--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 13/04/2018 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------
Processo nº 225/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 147 a 166 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 168 a 169-v).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“No presente recurso está apenas em causa ajuizar se a libertação condicional do recluso A se mostra compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, tal como exigido pelo artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Nenhuma controvérsia se coloca quanto aos demais requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional, pois a decisão recorrida julgou-os verificados.
Na motivação de recurso, o recorrente sustenta que a sua libertação é compatível com aquela defesa, no que é contrariado pelo Ministério Público, em cuja resposta se defende a bondade do julgado.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral preconizadas no artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Como se referiu, é o aspecto da prevenção geral que está na base do dissídio e que motiva o recurso.
Prevenção geral positiva ou de integração, como exigência de tutela do ordenamento jurídico, e que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Os ilícitos que levaram à condenação (furtos em série, praticados por estrangeiros, segundo uma estratégia pensada e executada como forma de obter proventos alheios para compensar as perdas sofridas por via do jogo), vêm sendo cada vez mais frequentes na Região Administrativa Especial de Macau, o que coloca em xeque a confiança indispensável ao bom funcionamento do seu modelo económico. Neste contexto, afigura-se-nos que a libertação condicional do recorrente, a cerca de dois anos de cumprir a pena de prisão em que foi condenado, pode colocar em causa as finalidades de prevenção positiva, que também devem ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional.
Impõe-se, assim, concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação de todos os aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 228 a 228-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 21.10.2011, foi, A, ora recorrente, condenado como co-autor pela prática de 6 crimes de “furto qualificado”, na pena única de 9 anos de prisão, e no pagamento solidário, com os outros co-arguidos, da quantia de HKD$520.000,00 e juros aos ofendidos dos autos;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 25.01.2011, e em 24.01.2017, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 24.01.2020;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à HUNAN, R.P.C., de onde é natural, vivendo com a sua mãe, possuindo proposta de ocupação como empregado de cozinha ou na área da construção civil.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 25.01.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.12.2017, Proc. n.° 1069/2017, de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018 e de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Como se deixou adiantado, temos para nós que de sentido negativo terá de ser a resposta.
No caso dos autos, os (6) crimes de “furto” – “em série” (como bem nota o Ministério Público) – pelo ora recorrente cometidos, ocorreram encontrando-se o mesmo em situação de “visitante”, agindo em conluio com outros (8) participantes, em conformidade com um plano traçado antes de viram a Macau, (portanto, vindo a Macau especialmente para tal fim), notando-se ainda que é um tipo de “furto” que dada a sua frequência, tem causado “alarme público”, muito fortes sendo assim as necessidades de prevenção geral a tornar evidente que não se pode acolher a pretensão em questão.
Por sua vez, atenta a pena única em que foi condenado, a que cumpriu e o período da que falta expiar, e ponderando no prejuízo de HKD$520.000,00 causado, (em que foi solidáriamente condenado a pagar), incompatível se apresenta a pretendida libertação com a sua repercussão na sociedade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo pois que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).
Assim, em face das expostas considerações, evidente se nos apresentando que e verificado não está o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., imperativo é decidir em conformidade.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 13 de Abril de 2018
José Maria Dias Azedo
Proc. 225/2018 Pág. 12
Proc. 225/2018 Pág. 1