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Processo n.º 874/2015 Data do acórdão: 2017-7-27 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– juiz de instrução
– convite para aperfeiçoamento do requerimento da instrução
– art.º 397.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
– art.º 4.o do Código de Processo Penal
– art.o 270.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– irrecorribilidade do despacho de aperfeiçoamento
– irrecorribilidade da decisão de declaração da abertura da instrução
– art.º 397.º, n.º 3, do Código de Processo Civil
– art.º 399.º do Código de Processo Civil
S U M Á R I O
  1. O próprio articulado do Código de Processo Penal (CPP) não prevê expressamente a hipótese de o juiz de instrução convidar o requerente da abertura da instrução para aperfeiçoar o respectivo requerimento, embora já determine, taxativamente, no n.º 2 do seu art.º 271.º, as três hipóteses de rejeição do requerimento para abertura da instrução.
  2. Na fase processual penal facultativa da instrução aberta a pedido do assistente na situação prevista no art.o 270.o, n.o 1, do CPP, quem agirá como ente acusador no final, se for o caso, será o juiz de instrução, e nunca o assistente. Ao assistente, na situação prevista nessa norma, cabe o direito de requerer a abertura da instrução, destinada, na óptica dele nessa situação concreta, à não comprovação, pelo juiz de instrução, da decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, por decisão do juiz de instrução, a causa penal em mira a julgamento contraditório, por efeito do despacho de pronúncia a ser proferido, na esperança do próprio assistente, após o encerramento do debate instrutório (cfr. os art.os 268.o, n.os 1, 3 e 4, e 289.o, n.o 1, do CPP).
  3. Assim, essa não equiparação do papel do assistente na situação prevista do art.º 270.º, n.º 1, do CPP ao papel do Ministério Público enfraquece a força convincente da tese de que se não é permissível em processo penal (por força nomeadamente do princípio acusatório) o aperfeiçoamento, pelo juiz, da acusação deduzida pelo Ministério Público, também não será permissível o aperfeiçoamento do requerimento do assistente para abertura da instrução.
  4. O aperfeiçoamento do requerimento do assistente para abertura da instrução também não acarreta o enfraquecimento da posição ou diminuição dos direitos processuais do arguido. É que uma vez declarada a abertura da instrução com a satisfação do convite judicial de aperfeiçoamento do requerimento do assistente de abertura da instrução, ao arguido assistirá todo o direito processual de se defender (cfr. os art.os 274.o, n.o 2, 278.o, 279.o, n.o 4, 280.o, 283.o, n.o 3, e 284.o, n.os 2 e 4, do CPP).
  5. Aliás, da redacção da parte inicial do n.º 1 do art.º 271.º do CPP no sentido de que o requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais ressalta a visão algo não formalista do legislador perante o acto de requerimento da instrução.
  6. Razões essenciais por que se conclui pela possibilidade do convite do assistente para aperfeiçoamento do requerimento da instrução, sob a égide do art.º 397.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 4.o do CPP.
  7. E como decorrência lógica desta possibilidade, são aplicáveis, outra vez por força do art.o 4.o do CPP, as regras processuais do n.º 3 do art.º 397.º e do 399.º, ambos do CPC, de maneira que é de considerar como irrecorríveis não só o despacho de aperfeiçoamento dos requerimentos para abertura da instrução, como também a ulterior decisão de declaração da abertura da instrução perante a satisfação do despacho de aperfeiçoamento.
  O relator,
  Chan Kuong Seng

Processo n.º 874/2015
(Recurso em processo penal)
Arguida recorrente:
A
Assistentes recorridos:
B
C
D






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A sociedade comercial denominada A, arguida no subjacente processo de inquérito penal n.º 6442/2011 do Ministério Público, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), do despacho judicial de aperfeiçoamento dos requerimentos para abertura da instrução então apresentados por B, C e D, e do subsequente despacho judicial na parte em que se declarou aberta a instrução respeitante aos factos alegadamente ocorridos em Maio de 2012, tendo colocado materialmente as seguintes questões (na sua motivação unamente apresentada a fls. 2366 a 2406 do presente processado recursório correspondente), para pedir, a título principal, a revogação do despacho de aperfeiçoamento, com consequente rejeição dos requerimentos iniciais para abertura da instrução e revogação da decisão de declaração da abertura da instrução, e, subsidiariamente, a revogação parcial dessa decisão de declaração da abertura da instrução, com necessária não admissão da instrução pelo menos na parte atinente ao crime de violação de exclusivo de patente:
– inexiste previsão legal expressa permitindo o convite ao aperfeiçoamento no art.º 271.º do Código de Processo Penal (CPP) (pelo que o aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução põe em causa sempre a peremptoriedade dos prazos previstos nos art.os 269.º e 270.º do CPP, para além de violar a estrutura acusatória do processo penal, com diminuição intolerável das garantias de defesa);
– mesmo no caso de se considerar existente uma qualquer lacuna, não se poderia integrar (devido à desarmonização com os princípios do processo penal) a lacuna com as normas de processo civil sobre o aperfeiçoamento da petição cível;
– e ainda subsidiariamente falando, seriam sempre ineptos os requerimentos para abertura da instrução inicialmente apresentados (devido à total ausência dos elementos factuais que deveriam servir de fundamento para a abertura da instrução e da instrução a realizar), e não foram cumpridos nos requerimentos aperfeiçoados para abertura da instrução, os requisitos impostos pelo art.º 265.º, n.º 3, do CPP no tocante ao crime de violação de exclusivo de patente.
