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Processo n.º 162/2017
(Recurso em matéria cível)

Data: 8 de Março de 2018

ASSUNTOS:


- Acção de reivindicação
- Restituição da coisa reivindicada



SUMÁRIO:

I – Para que a acção de reivindicação tenha êxito, a Autora deve alegar factos dos quais resulte a aquisição originária da propriedade, por si ou pela pessoa que lha transmitiu.
II – Só assim não será quando a Autora beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artigo 7º do CRP).
III – Reconhecido o direito de propriedade, há lugar à consequente restituição da coisa, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
IV – Compete à Ré provar que é titular de um direito obrigacional ou real que legitima a ocupação, por exemplo, que é arrendatária.
V – Não assim fazendo, a possuidora ou detentora é condenada a restituir o terreno à reivindicante, Autora do processo em causa.


O Relator,

________________
Fong Man Chong
















Processo n.º 162/2017
(Recurso Civil)
Data : 8/Março/2018

Recorrente : Companhia de Propriedade Investimento de Macau
B Lda. (1ª Ré) (澳門B地產投資有限公司)

Recorrida : Desenvolvimento e Fomento Predial A, Lda. (Autora) (A地產發展有限公司)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

    I - RELATÓRIO
Desenvolvimento e Fomento Predial A, Lda. (A地產發展有限公司), Autora referenciada nos autos, propôs, em 16/09/2013, junto TJB uma acção de reivindicação contra os seguintes Réus:
- Companhia de Propriedade Investimento de Macau B Limitada, em chinês (澳門B地產投資有限公司; em inglês, Macao B Property Investment Company Ltd.); e
- Companhia de Hotel Investimento Administração C Limitada, (C酒店投資管理有限公司; em inglês C Hotel Investment & Management Company Limited);
- Interessados incertos;
Pede que:
a) Sejam os RR. condenados a reconhecer a A. como dona, legítima possuidora e proprietária dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial da RAEM sob os nºs ... e ... a fls.... do livro..., respectivamente;
b) Sejam os RR condenados a desocupar e restituir os prédios rústicos à A. imediatamente;
c) Sejam os RR. condenados em todos os encargos resultantes da restituição dos referidos prédios rústicos, incluindo a remoção das sucatas e demais objectos que aí se encontrem.
*
Em 14/07/2016 foi proferida a respectiva sentença pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência, absolve-se a 2ª Ré dos pedidos, condenando-se a 1ª Ré a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade dos prédios rústicos sitos no Caminho da Povoação de Cheok Ka, S/N, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), com a área de 341.6m2, confrontando de Norte com Terreno de Chan Kai, de Sul com Terreno de Lam Chac Keng Chau, de Este com Terreno de Lam Cheong Sun e Terreno de Lam Chac Kong Chau e de Oeste com Quinta de Leoc Iun, descrito na C.R.P. sob o n.º ..., a fls. … do Livro … e no Caminho da Povoação de Cheok Ka, S/N, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), com a área de 408m2, confrontando de Norte com Terreno de Cheok Chau, de Sul e de Este com Terreno de Lam Chac Keng Chou e de Oeste com Terreno de Lam Cheong Sun, descrito na C.R.P. sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, ambos omissos na matriz predial da D.S.F e a entregá-los à Autora livres e devolutos de pessoas e bens ficando todas as despesas a que haja lugar para que os prédios sejam entregues devolutos à Autora a cargo da 1ª Ré em montante que se vier a apurar em execução de sentença.
Contra esta sentença veio a 1ª Ré, Companhia de Propriedade Investimento de Macau B Limitada, em chinês (澳門B地產投資有限公司; em inglês, Macao B Property Investment Company Ltd.) interpor o recurso para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 329 a 337, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     1. 上訴人因不服本案於2016年7月14日作出的判決,現為被上訴判決,逐提出本上訴,被上訴判決的內容如下:
     見卷宗第309頁至第315頁背頁
     2) 然而,上訴人認為被上訴判決沾有「不符合法律的適用狀況」、「在已證事實M項中出現錯誤判斷的情況」及「已證事實不足以支持被上訴判決的事實依據」的瑕疵 ;
     3) 這些瑕疵都引致被上訴判決應被廢止;
     4) 而所依據之事實,包括如下:
     5) 返還占有不動產之訴必要具有兩個前提要件; 第一,是確認不動產的所有權人有正當性向所有人主張其權力 - 從物權法的學理上,即針對該不動產的『對世權』; 第二,就是要證實占有人不正當占用了具體事件中的不動產。
     6) 本案中,雖然已確認了被上訴人是擁有了涉案土地之所有權人,但是,卻沒有證實上訴人是占有了涉案土地,或者說,至少,從被上訴人提起本訴訟之時,未能證明上訴人或其委派之人正在占用了涉案的土地。
     7) 正如已證事實的第F、G 、J、M、N、O、P 及 R 項中,也沒有指出上訴人或其委派之人,於2012年11月份提出本訴訟之前,是否正在占有涉案土地?
     8) 再者,現有的已證事實中,已確認的,是一名陌生男子正在占有了涉案土地之某個地方所放置的貨櫃作為居住之情況,卻沒有事實證明,是上訴人本身或其職員,或其委派之人,並以上訴人之名義占用該土地。
     9) 另外,在已證事實 M 項中,指出D為上訴人之委派人士。
     10) 可是,除了被上訴人之證人證言外,本案中不存在任何可證實D是由上訴人派出,且作出了本素所指出的行為。
     11) 尤其是,本案所證實D參與的行為,僅僅是指出其出現在2008年之時,但卻沒有指出D在2012年11月份仍處於跟本案涉案土地有任何關連。
     12) 那麼,本案標的及訴求與D有何關連。要證明D在2012年11月仍占有涉案土地之事實,才能將上訴人的占有涉案土地構成一定的關連性。
     13) 可是,本案已證事實卻不存在這個事宜,也沒有作出任何審議。所以,這點是不能成立的。
     14) 上訴人認為被上訴判決對於這點的認定,是違反了法院的自由評價證據原則,即最少要有一定的事實支持才可證明有關事實宜屬實,否則,在欠缺客觀事實支持下,有關認定明顯出現錯誤。
     15) 正如前面提及,被上訴人提出返還占有不動產之訴,必須要先證明被上訴人對於不動產的所有權有正當性,以及該不動產正被上訴人或其代表所占用。
