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Processo nº 139/2018
(Autos de recurso civil)

Data: 15/Março/2018

Assuntos: Competência dos tribunais
      Procedimentos cautelares
      Tribunal Arbitral do exterior da RAEM

SUMÁRIO
Se os tribunais da RAEM não são competentes para julgar a acção principal, antes é o tribunal arbitral de Hong Kong o único com jurisdição sobre a causa principal, na falta de convenções internacionais aplicáveis em Macau ou de acordos no domínio da cooperação judiciária, aqueles não são competentes para julgar procedimentos cautelares dependentes daquela mesma acção.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 139/2018
(Autos de recurso civil)

Data: 15/Março/2018

Recorrente:
- A (Macau)Limitada (requerida)

Recorrida:
- B Electronica (Macau) Lda (requerente)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B Electronica (Macau) Lda, com sinais nos autos (doravante designada por “requerente” ou “recorrida”), deduziu procedimento cautelar junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM contra A (Macau) Limitada, devidamente identificada nos autos (doravante designada por “requerida” ou “recorrente), pedindo que se decrete o arresto dos eventuais créditos que a requerida possa ter sobre a C Contractors (Asia) Limited e D Resorts (Macau), S.A.
Por decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi julgada procedente a providência cautelar e, em consequência, foi decretado o arresto dos saldos bancários e créditos referidos no requerimento inicial.
Notificada a requerida nos termos do disposto no artigo 330.º, n.º 5 do CPC, deduziu a mesma oposição.
Realizadas as diligências necessárias, decidiu-se julgar improcedente a oposição e, em consequência, manter a providência cautelar antes decretada.
Inconformada, dela interpôs a requerida recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“Page 690-698”
“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, a fls. 638-662, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida a fls. 308-319, que i) julgou competentes os Tribunais da RAEM para o conhecimento e decretamento da presente providência cautelar de arresto; ii) conheceu da probabilidade da existência do crédito ao abrigo da lei de Macau; iii) pugnou pela existência de receio justificado de perda da garantia patrimonial; iv) julgou improcedente a invocada caducidade da providência; e, v) determinou ficassem os autos a aguardar eventual processo especial de revisão e confirmação de decisão de árbitros do exterior.
II. Ao decidir de tal modo, incorreu-se na referida sentença em erro de julgamento e violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 18º e 328º, n.ºs 1, 2, 3 e 6, 414º do CPC de Macau, no que respeita à competência dos tribunais de Macau; nos artigos 341º e 22º do Código Civil de Macau, quanto à probabilidade da existência do crédito; nos artigos 351º e 326º, n.º 1 (aplicável ex vi do artigo 337º) do CPC de Macau, relativamente ao justificado receio de perda da garantia patrimonial; e no n.º 6 do artigo 328º, bem como no artigo 334º, n.º 1 a) e n.º 2 do CPC de Macau, no que concerne à caducidade da providência.
III. Consequentemente, deve a dita sentença ser revogada e substituída por outra decisão que: (i) julgando incompetentes os tribunais da RAEM, absolva a Requerida-Recorrente da instância; ou, subsidiariamente, (ii) reconhecendo que a Requerente não fez prova da probabilidade séria da existência do crédito à luz da lei aplicável, ou que não há receio, justificado, de perda da garantia patrimonial, determine a revogação do decretado arresto; ou, ainda e supletivamente, (iii) pugnando pela caducidade do decretado arresto, ordene o seu levantamento e a extinção do presente procedimento.
IV. O tribunal competente para conhecer do litígio que opõe a Requerente à Requerida, ou seja, da causa principal, é o Tribunal Arbitral de Hong Kong, sendo a lei processual aplicável a Lei de Arbitragem de Hong Kong e a lei material aplicável à composição do litígio a lei de Hong Kong.
V. Significa isto que, caso a acção principal viesse a ser proposta pela Requerente nos Tribunais da RAEM, em preterição do tribunal arbitral, o processo, confrontado com a dedução da respectiva excepção dilatória pela Requerida, na respectiva contestação, apenas poderia seguir os seus trâmites até à prolação do despacho saneador.
VI. Fosse esse o caso, crê-se ser pacífico que a Requerida seria então absolvida da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 412º, atento o disposto na alínea a) do artigo 413º, ambos do CPC de Macau, o que, por seu turno, determinaria a caducidade do presente procedimento cautelar, face ao prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 334º do CPC de Macau.
VII. Se assim é, razão não vê a Requerida-Recorrente para que diferente tenha sido a decisão ora posta em crise, pelo facto de a Requerente não ter proposto a acção principal junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM ou por, em abstracto, aqui poder fazê-lo.
VIII. É que, estando as providências cautelares carecidas de autonomia, são sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, pelo que a competência para as preparar e julgar cabe ao tribunal que a detiver para a acção de que são dependência, in casu, o Tribunal Arbitral de Hong Kong.
IX. A providência cautelar dever ser requerida junto dos tribunais que tenham competência em função da matéria para julgar a acção principal.
X. O artigo 18º do CPC de Macau tem o propósito de aferir da competência internacional dos tribunais de Macau, em matéria de procedimentos cautelares e diligências antecipadas.
XI. A última parte deste artigo, que atribui competência aos tribunais de Macau “(…) quando a acção respectiva (…) aqui esteja pendente” significa que estando já a correr a acção principal, a competência do tribunal para o conhecimento e julgamento do procedimento cautelar dependerá de o tribunal ser competente para o conhecimento e julgamento da acção principal já intentada; falhando a competência do tribunal para a acção principal, necessariamente claudicará a competência para o procedimento cautelar suscitado por apenso.
XII. Esta é, precisamente, a premissa destes autos – se a Requerente tivesse lançado mão do presente procedimento na pendência de acção principal intentada em Macau, a extinção desta, em razão da incompetência do tribunal por preterição de tribunal arbitral e consequente absolvição da instância, importaria a extinção do procedimento cautelar.
XIII. Quanto ao outro pressuposto para a competência dos Tribunais da RAEM – “(…) quando a acção respectiva possa aqui ser proposta (…)” – crê a Requerida-Recorrente não ser de acolher a interpretação feita pelo Tribunal a quo, a qual, em razão do vocábulo “possa” ali vertido, assenta na mera possibilidade de, em abstracto, a acção principal ser intentada em Macau.
XIV. Tendo em conta que a própria lei processual admite que as partes possam acordar em modificações de competência (cfr. artigo 29º do CPC de Macau) e que o processo se deve nortear pelos princípios de economia e celeridade (cfr. artigo 87º do CPC de Macau), bem como que a invocação da preterição de tribunal arbitral implica a incompetência do tribunal (cfr. artigos 413º e 414º do CPC de Macau), impõe-se que o Tribunal leve também em conta quaisquer modificações de competência acordadas pelas partes ou outras circunstâncias que, quando invocadas pelas partes, possam redundar na incompetência do tribunal para a acção principal de que o procedimento cautelar é sempre dependência.
