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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 13/04/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 216/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR1-17-0267-PCS, decidiu-se condenar A, arguido com os restantes sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 2/93/M, alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008, e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$60,00, perfazendo a multa de MOP$9.000,00 ou 100 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 237 a 245-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Em sede de conclusões que a final da motivação apresentada produz, considera que a decisão recorrida padece do vício de “errada aplicação de direito”, pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 258 a 262).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece parcial provimento, admitindo uma alteração da qualificação jurídico-penal; (cfr., fls. 277 a 282-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.258 a 262 dos autos, o recorrente assacou um vício de errada aplicação da lei à douta sentença em escrutínio (cfr. fls.237 a 245 v.), na qual a MMa Juiz a quo condenou-o em ter praticado, na autoria material e forma consumada, um crime de desobediência qualificada p.p. pelo disposto no n.°1 do art.14° da Lei n.°2/93/M na redacção introduzida pelas Lei n.°7/96/M e Lei n.°16/2008, em conjugação com o preceito no n.°2 do art.312° do Código Penal de Macau (CPM).
Fundamentando o pedido de absolvição, argumentou o recorrente que ele não era iniciador ou promotor da reunião e manifestação identificadas na sentença in questio, e a advertência dada a si não preencheu os requisitos consagrados no art.312° do CPM, portanto, a sua conduta não podia ser subsumida nem no crime de realização de reuniões ou manifestações ilícita, nem no crime de desobediência qualificada.
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No vertente caso, parece-nos que os factos provados não podem assegurar que o recorrente fosse o primitivo promotor ou organizador da reunião referida no 1° facto provado, embora o altifalante e slogan que ele trouxe consigo indiciassem a sua premeditação em participar tal reunião.
Porém, o 4° facto provado torna indubitável que logo no início, ele tinha já toda a consciência da ilicitude da mesma reunião, por ele saber que ninguém tinha precedido, para realizar tal reunião, ao aviso prévio consagrado no art.5° da Lei n.°2/93/M na redacção integralmente republicada pela Lei n.°16/2008. Pois, aí se constata nitidamente «接著,嫌犯A以揚聲器向在場人士表示,是次集會並未向有關部門申請,是非法集會».
Para além disso, a matéria de facto provada demonstra inequivocamente que ele não só insistiu em apelar a continuação e prosseguimento da reunião e manifestação aos presentes que atingiam finalmente cerca de 1300 pessoas, mas também determinou in loco os trajectos de desfiles e liderava efectivamente as manifestantes durante o trajecto.
Tudo isto conduz-nos a sufragar a prudente conclusão extraída pelo ilustre colega, no sentido de «由此可見,本案的案情發展過程非常清晰,上訴人在帶同揚聲器及標語到達已有約130名人士聚集的澳門市場街祐漢公園時,起初是一名集會參與者的角色,但是,其後上訴人呼籲及帶領在場人士步行前往拱形馬路三角花園,及後多次呼籲及帶領在場人士遊行,最後到達政府總部的過程中,完全由一名參與者轉變成了一名呼籲者、發起者及帶領者或領導者。» Daqui decorre que não podem deixar de ser manifestamente sofisticadas e infundadas as conclusões 13 a 15 da Motivação do recurso em apreço.
De outra banda, os factos provados 5°, 7° e 10° revelam que durante o exercício da sua função na qualidade de subchefe da PSP para manter a ordem da reunião e manifestação, o Sr. B deu, ao recorrente, um conselho, uma advertência e ainda a advertência oficial (正式告誡), sendo tal oficial traduzida no expresso comando de que «要求嫌犯A得立即結束有關示威遊行,否則將會觸犯刑事法律»· (sublinhas nossas)