     16) 然而,現有已獲證實的事實中,仍未具有證實上訴人或其代表正在占有涉案不動產。
     17) 換言之,被上訴判決仍欠缺客觀事實支持指證上訴人或其代表,自2012年11月份起至今天判決,仍繼續占有涉棄不動產。
     18) 所以,被上訴判決沾有已證事實不足以支持被上訴判決的情況,構成了嚴重的瑕疵。因此,被上訴判決應被廢止。
* * *
Desenvolvimento e Fomento Predial A, Lda. (A地產發展有限公司), ora recorrida, Autora na primeira instância, veio, em 10/11/2016, apresentar as contra-alegações (fls. 344 a 359), tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a Recorrente ilegitimamente ocupa e utiliza os prédios a que se reportam os autos e, bem assim, que apesar da insistência da Recorrida para lhos entregar não o fez, determinando, a final, a condenação daquela a reconhecer a ora Recorrida como titular do direito de propriedade dos terrenos sub judice e a lhos entregar livres e devolutos de pessoas e bens.
     B. A Recorrente falhou em demonstrar os vícios de que padece a decisão ora recorrida, não elencando as normas que considera terem sido violadas e sem esclarecer qual o sentido com que, no seu entender, as putativas normas em causa deviam ter sido interpretadas e aplicadas, em violação do disposto no artigo 598.° do CPC.
     C. Ademais, não indicou a Recorrente quais os concretos meios probatórios que imporiam decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que impugna, nem lhe bastando, de igual modo, alegar que a decisão carece de fundamentação sem indicar claramente em que medida é que tal fundamentação é insuficiente, assim violando o disposto no artigo 599.° do CPC.
     D. Tal identificação e esclarecimentos - no que respeita ao direito e à factualidade - não constam nem do corpo da alegação do recurso interposto, nem das respectivas conclusões, não podendo, in casu, ser a Recorrente convidada a aperfeiçoar as suas conclusões, pois o fim do aperfeiçoamento não é permitir a apresentação de nova alegação ou o aditamento de razões que antes não foram oferecidas.
     E. Assim, deve o Tribunal ad quem abster-se de conhecer do objecto do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 625.° do CPC.
     F. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite, sem conceder, sempre se dirá que toda a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo sustenta a decisão final por este tomada, não existindo qualquer substrato para o alegado "erro por não preenchimento dos pressupostos legais" - sendo certo que a Recorrente não cuidou sequer de identificar que normas ou pressupostos legais entende não terem sido preenchidas.
     G. Pelo contrário, tendo sido feita prova, por um lado, da propriedade dos prédios rústicos a favor da Recorrida e, por outro, da ocupação ilegítima dos mesmos por parte da Recorrente e de terceiros, é mister concluir, como fez o Tribunal a quo, pela procedência dos pedidos da Recorrida, com base, entre outros, no disposto no artigo 1235.° do Código Civil.
     H. Ao contrário do (pouco) alegado pela Recorrente, o douto Acórdão recorrido procedeu a uma correcta apreciação da prova constante dos autos, inexistindo qualquer erro, contradição ou vício que afecte o conteúdo da matéria de facto dada como provada.
     I. De facto, a convicção do tribunal na apreciação e valoração da prova resultou dos documentos juntos aos autos e, em particular, dos depoimentos das testemunhas ouvidas - em audiência, conforme bem foi explicitado e fundamentado na decisão sobre a matéria de facto a fls. ... dos autos, não tendo a Recorrente indicado qualquer prova que infirmasse ou pudesse infirmar as conclusões do, douto Acórdão recorrido.
     J. Ademais, não basta à Recorrente alegar que a decisão carece de fundamentação sem indicar claramente em que medida é que tal fundamentação é insuficiente.
     K. É por demais evidente que, ao contrário do sustentado pela Recorrente, a decisão do douto Tribunal a quo se balizou em matéria de facto concreta e suficiente para decidir pela ocupação ilegítima dos prédios dos autos por parte da Recorrente e de terceiros.
     L. Acresce que o princípio da imediação, em articulação com o entendimento vezes sem conta sufragado pelo TSI quanto ao princípio de livre apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido, baliza a sindicância do trabalho do julgador pelo Tribunal de recurso, no tocante à matéria de facto, fora dos casos e moldes restritos dos artigos 599° e 629° do CPC.
     M. Destarte, não tendo a Recorrente procedido à indicação dos meios probatórios que impusessem uma conclusão diferente da que foi determinada pelo douto Tribunal a quo nos termos do supracitado 599°, n.º 1, alínea a) do CPC, deverá o recurso apresentado ser liminarmente rejeitado, o que desde já se requer a V. Exas..
     N. Não merecendo qualquer crítica o Acórdão recorrido, pugna-se pela confirmação do mesmo, julgando-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente e mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.

* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. A. é uma sociedade comercial por quotas com sede em Macau, em 澳門…, registada na C.R.C.B.M. sob o nº …, conforme a certidão do Registo Comercial que se junta de fls. 10 a 16 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. A A. é proprietária do prédio rústico sito no Caminho da Povoação de Cheok Va, S/N, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), com a área de 341.6m2, confrontando de Norte com Terreno de Chan Kai, de Sul com Terreno de Lam Chac Keng Chau, de Este com Terreno de Lam Cheong Sun e Terreno de Lam Chac Kong Chau e de Oeste com Quinta de Leoc Iun, descrito na C.R.P. sob o nº ..., a fls. … do Livro … e omisso na matriz predial da D.S.F., conforme a certidão do Registo Predial junta de fls. 17 a 20 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. A A. é proprietária do prédio rústico sito no Caminho da Povoação de Cheok Va, S/N, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), com a área de 408m2, confrontando de Norte com Terreno de Cheok Chau, de Sul e de Este com Terreno de Lam Chac Keng Chou e de Oeste com Terreno de Lam Cheong Sun, descrito na C.R.P. sob o nº ..., a fls. … do Livro … e omisso na matriz predial da D.S.F, conforme a certidão do Registo Predial junta de fls. 21 a 24 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Tais prédios rústicos encontram-se conjuntamente demarcados sob o nº de cadastro 1051.022, na Planta Cadastral n.º 61051022 da D.S.C.C., conforme a Planta Cadastral n.º 61051022 junta a fls. 25 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Os prédios rústicos identificados nos itens b) e c) foram adquiridos pela A. à SOCIEDADE DE INVESTIMENTO E FOMENTO PREDIAL E, LIMITADA (em chinês E集團投資有限公司), sociedade comercial por quotas ora dissolvida e liquidada (adiante abreviadamente designada por “Sociedade E”), através da escritura pública outorgada em 8 de Novembro de 2012 no Cartório Notarial da Notária Privada Dra. Paula Ling, conforme a certidão do Registo Comercial da Sociedade E junto a fls. 26 a 32 e a pública-forma da referida escritura pública junta a fls. 33 a 36, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;
6. A aquisição pela A. dos referidos prédios foi registada junto da C.R.P. em 22 de Novembro de 2012;
7. Até 8 de Novembro de 2012, os prédios referidos eram propriedade da Sociedade E;
8. A 1ª Ré é uma sociedade comercial por quotas denominada com sede em Macau, em 澳門… registada na C.R.C.B.M. sob o nº …, conforme a certidão do Registo Comercial junta a fls. 37 a 42 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
9. A 2ª Ré é uma sociedade comercial por quotas denominada com sede em Macau, em 澳門…, registada na C.R.C.B.M. sob o nº …, conforme a certidão do Registo Comercial junta a fls. 43 a 46 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. Em meados do ano de 2008, os prédios rústicos identificados nos itens b) e c) encontravam-se ocupados pela 1ª Ré;
11. No ano de 2008, quando os representantes da Sociedade E se deslocaram aos prédios referidos, depararam-se com os terrenos cheios de várias sucatas, nomeadamente carcaças de automóveis;
12. A Sociedade E apresentou queixa crime;
13. Alguém de nome D(D)mandou, em nome da 1ª Ré, edificar uma cerca à volta dos prédios rústicos identificados nos itens b) e c);
14. Para impedir que os prédios referidos servissem de depósito para ainda mais sucata da 1ª Ré ou de terceiros e para os poder entregar devolutos à A., no início de Novembro de 2012 a Sociedade E, com o conhecimento e autorização da A., encarregou o Sr. F de remover a sucata e instalar uma vedação à volta dos referidos terrenos;
15. Sempre que o Sr. F procura remover a sucata que se encontra nos prédios referidos, surgem sempre indivíduos que procuram impedi-lo de o fazer;
16. Encontra-se sempre nos prédios referidos um indivíduo do sexo masculino que diz habitar num contentor de mercadorias que ali se encontra;
17. Tal indivíduo nunca foi autorizado pela Sociedade E ou pela A. para permanecer e/ou habitar nos prédios referidos;
18. Apesar das várias insistências do Sr. F, nunca foi possível identificar as pessoas que ali se encontravam ou perceber por conta de quem agiam;
19. A Sociedade E recebeu uma carta datada de 13 de Novembro de 2012 que contém a final o carimbo da 2ª Ré, conforme a cópia simples da referida carta junta a fls. 51 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
20. Pelo menos até 2013 os prédios rústicos identificados nos itens b) e c) estavam cheios de sucatas de automóveis que não pertencem à A.;
21. Do mesmo modo, continua a habitar num contentor de mercadorias colocado nos prédios referidos o indivíduo acima identificado no item p);
22. A A. encontra-se impedida de exercer plenamente o seu direito de propriedade sobre os prédios referidos bem como de deles usufruir livremente.