XV. Ainda que a acção principal possa, em abstracto, ser intentada em Macau, o que releva não é a mera possibilidade, mas outrossim a viabilidade, em concreto, da acção principal e a competência do tribunal para conhecer da acção principal.
XVI. O tribunal, em homenagem aos princípios da unidade do processo/dependência dos procedimentos cautelares e da celeridade e economia processuais, deverá sempre abster-se de conhecer do procedimento cautelar (quando haja audiência prévia do requerido), ou determinar a sua revogação (quando haja oposição), quando sabe de antemão que estará impedido de conhecer da causa principal de que aquele é dependência.
XVII. Só não será assim, atento o disposto no n.º 6 do artigo 328º do CPC de Macau, se existir convenção internacional ou acordo de cooperação judiciária que admita que a providência seja decretada em Macau e que a acção principal de que aquela depende tenha sido ou deva ser intentada em jurisdição exterior a Macau.
XVIII. A regra do artigo 18º do CPC de Macau vai no sentido de que o arresto em apreço só poderia manter-se se a acção principal, quando intentada em Macau e no caso concreto, pudesse aqui seguir os seus trâmites até final,
XIX. Os Tribunais julgam em concreto e aplicam a lei perante factos concretos e, não, em abstracto.
XX. Decidindo de tal modo, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento e violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 18º e 328º, n.ºs 1, 2, 3 e 6 e 414º do CPC de Macau.
XXI. A prova da probabilidade de existência do crédito e da sua verificação à luz da lei aplicável competia, naturalmente, à Requerente, a quem cabia então alegar e provar o conteúdo da lei aplicável (de Hong Kong), atento o disposto no n.º 1 do artigo 341º do Código Civil de Macau.
XXII. Não o tendo feito, a Requerente deu azo a que o Tribunal a quo não ponderasse a probabilidade séria de existência do crédito e a probabilidade de sucesso de acção destinada a declarar essa existência dentro do sistema da lei de Hong Kong e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas, como exige o n.º 1 do artigo 22º do Código Civil de Macau.
XXIII. O Tribunal a quo deveria ter reconhecido em sede de decisão final que o requisito da probabilidade séria da existência do direito não estava, afinal, provado.
XXIV. Para infirmar a verificação da probabilidade séria de existência do crédito, inicialmente feita à luz da lei de Macau, impendia apenas sobre a Requerida-Recorrente a prova de que a lei aplicável ao contrato era a de Hong Kong, o que esta fez.
XXV. Ainda que a Requerente não tivesse feito prova do conteúdo da lei aplicável, como se impunha, cabia ao Tribunal, atento o disposto no artigo 341º do Código Civil de Macau, “procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento”, mesmo que nenhuma das partes o tivesse invocado ou dado que a Requerente reconheceu a sua existência.
XXVI. Ao decidir de tal modo, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento e violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 341º e 22º do Código Civil de Macau.
XXVII. Das cinco testemunhas ouvidas pelo Tribunal sobre o receio de perda da garantia patrimonial, duas eram trabalhadoras da Requerente, uma outra subempreiteira desta e as duas remanescentes, trabalhadoras da Requerida, com o que, se claro e determinado interesse houve no sentido da decisão, tanto pode ser apontado àquelas três como a estas duas, dada a indiscutível relação que todas têm com as partes.
XXVIII. É mais susceptível de ter claro e determinado interesse numa decisão favorável a favor da Requerente a testemunha por esta arrolada que mantém com ela uma relação laboral e com o seu sócio-gerente uma relação de parentesco.
XXIX. Merece menos credibilidade o depoimento de testemunhas que depuseram afirmativamente sobre alegadas dificuldades financeiras da Requerida se vem depois a verificar-se que aquelas eram inexistentes.
XXX. Não há contradição entre o depoimento da testemunha que referiu que aquando da reunião, em 29 de Setembro de 2017, pelas 14:30, já sabia que o arresto havia sido decretado, e o da que afirma que aquando da convocação ainda não tinha aquele conhecimento.
XXXI. Não se compreendem as razões pelas quais o Tribunal a quo resolveu manter o decretado arresto se, por um lado, deu agora como não provada a existência de quaisquer dificuldades financeiras da Requerida nem que a redução de pessoal se deveu a esse facto; e, por outro, que a Requerida-Recorrente dispõe de contas bancárias com saldos que ascendem a mais de 29 milhões de Patacas e que no ano transacto teve um lucro líquido superior a 95 milhões de Patacas; que tem a possibilidade de obter colaboração técnica e de recursos humanos do grupo empresarial em que está integrada – uma grande empresa de construção civil implantada em Hong Kong; que nos últimos 3 anos realizou vários projectos para operadoras de jogo; e que houve várias reuniões entre os representantes das partes, nomeadamente no próprio dia em que foi notificado o arresto, em que estiveram uma vez mais reunidos.
XXXII. A intensidade do litígio e o repúdio do crédito não justificam, per se, o receio de perda da garantia patrimonial, pois não está concretizado nenhum facto que possa levar a concluir que a Requerida tem intenção de dissipar o seu património, não se bastando a lei processual com a mera possibilidade.
XXXIII. A possibilidade de encerramento da actividade ou de “dissipação” de bens é comum e está latente em qualquer sociedade comercial: basta existir e ter activos para tal poder acontecer. Todavia, o que importa não é a mera possibilidade, emergente daqueles factos em si mesmo, mas sim a intenção de encerrar a actividade e/ou de alienar bens.
XXXIV. Decidindo de modo diverso, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento e violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 351º e 326º, n.º 1 (aplicável ex vi do artigo 337º) do CPC de Macau.
XXXV. Atento o disposto no n.º 6 do artigo 328º do CPC de Macau, a lei processual admite apenas que o procedimento cautelar seja dependência de uma causa que já foi ou deva ser intentada em tribunal do exterior de Macau, nos casos em que tal resulte dos termos de convenções internacionais aplicáveis em Macau ou de acordos no domínio da cooperação judiciária.
XXXVI. O presente procedimento cautelar é dependência de uma causa que deve ser intentada em tribunal (arbitral) do exterior de Macau, não em virtude de qualquer acordo no domínio da cooperação judiciária ou convenção internacional aplicável em Macau, mas sim por acto voluntário de modificação da competência acordado entre as partes, pelo que não pode aqui aplicar-se o disposto naquele inciso.
XXXVII. Apenas uma confirmação de sentença arbitral estrangeira que fosse pedida ao Tribunal de Segunda Instância poderia funcionar in casu como acção principal, sem deitar por terra a competência do tribunal para decretar o arresto, pois que teria por objectivo tornar vinculativo em Macau o reconhecimento, pelo competente árbitro de Hong Kong, do direito que a Requerente quer acautelar através do arresto.
