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Processo nº 53/2018 Data: 04.04.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”.
Medida de pena.
Incapacidade parcial permanente.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.

3. O “dano corporal”, lesivo da saúde, (“dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

4. Este dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, (e que tem assim a natureza de “dano patrimonial”), é distinto e autónomo do “dano não patrimonial” que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente fisicamente diminuída para toda a vida.

5. A reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.

6. Quando o cálculo da indemnização haja assentado (decisivamente) em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto”.

O relator,

______________________



Processo nº 53/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenando pela prática como autor material de 2 crimes de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M., conjugado com o art. 93°, n.° 2 e 3, al. 5) da Lei n.° 3/2007, nas penas parcelares de 1 ano e 9 meses e 2 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, assim como na pena acessória de inibição de condução por 3 anos.

Em relação ao “pedido de indemnização civil” enxertado nos autos, decidiu o Colectivo condenar a demandada civil “B, LIMITADA”, (B有限公司), a pagar ao (1°) demandante C a quantia de MOP$392.746,33, e ao (2°) demandante D a quantia de MOP$1.018.617,00 e juros; (cfr., fls. 435 a 445 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformados com o assim decidido, recorreram o arguido e a demandada seguradora.

O arguido, afirmando que excessivas são as penas aplicadas, pedindo a sua redução, e que, a final, se decrete a suspensão da execução da pena única; (cfr., fls. 462 a 472).

A demandada seguradora, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “erro na aplicação da lei”; (cfr., fls. 479 a 505).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso do arguido não merece provimento; (cfr., fls. 512 a 513-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A recorre do acórdão de 24 de Novembro de 2017, do 1.° juízo criminal, que o condenou na pena conjunta de 3 anos e 6 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão de 2 anos e 6 meses e de 1 ano e 9 meses.
Visando apenas. a parte penal – única sobre a qual nos pronunciaremos –, insurge-se contra as penas, que reputa excessivas, sustentando, em suma, que lhe deveria ser imposta uma pena global inferior a 3 anos e objecto de suspensão na sua execução.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público aponta para a total improcedência do recurso, defendendo a manutenção integral do julgado.
Vejamos, restringindo, como dissemos, a nossa apreciação à parte penal da condenação.
O recorrente foi condenado pela autoria de dois crimes de ofensa grave à integridade física por negligência, nas penas de 2 anos e 6 meses e de 1 ano e 9 meses de prisão. Tratando-se de crimes previstos e puníveis pelo artigo 142.°, n.° 3, do Código Penal, com referência ao artigo 93.°, n.°s 2 e 3, alínea 5), da Lei do Trânsito Rodoviário, a moldura penal oscila entre o mínimo de 1 ano e 7 meses e o máximo de 3 anos. O tribunal, após enunciar a matéria dada como provada, doseou as penas pela forma referida, fazendo-o com apelo aos critérios dos artigos 40.°, 64.° e 65.° do Código Penal, explicitando a não opção por pena de multa e as circunstâncias que essencialmente influíram na determinação da pena, incluindo o facto de o recorrente ser primário, ter confessado os factos e se mostrar arrependido.
O recorrente acha que as penas deviam ter sido especialmente atenuadas, atendendo à confissão e ao arrependimento, pois que, em seu entender, estava preenchida a hipótese prevista no artigo 66.°, n.° 2, alínea c), do Código Penal.
Não podemos concordar com esta visão. A confissão e a proclamação de arrependimento, mesmo que ocorridas em audiência, não satisfazem a exigência da alínea c) do n.° 2 do artigo 66.° do Código Penal, na qual o recorrente pretende alicerçar a atenuação especial. Esta norma convoca actos demonstrativos de arrependimento sincero, não se bastando com intenções ou meras afirmações verbais. Ora, como a Exm.a colega bem salientou na sua resposta, o recorrente nada fez, nos quase dois anos que mediaram entre a ocorrência dos factos e a audiência de julgamento, no sentido de dar mostras de efectivo arrependimento. E além disso, a operatividade do exemplo-padrão vazado naquela norma, enquanto causa de atenuação especial, está naturalmente subordinada à constatação da acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, conforme exigência do n.° 1 do mesmo artigo, o que o tribunal entendeu, e bem, não estar verificado. Não estavam, pois, reunidas quaisquer circunstâncias que apontassem para uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, pelo que não podia o tribunal fazer uso do mecanismo de atenuação previsto no referido artigo 66.° do Código Penal.
Por outro lado, embora uma das penas se situe num patamar relativamente elevado, adentro da moldura penal abstracta, e que o tribunal justificou sobretudo enfatizando a especial gravidade da ofensa e suas consequências, não pode esquecer-se que estamos num domínio em que as necessidades de prevenção geral positiva se apresentam prementes, dado o acentuado desrespeito pelas regras e sinais de trânsito, que diariamente é relatado pelos meios de comunicação social, que dão conta de frequentes atropelamentos de peões, inclusive nas passadeiras.
Em suma, não há crítica relevante a dirigir às penas parcelares, que acabam por não se revelar desmesuradamente excessivas.
Sustenta ainda o recorrente que também a pena conjunta peca por excesso, não tendo o tribunal, no respectivo cálculo, considerado no seu conjunto, os factos e a personalidade do arguido.
Há que convir que o acórdão é parcimonioso nesta ponderação conjunta dos factos referenciados à personalidade do agente. Crê-se, todavia, que esta necessidade de ponderação radica na diversidade dos factos em concurso e respectiva conexão, bem como na tendência de personalidade que, a partir daí, é possível surpreender. Ora, no caso em análise, temos apenas um facto, uma conduta, que, no entanto, integra dois crimes, dado terem sido atingidos diferentes bens pessoais. Essa necessidade de ponderação conjunta, que constitui o critério específico que, além da culpa e da prevenção, importa considerar no cúmulo, sai totalmente esbatida no caso, estando-se a lidar, como estamos, com dois crimes cometidos na mesma ocasião e mediante uma única conduta. Nenhum vício recai, pois, sobre o acórdão por falta dessa desnecessária ponderação.
De resto, situando-se a moldura do cúmulo entre os 2 anos e 6 meses e os 4 anos e 3 meses de prisão, nos termos do n.° 2 do artigo 71.° do Código Penal, não se crê que a medida de 3 anos e 6 meses a que chegou o acórdão se revele desajustada, face às considerações supra aludidas a propósito da gravidade do resultado e da necessidade de prevenção geral de integração.
E dito isto sobre a adequabilidade da pena única, fica prejudicada qualquer incursão sobre uma hipotética suspensão da execução da pena, pois é sabido que ela só é possível para penas de medida não superior a 3 anos, o que, à partida, afasta a sua aplicação no caso em análise.
Ante o exposto, soçobra a argumentação do recorrente e improcedem os vícios imputados ao acórdão, pelo que deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 591 a 592-v).