Respondeu o Digno Representante do Ministério Público (a fls. 2414 a 2415), no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Responderam também os três assistentes recorridos (unamente a fls. 2416 a 2440), para preconizar a rejeição liminar, ou a improcedência, da pretensão recursória da arguida.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 2452 a 2454 do presente processado), a favor da tese de impossibilidade legal de aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame do presente processado recursório, sabe-se o seguinte:
A sociedade comercial actualmente denominada A (ora recorrente) é arguida do subjacente processo de inquérito penal n.º 6442/2011 do Ministério Público.
Por decisão do Digno Magistrado do Ministério Público (certificada a fls. 830 a 831v do presente processado recursório), foram arquivados esses autos de inquérito.
Decisão de arquivamento essa que veio a ser confirmada em sede de reclamação hierárquica então inclusivamente deduzida pela sociedade comercial D (cfr. o teor certificado do petitório da reclamação hierárquica e da decisão dessa reclamação, a fls. 900 a 913 e a fls. 2130 a 2131v do presente processado recursório, respectivamente).
Por outra banda, B e C, já constituídos assistentes no proceso de inquérito em causa, pediram a abertura da instrução, mediante o respectivo requerimento uno (cujo teor se encontra certificado a fls. 1206 a 1228 do presente processado recursório), ao qual foi junto um “projecto do despacho de pronúncia” (cujo teor se encontra certificado a fls. 1229 a 1234 do presente processado recursório).
Posteriormente, também veio a D pedir a abertura da instrução através do respectivo petitório (com teor certificado a fls. 2183 a 2212 do presente processado recursório), ao qual foi junto também um “projecto do despacho de pronúncia” (cujo teor se encontra certificado a fls. 2213 a 2231 do presente processado recursório), por ela adoptado do teor do “projecto do despacho de pronúncia” anteriormente apresentado unamente por B e C.
Entrementes, foi constituída assistente a D (por despacho judicial com teor certificado a fl. 2235 do presente processado recursório).
Os três requerentes da instrução B, C e D foram convidados por despacho do M.mo Juiz de Instrução (com teor certificado a fls. 2251 a 2252 do presente processado recursório), para aperfeiçoar os respectivos requerimentos para abertura da instrução, a fim de, no entender desse M.mo Juiz, satisfazerem o disposto no art.º 265.º, n.º 3, do CPP, por um lado, e, por outro, para esclarecerem contra quais as pessoas é que pretendessem pedir a abertura da instrução.
Vieram os três requerentes proceder, à cautela do patrocínio (apesar de declararem a discordância do entendimento do M.mo Juiz no despacho de aperfeiçoamento, por entenderem que os seus requerimentos iniciais para abertura da instrução já continham as razões, de facto e de direito, de discordância do arquivamento do inquérito), ao aperfeiçoamento dos seus requerimentos para abertura da instrução (cfr. o teor certificado de fls. 2264 a 2324 do presente processado recursório).
Subsequentemente, decidiu o M.mo Juiz de Instrução (por despacho com teor certificado a fls. 2326 a 2327v do presente processado recursório) em rejeitar a abertura da instrução não só na parte em que se pediu a abertura da instrução contra pessoas de identidade não apurada, como também na parte respeitante aos factos alegadamente ocorridos em Novembro de 2013 e em Maio de 2014 (por entender o M.mo Juiz que o Ministério Público não chegou a pronunciar-se sobre esses factos, na decisão da reclamação hierárquica do arquivamento dos autos de inquérito, o que acarretou a que esses factos não tenham sido objecto de inquérito), tendo decidido ao mesmo tempo em declarar aberta a instrução no respeitante à restante parte não rejeitada, sobre os factos alegadamente ocorridos em Maio de 2012.
