uma carta de interpelação às C e D, entregue e recebida em mãos no mesmo dia, denominada Plano de Reembolso (em inglês Repayment Plan”), relativa às dívidas assumidas nos termos do Contrato A e do Contrato B, informando-as do valor global em dívida (HK$312.000.000,00), e da cessão das linhas de crédito concedidas, exigindo o pagamento da dívida e interpelando-as a apresentar um plano de pagamento satisfatório até 9 de Setembro de 2016, sob pena da Requerente levar a cabo todas as diligências legais tidas por necessárias para a recuperação do seu crédito.
- As C e D nada disseram sobre o assunto.
- No dia 13 de Setembro de 2016, a Requerente remeteu, por intermédio da sua mandatária constituída, carta de interpelação às C e D, e no dia 12 de Setembro de 2016, ao Requerido e a E (E), o outro garante, informando-os do incumprimento das obrigações contratualmente assumidas, do montante em dívida e exigindo o pagamento integral do mesmo no prazo de 3 e 4 dias respectivamente, sob pena de levar a cabo todas as diligências legais tidas por necessárias para a recuperação do seu crédito.
- Em 12 de Setembro de 2016, foi enviada mensagem telefónica, via Whatsapp, para o número telefónico do Requerido, com o conteúdo da carta de 12 de Setembro de 2016.
- C, D, o Requerido e E (E) nada disseram.
- Uma vez que a Requerente não recebeu qualquer pagamento, no dia 17 de Setembro de 2016 preencheu a data de emissão e o valor dos cheques emitidos pelo Requerido, nos montantes correspondentes ao capital em dívida (cheque n.º HE6XXXXX: HK$200.000.000,00, cheque n.º GH001XXXXX: HK$112.000.000,00), sendo que, no dia 20 de Setembro de 2016 apresentou-os a pagamento junto do Banco OCBC Wing Hang Bank Limited, tendo os mesmos sido devolvidos pela instituição financeira sacada com a menção de que a devolução se ficou a dever a “Insuficiência de Fundos”.
- A Requerente preencheu com os montantes correspondentes à dívida, com referência a 27 de Setembro de 2016, e apresentou a pagamento no dia 29 de Setembro de 2016, as duas livranças, uma no valor de HK$113.512.000,00, e outra de HK$202.700.000,00, subscritas pelas C e D e avalizadas pelo Requerido, tendo sido lavrados os competentes instrumentos de protesto em 7 de Outubro de 2016.
- O Requerido, além de ter em comum com a sua mulher a fracção autónoma designada por B24 do prédio sita em Macau na Av. ......, nºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial n° 2XXXX, onerada com uma hipoteca para garantir o pagamento de um crédito cujo limite máximo é de MOP$5.000.000,00, é sócio da Companhia de Importação e Exportação G, Lda., detendo uma quota no valor de MOP$12.500,00 correspondente a 50% do capital social, da Sociedade de Diversões H Lda., detendo uma quota no valor de MOP$20.000,00 correspondente a 33.33% do capital social, da Sociedade Promoção de Jogos C Lda., detendo uma quota no valor de MOP$48.000,00 correspondente a 96% do capital social, da Sociedade Promoção de Jogos D Lda., detendo uma quota no valor de MOP$24.000,00 correspondente a 96% do capital social, da I Lda., detendo uma quota no valor de MOP$15.000,00 correspondente a 45.45% do capital social, da Sociedade de Colecção J (Macau), Lda., detendo uma quota no valor de MOP$25.000,00 correspondente a 25% do capital social.


Bom, perante estes factos materiais, essenciais e instrumentais, cremos que podemos tirar, com razoável segurança, mediante presunção judicial, a conclusão de que o passivo do declarado insolvente, ora recorrente, é bem superior ao seu activo.

Na verdade, enquanto sócio maioritário das sociedades C e D e garante das obrigações assumidas por estas duas sociedades, na relação celebrada com a embargada B, S.A., que consiste na exploração das duas salas de jogo pertencentes à B, se não fosse a carência de meios financeiros para cumprir pontualmente as suas obrigações, nomeadamente para saldar as dívidas contraídas para com a B nos termos descritos na matéria de facto assente, não poderíamos advinhar outra razão para justificar a comprovada inércia total do ora recorrente face às múltiplas interpelações, ao longo do tempo feitas pela B ao ora recorrente, para a liquidação das dívidas ou para acordar um plano de pagamento com a credora B, ora recorrida.