*

Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 436 a 440, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que até aqui se deixou relatado, dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

–– No que toca à “decisão crime”, diz o arguido que o Acórdão recorrido padece de “excesso de pena”.

Não discutindo o arguido a “decisão da matéria de facto”, nem tão pouco a sua “qualificação jurídica”, e motivos também não tendo nós para qualquer alteração, apreciemos então a pretensão do ora recorrente, apenas dirigida à(s) pena(s) que lhe foram aplicadas.

Vejamos.

Pois bem, aos crimes pelo arguido cometidos – em virtude de ser um crime cometido “no exercício da condução” e com “negligência grosseira” – cabe a pena de prisão de 1 ano e 7 meses até 3 anos ou pena de multa; (cfr., art°s 142°, n.° 3 do C.P.M., conjugado com o art. 93°, n.° 2 e 3, al. 5) da Lei n.° 3/2007).

Prescreve o art. 40° do C.P.M. que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, temos entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.11.2017, Proc. n.° 722/2017, de 07.12.2017, Proc. n.° 998/2017 e de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018).

Ponderando na factualidade dada como provada e no estatuído no art. 64° do C.P.M. entendeu o Tribunal a quo que inadequada era a pena (alternativa) de multa, tendo optado pelas penas parcelares de prisão de 1 ano e 9 meses e 2 anos e 6 meses.

Ora, tendo em conta a factualidade dada como provada, que muito fortes sendo as necessidades de prevenção deste tipo de “criminalidade rodoviária”, e tendo presente a moldura penal em questão e atrás referida, motivos não há para se considerar as penas em questão excessivas, (isto, tanto na sua “natureza” como “medida”), sendo de se consignar também que como bem se nota no douto Parecer (que aqui se dá como reproduzido), evidente é que motivos não há para se proceder a uma atenuação especial da pena, pois que temos entendido que esta apenas deve ocorrer em situações “excepcionais ou extraordinárias”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017, de 16.11.2017, Proc. n.° 751/2017 e de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I), não sendo o caso dos autos.

