Processo nº 715/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 12/Abril/2018
Assuntos: Contrato-promessa de partilha de bens do casal
SUMÁRIO
Verificando-se que a vontade negocial expressa no acordo celebrado pelos cônjuges se harmoniza com um contrato-promessa de partilha de bens do casal, e não tendo o mesmo natureza de convenção pós-nupcial, pelo que não se vislumbra que o referido acordo está inquinado de nulidade por falta de observância da forma legal exigida no artigo 1574.º do Código Civil.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 715/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 12/Abril/2018
Recorrente:
- A (Ré)
Recorrido:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, Ré nos autos acima cotados (doravante designada por “recorrente”), inconformada com a sentença que julgou procedente a acção intentada por B, com sinais nos autos (doravante designado por “recorrido”), interpôs aquela recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 被上訴之判決作出之判決如下:
“Nestes termos e pelos fundamentos e expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência em substituição da declaração de vontade da Ré A determina-se:
1 ……
2 …… ”
2. 上訴人不服被上訴之判決,因被上訴之判決存有適用法律錯誤的瑕疵。
3. 本案中所審理的標的是一份由原告所提交的文件,原告認為屬一份預約合同,且要求行使《民法典》第820條之規定,上訴人在訴辯書狀階段已針對原告所提交的文件的有效性提出抗辯及爭執。
4. 原審法院最終認定有關文件屬一份預約合同,且根據《民法典》第820條之規定,宣告由法院取代上訴人在合同中的意思表示,並執行合同中之內容。
5. 被上訴之判決所作出的有關依據載於判決書第10至第12版,有關內容如下:
“Cumpre assim apreciar e decidir.
«O contrato de promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato» - cit. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª Ed., pág. 264 -.
Nos termos do artº 404º do C.Civ. «1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa».
Da factualidade apurada resulta que entre Autor e Ré, durante a pendência do casamento e tendo em vista o divórcio entre ambos - o qual veio a ser decretado – foi celebrado contrato de promessa de partilha não só de um bem comum, como também, de um bem de que eram titulares do domínio útil em regime de compropriedade na proporção de metade para cada um, segundo o qual – o contrato de promessa - as partes, aqui Autor e Ré, se comprometeram a que fosse adjudicado à Ré a fracção autónoma designada pela letra “D8” melhor identificada no número 1) da al. c) dos factos e que consistia no único bem comum, e ao Autor a fracção autónoma designada pela letra “BR/C” melhor identificada no número 2) da al. c) dos factos o qual era o bem de eram donos em regime de compropriedade, sem que fossem devidas tornas entre os promitentes.
Nos termos do artº 404º e 866º do C.Civ. e artº 94º nº 1 do Código do Notariado, uma vez que os contratos de promessa celebrados entre a Autora e Ré têm como objecto imóveis os mesmos só valem se forem celebrados por documento assinado por ambas as partes, o que, como resulta da factualidade assente aconteceu.
Destarte improcedem as alegações da Ré quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado entre si e o Autor, bem como as relativas ao pagamento de impostos que eventualmente sejam devidos, matéria que não é objecto destes autos.” (在此視為完全地轉錄)
6. 除了尊重不同的見解外,上訴人並不認同,依據有關文件的內容及當事人的原意應視有關文件為一份婚後協定。
7. 首先文件的標名為“協議書”,其次在該“協議書”中雙方需解決的問題是:“雙方離婚後之財產分配事宜”,標的涉及婚姻解鎖後財產歸屬的問題,而所有財產均屬於不動產,因此後明顯,原被告雙方作出的是婚後協定的法律行為。
8. 另一方面,從原被告雙方在簽署相關協議書當時及之後的行為在客觀上顯示,都得不到被告雙方認為有關協議書屬一份預約合同的結論。
9. 根據第17/88/M號法律有關“核准印花稅章程並核准印花稅稅率及繳付方式”第51條第1款及第58條的規定,對不動產移轉的任何文件、文書及行為,都必須自上述文件作出之日起三十日內繳納印花稅。
10. 但原告自簽文件直至提起本案訴訟之日或在審判待決期間,原告一直沒有就有關協議書繳納印花稅,這很顯然易見,自提起本案訴訟之前,原告一直沒有認為所簽署的協議書為一份預約合同。
11. 而訂立協議書的期間及內容上分析,有關協議書是在2012年10月22日所訂立(該期間是原被告雙方婚姻關係存續期間),雙方當事人的目的是預先規範雙方在婚姻解銷後對共同財產分割及歸屬的問題。
12. 因此,無論從協議書的具體內容、標的及法律層面上而觀之,毫無疑問有關協議書屬於婚後協定的一種表現形式。
13. 根據澳門《民法典》第1578條第3款配合同一法典第1574條對婚姻後協定的規定,嚴格指明必須以公證書訂立之婚後協定方為有效。
14. 但由於原告與上訴人所簽訂的文件未能符合澳門《民法典》第1578條第3款配合同一法典第1574條的規定,所以在欠缺形式要件的情況下,該協議書屬於無效。
15. 所以原審法院不應以《民法典》第404條規定為由,而認定有關文件屬一份預約合同,從而產生同一法典第820條規定的執行效力。
16. 基於此,被上訴的判決因違反了《民法典》第1578條第3款配合第1574條,之及第404條的規定,存有錯誤適用法律規定的瑕疵,故應被上級法院撤銷。”
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Devidamente notificado, apresentou o recorrido resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recurso a que ora se responde foi interposto pela Ré, ora Recorrente, da douta sentença de fls. 243 a 263 vº, proferida em 6 de Janeiro de 2017 pelo Tribunal a quo.
