Processo n.º 360/2017
(Recurso em matéria cível)
Data: 15 de Março de 2018
ASSUNTOS:
- Valor da prova de DNA (ADN)
- Litigância de má fé
SUMÁRIO:
I - Em situação normal, a prova tirada do teste de DNA (em português, a designação mais correcta é ADN: Ácido Desoxirribonucleio) tem um elevado grau de credibilidade, mas ela não é uma prova infalível, há sempre possibilidade de fazer ou refazer o mesmo teste por outros especialistas em órgãos diferentes com material (exemplo) diferente.
II - Esta prova situa-se no âmbito de prova pericial, e como tal sujeita à livre apreciação do julgador, a qual pode ser impugnada por meios normais, ou seja através de outras provas com o mesmo rigor, cientificamente produzidas.
III - As partes têm o dever de não deduzir pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não deviam ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos artigos 385º/1-c) e d) do CPC.
IV - A figura de litigância de má fé, prevista no artigo 456º do CPC de 1961, tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.
V - A redacção actual do 385º do CPC de Macau mudou o estado das coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.
VI – Se a acção foi proposta em 03/11/2015, e só em 29/11/2016 é que os Autores vieram a tomar conhecimento da existência de um relatório DNA, com base no qual tinha sido feito o registo da paternidade do 1º Réu (menor), não se pode concluir que os Autores litigaram de má fé.
O Relator,
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Fong Man Chong
澳門特別行政區中級法院合議庭裁判
卷宗編號: 360/2017
日 期: 2018年3月15日
上 訴 人: B(B)
(案中第一被告,未成年人,由母親A代表)
上訴標的: 裁定惡意訴訟不成立的批示
原 告:
C(C)
D(D)
F(F)
被 告:
G(G)
H(H)
I(I)
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中級法院合議庭裁判如下:
I – RELATÓRIO(概述):
Os Autores propuseram contra os Réus, em 03/11/2015 e junto do TJB, uma acção declarativa sob forma ordinária (FMI-15-0033-CAO), tendo formulado os seguintes pedidos:
a) – Declarado que o perfilhante (falecido) não seja o pai do 1º Réu;
b) – Declarar que o 1º Réu não seja filho do perfilhante;
c) – Ser ordenado o cancelado o registo do nascimento do 1º Réu, no que respeita à paternidade.
Em 05/10/2016 mediante requerimento (fls. 140) os Autores vieram desistir dos pedidos, tal desistência foi homologada por despacho de 25/10/2016 (fls. 155).
Os autos prosseguiram para conhecer do pedido deduzido pelo 1º Réu, solicitando este que a 1ª Autora seja condenada em litigância de má fé e seja condenada a indemnizar o 1º Réu a título de honorários suportados pelos Réus por causa desta acção no valor de MOP$60,000.00.
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O pedido de litigância de má fé e o de indemnização formulado pelo 1º Réu foram julgados improcedentes pelo Tribunal a quo conforme a decisão de fls. 196 dos autos.
Discordando desta decisão, dela veio recorrer o 1º Réu B (B), identificado nos autos, menor, representado pela sua mãe, nos termos do disposto no artigo 613º do CPC, apresentou as suas alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
1. 上訴標的為原審法院於2017年01月04日作出判決,其認為第一原告沒有惡意訴訟。
2. 上訴人質疑第一原告惡意訴訟之原因有兩個: 1)第一原告隱瞞了其知悉在出生登記局有親子鑑定報告之事實;2)第一原告以這個案件為由,申請中止繼承卷宗CV2-15-0054-CIV,籍以拖延有關卷宗。
3. 原審法院沒有分析第一原告利用明顯不可能成立的訴訟拖延繼承卷宗 的事實,明顯屬欠缺審理這個問題。
4. 根據《民事訴訟法典》第571第1款d)項之規定,原審法院之判決屬無效。
5. 關於第一原告隱瞞屬重要事實方面,上訴人認為原審法院在認定事實時犯有明顯之錯誤。
6. 上訴人並不是將親子鑑定報告之內容告知第一原告,而只是將存有這份報告之事實告知第一原告。
7. 在民事登記局中存檔了親子鑑定報告仍然作出親子登記的話,報告之內容是十分清楚,也應該是眾所周知的。
8. 第一原告從來沒有否認在2015年10月13日,在繼承卷宗的法官面前獲知在民事登記局存當了親子鑑定報告之事實,其只是表示他沒有獲知有報告之內容。
9. 上訴人認為第一原告隱瞞了存檔親子鑑定的重要事實,而不是隱瞞的 報告之內容,因為內容是能合理推斷的。
10. 我們考慮是否構成惡意訴訟的時刻應該是提出訴訟的一刻,而不是往後的行為,第一原告在提出訴訟的一刻,明顯屬於惡意的。
11. 上訴人認為原告們捨棄請求因為是他們知道本卷宗沒有可能勝訴,而且也不能中止繼承卷宗之進行而無用。
12. 由於第一原告從來沒有質疑上訴人在答辯狀中指出已支付的律師費用在這視為全部承認,合議庭可立即作出賠償之判決。
13. 綜上所述,請求中級法院法官 閣下裁定上訴因證明而得值,判處第一原告惡意訴訟,判處罰款及賠償上訴人因此而支付的律師費用。
Os Autores ofereceram a sua resposta oportunamente (fls. 165 a 170).