Por sua vez, atento os critérios do art. 71° do C.P.M., e em causa estando uma moldura penal com um “limite mínimo de 2 anos e 6 meses” e um “limite máximo de 4 anos e 3 meses de prisão”, também não se vê como se possa considerar excessiva a pena aplicada de 3 anos e 6 meses de prisão.

Como temos vindo a afirmar, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017, de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017 e de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Nesta conformidade, e inviável sendo a suspensão da execução da aludida pena única porque em medida superior a 3 anos de prisão, (cfr., art. 48° do C.P.M.), visto está que improcede o presente recurso.

–– Quanto ao recurso da “demandada seguradora”.

Em sede de conclusões, diz a recorrente o que segue:

“1 – A recorrente circunscreve o seu recurso ao montante atribuído a título de compensação pela incapacidade parcial permanente do 2° demandante cível e ao montante atribuído a ambos os demandantes a título de danos morais considerando ter ocorrido erro notório na apreciação da prova e erro na aplicação da lei.
2 - No que toca à compensação atribuída a título de compensação pela incapacidade parcial permanente do 2° demandante a recorrente insurge-se pois a indemnização a este atribuída foi contabilizada através de urna operação aritmética simples através da qual foi multiplicado o salário mensal do demandante por 4 anos e calculados 10% desse valor. 3 - A recorrente não aceita este cálculo por dois motivos sendo em primeiro lugar pelo facto deste demandante ter já mais de 66 anos de idade na altura do acidente e, apesar de ainda continuar a trabalhar na companhia de Águas de Macau, a verdade é que não tinha só chegado à idade da reforma mas tinha-a, até, já ultrapassado.
4 - Ora, independentemente de o demandante pretender trabalhar até aos 70 anos de idade a verdade é que essa era uma mera expectativa sua e, infelizmente, nada mais do que isso.
5 - Pois, a partir de uma certa idade as capacidades físicas e mentais de qualquer ser humano diminuem por força da própria idade e dificultam, ou até impossibilitam, a realização de actividades profissionais.
6 - Esta situação iria sempre verificar-se no caso do 2° demandante pelo que, por esse motivo, a demandada considera que não lhe pode ser concedida qualquer quantia a título de compensação pela parcial permanente que lhe foi detectada na sua vertente de diminuição de capacidade para o trabalho.
7 - Por outro lado, se o que se pretende é indemnizar o demandante pelo sofrimento e dores sofridas em virtude deste acidente de viação tal compensação encontra-se prevista na lei a título de compensação por danos morais e atribuir-lhe uma indemnização a título de incapacidade permanente parcial é duplicar esta compensação.
8 - Em segundo lugar e sempre sem conceder e mantendo o acima exposto, sempre se dirá que a percentagem de desvalorização parcial permanente que foi atribuída ao 2° requerente do pedido cível é uma percentagem muito pouco elevada, a qual, salvo o devido respeito, se considera que nenhuma diferença lhe faz ou faria a título da sua capacidade de ganho salarial ou no seu trabalho em geral, pelo que, também por este motivo, não lhe deverá ser concedida qualquer quantia indemnizatória a este título.
9 - No que diz respeito ao montante atribuído a título de danos morais aos demandantes cíveis, isto é, o valor de MOP$300.000,00 atribuído ao 1° demandante cível e o valor de MOP$700.000,00 atribuído ao 2° demandante cível a recorrente considera que o acórdão recorrido peca, por total e completa ausência de fundamentação, do motivo porque lhes foi concedido estes montantes.
10 - Os montantes arbitrados a este título deveriam tê-lo sido com base em critérios de justiça e equidade, em face das circunstâncias dadas por assentes no texto da decisão recorrida, aos valores constantes da jurisprudência da R.A.E.M. e à luz dos critérios previstos nos artigos 487° e 489° do Código Civil, o que não aconteceu nos presentes autos, violando por isso o douto Acórdão o disposto nas identificadas normas legais;
11 - O valor atribuído aos danos não patrimoniais deverá ser reduzido para uma quantia que se situe à volta das MOP$100.000,00 para o l° demandante e MOP$300.000,00 para o 2° demandante, atendendo aos danos efectivamente sofridos pelos lesados;
12 - Os valores encontrados pelo douto colectivo são demasiado elevados comparativamente aos valores correntemente atribuídos em situações semelhantes – sendo até, no caso do 2° demandante cível, um valor igual ao valor normalmente atribuído pela perca da vida humana – pelo que não deverão ser mantidos”; (cfr., fls. 502 a 505).

