Processo nº 169/2018
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 22/Março/2018
Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Acto de conteúdo positivo
Artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Revogação da autorização de permanência na RAEM
SUMÁRIO
O pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
São três os requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na verificação de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, e dois negativos no sentido de que a concessão da suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e que do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A privação de rendimentos do requerente pode traduzir-se em prejuízo de difícil reparação desde que gere uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
Não logrando demonstrar que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso, é indeferido o pedido de suspensão.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº169/2018
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 22/Março/2018
Requerente:
- A
Entidade requerida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, portador do Título de Trabalhador Não Residente, com sinais nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, de 22.1.2018, que confirmou o despacho proferido pelo Senhor Comandante da PSP que determinou a revogação da sua autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente.
Invoca que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, defendeu a improcedência do pedido.
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O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“O teor do documento de 17 demonstra inequivocamente que o acto suspendendo se traduz em negar provimento ao recurso hierárquico do ora Requerente e confirmar o despacho do Comandante da PSP, despacho que determinou a revogar a autorização de permanência na RAEM concedida a ele na qualidade de trabalhador-não-residente, com base de existir fortes indícios de que ele se apropriara ilicitamente coisas achadas.
Em sintonia com as jurisprudências pacíficas, trata-se in casu dum acto administrativo de conteúdo positivo, por poder directamente provocar a alteração da statu quo ante do Requerente, alteração que consiste como sendo óbvio, em perder a qualidade de trabalhador-não-residente e todos os direitos necessariamente dependentes desta qualidade.
À luz do disposto na alínea b) do art. 120º do CPAC, verifica-se a idoneidade do objecto, no sentido de ser susceptível de suspensão da eficácia o despacho de confirmação preferido pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança. Resta-nos indagar se, no vertente caso, se preencherem os três pressupostos consagrados no n.º 1 do art. 212º do CPAC?
No actual ordenamento jurídico de Macau, formam-se doutrina e jurisprudência pacíficas e constantes que propagam que são, em princípio geral, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Viriato Lima e Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso – Anotado, 2015, pp. 340 a 359, José Cândido de Pinho: ob. cit., pp. 305 e ss.)
O requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar. (cfr. arestos no TUI nos Processos n.º 33/2009, n.º 58/2012 e n.º 108/2014)
E, em princípio, cabe ao requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI nos Processos n.º 17/2011/A e n.º 265/2015/A)
A maior ou menor dificuldade em contabilizar prejuízos em acção judicial não constitui, em princípio, fundamento para considerar preenchido o requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso. (aresto no TUI no Processo n.º 4/2016)
Trata-se de prejuízo de difícil reparação o consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares. (arestos do TUI nos Procs. n.º 6/2001, n.º 37/2013 e n.º 177/2014)
Voltando ao caso sub judice, em homenagem das jurisprudências e doutrinas supra citadas, não podemos deixar de entender que não se descortinam qualquer prova virtuosa que possa mostrar convincentemente o prejuízo de difícil reparação a necessariamente resultar da imediata execução do despacho suspendendo.
Tendo em vista a idade do Requerente, não se afigura verosímil que na pendência do recurso contencioso do despacho suspendendo, ele não consiga, em outro local, arranjar um emprego para suster a sua vida, pelo que mostra duvidoso o aduzido no art. 40º do Requerimento. No nosso prisma, o prejuízo arrogado no art. 41º do Requerimento não tem nenhum cabimento e é manifestamente sofisticado.
O que nos aconselha a que não se verifique in casu o requisito prescrito na alínea a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC, pelo que caia em vão o pedido de suspensão de eficácia do Requerente.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”
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Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta indiciariamente provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Por despacho de 22.1.2018, proferido pelo Exm.º Secretário para a Segurança, foi indeferido o recurso hierárquico interposto do despacho proferido pelo Senhor Comandante da PSP que revogou a autorização de permanência do requerente na qualidade de trabalhador não residente, com fundamento na existência de fortes indícios de que o requerente teria praticado um crime previsto e punível pelo artigo 200.º do Código Penal em virtude de alegadamente se ter apropriado ilegitimamente do montante de MOP$2.000,00 que terá encontrado na máquina ATM do BNU.
O requerente tem nacionalidade Tanzaniana, alegando ter trabalhado na RAEM há 4 anos.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos aos presentes autos, sobretudo documentos emitidos por autoridades administrativas.
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O caso
O requerente é trabalhador não residente.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, foi mantida a revogação da autorização de permanência na RAEM enquanto trabalhador não residente.
Pede agora o requerente a suspensão de eficácia do referido acto administrativo.
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Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode causar efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste na revogação da autorização de permanência do requerente, a qual consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, face aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de um deles para que a providência requerida seja indeferida.
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No tocante aos dois requisitos negativos, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso interposto em sede própria está enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, nem cremos que a eventual suspensão de execução do acto praticado pelo Exm.º Secretário para a Segurança possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que entendemos estarem verificados os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Urge saber, por último, se está verificado o requisito previsto na alínea a) daquele mesmo artigo, e para o efeito, compete ao requerente alegar e demonstrar a existência do prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto.
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.2
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 37/2013, que “cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente”.
Tem-se entendido que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
É o que se decidiu no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 328/2010/A:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, os fundamentos de facto alegados pelo requerente traduzem-se essencialmente no seguinte:
- o requerente aufere um salário mensal com o qual se sustenta e sustenta toda a sua família, composta por mãe, irmã, companheira e dois filhos menores, sendo aquele rendimento a sua única fonte de sustento;
- caso o acto administrativo não seja suspenso, vai ocorrer uma situação de facto consumado que talvez não seja possível de ser reparada num futuro próximo.
Vejamos.
No tocante à questão de privação de rendimentos em virtude de eventual perda do emprego, entende o Venerando TUI, no seu Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 6/2001 que “se trata de prejuízo de difícil reparação o consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que, no caso vertente, o requerente não apresentou prova mínima susceptível de demonstrar os factos por si alegados, no sentido de que a privação do rendimento decorrente da perda do emprego em Macau irá gerar uma situação de carência quase absoluta e impossibilitar a satisfação das necessidades básicas e elementares próprias e da família.
Embora seja verdade que, com a revogação da autorização de permanência do requerente, este ficará impedida de permanecer e continuar a trabalhar na RAEM, mas o requerente não logrou demonstrar a impossibilidade de ele assegurar o seu próprio sustento e o sustento da sua família.
De facto, não sabemos se o requerente, para além dos rendimentos provenientes do exercício da sua actividade profissional, terá também outras fontes de rendimentos ou poupanças, e se as tiver, a perda de rendimentos profissionais pode não afectar o requerente em termos absolutos.
Além de que não logrou o requerente justificar e demonstrar por que razão não irá conseguir arranjar outro emprego fora da RAEM, por forma a obter meios de subsistência.
Desta forma, por não se ter logrado a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, vai o pedido indeferido.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pelo requerente A.
Custas pelo requerente, com 4 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 22 de Março de 2018
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
1 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª edição, CFJJ, pág. 310
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