XXXVIII. Não sendo aplicável in casu o disposto no n.º 6 do artigo 328º do CPC de Macau, nem tendo a Requerente requerido a competente revisão e confirmação da decisão de árbitro do exterior – única acção de que o presente procedimento poderá ser dependência -, crê a Requerida-Recorrente que outra solução não haverá que não a de declarar a caducidade do arresto decretado a fls. 318.
XXXIX. Ao decidir de modo diverso, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento e violação de lei, designadamente do disposto no n.º 6 do artigo 328º, bem como no artigo 334º, n.º 1 a) e n.º 2 do CPC de Macau.
Termos em que deve a dita sentença ser revogada e substituída por outra decisão que: (i) julgando incompetentes os tribunais da RAEM, absolva a Requerida-Recorrente da instância; ou, subsidiariamente, (ii) reconhecendo que a Requerente não fez prova da probabilidade séria da existência do crédito à luz da lei aplicável, ou que não há receio, justificado, de perda da garantia patrimonial, determine a revogação do decretado arresto; ou, ainda e supletivamente, (iii) pugnando pela caducidade do decretado arresto, ordene o seu levantamento e a extinção do presente procedimento, com o que se fará JUSTIÇA.”
*
Devidamente notificada, a requerente respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“Page 775-789”
“1. A Requerente “B Electronica (Macau)” vem, nos termos do art.º 613º, n.º 2 do Código de Processo Civil de Macau de 1999, responder ao recurso interposto pela Requerida A (Macau) Limitada do douto despacho de fls., que manteve a procedimento cautelar de arresto. Decisão recorrida com o qual se concorda inteiramente.
2. Nas suas doutas conclusões (I a IX), o Recorrente insurge-se, mais uma vez, contra; i) a competência do tribunal estadual de Macau e propugna, consequentemente, ii) a absolvição da requerida da instância.
3. Salvo o devido respeito, que é muito, a requerida-Recorrente labora, uma vez mais, em erro, na medida em que olvida o essencial: alcance e a teleologia imanente ao princípio da competência da competência arbitral e, principalmente, os seus corolários: o efeito positivo e o efeito negativo.
4. O princípio da competência da competência do tribunal arbitral kompetenz-kompetenz – previsto, respectivamente, no art.º 27º, da Lei de Arbitragem Voluntária Interna de Macau; Section 20 (1) of the Arbitration Ordinance of Hong Kong (CAP 609) traduz-se, fundamentalmente, na competência que se reconhece aos tribunais arbitrais para se pronunciarem sobre a sua competência.
5. Ou seja, a kompetenz-kompetenz dos tribunais arbitrais, traduz a competência do tribunal arbitral de decidir em definitivo sobre a existência, validade e eficácia de uma convenção de arbitragem, com força vinculativa geral.
6. Por outro lado, a kompetenz-kompetenz abarca, no seu núcleo essencial, o poder do tribunal arbitral decidir também sobre a validade do contrato principal, quanto à sua ineficácia e, com isso, também a da convenção de arbitragem seja afirmada por uma das partes, impondo-se uma possível sindicância dos tribunais estaduais.
7. Numa palavra: a kompetenz-kompetenz consubstancia-se no poder dos tribunais arbitrais decidirem sobre a existência, a validade e a extensão de uma convenção de arbitragem que lhe diga respeito e, com isso, de decidirem igualmente sobre a sua própria competência, com eficácia vinculativa para todos os tribunais estaduais.
8. Nos termos gerais da sua concepção dogmática, o princípio da competência da competência desdobra-se em dois efeitos de sinal contrário. A primeira vertente é o efeito positivo que, destinando-se aos tribunais arbitrais, possibilita que estes conheçam da sua própria competência. A segunda é o efeito negativo, que rege a participação dos tribunais estaduais, os quais deverão abster-se de exercer a sua competência perante a invocação de uma convenção de arbitragem.
9. Enquanto o efeito positivo permite que os tribunais arbitrais conheçam da sua competência, o efeito negativo implica que os tribunais judiciais (ou estaduais) não o façam. Para efeitos de explanação deste conceito, podemos afirmar que a máxima expressão do efeito negativo implicaria que a decisão do tribunal não fosse passível de reapreciação pelo tribunal judicial.
10. Além do efeito positivo, consistente na atribuição de competência ao tribunal arbitral para julgar o litígio ou litígios visados pela convenção de arbitragem (neste caso, o tribunal de Hong Kong) e bem assim, como vimos anteriormente, para apreciar a sua própria competência (kompetenz-kompetenz), essa convenção de arbitragem celebrada entre a requerente e a requerida produz, como acima se expendeu, um efeito negativo, que se traduz na incompetência dos tribunais estaduais da Região Administrativa Especial de Macau para conhecer do mérito do litígio ou dos litígios a que a mesma se refere.
11. A requerente deu cumprimento integral à cláusula compromissória que deu origem à convenção de arbitragem celebrada entre o requerente e a requerida, respeitando escrupulosamente o efeito positivo do princípio da competência da competência, na medida em que, por força da convenção da arbitragem, só o tribunal arbitral voluntário de Hong Kong tem competência para decidir sobre a sua própria competência em matéria arbitral.
12. Se não o fizesse, ou seja, se a requerente não intentasse (como intentou no dia 16 de Outubro de 2017) a competente acção principal no tribunal arbitral de Hong Kong violaria a cláusula compromissória e incorreria na verificação da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário (art.º 413º, alínea a), art.º 414º, ambos do Código de Processo Civil de Macau).
13. A requerente intentou a providência cautelar de arresto como medida garantia patrimonial conservatória de um direito de crédito de que é titular em relação à requerida, e fê-lo na jurisdição estatual (o Tribunal Judicial de Base de Macau) não só porque a sede social da requerida (pessoa colectiva registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau) se situa em Macau como, e sobretudo, porque é em Macau que a requerida possui as contas bancárias identificadas no requerimento inicial.
14. De contrário, e a ser levado até ao fim o raciocínio da requerida (no sentido de que o requerente deveria intentar uma providência cautelar de arresto em Hong Kong, sede da jurisdição arbitral convencionada pelas partes, e não em Macau, onde a garantia patrimonial se encontra) estaria encontrado em ardiloso mecanismo jurídico para obviar não só a proposição de uma providência cautelar conservatória (como o arresto) quando existisse uma cláusula compromissória a conferir competência a um tribunal arbitral estrangeiro como, e sobretudo, para inutilizar ou mesmo esvaziar o seu efeito útil que é, precisamente, conservar a garantia patrimonial do credor onde ela se encontre, no caso, em Macau – a esta luz, a requerente respeitou o efeito negativo do princípio da competência da competência.
15. Tal raciocínio jurídico é uma decorrência lógica do princípio da competência da competência, com os seus efeitos positivo e negativo, e destina-se, assim, no plano do princípio da autonomia privada (art.º 399º, n.º 1 do Código Civil de Macau), a garantir a técnica contratual do «fórum shopping» ou da «electio iudicis».