Portanto, para nós bem andou a Exmª Juiz na sentença, proferida nos autos principais, que declarou insolvente o ora recorrente.

Já em sede do presente apenso de embargos, para afastar o juízo bem formulado pelo Tribunal que o declarou insolvente, o embargante não fez mais do que a mera repetição daquilo que já foi alegado na resposta ao requerimento da declaração de insolvência.

Dispõe o artº 1091º/1-a), ex vi do artº 1187º, todos do CPC, que podem opor embargos, alegando o que entenderem do seu direito contra a sentença de declaração da falência, o falido, quando não tenha reconhecido expressamente a falência.

Nos termos desse normativo, impende-se sobre o embargante o ónus de alegar e provar que a declaração da sua insolvência teria sido feita sem que se verificassem os pressupostos de facto e de direito para sustentar a declarada insolvência.

Só que o embargante se limitou a alegar, essencialmente, que ele próprio é sócio maioritário das duas sociedades, C e D, detentoras de créditos sobre terceiros, de cerca de setecentos milhões dólares de Hong Kong, valor bem superior ao valor das dívidas que tem para com o seu credor B.

Nem invocou quaisquer causas de exceptio non adimpleti contractus para justificar o não cumprimento das obrigações cuja existência e vencimento foram demonstrados pela requerente da declaração de insolvência.

E agora vem defender que não tendo sido negados pela B e se tratando de factos constitutivos da pretensão da B, o Tribunal deveria ter dado por provados, ou pelo menos, na dúvida ou desconhecimento da possibilidade do sucesso da cobrança dos tais alegados créditos, deveria ter julgado impossível formular um juízo fundamentado da sua carência de meios financeiros para pagar as dívidas para com a B.

Não tem razão o embargante.

A propósito da repartição entre as partes de ónus de prova, diz o artº 335º do CC que:

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Pois, para nós, conforme se vê supra, a requerente da declaração da insolvência já cumpriu o ónus de prova a que se refere o nº 1 do artigo citado, uma vez que logrou provar os factos essenciais e instrumentais, constitutivos da procedência da sua pretensão, pois a B alegou e provou factos demonstrativos da existência e do vencimento dos créditos e da inércia sem qualquer justificação por parte do ora embargante, enquanto garante do pagamento dos créditos, mesmo face às sucessivas interpelações para liquidar as dívidas.

O que, face às regras das coisas e à experiência de vida, evidencia a carência por parte do devedor dos meios suficientes para o pagamento das dívidas.

Antes pelo contrário, o embargante, por sua vez, limitou-se a alegar, ou reiterar o que já foi dito, não tendo tentado, todavia, provar os alegados créditos que as sociedades C e D têm sobre terceiros, de cerca de setecentas milhões de dólares de Hong Kong.

Obviamente ele não cumpriu o ónus de prova dos factos impeditivo da pretensão da requerente da declaração da insolvência, nos termos prescritos no acima citado artº 335º/2 do CC.

Desta maneira, não pode deixar de improceder esta parte do recurso.

Em conclusão:

1. A omissão de pronúncia, geradora da nulidade processual a que se alude o artº 571º/1-d) do CPC incide sobre as questões que o Juiz tem o dever de resolver face ao disposto no artº 563º/2 do CPC, com as quais não se devem confundir as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentar a solução de direito, por elas pretendida ou defendida, a ser dada às verdadeiras questões suscitadas.

2. A expressão “quando o activo do seu património seja inferior ao passivo”, utilizada no artº 1185º do CPC, como requisito de cuja verificação depende a declaração de um devedor no estado de insolvência, em si não é um facto material, directamente susceptível de constituir o thema probandum, mas sim um juízo conclusivo que carece de ser sustentado pelos factos materiais concretos. Para formular este juízo, pode o Tribunal fazer ilação dos factos materiais índice, essenciais e/ou instrumentais, capazes de sustentar tal juízo conclusivo da carência dos meios financeiros para pagar as dívidas.


Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida que julgou improcedentes os embargos deduzidos pelo embargante insolvente.

Custas dos recursos pelo recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 08MAR2018

(Relator)
Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

1159/2017-1