Acontece que, de acordo com o 11° facto provado, «嫌犯A得悉上述告誡及有關法律後果後,其向副警長B表示願意承擔有關刑事責任». O que revela seguramente que na devida altura, o recorrente tinha também consciência da correlativa responsabilidade penal e, ainda, o dolo directo em não obedecer ao comando legítimo de interromper/ terminar a manifestação então em curso. Daí flui que é despropositado e não faz sentido o argumento do recorrente de que «20. 同時,副警長B對上訴人作出的告誡不符合《刑法典》第312條的規定,故上訴人的行為不構成違令罪»·
Chegando aqui, podemos concluir que o recorrente cometeu, dolosa e deliberadamente, duas ilicitudes consistentes, de um lado, não proceder ao aviso prévio consignado no art.5° da Lei n.°2/93/M, e de outro, em não obedecer aos comandos legítimos de interromper/ terminar esta manifestação, emanados pelo referido subchefe da PSP no exercício da função.
Bem, o cometimento doloso destas duas ilicitudes infringiu frontalmente o disposto no art.2° e na b) do n.°1 do art.11° da Lei n.°2/93/M na redacção então vigente. Nesta medida, não se descortina dúvida de que a conduta dolosa do recorrente constitui crime tipificado no n.°1 do art.14° da Lei n.°2/93/M, precito legal que determina peremptoriamente: Quem realizar reuniões ou manifestações contrariando o disposto neste diploma incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada.
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Salvo todo o respeito pela melhor opinião diferente, inclinamos a entender que quanto a «reuniões» públicas, o prescrito no n.°1 do art.14° reiteradamente citado constitui norma especial em relação ao tipo legal consignado no art.293° do CPM, portanto prevalece sobre este.
Ora, é verdade que o n.°1 do art.14° da Lei n.°2/93/M estabelece a explícita remessa para a pena prevista para o crime de desobediência qualificada, e não há, de todo em todo lado desta Lei, a expressão de «crime de realização ilícita de reuniões ou manifestações» (違法舉行集會或示威罪).
Porém, ficamos na linha preconizada sucessivamente no Despacho de Pronúncia e na Resposta (vide. respectivamente fls.179 a 187 e 277 a 282 v. dos autos), no sentido de que comparada com o «crime de desobediência qualificada», a nomenclatura «crime de realização ilícita de reuniões ou manifestações» representa uma definição e sintetização mais precisas da peculiaridade essencial e diferencial do crime previsto n.°1 do art.14° da Lei n.°2/93/M, por isso, mostra ser a definição mais rigorosa, exacta e apropriada.
Ainda que assim seja, entendemos que a douta sentença in questio não padece do erro de direito ou da errada subsunção. Pois, é bem patente que na parte «四﹑決定», a MMa Juiz a quo citou exactamente os preceitos legais para efeitos de qualificação jurídica, a saber, o n.°1 do art.14° da Lei n.°2/93/M em conjugação com o n.°2 do art.312° do CP.
E na nossa óptica, é sustentável e consistente o raciocínio da MMa Juiz a quo, no sentido de «嫌犯的集會及遊行違反了第2/93/M號法律第五條規定,第2/93/M號法律第十四條第一款規定︰違反本法規之規定舉行集會或示威者,處為加重違令罪而定之刑罰。基於以上理由,嫌犯的行為已觸犯了被控的一項加重違令罪(5月17日第2/93/M號法律(經第7/96/M號法律及第16/2008號法律修改)第十四條第一款結合《刑法典》第三百一十二條第二款)».
Nesta ordem de consideração, colhemos que embora a MMa Juiz a quo não utilizasse a nomenclatura «crime de realização ilícita de reuniões ou manifestações», a douta sentença in questio não eiva do assacado erro de direito, e de qualquer modo, é irrefutavelmente descabido o pedido de absolvição do recorrente.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 292 a 294).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 239 a 240-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 2/93/M, alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008, e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$60,00, perfazendo a multa de MOP$9.000,00 ou 100 dias de prisão subsidiária