16. À jurisdição estadual de Macau cabe dirimir providências cautelares quando o núcleo essencial da garantia patrimonial do credor-requerente se situe na sua área de jurisdição territorial, de acordo com a lei de Macau (art.º 24º da Lei de Arbitragem voluntária Interna de Macau; art.º 9º da Lei de Arbitragem Voluntária Externa de Macau; art.º 15º, alínea a), art.º 16º, alínea a, do Código de Processo Civil).
17. À jurisdição arbitral de Hong Kong cabe dirimir o mérito da causa, em virtude da convenção de arbitragem (cláusula compromissória) celebrada entre a requerente e a requerida, de acordo com a lei de Hong Kong: é a consagração da denominada «tutela jurisdicional diferenciada».
18. Dada a instrumentalidade que é característica de toda e qualquer providência cautelar, e considerando que o tribunal arbitral de Hong Kong é o único com jurisdição sobre a causa principal (efeito positivo do princípio da competência da competência), a determinação legal mobilizada pela requerida (art.º 18º, do Código de Processo Civil de Macau) só pode ser interpretada restritivamente no sentido de que os tribunais estaduais (de Macau) também são competentes para decretar providências cautelares apesar de os tribunais competentes para a questão principal serem os tribunais arbitrais (de Hong Kong), caducando a providência cautelar antes da acção principal se esta não fosse instaurada perante o tribunal arbitral de Hong Kong (como foi, no dia 16 de Outubro de 2017) no prazo legalmente fixado (art.º 334º, n.º 2 do Código de Processo Civil de Macau).
19. Nas suas doutas conclusões (X a XX), o Recorrente insurge-se, mais uma vez, contra: i) a interpretação normativa do art.º 18º e do art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil, realizada pela douta decisão recorrida; e outrossim, contra ii) a asserção defendida pela douta decisão recorrida, no sentido de que «o vocábulo «possa» ali vertido, assenta na mera possibilidade de, em abstracto, a acção principal ser intentada em Macau (conclusão n.º XIII).
20. Deve realizar-se uma interpretação restritiva do art.º 18º e do art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil; se assim não se entender, só uma interpretação ab-rogante do art.º 18º e do art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil de Macau cauciona uma vera tutela jurisdicional efectiva dos direitos (de crédito) da requerente (art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau, art.º 1º, n.º 1 e 2, art.º 326º, n.º 1, art.º 327º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil de Macau).
21. Da interpretação declarativa do art.º 18º e do art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil resulta, claramente, um «acto de comunicação falhado do legislador», que não previu as hipóteses (como a dos presentes autos) em que as partes contraentes convencionam na convenção de arbitragem uma cláusula compromissória que atribui competência a um tribunal arbitral exterior a Macau para decidir a acção principal, mas omitem qualquer menção à competência do tribunal estadual competente para decidir sobre eventuais providências cautelares.
22. A lei processual civil de Macau não prevê tal hipótese atípica. Tal hipótese também não se encontra claramente expressa no art.º 24º da Lei de Arbitragem Voluntária Interna de Macau, mas tal hipótese já se prevê no art.º 9º Decreto-Lei n.º 55/98/M, de 23 de Novembro que regula a arbitragem externa no âmbito comercial.
23. Existe, pois, uma clara contradição valorativa entre o sentido literal da lei (art.º 18º, art.º 328º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil de Macau) e a teleologia imanente à Lei Básica de Macau e ao Código de Processo Civil de Macau, que se polarizam no vero reconhecimento de uma tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos relativos (de crédito) da requerente (art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau; art.º 15º, alínea a), art.º 16º, alínea a), art.º 1º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil de Macau; art.º 24º da Lei de Arbitragem Voluntária de Macau e art.º 9º Decreto-Lei n.º 55/98/M, de 23 de Novembro), na medida em que estas últimas disposições legais protegem o direito à tutela jurisdicional efectiva da requerente, e a aquelas (art.º 18º, do art.º 328º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil de Macau) esvaziam e inutilizam tal direito fundamental.
24. Na interpretação ab-rogante, supondo e justificando-se a sua utilização pela ocorrência de um «acto de comunicação falhado do legislador que torna o sentido da lei indecifrável», consubstanciado «numa contradição insanável entre disposições legais», exige-se que se considere as fontes (art.º 18º, art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil de Macau) como não estando dotadas de sentido valorativo.
25. Ou seja, deve tratar-se de um caso (como o presente) em que não é possível apreender o respectivo conteúdo valorativo; tal recusa de atribuição de sentido valorativo àquelas disposições legais é consequência da detecção de uma contradição (lógica ou valorativa) entre aquele que é o significado literal da lei (recusar a interposição de providências cautelares quando a acção principal não possa, por força de uma convenção de arbitragem, ser intentada em Macau – art.º 18º, do Código de Processo Civil de Macau), e o espírito do sistema processual civil de Macau, vertido na Lei Básica de Macau e no Código de Processo Civil de Macau (que confere aos direitos subjectivos relativos do requerente uma tutela jurisdicional efectiva – art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau; art.º 1º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil de Macau).
26. As normas identificadas como menos adequadas devem ser sacrificadas (art.º 18º e art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil de Macau) em razão da «impossibilidade de resolver a contradição» (entre normas que simultaneamente atribuem e retiram eficácia à tutela jurisdicional efectiva ao direito subjectivo relativo – de crédito – da requerente), sendo tal solução imposta pelo elemento sistemático (art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau, art.º 1º, n.º 1 e 2, art.º 15º, alínea a), art.º 16º, alínea a), todos do Código de Processo Civil de Macau; art.º 8º, n.º 1 do Código Civil de Macau).
27. A interpretação ab-rogante do art.º 18º e do art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil de Macau polariza-se no sentido de que, em face de uma convenção de arbitragem que atribua competência arbitral a um tribunal exterior a Macau (no caso, Hong Kong) para decidir sobre a acção principal, o requerente deve poder intentar providências cautelares conservatórias (como o arresto) respeitantes à tutela da garantia patrimonial do seu direito subjectivo relativo (de crédito) num tribunal estadual de Macau, em homenagem a uma interpretação sistemática e, principalmente, ao seu direito fundamental a uma vera tutela jurisdicional efectiva (art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau, art.º 1º, n.º 1 e 2, art.º 15º, alínea a), art.º 16º, alínea a), todos do Código de Processo Civil de Macau).
28. Justifica-se, pois, no caso dos presentes autos, a interpretação ab-rogante das fontes (art.º 18º, art.º 328º, n.º 6 do Código de Processo Civil de Macau); e essa desconsideração justifica-se, ainda, pela «incompatibilidade das fontes com valores jurídicos fundamentais», como a tutela jurisdicional efectiva do direito subjectivo relativo (de crédito) da requerente (art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau; art.º 1º, n.º 1 e 2, art.º 15º, alínea a), art.º 16º, alínea a), todos do Código de Processo Civil de Macau).