2. A decisão recorrida, conhecendo sobre a validade do contrato-promessa de partilha de bens comuns celebrado na constância do matrimónio e da execução específica do mesmo, julgou procedente a presente acção, e, em consequência, decidiu, em substituição da declaração de vontade da Recorrente, proceder à partilha dos bens comuns nos termos que melhor constam da mesma.
3. Em 22 de Outubro de 2012, data da assinatura do contrato-promessa de partilha, o Recorrido e a Recorrente eram casados.
4. O casamento foi dissolvido por sentença proferida pelo Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base proferida em 22 de Abril de 2014, transitada em julgado em 18 de Maio de 2015.
5. Na constância do casamento o Recorrido e a Recorrente celebraram um contrato-promessa de partilha dos bens comuns para a futura divisão dos bens após o divórcio, do qual emerge a obrigação de celebrar, no futuro, o contrato definitivo prometido.
6. A qualificação do acordo celebrado entre as partes como contrato-promessa de partilha resulta expressamente do texto desse acordo, do qual se extrai o sentido e a vontade real dos declarantes.
7. O acordo celebrado entre o Recorrido e a Recorrente, em 22 de Outubro de 2012, não tem a natureza de convenção pós-nupcial.
8. O contrato celebrado entre o Recorrido e a Recorrente é um contrato-promessa de partilha.
9. A outorga do contrato-promessa de partilha celebrado entre o Recorrido e a Recorrente, conducente à divisão futura do património do casal, resulta inequivocamente das alíneas C), D) e E) dos factos assentes.
10. Essa matéria de facto dada por assente pelo Tribunal a quo, foi admitida e aceite pela Recorrente, e não vem por esta impugnada no presente recurso.
11. A celebração de um contrato-promessa de partilha de bens comuns na constância do matrimónio, através do qual os cônjuges se comprometem, no futuro, a dividir os bens comuns de uma certa forma através da escritura de partilha, é legalmente admissível.
12. O contrato-promessa de partilha fica condicionado ao decretamento do divórcio entre as partes, produzindo efeitos reais, apenas, com a celebração da escritura de partilha.
13. A celebração de um contrato-promessa de partilha de bens comuns na constância do matrimónio não altera a situação patrimonial dos cônjuges, sendo um acordo que se projecta no futuro subordinado à condição suspensiva do decretamento do divórcio.
14. O contrato-promessa de partilha de bens comuns do casal não produz qualquer efeito real, pelo que o respectivo facto tributário só ocorre com a celebração da escritura de partilha.
15. O pagamento de impostos eventualmente devidos por documentos, papéis ou actos, a que alude o artigo 51º do Regulamento do Imposto do Selo, não releva para a qualificação desses mesmos documentos.
Nestes termos e no mais de direito, deve o recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida, fazendo-se assim a habitual JUSTICA!”