E, perante o assim alegado, cabe desde já dizer que, embora em sede de motivação diga a recorrente que o Acórdão recorrido padece de “erro notório”, (cfr., fls. 491), nas (transcritas) conclusões do seu recurso afirma tão só que não concorda com o “cálculo e montante da indemnização”, certo sendo também que em parte alguma da sua peça recursória explicita os motivos do aludido “erro”.

Nesta conformidade, e não nos parecendo também que padeça a decisão recorrida de qualquer vício do art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c), do C.P.P.M., vejamos então se adequados são os montantes arbitrados em sede de indemnização pela “incapacidade parcial permanente” do 2° demandante e pelos “danos não patrimoniais” de ambos os demandantes.

Vejamos.

Vale a pena aqui transcrever a seguinte factualidade provada que se mostra relevante para a decisão a proferir:

“À data do acidente o (1°) lesado – C – tinha 26 anos, gozava de boa saúde e não tinha qualquer incapacidade física.
O demandante/ofendido foi de ambulância levado para o Centro Hospitalar Conde de São Januário a fim de ser avaliado o seu estado clínico e receber o tratamento adequado e necessário.
O demandante/ofendido ficou internado e hospitalizado até o dia 26 de Dezembro de 2015, ficando 3 dias internado, conforme atesta o relatório do médico do C.H.C.S.J. a fls. 91 dos autos.
O acidente causou directamente ao demandante/ofendidas as seguintes lesões, conforme descrito a fls. 41 dos autos:
– Hemorragia subaracnóide no crânio;
– Lesões de tecidos moles em muitos partes do corpo, incluindo mãos, cotovelos e joelhos;
– Lesões na boca, e,
– 2 dentes partidos na parte superior da boca.
O demandante/ofendido C necessitou de 13 dias para reabilitação (documentos 1 e 2).
As lesões que sofreu causaram perigo para a vida do ofendido C, também causaram os danos graves à integridade física dele, conforme atesta a perícia médico-legal clínica a fls. 93 dos autos.
Como despesas referentes ao internamento, consultas, tratamentos e medicamentos no Hospital Conde São Januário, o demandante/ofendido tem que pagar a quantia de MOP$8.505,00 (cfr. fls. 157 dos autos).
Como despesas para arranjar os danos sofridos pelo motociclo ML-51-45 o demandante/ofendido gastou o montante global de MOP$10.709,00, sendo MOP$600,00 transporte do motociclo para a oficina e MOP$10.109.00 arranjo e substituição de peças (documentos 3 a 6).
Como despesa o ofendido teve que pagar a quantia de MOP$300,00 por atraso na inspecção do motociclo em virtude de estar na oficina a reparar devido ao acidente.
Por outro lado, por causa do acidente, o ofendido foi obrigado a cancelar uma viagem, a efectuar no próprio dia do acidente, programada e já paga, a Singapura, tendo, por isso, sofrido um prejuízo global efectivo e real de MOP$9.732,33, sendo MOP$1.454,88 para hotel e MOP$8.277,45 para bilhete de avião (documentos 7 a 10).
Por fim, por causa do acidente, o ofendido vai necessitar de recorrer aos serviços de um dentista para proceder ao implante de 2 dentes que foram destruídos pelo acidente de viação (documentos 11).
Os custos para a reparação dos seus dentes danificados pelo acidente são no montante total de MOP$63.500.00 (cfr. fls. 430).
O ofendido/lesado sofreu dores intensas na cabeça, tinha dificuldade de respiração e tinha dores intensas no peito.
Como também, em virtude do acidente e lesões sofridas, ficou com cicatrizes permanentes nos joelhos (documentos 12 e 13).
Este foi o primeiro e único acidente que o demandante/ofendido teve e ficou bastante traumatizado, sendo que, relembra-se muitas vezes do acidente o que lhe causa ansiedade e também só conseguiu começar a conduzir em Agosto de 2016, ou seja, 8 meses após o acidente.
(…)
À data do acidente o (2°) lesado – D – tinha 66 anos, gozava de boa saúde e não tinha qualquer incapacidade física.
O demandante ficou internado e hospitalizado de 24 de Dezembro de 2015 a 7 de Julho de 2016, ficando 196 dias internado, conforme atesta o relatório do médico a fls. 145 dos autos e documento 1.
No seu internamento correu risco de vida sendo que esta duas vezes nos cuidados intensivos, da 1.ª vez um período de 20 dias e na 2.ª vez um período de 7 dias.
O acidente causou directamente ao demandante/ofendido graves lesões a sua integridade física e perigo para a sua vida, conforme descrito nos relatórios médicos a fls. 43, 130 a 132, 145 e 147 a 149 dos autos (documento 1A), que aqui se dão por integralmente reproduzidos:
– Lesões na cabeça – Hematoma subdural frontal temporal com hematoma do lobo frontal na parte superior da direita;
– Hemorragia interna no sistema ventricular esquerdo;
– Fracturas da 3.ª a 9.ª costela do lado esquerdo;
– Lesão no braço – ruptura do baço com perca total deste órgão;
– Fractura da boca – maxilar esquerdo e arco zigomático;
– 2 Dentes partidos na parte superior da boca; e,
– Contusões em todo o corpo.
Necessitou de fazer fisioterapia por vários meses para recuperação que aconteceu somente parcialmente sendo que as lesões que o demandante sofreu causaram-lhe incapacidade temporária e permanente para a sua vida, incluindo o trabalho.