29. Deste modo, por força do princípio da competência concorrente entre os tribunais estaduais e os tribunais arbitrais, a competência para decretar providências cautelares conservatórias, como a de arresto, está exclusivamente reservada aos tribunais estaduais de Macau, na medida em que não só é aqui que se situa o núcleo essencial da garantia patrimonial da requerente, como, e sobretudo, os tribunais arbitrais de Hong Kong não possuem quaisquer poderes de autoridade para decretar uma providência cautelar conservatória tão potencialmente limitadora do seu direito fundamental de propriedade (art.º 6º, 103 e ss, da Lei Básica de Macau), como a de arresto.
30. Deve, por isso, considerar-se que a acção principal intentada pela requerente no tribunal arbitral de Hong Kong (no dia 16 de Outubro de 2017) precludiu a caducidade da providência cautelar de arresto decretada nos presentes autos (art.º 334º, n.º 2 do Código de Processo Civil de Macau).
31. Por outro lado, deve considerar-se que conduta processual da requerente, ao intentar a providência cautelar de arresto nos tribunais estaduais de Macau e ao intentar a acção principal no tribunal arbitral de Hong Kong, com escrupuloso respeito pela convenção de arbitragem e do efeito negativo do princípio da competência da competência, destinou-se, igualmente, a evitar a verificação da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário (art.º 413º e 414º do Código de Processo Civil).
32. E, essencialmente, evitar a ocorrência das anti-suit injunctions, muito em voga nos sistemas jurídicos de raiz anglo-saxónica, como o de Hong Kong, e que aconteceria, certamente, se a requerente intentasse uma acção principal nos tribunais estaduais de Macau; - na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, vide o Acórdão West Tankers, de 10/02/2009.
33. A Recorrente acaba por fazer uma verdadeira apologia da «perda de tempo» e da «dissipação de recursos judiciários», quando, em sede da (eventual) caducidade do procedimento cautelar afirma que, devendo a recorrida ter intentado a acção principal em Macau (?!) – o que consubstanciaria a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral – aquela «apenas poderia seguir os seus trâmites até à prolação do despacho saneador» (conclusão n.º V).
34. Tal asserção – produzida consciente ou inconscientemente – implica que o Recorrente propugne o esvaziamento dos mais recentes avanços científicos em matéria de economia do direito («law and economics») e, por conseguinte, da sua ligação genética e funcional com a «poupança de recursos judiciários» e com a «prolação de decisões em prazo razoável» (art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau; art.º 1º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau).
35. A eficiente administração da justiça deve, sem ceder a tentações puramente economicistas, comprometer-se com a diminuição dos custos, do tempo e da complexidade do procedimento, e deve rejeitar, desse passo, o puro diletantismo processual preconizado pelo Recorrente.
36. A lei atribui relevância à autonomia privada das partes contraentes (art.º 399º, n.º 1 do Código Civil de Macau), no que respeita à escolha da «electio iudicis» e ao «fórum shopping»: tal asserção tem respaldo legal quer no art.º 24º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/96/M, de 11 de Junho (Lei de Arbitragem Voluntária Interna), quer no art.º 9º, do Decreto-Lei n.º 55/98/M (Lei de Arbitragem Voluntária Externa), de 23 de Novembro.
37. Estas disposições legais são a mais fiel homenagem ao princípio da autonomia privada (art.º 399º, n.º 1 do Código Civil de Macau), no que respeita quer à escolha da lei aplicável («electio iudicis»), quer, ainda, no que tange à escolha da jurisdição territorial aplicável («fórum shopping»); tais disposições legais irmanam-se, pois, no essencial: i) conferem cidadania jurídica à autonomia privada das partes, no que respeita; ii) à escolha da lei aplicável; iii) à jurisdição territorial aplicável; iv) à constituição do tribunal arbitral voluntário.
38. Particularmente ilustrativo desta «divisão funcional» surge o art.º 9º, do Decreto-Lei n.º 55/98/M, de 23 de Novembro, que dispõe o seguinte: «Não é incompatível com uma convenção de arbitragem a solicitação de medidas provisórias ou conservatórias feita por uma das partes a um tribunal, antes ou durante o processo arbitral, bem como a concessão de tais medidas pelo tribunal».
39. Esta disposição legal é aplicável quer à arbitragem interna, quer à arbitragem externa, ou seja, quer a arbitragem tenha ou não lugar na Região Administrativa Especial de Macau, de acordo com o disposto no art.º 1º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 55/98/M, de 23 de Novembro.
40. Quer isto dizer o seguinte: o facto de a requerente-recorrida ter deduzido a providência cautelar de arresto junto do Tribunal Judicial de Base significou, por um lado, o respeito pela competência funcional dos tribunais estaduais (que a celebração de uma convenção de arbitragem não invalida ou subtrai, em face do efeito positivo do princípio da competência da competência do tribunal arbitral).
41. Por outro lado, o facto de a requerente-recorrida ter intentado a acção principal no tribunal arbitral de Hong Kong traduziu-se, por outro lado, no respeito pela convenção de arbitragem e pela cláusula compromissória que a conforta (que a dedução de uma providência cautelar no Tribunal Judicial de Base de Macau não invalida ou subtrai, em face do efeito negativo do princípio da competência da competência do tribunal arbitral): tal interpretação normativa é claramente suportada pela literalidade do art.º 9º e do art.º 1º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 55/98/M, de 23 de Novembro.
42. O nascimento, a constituição e a competência do tribunal arbitral de Hong Kong teve como fonte imediata o império da autonomia privada (art.º 399º, n.º 1 do Código Civil de Macau; art.º 9º e do art.º 1º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 55/98/M, de 23 de Novembro); o nascimento, a constituição e a competência do tribunal judicial de Macau para o julgamento de providência cautelares teve como fonte imediata não já a autonomia privada das partes, mas o império da lei (art.º 15º, alínea a), art.º 16º, alínea a), art.º 18º interpretado restritivamente, todos do Código de Processo Civil de Macau): no primeiro caso, o juiz natural será o tribunal arbitral de Hong Kong; no segundo caso, o juiz natural será o Tribunal Judicial de Base de Macau.
43. Pelo que naufragam, também aqui, as doutas conclusões do Recorrente, em tema da competência funcional (ou falta dela) dos tribunais estaduais de Macau (conclusões n.º X a XX).
44. Nas suas doutas alegações de recurso, a requerida-Recorrente insurge-se, em síntese (conclusões n.º XXI a XXXIV), contra a verificação do requisito da “probabilidade séria da existência de um crédito”, contra o “periculum in mora”, e contra “a lei aplicável (de Hong Kong)” (conclusão n.º XXI), que foi tratada anteriormente. Não duplicaremos os argumentos oportunamente expendidos.
45. Neste conspecto, acompanhamos a douta decisão recorrida: a intensidade do litígio, o repúdio do crédito da recorrida, a possibilidade de encerramento da actividade comercial da Recorrente, com a inerente redução (drástica) das receitas provenientes dessa actividade comercial (fonte primacial da garantia patrimonial da requerida) e dissipação “apressada” dos bens patrimoniais, consubstanciam o “receio de perda da garantia patrimonial” da recorrida donde não só o decretamento da providência cautelar de arresto, como, e sobretudo, a sua manutenção pela douta decisão recorrida.
