Processo nº 190/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 12/Abril/2018
Assuntos: Terceiros para efeitos de registo
Prioridade do registo
SUMÁRIO
Para poderem prevalecer contra terceiros, os direitos dos adquirentes de bens imóveis terão que estar registados. E estando ambos os direitos registados, prevalece o direito inscrito em primeiro lugar (artigos 5.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 do Código do Registo Predial).
Estando provado que a compra e venda do imóvel foi realizada no dia 31 de Agosto de 2016, entretanto sobre o mesmo bem foi decretada uma penhora em 1 de Setembro de 2016 a qual passou a ser registada no dia 2 de Setembro, enquanto o registo do acto de compra e venda só foi efectuado em 7 de Setembro de 2016, ou seja, depois do registo da penhora, há-de concluir que a penhora registada em 2 de Setembro de 2016 prevalece sobre a transmissão registada em 7 de Setembro de 2016.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 190/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 12/Abril/2018
Recorrente:
- A (embargante)
Recorrido:
- B (embargado)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução instaurados por B contra C, foi penhorada metade indivisa da fracção “A2” pertencente a este último.
A, com sinais nos autos, deduziu embargos de terceiro contra a penhora, alegando ter adquirido o imóvel antes do acto da penhora.
Por despacho do Juiz titular do processo, foram os embargos liminarmente indeferidos.
Inconformado, dela interpôs o embargante A recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 被上訴之判決,指出根據已證事實,由於不存在對佔有之侵犯,亦不存在任何侵犯異議人與查封措施範圍不相容之任何權利,因此,應判處異議人提出的第三人異議,理由不成立。故初端駁回上訴人提出第三人異議,判處理由不成立。
2. 為此,上訴人對“被上訴之判決”不服,上訴人認為透過被上訴之判決認定之事實中,可確定上訴人早於查封批示前已取得本案中被查封之不動產之所有權。
3. 故無論以哪一角度觀之,查封行為(即使是僅查封本案之不動產之1/2份額)已對上訴人所主張之所有權出現實質之不相容。故此,上訴人絕對有正當性及適當理由根據《民事訴訟法典》第292條提出第三人異議。
另一方面;
4. 透過卷宗資料可顯示,上訴人是完全依法辦理購買本案被查封之不動產的手續,上訴人就買賣登記後於查封登記一事並沒有過錯,亦不是在明知涉案之不動產存在查封後才購買該單位。
5. 重點是,上訴人簽署買賣不動產公證書之日是早於本案之查封批示。換言之,本案之查封批示作出之時,涉案之不動產單位己不屬於被執行人。
6. 故此,查封批示中批准查封涉案之不動產,已是查封了第三人之財產,違反了《民事訴訟法典》第704條之規定,所以,上訴人認為,既然查證了查封批示所查封之財產是屬於第三人,那麼就應解除該查封。
7. 基此,被上訴之判決錯誤理解《民事訴訟法典》第292條規定,患有“錯誤理解法律而生之瑕疵”,故應被宣告廢止。
綜上所述,現向法院請求判處上訴理由成立,廢止被上訴之判決,而相關第三人之異議之訴訟應被受理並繼續後續法律步驟直至結束。”
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Devidamente notificado, apresentou o embargado B resposta, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa a seguinte decisão da primeira instância:
“A(A),身份資料載於卷宗,根據《民事訴訟法典》第292條的規定,針對載於主案第52頁被查封的“A2”獨立單位提出第三人異議。
異議人提出的理據主要是指曾兩次(分別於2016年7月29日及2016年8月3日)與當時物業之所有權人C及D簽署預約樓宇買賣合同,以預約購買上述單位。異議人於2016年8月31日更在私人公證員XXX事務所內簽署了買賣不動產之公證書,並於2016年9月7日作成登記。
異議人因此總結認為其為上述獨立單位的所有人,基於被執行人已不再是該獨立單位的所有人,所以上述查封屬不當,因為查封了屬第三人所有的財產。
現就此作出審理及決定。
根據卷宗所載資料,本院認定以下對案件審判屬重要的事實:
1) 於2016年7月29日,異議人與當時上述單位之所有權人C及D簽署第一份預約樓宇買賣合同,以預約購買上述單位,並交付了一張港幣50萬之銀行本票(由澳門國際銀行發出,祈付人為D,本票編號: HCO1.....,日期: 29/07/2016),以作為上述單位樓款之第一期定金。