Após aquele internamento, necessitou o demandante/ofendido de um período de convalescença que ocorreu até Setembro de 2016.
Sucede que, após esse período de convalescença, o demandante/ofendido não ficou curado nem está ainda recuperado das lesões que sofreu, continuando a ser observado e tratado regularmente nas consultas médicas a que se socorre.
O demandante/ofendido continua a sofrer muitas dores, sobretudo na cabeça, ombros, braços e nos pés.
O demandante/ofendido era uma pessoa alegre e activa, fazendo desporto, antes do acidente em discussão; mas após o acidente tornou-se uma pessoa triste e angustiada em consequência do seu estado clínico.
A recuperação do demandante/ofendido encontra-se numa fase de estagnação, sendo certo que o seu estado de saúde não melhorou nem irá recuperar plenamente.
O demandante/ofendido, por causa do acidente e durante a sua recuperação parcial, durante mais de 10 meses, ficou impossibilitado de executar as normais tarefas do dia-a-dia necessitando da ajuda permanente de terceiros.
O demandante/ofendido, na altura do acidente, durante e após o seu internamento e na sua recuperação, sofreu dores intensas, acompanhadas de sofrimento psicológico, tudo resultado das graves lesões que o seu corpo sofreu em virtude do acidente.
O demandante/ofendido, passou a ter dificuldades de memória, dificuldades em falar e comer, não consegue erguer por completo o seu braço direito, dificuldades de mobilidade, e nunca vai recuperar totalmente para o resto da sua vida a respectiva mobilidade que qualquer cidadão normal tem.
O demandante/ofendido também ficou com várias cicatrizes no seu corpo, em especial, na cabeça, barriga, braços e pernas.
Como despesas referentes ao internamento, consultas, tratamentos e medicamentos no Hospital Conde São Januário, o demandante/ofendido tem que pagar, até ao presente momento, a quantia de MOP$203.945,00 (documento 13).
Acresce que, com outras despesas referentes a equipamento de recuperação e a tratamentos e medicamentos, o demandante/ofendido gastou a quantia de MOP$1.806,00 (documentos 14 e 15).
Por fim, por causa do acidente, o ofendido vai necessitar de recorrer aos serviços de um dentista para proceder ao implante de 3 dentes que foram destruídos pelo acidente de viação.
Assim, incorreu numa despesa de MOP$250,00 numa consulta no dia 3 NOV 2016 para avaliar o quanto a sua boca ficou danificada (fls. 354).
Obteve e sabe quais os custos para a reparação dos seus dentes danificados pelo acidente no montante total de MOP$18.320,00 (fls. 355).
À data do acidente o demandante/ofendido trabalhava e exercia as funções de fiscalizador na Companhia de Águas de Macau (CAM) e auferia o vencimento mensal de MOP$19.645,00 (documento 16).
Nas suas funções fiscalizava nas zonas de construção sendo que tinha de caminhar, usar os braços, ou seja, tinha que estar bem fisicamente.
Anualmente no seu emprego auferia também um bónus no valor de MOP$19.220,00.
Em Março 2016 o seu contrato de trabalho foi renovado.
À data do acidente, o demandante/ofendido estava bem fisicamente e era sua previsão trabalhar até aos 70 anos.
O demandante/ofendido, face às lesões que sofreu, não poderá mais trabalhar com trabalho que exigem esforços físicos.
Na situação em causa, afigura-se ainda de destacar, ao que já foi dito, o internamento, o longo período de convalescença e o processo de recuperação penoso e doloroso a que o demandante/ofendido esteve e continua a estar sujeito, sendo certo que a sua recuperação entrou numa fase de total estagnação.
Acresce o estado de saúde precário o demandante/ofendido, estando fisicamente frágil e incapacitado de voltar a fazer a vida que vinha fazendo antes do acidente.
Com efeito, o autor continua a sofrer de dores físicas e psíquicas, privando-a em absoluto de ter uma vida normal e de exercer, nomeadamente, as funções que vinha exercendo, quer trabalhando quer fazer as usas actividades de lazer.
O demandante/ofendido apresenta ainda anomalias ou perturbações psicológicas e neurológicas, designadamente ao nível da memória, da concentração.
O demandante/ofendido tem actualmente falhas de memória e de concentração em resultado das lesões que sofreu no cérebro, tendo frequentemente insónias e grande dificuldades de dormir.
Como também, em virtude do acidente e lesões sofridas, ficou com grandes cicatrizes no seu corpo.
Este foi o primeiro e único acidente que o demandante/ofendido teve e ficou bastante traumatizado, sendo que, relembra-se muitas vezes do acidente o que lhe causa ansiedade.
Ao que se seguiu o tratamento penoso, doloroso e prolongado por que teve que passar bem como a consciência do estado em que se encontra e as inerentes limitações.
E, que esse estado implica e implicará até ao final da sua vida, nomeadamente não ser possível recuperar totalmente os movimentos dos seus braços, privando-a em absoluto de voltar a fazer a vida que vinha fazendo, nomeadamente nas suas actividades profissionais, desportivas, sociais e de lazer.
Resultam do relatório elaborado pelo perito médico e do exame clínico directo feito ao demandante (fls. 371 e 372) que o ofendido sofreu de um grau de incapacidade permanente parcial de 10%”; (cfr., fls. 436-v a 440).