46. A Recorrente não alega, como lhe competia, qual a solução jurídica que protagoniza a lei aplicável e em que medida, essa solução contraria a existência da probabilidade séria do crédito.
47. O crédito decorrente de um contrato não terá em Hong Kong natureza diferente daquela que terá em Macau: se uma das partes deixou de pagar o que estava contratualmente estipulado, a dívida existe! Esta assunção será tão válida para o sistema jurídico de Macau como é para o sistema jurídico de Hong Kong, de Portugal, do Brasil, do Reino Unido ou do Zimbabwe.
48. E perante a abundante prova produzida em sede de audiências de julgamento nos presentes autos, dúvidas não poderão restar que a dívida da Recorrente existe, e logo, a probabilidade séria do crédito da Recorrida também. Seja à luz da lei de Macau seja à luz da lei de Hong Kong!
49. À luz das normas reguladoras dos conflitos de leis, a lei de Hong Kong nunca seria aplicável ao contrato em questão.
50. No âmbito dos conflitos de lei, mormente no que às obrigações provenientes de negócios jurídicos dispõe o art. 40º do Código Civil que as obrigações provenientes de negócio jurídico, isto é, as obrigações voluntárias, são reguladas, em primeiro lugar, “pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista” (ou seja, mediante uma escolha de lei expressa ou implícita), porém, com o limite subjectivo de que a designação da lei deve corresponder “a um interesse sério dos declarantes”, ou, em alternativa, com o requisito objectivo de que a lei escolhida pelas partes” esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito de conflitos”, isto é, com um dos elementos de conexão utilizados no Código Civil de Macau (tais como a residência habitual da pessoa singular, a sede da pessoa colectiva, o locus rei sitae, o locus delicti, etc.)
51. No domínio do direito internacional privado, as normas de conflitos permitem que os outorgantes num contrato possam escolher qual a lei aplicável a esse contrato, desde que exista um elemento de conexão com essa lei, como por exemplo, ser a lei do país da nacionalidade ou residência dos contraentes, ou do local onde o contrato é celebrado.
52. No caso concreto, o contrato sub judice tem todos os elementos de conexão com a lei de Macau, e por isso dúvidas não restam que para efeitos obrigacionais a lei aplicável no contrato sub judice seria obviamente a lei de Macau por ser com esta que o contrato apresenta mais – se não em exclusividade – elementos de conexão.
53. Do contrato não resulta qualquer elemento de conexão com a lei de Hong Kong, pelo que, à luz das normas de conflitos a lei de Macau seria sempre aplicável à verificação do crédito da Recorrida, pelo que nada há a apontar à decisão recorrida.
Para a procedência de qualquer providência, necessita o requerente de demonstrar, como demonstrou, de acordo com um juízo de verosimilhança (probabilidade séria, na letra do art.º 332º, n.º 1, art.º 337º, n.º 1, ambos do CPC de Macau), a existência do direito subjectivo (seja ele um direito de crédito, como no caso concreto, ou um direito absoluto, como um direito de personalidade), não sendo já exigível a comprovação inequívoca deste, pois que essa comprovação será efectuada na acção de que a providência é dependência.
54. Não se exige, ao contrário do que parece referir a Recorrente (conclusão n.º XXXII), “uma certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, aliás dificilmente comprovada em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando por isso, mas sendo condição essencial, que se mostre plausível e racionalmente fundado esse pressuposto.
55. A esta luz resulta que o requerente logrou fazer prova prima facie, de natureza meramente indiciária, de todos os requisitos subjectivos e objectivos de aplicação da providência cautelar conservatória da garantia patrimonial do direito de crédito da requerente (art.º 353º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau; art.º 335º, n.º 1, art.º 615º, ambos do Código Civil de Macau), pelo que bem andou a douta decisão recorrida que manteve a providência cautelar de arresto, ora posta em crise, sem razão, pela Recorrente.
Termos em que deverá improceder o recurso interposto, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Coloca-se a questão de saber se os tribunais da RAEM são competentes para julgar a providência solicitada pela requerente, sabendo que entre a requerente e a requerida foi celebrado um contrato e ficou acordado que os litígios relativos a tal contrato estão sujeitos a mediação segundo as regras do Centro de Arbitragem Internacional de Hong Kong e que, falhando essa mediação, os referidos litígios serão dirimidos por árbitro único segundo a Lei de Arbitragem de Hong Kong.
A decisão em crise tem o seguinte teor:
“Da competência.
A competência dos tribunais é uma questão processual e, portanto, do âmbito de regulação da lex fori. É, assim, a lei da RAEM que disciplina a competência dos tribunais da RAEM. Sobre a questão da competência dos tribunais da RAEM não adianta invocar normas de fontes exteriores ao ordenamento jurídico da RAEM (composto também por convenções internacionais), como se se tratasse de questão substantiva do âmbito da lex causae.
Também não relevam as normas da RAEM disciplinadoras da competência dos tribunais arbitrais, pois que estas se destinam a fixar a competência de tais tribunais e não a competência dos tribunais judiciais. Apenas relevam no caso de lhe fixarem competência exclusiva (tribunal arbitral necessário), pois que nesse caso retiram a competência aos tribunais judiciais. Porém, isso não ocorre no caso em apreço. Pelo contrário, o art. 24º do DL nº 29/96/M, de 11 de Junho, na medida em que contenha normas processuais e, portanto, do âmbito da lex fori aplicável aqui, não exclui a competência dos tribunais judiciais para conhecer dos procedimentos cautelares.
A requerida veio arguir a excepção de incompetência deste tribunal. O seu raciocínio é este: para conhecer dos procedimentos cautelares é competente o tribunal de Macau se aqui puder ser proposta a acção respectiva; porém, requerente e requerida celebraram um contrato onde acordaram, entre o mais, que os seus litígios relativos a esse mesmo contrato seriam submetidos a tribunal arbitral sedeado em Hong Kong. Conclui que, sendo o tribunal arbitral do exterior o competente para conhecer da acção de que é dependente o presente procedimento cautelar, não são os tribunais de Macau competentes para este procedimento porquanto a acção principal não pode aqui ser intentada. Invoca o disposto no art. 18º do CPC.
O Acórdão do TUI de 17/11/2010, proferido no processo n.º 29/2010 (Relator: Dr. Chu Kin), julgando procedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral (voluntário?), admitiu a incompetência dos tribunais da RAEM para conhecer de determinado procedimento cautelar comum e absolveu a requerida da instância cautelar.
Não há dúvidas, nem as partes as colocam, que requerente e requerida acordaram submeter ao tribunal arbitral sedeado em Hong Kong a resolução dos litígios relativos ao contrato de sub-empreitada que celebraram.
