Processo nº 127/2018 Data: 04.04.2018
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Contravenção laboral.
Erro notório na apreciação da prova.
Contradição insanável da fundamentação.
Qualificação jurídica.
SUMÁRIO
1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.
2. O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
3. Provado não estando que os “4 trabalhadores prestaram serviço em dias de feriado obrigatório, sem terem sido (devidamente) compensados”, tendo antes resultado “provado” que “gozaram os ditos feriados, mas que pelos mesmos não foram remunerados”, adequada não é a “qualificação jurídica” no sentido de verificada estar a prática de 4 infracções ao art. 85°, n.° 2, alínea 2) da Lei n.° 7/2008, mas sim do n.° 1, al. 6) do mesmo comando legal.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 127/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença do Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar “COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA A LIMITADA” (A建築工程有限公司), arguida com os restantes sinais dos autos, como autora da prática de 4 contravenções, p. e p. pelo art. 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, na pena de multa de MOP$7.000,00 cada, 4 contravenções, p. e p. pelo art. 75° e 85°, n.° 3, al. 4) da Lei n.° 7/2008, na pena de multa de MOP$7.000,00 cada, e outras 4 contravenções, p. e p. pelo art. 44°, n.° 2 e 85°, n.° 2, al. 2) da mesma Lei n.° 7/2008, na pena de multa de MOP$12.000,00 cada.
Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de multa de MOP$60.000,00, assim como no pagamento das indemnizações discriminadas na sentença do T.J.B.; (cfr., fls. 294 a 301 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu para imputar à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “contradição insanável da fundamentação” e “errada qualificação jurídica”; (cfr., fls. 310 a 329).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece parcial provimento; (cfr., fls. 379 a 386).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.310 a 328 dos autos, a recorrente assacou, à douta sentença em questão, os vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.°2 do art.400° do CPP quanto à relação laboral, os consagrados nas alíneas a) e c) deste n.°2 sobre o início da relação laboral, o consignado na alínea b) do mesmo n.°2 concernente à cessação das relações laborais, e três erros de direito em relação à compensação das férias anuais, à compensação dos feriados obrigatórios e à reparação oficiosamente arbitrada.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre colega na douta Resposta (cfr. fls.379 a 386 dos autos), no sentido de o recurso em apreço merecer parcial provimento.
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Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.°9/20l5)
Assevera reiteradamente o Venerando TUI (vide. a título exemplificativo, o Acórdão nos Processos n.°16/2000 e 9/2015): A contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» prescrito na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e constante, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência: «O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.» (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos seus Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014)
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
No vertente caso, sucede que tinha sido a recorrente quem pagara as retribuições aos 4 trabalhadores ofendidos, ela reconheceu sujeitar ao dever de pagar-lhes salários (doc. de fls.102 dos autos), e não conseguiu demonstrar que os pagamentos por si aos ditos trabalhadores fossem efectuados em substituição das duas companhias referidas no art.1° das alegações do recurso em apreço, alegadamente suas subempreiteiras.
Vale salientar que o subcontrato foi rescindido em 09/10/2015 pela sociedade «B Building and Civil Engineering (Mabau) Limited» (doc. de fls.154 a 155 dos autos). Daí resulta que as relações laborais com os 4 trabalhadores não foram transferidas a esta sociedade.
Não pode perder da vista que o início da relação laboral não carece da prova vinculada ou tarifada, pode pois ser provado por declarações dos trabalhadores ofendidos ou depoimento de testemunhas, e a recorrente não conseguiu comprovar inequivocamente a falsidade ou inexactidão das declarações dos 4 trabalhadores ofendidos
Ponderando tudo isto à luz das prudentes orientações jurisprudenciais supra aludidas, entendemos que a douta sentença do MM° Juiz a quo não padece da insuficiência da matéria de facto provada para decisão, do erro notório na apreciação de prova, nem ainda da contradição insanável da fundamentação, não se divisam erros de direito assacadas à compensação das férias anuais e à reparação oficiosamente arbitrada.
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No caso sub judice, o MM° Juiz a quo deu por não provado que «上述4名員工2013年及2014年的中秋節翌日﹑重陽節﹑12月20日以及2014年的清明節提供工作,而嫌疑人沒有支付任何補償或補假», e como provado o facto de que «上述4名員工2013年及2014年的中秋節翌日﹑重陽節﹑12月20日以及2014年清明節強制性假日當日休假,但嫌疑人沒有支付當日的基本報酬».