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Foram recolhidos os vistos legais oportunamente junto dos Exmos. Juízes Adjuntos (本案依法及適時送交兩名助審法官檢閱)。
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS (訴訟前提):
本法院對此案在事宜及等級方面有管轄權,且訴訟形式恰當。
雙方當事人有當事人能力、訴訟能力,具正當性及訴之利益。
不存在妨礙審理案件實體問題之延訴抗辯及無效之情況。
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III – FACTOS PROVADOS (既証事實列):
Conforme os documentos juntos aos autos, são considerados provados os seguintes factos com interesse para a decisão da questão levantada:
- Os Autores propuseram esta acção no TJB com os fundamentos constantes de fls. 2 a 8 dos autos;
- Em 20/06/2016, o 1º Réu, representado pela sua mãe, veio a contestar a acção, tendo formulado o pedido de que a 1ª Autora seja condenada de litigância de mé fé, por o teste de DNA ter sido junto aos autos de processo inventário (CV2-15-0054-CIV), facto este que também foi dado conhecimento em 29/11/2016 à 1ª Autora em juízo;
- Os Autores vieram desistir dos pedidos em 05/10/2016 (fls. 140);
- Tal desistência foi homologada por decisão judicial de 25/10/2016.
- O pedido de litigância de má fé e o de indemnização formulado pelo 1º Réu foram julgados improcedentes pelo Tribunal a quo conforme a decisão de fls. 196 dos autos.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO(理由說明):
Como o recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu:
O despacho recorrido consta de fls. 196 e que tem o seguinte teor:
“本案中,第一被告B指出第一原告C作為第CV2-15-0054-CIV號財產清冊案之待分割財產管理人,理應知悉該案中存有的DNA檢驗報告,認為第一原告提出本案屬提出無依據之主張之情況,請求法庭判處第一原告為惡意訴訟人,以及請求其向被告賠償訴訟代理人之服務費開支澳門幣60,000元。
獲通知上述事宜後,第一原告C作出相關回覆(見卷宗第165頁至第170頁、第174頁至第191頁)。
按照《民事訴訟法典》第385條規定:
「一、當事人也於惡意進行訴訟者,須判處罰款。
二、因故意或嚴重過失而作出下列行為者,為惡意訴訟人:
a) 提出無依據之主張或反對,而其不應不知該主張或反對並無依據;
b) 歪曲對案件裁判屬重要之事實之真相,或隱瞞對案件裁判屬重要之事實;
c) 嚴重不履行合作義務;
d) 以明顯可受非議之方式採用訴訟程序或訴訟手段,以達致違法目的,或妨礙發現事實真相、阻礙法院工作,或無充分理由而拖延裁判之確定。
三、不論案件利益值及因所作之裁判而喪失之利益值為何,對惡意進行訴訟所作之判處,均得提起上訴,但僅得上訴至上一級法院。」
根據卷宗第173頁資料,顯示該法庭於2016年11月29日方將相關DNA檢驗報告寄予第一原告之訴訟代理人,第一原告已於2015年11月3日提起本訴訟程序,由此顯示第一原告於提起本訴訟程序後方知悉有關DNA檢驗報告之內容,且三名被告已捨棄本案的所有請求。
雖然第一被告指出第一原告應自行作出調查,但本法庭認為第一原告並不負有相關申請義務,且未能證實第一原告在知悉DNA檢驗報告內容之情況下仍然提起本訴訟。
因此,本法庭認為本案不存在任何上述條文規定屬惡意進行訴訟之情況,並駁回第一被告提出之賠償請求。
作出通知及採取必要措施。
家庭及未成年人法庭法官。
2017年1月4日。”
Ora, a propósito da figura de litigância de má fé, como dispõe o artigo 385º/1 do CPC, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa [...]