Dispõe o art. 18º do CPC que “os procedimentos cautelares … podem ser requeridos em Macau quando a acção respectiva possa aqui ser proposta …”.
Quando é que “a acção respectiva” pode “aqui ser proposta”?
Afigura-se que a resposta é: quando ocorra qualquer dos factores atributivos de competência aos tribunais de Macau, designadamente os factores gerais determinados pelo princípio da causalidade, reciprocidade e necessidade e pelo domicílio/sede do réu ou requerido (arts. 15º e 17º do CPC) ou qualquer dos factores atributivos especiais, designadamente o local de cumprimento da obrigação (art. 16º, al. a) do CPC).
Se a acção puder ser proposta em Macau, mesmo que tenha sido ou possa ser proposta no exterior com competência concorrente, os tribunais de Macau são competentes para o procedimento cautelar dependente daquela acção.
Se a acção não puder ser proposta nos tribunais da RAEM, por inexistência de factor atributivo de competência ou por existência de facto privativo, como o tribunal arbitral necessário, então os tribunais de Macau não são, em princípio, competentes para o procedimento cautelar.
Se a acção não puder ser intentada em Macau apenas devido a convenção internacional ou a acordo de cooperação judiciária, os tribunais da RAEM continuam competentes para o procedimento cautelar dependente, apesar de aqui não poder ser proposta a acção principal (art. 328º, nº 6 do CPC).
Resta saber se os tribunais de Macau são competentes para o procedimento cautelar em caso de existir pacto privativo de jurisdição ou convenção de arbitragem (cláusula compromissória) que contenha o acordo das partes em submeterem ao tribunal estadual do exterior ou ao tribunal arbitral (da RAEM ou do exterior) a acção de que o procedimento cautelar é dependente. Nesta situação, a acção pode ser intentada em Macau desde que se verifique qualquer um dos factores atributivos de competência, pois que não é de conhecimento oficioso a excepção de violação do pacto privativo de jurisdição nem a preterição do tribunal arbitral voluntário da RAEM ou do exterior (art. 414º do CPC). Parece, pois, numa interpretação meramente literal, que nesta situação os tribunais de Macau têm competência para o presente procedimento cautelar porque aqui pode ser intentada a acção principal, a qual respeita ao cumprimento e à indemnização por incumprimento, sendo que a obrigação alegadamente incumprida deveria ser cumprida em Macau (art. 16º, al. a) do CPC).
É claro que, caso seja aqui intentada a acção principal, o réu que não fique em revelia absoluta nem veja a excepção deduzida pelo Ministério Público ou pelo defensor que lhe seja nomeado poderá excepcionar a incompetência. Porém isso nada tem a ver com o facto atributivo de competência para o procedimento cautelar. Este basta-se com a possibilidade de aqui ser intentada a acção. E essa possibilidade existe, não relevando antecipar se irá ou não ser arguida a excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário.
Esta interpretação do art. 18º do CPC tem em conta essencialmente o elemento histórico da interpretação. A norma em causa provém do art. 83º, al. c) do anterior CPC. Este código ainda distinguia a competência absoluta e relativa e, nesta, a competência em razão do território, porquanto a comarca de Macau estava integrada numa rede de comarcas mais vasta e era necessário saber qual a comarca competente para conhecer dos procedimentos cautelares. A norma originária visava, como critério residual, distribuir a competência interna, depois de reconhecida a competência internacional ou em razão da nacionalidade. Portanto, o referido artigo 18º não tem genuína vocação para aferir da competência internacional, sendo uma “adaptação” que reclama interpretação cuidada e restritiva. Desde logo lhe foi retirado campo de aplicação pelo nº 6 do art. 328º para os casos em que os tribunais de Macau não tenham competência para a acção principal por força de convenção internacional ou acordo de cooperação judiciária.
Mas também o elemento sistemático da interpretação aponta para um pensamento legislativo que reporta o art. 18º apenas aos casos dos arts. 15º a 17º imediatamente anteriores. Os arts. 15º a 17º dizem quando as acções podem ser propostas em Macau. E o art. 18º diz que nessas situações em que a acção principal pode ser proposta em Macau também aqui podem ser propostos os procedimentos cautelares que delas dependem. Neste âmbito é estranho o caso do pacto privativo de jurisdição e do tribunal arbitral voluntário da RAEM ou do exterior, pois que não estão contemplados nos arts. 15º a 17º.
Conclui-se, pois, que este tribunal é competente para conhecer o presente procedimento cautelar porquanto, em abstracto, aqui pode ser intentada a acção de que tal procedimento é dependente, a qual se destina ao cumprimento contratual e/ou a indemnização por incumprimento de obrigação que devia ser cumprida em Macau.”
*
Vejamos.
Dispõe o artigo 18.º do CPC que “Os procedimentos cautelares e as diligências antecipadas de produção de prova podem ser requeridos nos tribunais de Macau, quando a acção respectiva possa aqui ser proposta ou aqui esteja pendente.”
É de verificar que o legislador usa no artigo 18.º a expressão “tribunais de Macau”, tal como constam dos artigos 15.º, 16.º, 17.º, 19.º e 20º do CPC. Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que aquelas não consubstanciam normas de fixação de competência territorial, uma vez que deixou de haver lugar a distribuição de competência em razão do território, antes funcionam como normas destinadas a aferir da competência internacional dos tribunais de Macau perante outras jurisdições.
Pelo que, para saber se os tribunais de Macau (no seu todo) são competentes para julgar um determinado procedimento cautelar, terá que saber se os tribunais são também competentes para julgar a respectiva acção principal.
O artigo 18.º refere-se a duas situações em que os tribunais da RAEM são competentes para julgar o procedimento cautelar: “quando a acção respectiva possa aqui ser proposta” ou “quando a acção respectiva aqui esteja pendente”.
Ora bem, não restam dúvidas de que um procedimento cautelar pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva (artigo 328.º, n.º 1 CPC).
Se um tribunal de Macau for competente para julgar o respectivo processo principal e que este já se encontra pendente, então passa a ter competência para julgar o procedimento cautelar, que é processado como incidente da respectiva acção.
Entende a decisão recorrida que, uma vez que a excepção de preterição do tribunal arbitral só pode ser suscitada pelo réu na acção principal e não pode ser conhecida oficiosamente, os tribunais de Macau, em termos abstractos, são competentes para julgar o presente procedimento cautelar porque aqui pode ser intentada a respectiva acção principal de que aquele procedimento é dependente.
Salvo melhor entendimento, somos a entender que não foi essa a melhor interpretação.
Decorre da decisão recorrida que, para todos os casos de preterição do tribunal arbitral, ou mesmo de violação de pacto privativo de jurisdição, os tribunais da RAEM seriam sempre competentes para julgar os procedimentos cautelares, em virtude de as excepções dilatórias de preterição do tribunal arbitral ou violação do pacto privativo de jurisdição não poderem ser conhecidas oficiosamente, antes só são apreciadas quando forem suscitadas pelo réu na contestação (da respectiva acção principal).