Sendo assim, acompanhamos a opinião da ilustre colega, no sentido de a douta sentença in questio enfermar do erro de qualificação jurídica deste facto provado, a correspondente infracção devia ser a consagrada na alínea 6) do n.°1 do art.85° da Lei n.°7/2008 (Lei das Relações de Trabalho), em vez da aplicada pelo MM° Juiz a quo – a prescrita na alínea 2) do n.°2 do mesmo normativo.
O que carece da convolação da qualificação jurídica operada pelo MM° Juiz a quo, sem agravar a pena aplicada na douta sentença atacada nestes autos, em virtude de ser interposto o recurso somente pela arguida e, por isso, se vigora aqui o princípio da proibição de reformatio in pejus (art.399°, n.°1, do CPP).
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência parcial do recurso em apreço”; (cfr., fls. 394 a 396).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 294-v a 295-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou nos termos atrás explicitados.
Assaca à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “contradição insanável da fundamentação” e “errada qualificação jurídica”.
Vejamos.
–– No que toca à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pacífico tem sido o entendimento no sentido de que só se verifica tal vício “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, de 14.12.2017, Proc. n.° 1081/2017 e de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).
Como decidiu o T.R. de Coimbra:
“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).
E, como recentemente também considerou o T.R. de Évora:
“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).
“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).
“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).
E motivos não havendo para não se adoptar o entendimento exposto, sem esforço se mostra de consignar que só por equívoco se poderá ter considerado existir tal vício.
Com efeito, o Tribunal a quo foi escrupuloso na sua decisão, emitindo expressa pronúncia sobre todo o objecto do processo, (onde, note-se, não foi apresentada contestação), elencando a factualidade provada e identificando a não provada, evidente sendo que inexiste a apontada insuficiência, mais não sendo necessário de consignar sobre a questão.
Avancemos.
–– De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).
E como se consignou no recente Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.
No caso dos autos, lendo-se a decisão recorrida, e ponderando-se na – extensa, clara e cuidada – fundamentação apresentada, nenhum motivo existe para não se acolher e confirmar a decisão proferida, não se vislumbrando pois qualquer “erro”, (muito menos “notório”).
Continuemos.
–– Quanto ao vício de “contradição insanável da fundamentação”, o mesmo tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017, de 28.09.2017, Proc. n.° 787/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017).
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
E, como recentemente se tem igualmente decidido:
“Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).
E, também aqui, não divisamos nenhuma incompatibilidade, (insanável ou irredutível), apresentando-se-nos a decisão clara e lógica, nenhum motivo havendo para se censurar a decisão recorrida,
–– Por fim, quanto ao apontado “erro na qualificação jurídica”, vejamos.
Não padecendo a “decisão da matéria de facto” de vícios, e não se colhendo da matéria de facto dada como provada que o trabalho prestado pelos (4) ofendidos dos autos era “precário”, (não sendo “permanente”, contínuo e “duradouro”), visto está que não se pode acolher a pretensão pelo ora recorrente apresentada no sentido da sua absolvição ou alteração da decisão (de direito) proferida.
Por sua vez, e ponderando na mesma factualidade dada como provada, cremos que, no ponto em questão, correcta é a posição do Ministério Público.
De facto, se provado não está que os “4 trabalhadores prestaram serviço em dias de feriado obrigatório, sem terem sido (devidamente) compensados”, tendo resultado “provado” que “gozaram os ditos feriados, mas que pelos mesmos não foram remunerados”, adequada não é a “qualificação jurídica” no sentido de verificada estar a prática de 4 infracções ao art. 85°, n.° 2, alínea 2) da Lei n.° 7/2008, mas sim do n.° 1, al. 6) do mesmo comando legal.
E, nesta conformidade, ainda que mais severa seja a multa prevista para tais infracções, sendo “questão” colocada em sede de Resposta e Parecer do Ministério Público, impõe-se observar o art. 399° do C.P.P.M., pelo que, sem prejuízo da consignada “alteração”, vão as multas já aplicadas confirmadas.
Perante o exposto, e nenhum outro motivo de censura merecendo a decisão recorrida, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso interposto, procedendo-se a uma alteração de qualificação jurídica da matéria de facto provada nos exactos termos consignados.
Pelo seu decaimento, pagará a arguida a taxa de justiça de 8 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 04 de Abril de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 127/2018 Pág. 22
Proc. 127/2018 Pág. 3