* * *
    IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, importa ver o que o tribunal a quo decidiu:
“Da acção de reivindicação.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1235º do C.C. «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
Segundo o artigo 1241º do C.C. «O direito de propriedade adquire-se por contrato, (…)».
No caso dos autos está assente que a Autora adquiriu o direito de propriedade dos prédios a que se reportam os autos por compra.
Demonstrado está também que a 1ª Ré ocupa e utiliza os prédios a que se reportam os autos e que apesar da insistência da Autora para os entregar não o faz.
Nos termos do nº 1 do artigo 1411º do C.C. o direito real «de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família».
Há posse quando alguém relativamente a uma coisa exerce o poder de facto correspondente a um direito real.
Podendo a posse ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem, em caso de dúvida presume-se naquele que exerce o poder de facto – artigo 1176º do C.C. -.
Destarte, impõe-se concluir ser a Autora a titular do direito de propriedade e a 1ª Ré a possuidora dos prédios daquela.
Não ocorrendo no caso em apreço qualquer fundamento legal para recusar a restituição, face ao disposto no artigo 1235º do C.C. deve a 1ª Ré ser condenada a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa.
Por fim formula a Autora um pedido de que os RR. sejam condenados em todos os encargos resultantes da restituição dos referidos prédios rústicos, incluindo a remoção das sucatas e demais objectos que aí se encontrem.
Ora, a condenação da 1ª Ré a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir a coisa à Autora pressupõe que a restituição seja feita estando a coisa devoluta de pessoas e bens, pelo que, se assim não for os encargos com a restituição ficam a cargo da 1ª Ré nos termos do artigo 1236º do C.C. em montante a apurar em execução de sentença – artigo 564º nº 1 do CPC -.
No que concerne à 2ª Ré não se provando que a mesma ocupa os terrenos em causa a acção apenas pode improceder.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência, absolve-se a 2ª Ré dos pedidos, condenando-se a 1ª Ré a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade dos prédios rústicos sitos no Caminho da Povoação de Cheok Ka, S/N, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), com a área de 341.6m2, confrontando de Norte com Terreno de Chan Kai, de Sul com Terreno de Lam Chac Keng Chau, de Este com Terreno de Lam Cheong Sun e Terreno de Lam Chac Kong Chau e de Oeste com Quinta de Leoc Iun, descrito na C.R.P. sob o n.º ..., a fls. … do Livro … e no Caminho da Povoação de Cheok Ka, S/N, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), com a área de 408m2, confrontando de Norte com Terreno de Cheok Chau, de Sul e de Este com Terreno de Lam Chac Keng Chou e de Oeste com Terreno de Lam Cheong Sun, descrito na C.R.P. sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, ambos omissos na matriz predial da D.S.F e a entregá-los à Autora livres e devolutos de pessoas e bens ficando todas as despesas a que haja lugar para que os prédios sejam entregues devolutos à Autora a cargo da 1ª Ré em montante que se vier a apurar em execução de sentença.”