O n.º 2 deste artigo 385º tipifica as várias hipóteses de litigância de má fé. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.
A redacção actual do CC de Macau mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.
É o que resulta do artigo 385º do CPC actualmente vigente em Macau, cuja redacção é ligeiramente diferente da do artigo 456º do CPC de 1961.
A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos artigos 385º/1-c) e d) do CPC.
Se, intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé» (cfr. Rodrigues Bastos, «Notas ao Código de Processo Civil», Vol. II, 3ª ed., pág. 221).
Quando houverem que fazer valer os direitos em juízo, têm as partes de agir com verdade e probidade: sobre elas impende, com efeito, «o dever de, conscientemente, não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade, nem requerer diligências meramente dilatórias» (cf. artigo 264º/2 do Código de Processo Civil). Sobre as partes impende, ao cabo e ao resto, um dever geral de boa fé (Cfr. neste sentido, Antunes Varela, «Manual de Processo Civil», 2ª ed., pág. 477).
A violação deste dever de verdade e probidade constitui litigância de má fé.
O dever de agir de boa fé e de observar os deveres de cooperação estão hoje expressos nos artigos 8º e 9º do CPC (que corresponde ao artigo 266º-A do CPC vigente em Portugal) encontrando-se tipificada na al. c) do n.º 2 do artigo 385º do CPC a litigância de má fé por violação grave do dever de cooperação, do honeste procedere a que se refere Teixeira de Sousa (cfr. «Estudos Sobre o Novo Processo Civil», 2ª ed., pág. 62).
No caso sub judice, importa reter as seguintes ideias:
1) – Em situação normal, a prova tirada do teste de DNA (em português, a designação mais correcta é ADN: Ácido Desoxirribonucleio) tem um elevado grau de credibilidade, mas ela não é uma prova infalível, há sempre possibilidade de fazer ou refazer o mesmo teste por outros especialistas em órgãos diferentes com material (exemplo) diferente.
2) – Esta prova situa-se no âmbito de prova pericial, que pode ser impugnada por meios normais, ou seja através de outras provas com o mesmo rigor, cientificamente produzidas.
3) – Nestes termos, tal como afirma o Prof. Guilherme de Oliveira: “Também neste domínio não há nenhum obstáculo à admissão dos métodos de ADN. Certamente que a sua utilização já resultaria das normas gerais que, no Código Civil e no Código de Processo Civil, regulam a prova pericial e a realização dos exames necessários (respectivamente os artigos 388º e 389º, e 568º a 602º). (…) (Cfr. Implicações Jurídicas do Conhecimento do Genoma, in Boletim da Faculdade de Direito da UM, nº 5, ano 1998, pág. 17 e seg.)
4) A lei não classifica a prova tirada do teste DNA como prova com força plena, pelo que está sujeita à livre apreciação do julgador (artigo 383º do CC), motivo pelo qual os Autores podiam pedir, perfeitamente, fazer um outro teste DNA, se as condições ainda o permitissem.
5) – Pelo que, ainda que posteriormente, já no decurso de um processo de inventário, os Autores vieram a tomar conhecimento que o registo da paternidade do 1º Réu (menor) foi feito com base num relatório do teste DNA, isso não significa que os Autores não podiam impugnar essa prova, e, porque só naquele momento é que, pela primeira vez, os Autores tiveram conhecimento de tal teste DNA, por isso, desta circunstância não se pode retirar a conclusão de que os Autores alteraram a verdade dos factos ou encobrirem os mesmos.
6) – Mais, tal como o despacho recorrido afirma que, esta acção foi proposta em 03/11/2015, e só em 29/11/2016 é que os Autores vieram a tomar conhecimento da existência de tal relatório DNA.
7) – Pelo exposto, na ausência de factos assentes, não se pode concluir pela litigância de má fé da 1ª Autora, o que é bastante para julgar improcedente o pedido do 1º Réu.
Tudo visto, resta decidir.
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V – DECISÃO(裁判):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão da primeira instância.
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Custas pelo Recorrente (1º Réu).
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Registe e Notifique.
RAEM, 15 de Março de 2018.
(Relator) Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
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