Considera que a dita sentença padece de “erro na aplicação do direito”, pedindo a sua absolvição.

Como se deixou consignado, apresenta-se-nos evidente a falta de razão do arguido ora recorrente, pois que a matéria de facto dada como provada foi correctamente qualificada como “reunião/manifestação” ilegal, e adequadamente enquadrada na previsão legal dos art°s 5° e 14° da Lei n.° 2/93/M, (por se tratar de uma “reunião/manifestação sem aviso prévio”, e assim, punível nos termos do art. 312° do C.P.M.), sendo a questão que o recorrente coloca uma (verdadeira) “falsa questão”.

Vejamos.

Como se afirmou no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 30.07.2014, Proc. n.° 95/2014, dúvidas não há que “o direito de reunião e de manifestação é um dos direitos fundamentais consagrados no art.º 27.º da Lei Básica da RAEM para os residentes de Macau, que se encontra também garantido na Lei n.º 2/93/M, cujo n.º 1 prevê expressamente que todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização e gozam ainda do direito de manifestação”.

No mesmo douto Acórdão consignou-se também que “Quanto à definição geral de reunião, entende-se que em termos gerais, podemos dizer que a reunião (para efeitos da liberdade de reunião) consiste na concentração de pessoas num determinado local, ligadas por um fim comum de troca de ideias, debate e formação colectiva de opinião. Por outras palavras, reunião é um ajuntamento (geralmente intencional e organizado), sem carácter permanente, de pessoas que ouvem discursos e/ou debatem ideias, com vista à defesa de ideias ou de outros interesses comuns e à formação de opiniões colectivas. E a reunião faz-se para expor e discutir ideias, sendo certo que, para se poder falar de reunião, o fim comum terá de ser considerado e o fim (elemento teleológico) da reunião está intimamente ligado ao carácter instrumental que caracteriza esta liberdade.
Por outro lado, para haver uma reunião em sentido constitucional não basta que algumas pessoas se encontrem juntas. A reunião exige, desde logo, consciência e vontade colectiva de reunião, pelo que se distingue do simples e fortuito encontro (na rua, no cinema, numa exposição, etc.); por outro lado, a reunião supõe uma ligação intrínseca, um laço comum entre os participantes, pelo que se distingue do simples ajuntamento ou concentração ocasionais (v.g., afluxo de pessoas por motivo de um acidente, de numa alteração na via pública, etc.); finalmente, a reunião supõe um escopo autónomo e próprio, pelo que se distingue do simples trabalho em grupo ou da actuação em conjunto para realizar outro objectivo (grupo excursionista, etc.); finalmente, a reunião supõe a sua duração temporária sem permanência institucional, o que se distingue de associação”.

Porém, como sem esforço se mostra de concluir, (e em sede do nosso Acórdão de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016, já o consignamos), o “direito de reunião e manifestação” não é absoluto, (ilimitado), passível de ser exercido de qualquer forma, modo, momento e local.

Seria o caos (total) e ninguém se entendia…

Não se duvida que, como “direito fundamental” que é, deve a sua restrição estar sujeita ao “princípio da proibição do excesso”, devendo a sua limitação ser necessária, exigível e proporcional, sem que se ponha em causa o seu conteúdo essencial.

De facto, e como é sabido, as restrições a qualquer direito fundamental apenas são válidas quanto tenham a menor amplitude possível e se reduzam ao estritamente necessário para tutela doutros interesses jurídicos de suficiente relevo.

Daí que tanto o seu “exercício” como as suas “restrições” estejam (e tenham que ser) regulamentadas, nelas se inserindo (v.g.) as restrições “espaciais”, (lugares públicos), “temporais”, (certas horas do dia), assim como a necessidade e prazos de “aviso prévio”, de forma a permitir que as autoridades competentes possam, (nomeadamente, em virtude da sua natureza, número de participantes, hora e local projectado, etc…), ponderar e adoptar, atempadamente, as medidas consideradas pertinentes, com vista a assegurar a ordem pública e segurança, até mesmo, das próprias pessoas que vão participar na reunião/manifestação em questão.

Nos termos do art. 5° da Lei n.° 2/96/M (alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008):

“1. As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões ou manifestações com utilização da via pública, de lugares públicos ou abertos ao público devem avisar, por escrito, o presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, com a antecedência mínima de 3 dias úteis e a máxima de 15.
2. Quando as reuniões ou manifestações tenham carácter político ou laboral a antecedência mínima prevista no número anterior é reduzida para dois dias úteis.
3. O aviso deve indicar o objecto ou fim da reunião ou manifestação pretendida e o dia, hora, local ou trajecto previstos para a sua realização.
4. O aviso deve ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respectivas direcções.
5. A entidade que receber o aviso deve passar recibo comprovativo desse facto”.

E, prescreve o art. 14° da mesma Lei que:

“1. Quem realizar reuniões ou manifestações contrariando o disposto neste diploma incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada.
2. As autoridades que, fora do condicionalismo legal, impeçam ou tentem impedir o livre exercício do direito de reunião ou manifestação incorrem na pena prevista no artigo 347.º do Código Penal e ficam sujeitas a procedimento disciplinar.
3. Os contramanifestantes que interfiram nas reuniões ou manifestações, impedindo o seu livre exercício, incorrem na pena prevista para o crime de coacção”; (sub. nosso).

Nesta conformidade, resultando de forma clara da matéria de facto dada como provada que o que ocorreu foi uma “reunião/manifestação em lugar público”, (cfr., v.g., as fotos de fls. 8 a 10 dos autos), sendo a mesma “ilegal” porque sem “aviso prévio” – e visto até que fez a P.S.P. oportuna advertência quanto à relevância criminal da conduta do arguido ora recorrente, que a liderava, (e, à qual, inclusivé, respondeu que assumiria a responsabilidade criminal que daí adviesse) – evidente é que verificados estão todos os elementos do crime do transcrito art. 14°, n.° 1, (com referência ao art. 5° da mesma Lei) ao qual cabe a pena prevista para o crime de “desobediência qualificada”, (nos termos do art. 312° do C.P.M.), e de acordo com os quais foi o recorrente punido.

Dest’arte, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida – onde se fez correcta aplicação da Lei – e ociosas nos parecendo outras considerações, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Abril de 2018
Proc. 216/2018 Pág. 16

Proc. 216/2018 Pág. 15