Veio a arguida A insurgir-se contra a decisão de aperfeiçoamento dos requerimentos para abertura da instrução e a declaração da abertura da instrução na parte não rejeitada.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na presente lide recursória, estão sob impugnação pela arguida duas decisões do M.mo Juiz de Instrução: o despacho de aperfeiçoamento dos requerimentos para abertura da instrução, e a ulterior decisão de declaração de abertura da instrução mormente na parte respeitante aos factos alegadamente ocorridos em Maio de 2012.
O art.º 271.º, n.º 1, do CPP reza que “O requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais mas deve conter, em súmula, as razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente desejaria que o juiz levasse a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar”.
O n.º 2 deste artigo determina que “O requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
Contudo, o próprio articulado do CPP não prevê expressamente a hipótese de o juiz de instrução convidar a pessoa requerente da abertura da instrução para aperfeiçoar o respectivo requerimento, embora já determine, taxativamente (no acima transcrito n.º 2 do art.º 271.º), as três hipóteses de rejeição do requerimento para abertura da instrução.
A arguida veio sustentar a tese da impossibilidade legal do convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura da instrução, com invocação sobretudo das ideias doutrinárias veiculadas na fundamentação do Acórdão n.o 7/2005 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, publicado nas páginas 6340 a 6346 da Série I-A do Número 212, de 4 de Novembro de 2005, do Diário da República, fixador da seguinte jurisprudência:
– “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.
Pois bem, sem quebra do devido respeito, a nível de discussão académica falando, de toda a posição jurídica divergente ou contrária na matéria em causa, realiza o presente Tribunal ad quem que é possível – sob a égide do art.º 397.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art.º 4.º do CPP – ao juiz de instrução convidar a pessoa requerente da abertura da instrução para aperfeiçoar o requerimento para abertura da instrução.
Na verdade, crê-se que não se pode equiparar o papel do assistente no processo penal ao papel do Ministério Público: na fase processual penal facultativa da instrução aberta a pedido do assistente na situação prevista no art.o 270.o, n.o 1, do CPP, quem agirá como ente acusador no final, se for o caso, será o juiz de instrução, e nunca o assistente; ao assistente, na situação prevista nessa norma, cabe o direito de requerer a abertura da instrução, destinada, na óptica dele nessa situação concreta, à não comprovação, pelo juiz de instrução, da decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, por decisão do juiz de instrução, a causa penal em mira a julgamento contraditório, por efeito do despacho de pronúncia a ser proferido, na esperança do próprio assistente, após o encerramento do debate instrutório (cfr. os art.os 268.o, n.os 1, 3 e 4, e 289.o, n.o 1, do CPP).
Essa não equiparação do papel do assistente ao papel do Ministério Público enfraquece a força convincente da tese de que se não é permissível em processo penal (por força nomeadamente do princípio acusatório) o aperfeiçoamento, pelo juiz, da acusação deduzida pelo Ministério Público, também não será permissível o aperfeiçoamento do requerimento do assistente para abertura da instrução.
Nem se diga que o aperfeiçoamento do requerimento do assistente para abertura da instrução possa acarretar o enfraquecimento da posição ou diminuição dos direitos processuais do arguido. É que uma vez declarada a abertura da instrução com a satisfação do convite judicial de aperfeiçoamento do requerimento do assistente de abertura da instrução, ao arguido assistirá todo o direito processual de se defender (cfr. os art.os 274.o, n.o 2, 278.o, 279.o, n.o 4, 280.o, 283.o, n.o 3, e 284.o, n.os 2 e 4, do CPP).
Por fim e não menos importante, da redacção da parte inicial do n.º 1 do art.º 271.º do CPP no sentido de que o requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais ressalta a visão algo não formalista do Legislador perante o acto de requerimento da instrução.
Razões essenciais por que se conclui pela possibilidade do convite do assistente para aperfeiçoamento do requerimento da instrução, sob aval do art.o 4.o do CPP.
E como decorrência lógica desta possibilidade, é de decidir também pela aplicação, outra vez por força do art.o 4.o do CPP, as duas seguintes regras processuais: o n.º 3 do art.º 397.º do CPC e o art.º 399.º do CPC.
De maneira que é de considerar como irrecorríveis não só o despacho de aperfeiçoamento dos requerimentos para abertura da instrução, como também a ulterior decisão de declaração da abertura da instrução perante a satisfação do despacho de aperfeiçoamento.
Termos em que há que manter o julgado (não sendo, pois, mister proceder à indagação, por estar prejudicada, de todo o remanescente alegado na motivação de recurso).
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em manter o julgado.
Custas pela arguida, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 27 de Julho de 2017.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Ajunto)



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