2) 2016年8月3日,異議人與當時物業之所有權人C及D簽署第二份預約樓宇買賣合同,以預約購買上述單位。
3) 為此,異議人按C及D之要求,再交付了一張港幣50萬之銀行本票(由澳門國際銀行發出,祈付人為D,本票編號: HCO1.....,日期: 03/08/2016),以作為上述單位樓款之第二期定金。
4) 於2016年8月5日,異議人向澳門財政局繳納了上述單位之不動產轉移印花稅。
5) 於2016年8月31日,異議人與當時上述單位之所有權人C及D在私人公證員XXX事務所內簽署了買賣不動產之公證書。
6) 為此,異議人向C及D支付了港幣140萬元,以作為支付上述單位樓款之全數餘款。
7) 2016年9月7日,異議人因購買而取得上述單位之所有權被作成登記。
8) 上述不動產之1/2份額於2016年9月2日被查封。
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《民事訴訟法典》第292條第1款規定:“如法院命令作出之任何扣押或交付財產之行為侵犯某人對該財產之占有,或侵犯某人與該措施之實行或實行之範圍不相容之任何權利,而該人非為案中之當事人者,則受害人得透過提出第三人異議行使上述權利。”
一般學說均認為,在第三人異議中,異議人應在起訴狀提供其為第三人以及對提出異議之標的享有佔有等資訊性證據。
根據《民法典》第1175條的規定,“占有係指一人以相當於行使所有權或其他物權之方式行事時所表現之管領力。”
異議人提供了其為第三人之證明,但卻未能指出在具體個案中存在任何侵犯佔有或侵犯了異議人與查封措施範圍不相容之任何權利。
聲請人於起訴狀中,力指其現為涉案不動產的所有人,因於2016年8月31日,透過公證書取得,並於2016年9月7日登記,但卻沒有在查封登記之前作出登記。
主案作出查封之登記日期為2016年9月2日,先於異議人之取得登記,因此,根據登記優先原則及公開原則,由於異議人之取得登記後於主案之查封登記,所以不能夠對抗查封登記之行為。
正如上文所述,提出第三人異議之理由,是基於法院命令作出之任何扣押或交付財產之行為侵犯某人對該財產之占有,或侵犯某人與該措施之實行或實行之範圍不相容之任何權利。
根據上述已證事實,由於不存在對佔有之侵犯,亦不存在任何侵犯異議人與查封措施範圍不相容之任何權利,因此,應判處異議人提出的第三人異議,理由不成立。
基於此,以及基於上述依據,初端駁回異議人A(A)提出的第三人異議,判處理由不成立。
訴訟費用由異議人承擔。
著令登記及通知。”
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Coloca-se a questão de saber se estão verificados os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 292.º do CPC de que depende a procedência dos embargos de terceiro.
Preceitua-se na referida norma que “se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Se algum acto judicial ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização da diligência, pertencente a terceiro, este pode lançar mão dos embargos de terceiro.
Refere Cândida Pires e Viriato Lima1, citando as palavras de Lopes do Rego: “o problema da admissibilidade dos embargos de terceiro, aparece, deste modo, ligado, não apenas à qualificação do embargante como “possuidor”, mas também à averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime jurídico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo acto de apreensão judicial de bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada”.
Alega o recorrente que é proprietário do imóvel penhorado, tendo o adquirido antes do acto da penhora.
Para já, reveste-se de especial importância a questão da prioridade do registo.
Estatui o artigo 2.º do Código do Registo Predial que estão sujeitos a registo, entre outros, os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade (alínea a)) e a penhora (alínea m)).
Em boa verdade, não obstante o recorrente ter adquirido o imóvel antes do acto da penhora, mas apenas procedeu ao seu registo após o registo desta.
Dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial que “os factos sujeitos ao registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”.
E o que são terceiros?
Doutrina e jurisprudência dividiam-se.
Para a tese tradicional2, defende-se o conceito restrito, daí que são terceiros, para efeitos de registo, aqueles que tenham adquirido bens ou direitos incompatíveis de um mesmo alienante comum.