Aqui chegados, vejamos da indemnização pela “incapacidade parcial permanente” do 2° demandante.

Como se decidiu no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 25.04.2007, Proc. n.° 20/2007, “A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total é indemnizável, ainda que o lesado mantenha o mesmo salário que auferia antes da lesão”, consignando-se aí igualmente que “No cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art. 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art. 560.º do mesmo Código”.

Mostrando-se de acompanhar o assim entendido, afigura-se-nos porém adequado umas breves considerações sobre a questão.

O “dano” é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

Pode revestir “a destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea” (dano real) ou ser “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado” (dano patrimonial); (vd., A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 598).

Dentro do “dano patrimonial”, cabem e são indemnizáveis, o dano “emergente” – o prejuízo causado nos bens ou nos direitos existentes na titularidade do lesado – e os “lucros cessantes” – os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito e a que ainda não tinha direito na data da lesão.

Nos termos do n.° 2 do art. 558° do C.C.M., na fixação da indemnização, pode o tribunal atender ainda aos “danos futuros”, desde que previsíveis.

Dispõe também o art. 556° do mesmo C.C.M. – onde se consagra o “princípio da restauração natural” – que a indemnização deve reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Não sendo possível essa “reconstituição natural” – como não o é em casos como o dos autos, em que não pode devolver-se ao lesado a capacidade e integridade física que tinha antes do acidente – a indemnização deve ser fixada em dinheiro, (art. 560°, n.° 1), e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos, (art. 560°, n.° 5).

Ora, o “dano corporal”, lesivo da saúde, (“dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

Como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.° 99/12, “O dano biológico consubstancia uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, sendo que, estando em causa a incapacidade para o trabalho, o mesmo existe haja ou não perda efectiva de proventos laborais”, afirmando aí mesmo que: “(…) havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.
E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização”; (in “www.dgsi.pt”).