Além disso, importa realçar ainda o seguinte:
1) - Face à argumentação que a Recorrente traz para este recurso, não é difícil verificar que o que ela faz é discordar da decisão, e não indicou concretamente qual parte da decisão é que está eivada de vício, muito menos traz elementos novos para contrariar o decidido.
2) – Não se deve esquecer que ficam provados os seguintes factos que são suficientes para demonstrar quem é que está a impedir a Autora/Recorrida de exercer os seus direitos enquanto proprietária dos prédios em causa:
- Em meados do ano de 2008, os prédios rústicos identificados nos itens b) e c) encontravam-se ocupados pela 1ª Ré;
-No ano de 2008, quando os representantes da Sociedade E se deslocaram aos prédios referidos, depararam-se com os terrenos cheios de várias sucatas, nomeadamente carcaças de automóveis;
- A Sociedade E apresentou queixa crime;
- Alguém de nome D(D)mandou, em nome da 1ª Ré, edificar uma cerca à volta dos prédios rústicos identificados nos itens b) e c);
- Para impedir que os prédios referidos servissem de depósito para ainda mais sucata da 1ª Ré ou de terceiros e para os poder entregar devolutos à A., no início de Novembro de 2012 a Sociedade E, com o conhecimento e autorização da A., encarregou o Sr. F de remover a sucata e instalar uma vedação à volta dos referidos terrenos;
- Sempre que o Sr. F procura remover a sucata que se encontra nos prédios referidos, surgem sempre indivíduos que procuram impedi-lo de o fazer;
- Encontra-se sempre nos prédios referidos um indivíduo do sexo masculino que diz habitar num contentor de mercadorias que ali se encontra;
- Tal indivíduo nunca foi autorizado pela Sociedade E ou pela A. para permanecer e/ou habitar nos prédios referidos;
- Apesar das várias insistências do Sr. F, nunca foi possível identificar as pessoas que ali se encontravam ou perceber por conta de quem agiam;
- A Sociedade E recebeu uma carta datada de 13 de Novembro de 2012 que contém a final o carimbo da 2ª Ré, conforme a cópia simples da referida carta junta a fls. 51 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
- Pelo menos até 2013 os prédios rústicos identificados nos itens b) e c) estavam cheios de sucatas de automóveis que não pertencem à A.;
- Do mesmo modo, continua a habitar num contentor de mercadorias colocado nos prédios referidos o indivíduo acima identificado no item p);
- A A. encontra-se impedida de exercer plenamente o seu direito de propriedade sobre os prédios referidos bem como de deles usufruir livremente.

3) - Em termos de direito, sublinhe-se que, para que a acção de reivindicação tenha êxito, a Autora deve alegar factos dos quais resulte a aquisição originária da propriedade, por si ou pela pessoa que lha transmitiu.
4) - Só assim não será quando a Autora beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artigo 7º do CRP), que é o caso, conforme o teor dos documentos de fls. 22 a 26 dos autos.
5) - Reconhecido o direito de propriedade, há lugar à consequente restituição da coisa, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
6) - Compete à Ré provar que é titular de um direito obrigacional ou real que legitima a ocupação, por exemplo, que é arrendatária.
7) - Não assim fazendo, a possuidora ou detentora é condenada a restituir o terreno à reivindicante, Autora do processo em causa.
8) - Neste termos, é do nosso entendimento que a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida e bem fundamentada, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, não havendo, assim, motivos para alterar a decisão tomada.
Pelo exposto, é de concluir que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
Tudo visto, resta decidir

* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão da primeira instância.
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Custas pela Recorrente (1ª Ré).
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 8 de Março de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
2017-162-Reivindicação 18