Enquanto outros doutrinadores3 propugnam posições mais latas que vão no sentido de atribuir ao registo uma função de segurança, defendendo que terceiros para efeitos de registo são não apenas aqueles que adquiriram e registaram direitos incompatíveis do mesmo transmitente, mediante negócio que com ele celebrem, mas também aqueles que adquiram e registem direitos incompatíveis em relação ao mesmo transmitente, nomeadamente através de um acto permitido por lei (arresto, penhora, apreensão de bens para a massa falida ou insolvente, compra em processo executivo, etc).
E nos tribunais superiores portugueses, surgiram diversas e díspares decisões jurisprudenciais, e mais concretamente, relevam dois Acórdãos Uniformizadores com sentido oposto sobre a amplitude do conceito de terceiros para efeitos de registo:
- no primeiro, com o n.º 15/97, de 20/5/1997, defendeu-se o conceito lato, no sentido de que “terceiros, para efeitos do registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado anteriormente”;
- no segundo, com o n.º 3/99, de 18/5/1999, perfilhou-se o conceito restrito, entendendo que “terceiros, para efeitos do artigo 5.º do Código de Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa” , e que posteriormente veio a ser acolhido (com excepção do requisito da boa fé) pelo legislador no n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial Português.
De facto, há norma na lei portuguesa que define o conceito de terceiros para efeitos de registo:
“Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.” – Artigo 5.º, n.º 4 do Código de Registo Predial
Pelo contrário, não foi introduzido na legislação registral de Macau nenhum conceito de terceiros para efeitos de registo.
Sem embargos de melhor opinião, acolhemos o sentido amplo do conceito de terceiros para efeitos de registo, por que só assim se permite garantir, em nossa modesta opinião, os fins do registo e a eficácia dos actos registados, sendo irrelevante que a aquisição dos direitos venha do mesmo ou de diferente autor ou transmitente.
Como observa Vicente João Monteiro4, “o registo predial funciona como uma reserva de garantia da segurança do tráfico imobiliário, tendo ganho ao longo de décadas a credibilidade e a confiança de agentes e investidores no mercado imobiliário. Mas, também a população local, independentemente de se tratar ou não de residentes permanentes, que constitui - cada vez mais, a acreditar nos números que vêm sendo divulgados pelos operadores imobiliários – a grande maioria dos consumidores finais na aquisição de fracções autónomas de habitação, comércio ou indústria, sabe que o registo predial lhe dá a garantia de que a situação jurídica registral dos imóveis corresponde à situação material subjacente. É por demais conhecida a confiança depositada nas certidões e fotocópias informativas (usualmente chamadas de buscas) emitidas pela conservatória nas transacções imobiliárias, o que significa que é a informação contida no registo predial que serve de base aos negócios e não a exibição de qualquer outro documento, por mais credível que seja a sua origem”.
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão do antigo TSJ de Macau, no Processo n.º 822, de 8/7/1998.
Com efeito, para poderem prevalecer contra terceiros, os direitos dos adquirentes terão que estar registados. E estando ambos os direitos registados, prevalece o direito inscrito em primeiro lugar (artigo 6.º, n.º 1 do CRP).
De acordo com a matéria de facto alegada nos autos, foi decretada a penhora em 1 de Setembro e registada no dia 2 de Setembro de 2016.
A compra e venda foi outorgada no dia 31 de Agosto de 2016, mas só foi registada em 7 de Setembro de 2016, ou seja, depois do registo da penhora.
Nestes termos, somos a concluir que a penhora registada em 2 de Setembro de 2016 prevalece sobre a transmissão registada em 7 de Setembro de 2016, isso significa que, inexistindo a alegada ofensa do direito de propriedade do recorrente atingido pelo acto de apreensão judicial de bens em causa, inverificados estão os pressupostos de que depende a procedência dos embargos.
Destarte, nega-se provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A (embargante), confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 12 de Abril de 2018
Relator
Tong Hio Fong
Primeiro Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong
Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
1 Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, FDUM, pág. 223
2 Por exemplo, Dr. Orlando Carvalho
3 Por exemplo, Dr. Antunes Varela
4 Código do Registo Predial de Macau, Anotado e Comentado, CFJJ, 2016, pág. 157
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Recurso Civil 190/2017 Página 1