Porém, e como atrás se deixou consignado, este dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, (e que tem assim a natureza de “dano patrimonial”), é distinto e autónomo do “dano não patrimonial” que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente fisicamente diminuída para toda a vida; (sobre esta “distinção” e “autonomia”, vd., v.g., os Acs. do S.T.J. de 03.03.2016, Proc. n.° 4931/11; de 07.04.2016, Proc. n.° 237/13; e da Rel. do Porto de 27.09.2016, Proc. n.° 2007/13, e de 11.10.2016, Proc. n.° 805/15).

Por sua vez, importa ter igualmente presente que se tem entendido que quando o cálculo da indemnização haja assentado (decisivamente) em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto”; (cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 05.11.2009, Proc. n.° 381, de 10.10.2013, Proc. n.° 643 e de 20.11.2014, Proc. n.° 5572, in “www.dgsi.pt”).

Dito isto, vejamos.

O Tribunal a quo fixou a indemnização em questão em MOP$94.296,00, tomando como referência o salário mensal do ofendido, os 10% de incapacidade parcial permanente, e ponderando num espaço de tempo de 4 anos, (até atingir os 70 anos de idade), considerando a recorrente que nenhum montante se devia fixar por tal incapacidade.

Ora, em face do que se expôs quanto à “natureza” e “sentido” da incapacidade em causa, evidente se apresenta que nenhuma razão tem a recorrente, já que óbvio se nos apresenta que a situação em questão justifica e reclama uma indemnização.

E, nesta conformidade, censura não nos merece o montante fixado, calculado com base nos elementos que se deixaram consignados, pois que se nos apresentam correctos e razoáveis.

Resolvida a questão, passemos para a indemnização por “danos não patrimoniais” de ambos os demandantes.

Sobre esta matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e de 20.04.2017, Proc. n.° 264/2017), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 250/2017 e de 08.02.2018, Proc. n.° 64/2018), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016, de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e de 22.06.2017, Proc. n.° 515/2017).

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).

Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.

Outrossim, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Clarificada que assim cremos ter ficado a natureza dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter em conta que como igualmente temos entendido, “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto””; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 238/2016 e 326/2016, podendo-se, sobre a questão, ver também os Acs. do S.T.J. e da Rel. de Coimbra de 22.02.2017 e 17.05.2017, Proc. n.° 5808/12 e Proc. n.° 310/13, respectivamente).

Não se pode pois olvidar que (na ausência de uma definição legal) o “julgamento pela equidade” é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição; (cfr., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272 e o Ac. da Rel. do Porto de 21.02.2017, Proc. n.° 2115/04, in “www.dgsi.pt”).

Por sua vez, e como recentemente decidiu a Rel. de Guimarães, importa ponderar também que “Na fixação da compensação por danos não patrimoniais, há que ter presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima nas decisões mais recentes e paradigmáticas, de forma a harmonizar os valores a arbitrar “com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis””; (cfr., o Ac. de 07.12.2017, Proc. n.° 70/14, in “www.dgsi.pt”).

E então que dizer dos montantes de MOP$300.000,00 e MOP$700.000,00 arbitrados a título de indemnização pelos “danos não patrimoniais” dos 1° e 2° demandantes?

Pois bem, cabe recordar que o único e exclusivo culpado pelo acidente dos autos foi o arguido dos autos, segurado pela ora recorrente, que conduzindo a sua viatura, não parou perante o sinal vermelho – de paragem obrigatória – e introduziu-se no cruzamento, vindo a embater nos ora recorridos que seguiam num motociclo (e em via para a qual estava o sinal verde), abalroando-os e atirando-os para o chão, provocando-lhes as lesões atrás descritas na factualidade dada como provada.

Em face do exposto, ponderando nas lesões que sofreram os demandados, no susto, dores, sofrimentos, angústias e inconvenientes que tiveram (e ainda terão) de suportar, (em consequência das ditas lesões), nos períodos de tempo que ficaram internados, (perdendo ambos as festas do Natal e da Passagem de Ano), cremos que excessivos não se apresentam os montantes fixados.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Pagarão os recorrentes as respectivas custas dos seus recursos, com a taxa de justiça individual que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor do arguido no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 04 de Abril de 2018
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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Proc. 53/2018 Pág. 43