De facto, está previsto na lei que o requerente do procedimento cautelar terá que intentar a acção principal, sob pena de a providência cautelar ficar caducada (334.º do CPC). Caso a acção principal não seja proposta pela requerente nos tribunais de Macau, a requerida será absolvida da instância e a respectiva providência cautelar será declarada caducada.
Sendo assim, se a tese propugnada pela decisão recorrida procedesse, então mais cedo ou mais tarde, a requerida seria absolvida da instância e a providência cautelar declarada caducada, nomeadamente quando a requerente não vem intentar a acção principal ou a acção é intentada mas que a ré (ou requerida do procedimento cautelar) venha invocar a excepção de preterição do tribunal arbitral.
Em nossa modesta opinião, não parece ter sido intenção do legislador admitir procedimentos cautelares se os tribunais de Macau não são efectivamente competentes para conhecer a acção principal de que aqueles sejam dependentes, pois isso acarretaria a violação do princípio da economia processual, no sentido de que não devem praticar no âmbito do processo civil actos inúteis. Se mais cedo ou mais tarde, a ré ou a requerida será absolvida da instância com a consequente declaração de caducidade da providência cautelar, nomeadamente quando a requerente não vier intentar a acção principal ou a acção for intentada mas que a ré (ou requerida do procedimento cautelar) venha invocar a excepção de preterição do tribunal arbitral, não se percebe por que deve admitir e autorizar determinada providência cautelar, quando já se antevê, através da oposição da requerida, a caducidade da providência requerida.
Por outro lado, não se deve esquecer que os procedimentos cautelares são sempre dependências da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, daí que é muito natural que os tribunais só tenham competência para julgar aqueles procedimentos se os tribunais são efectivamente competentes para conhecer da respectiva acção principal, e não em termos de mera possibilidade de, em abstracto, a acção principal ser intentada na RAEM, conforme dito na decisão recorrida.
E mais não se diga que foi violado o art.º 36º, n.º 1 da Lei Básica de Macau, pois às partes é sempre assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais, antes são os próprios interessados que procederam à escolha do regime jurídico que mais lhes convier.

Convém ainda ter em conta um outro aspecto.
Se as partes tiverem acordado atribuir a jurisdição a um tribunal arbitral da RAEM, a lei consagra expressamente no artigo 24.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 29/96/M que “não é incompatível com a convenção de arbitragem a dedução de procedimento cautelar no tribunal judicial”. Ou seja, mesmo que se tenha acordado atribuir a competência a um tribunal arbitral da RAEM, a lei permite a instauração de procedimento cautelar no tribunal judicial (trata-se, digamos, de uma excepção à regra geral), neste caso o requerente deve desencadear as diligências para constituição do tribunal arbitral no prazo previsto na lei de processo civil para propositura de acção judicial de que o procedimento deva ser dependente, para evitar a caducidade da providência decretada.
Mas se as partes tiverem acordado atribuir a jurisdição a um tribunal arbitral do exterior da RAEM, a situação já é bem diferente.
Preceitua o n.º 6 do artigo 328.º do CPC que “Nos casos em que, nos termos de convenções internacionais aplicáveis em Macau ou de acordos no domínio da cooperação judiciária, o procedimento cautelar seja dependência de uma causa que já foi ou deva ser intentada em tribunal do exterior de Macau, o requerente deve fazer prova da pendência da causa principal, através de certidão passada pelo respectivo tribunal.”
Melhor dizendo, se o tribunal competente para julgar a acção principal for um tribunal do exterior de Macau, o tribunal de Macau só tem competência para julgar procedimentos cautelares, se existir convenções internacionais ou acordos no domínio da cooperação judiciária que regule a tal questão.
Como observa Abrantes Geraldes1, “A norma do art. 383.º, nº 5 (que corresponde ao artigo 328.º, n.º 6 do CPC de Macau), foi instituída com o objectivo de concretizar um dos mecanismos constantes de instrumentos de direito internacional…” – sublinhado e aditado nosso
Opinam Cândida Pires e Viriato Lima2 que “o n.º 6 estabelece a expressa possibilidade de, havendo convenção internacional aplicável em Macau ou acordo de cooperação judiciária que o preveja, poder ser requerido em Macau procedimento cautelar dependente de acção já proposta ou a propor em tribunal do exterior, cabendo ao requerente o ónus de provar a pendência da acção principal, até para obstar à eventual caducidade da providência que entretanto tenha sido decretada”. – sublinhado nosso
Refere também Cândida Pires3 que o disposto no n.º 6 do artigo 328.º do CPC de Macau aplica-se quando “nos termos de convenções internacionais aplicáveis em Macau ou de acordos no domínio da cooperação judiciária, a acção de que o procedimento depende já tiver sido ou deva ser intentada em tribunal do exterior de Macau, ainda assim, os tribunais de Macau mantêm jurisdição para o procedimento cautelar, devendo o requerente fazer prova nos autos do procedimento cautelar da pendência da causa principal, através de certidão passada pelo respectivo tribunal”. – sublinhado nosso
Em boa verdade, e salvo o devido respeito, entendemos que a norma supra tem por objectivo permitir o recurso de procedimentos cautelares previstos na lei da RAEM, ainda que o tribunal competente para conhecer do mérito da causa principal seja tribunal de outro país. E com vista a manter válida a providência, evitando a eventual caducidade da providência decretada em tribunal de Macau, o requerente terá que juntar prova da pendência da causa principal no exterior.
Ora bem, sucede que não está contemplado no Acordo sobre a Confirmação e a Execução Recíprocas de Decisões Arbitrais entre a Região Administração Especial de Macau e a Região e a Região Administrativa Especial de Hong Kong, único acordo celebrado entre as duas regiões em matéria de arbitragem, regulamentação sobre a situação em causa, pelo que o artigo 328.º, n.º 6 CPC não é aplicável no presente caso concreto.
Em termos da jurisprudência, também o Acórdão do Venerando TUI, no Processo 29/2010, chegou a declarar a incompetência dos tribunais da RAEM para conhecer de determinado procedimento cautelar comum e absolveu a requerida da instância cautelar.
Face ao exposto, somos a entender que, ao abrigo do artigo 18.º do CPC, não sendo os Tribunais de Macau competentes para julgar a acção principal de que o presente procedimento cautelar seja dependente, os mesmos são incompetentes para apreciar a providência cautelar solicitada pela requerente, devendo a requerida ser absolvida da instância cautelar.
Desta forma fica prejudicado o conhecimento das restantes questões levantadas neste recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, absolver a requerida A (Macau) Limitada da instância cautelar.
Custas pela requerente, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
***
RAEM, 15 de Março de 2018

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
1 Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4.ª edição, pág. 166
2 Código de Processo Civil de Macau, Volume II, FDUM, 2008, pág. 329
3 Sentido e Limites da Jurisdição Cautelar Civil, Universidade de Macau, pág. 76
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Recurso civil 139/2018 Página 1