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Autor e a Ré casaram-se em Macau no dia 30 de Abril de 1994;
O Autor e a Ré divorciaram-se por sentença decretada em 22 de Abril de 2014 pelo Juízo de Família e de Menores do TJB, transitada em julgado em 18 de Maio de 2015;
Em 22 de Outubro de 2012 o Autor e a Ré assinaram um acordo de partilha sobre a divisão futura do património comum do casal, com referência aos seguintes imóveis – conforme documento a fls. 12 e 13 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
1) Fracção autónoma designada por “D8”, correspondente ao XX° andar “XX”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na XXXX, nºs XX
2) na Rua XXXX, nº XX e na XXXX, nºs XXX a XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, a fls. XXX, do Livro XXX, inscrito na matriz predial sob o artigo 73045, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº XXX do Livro XXX, estando aquele imóvel registado a favor do Autor e da Ré conforme a inscrição nº XXX do Livro XXX, resultante de escritura de compra e venda de 30.09.2002, imóvel esse com o valor matricial de MOP162,620.00 - Documentos a fls. 14 a 30 -;
3) Fracção autónoma designada por “BR/C”, correspondente ao rés-do-chão “B”, para comércio, com entrada pelo nº XXXX, do prédio urbano sito em Macau, com o nº XX da XXXX e nºs XX, XX, XX, XX e XX da XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, a fls. XXX do Livro XXX, inscrito na matriz predial sob o artigo 37451, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº XXX do Livro XXX, estando 1/2 daquele imóvel registado a favor do Autor e 1/2 registado a favor da Ré conforme a inscrição nº XXX, a fls. XX, do Livro XXX, na sequência da doação do pai do Autor a favor deste e da Ré nas referidas proporções, imóvel esse com o valor matricial de MOP1,134,000.00 - Documentos a fls. 31 a 41 -.
O contrato-promessa de partilha incluía ainda o seguinte imóvel: Fracção autónoma designada por “C3”, correspondente ao 3° andar “C”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na XXXX, nºs XX a XX, e na Rua de XXXX, nºs XX a XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, a fls. XXX do Livro XXX, inscrito na matriz predial sob o artigo XXX, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº XXX do Livro XXX, estando aquele imóvel registado a favor do Autor, conforme a inscrição nº XXX do Livro XXX, por sucessão hereditária, imóvel esse com o valor matricial de MOP81,600.00 - Documentos a fls. 42 a 48 -;
Consta naquele contrato-promessa de partilha que após o divórcio entre o Autor e a Ré, a partilha dos identificados bens seria feita da seguinte forma (cfr. Doc. a fls. 12 e 13):
1) A Ré receberia a totalidade da fracção autónoma designada por “D8”, para habitação, melhor identificada no número 1) da alínea c), sem que por esta adjudicação a Ré estivesse sujeita a pagar qualquer contrapartida a favor do Autor, ou seja, prescindindo este das respectivas tornas;
2) O Autor receberia a totalidade da fracção autónoma designada por “BR/C”, para comércio, referida no número 2) da alínea c), sem que por esta adjudicação o Autor estivesse sujeito a pagar qualquer contrapartida a favor da Ré, ou seja, prescindindo esta das respectivas tornas.
À data da celebração do acordado, ou seja, em 22 de Outubro de 2012, decorria ainda o processo de inventário facultativo, registado sob o nº CV1-11-0062-CIV no 1º Juízo Cível deste Tribunal, por morte dos avós paternos do Autor (C e D) que incluía a partilha da referida fracção autónoma “C3”, tendo ficado acordado entre as partes que, na hipótese desse imóvel ser adjudicado a favor da Ré e do Autor, a Ré transmitiria a sua meação desse imóvel a favor do Autor, sem qualquer contrapartida;
De acordo com a sentença homologatória de partilha, foi essa fracção autónoma “C3” adjudicada ao Autor;
Por carta registada datada de 11 de Junho de 2015, foi solicitada à Ré resposta quanto à disponibilidade para a assinatura do contrato de partilha mencionado em c), d) e e) (in casu, a fracção “D8” e a fracção “BR/C”) com vista a dar início aos procedimentos necessários ao aludido fim (Documento a fls. 84);
Pese embora tenha recebido a referida carta (Documento a fls. 85) a Ré não se dignou a responder, mantendo a sua indiferença pelo assunto;
Em 13 de Julho de 2015, foi o Autor surpreendido com a recepção de uma carta de citação no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum, interposta pela aqui Ré em 8 de Junho de 2015, que corre os seus termos no 2º juízo deste Tribunal Judicial de Base, com o nºs CV2-15-0023-CPE (Documento a fls. 86 a 96);
Acção de divisão de coisa comum essa que tem por objecto a fracção autónoma designada por “BR/C”, para comércio, e melhor identificada na alínea b) do artigo 3º da petição inicial, e nos termos da qual a Ré pretende a divisão em valor da identificada fracção, após a respectiva adjudicação ou venda (cfr. Doc. fls. 86 a 96).
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Entende a recorrente que, como não consta do documento assinado pelas partes a designação de “contrato-promessa”, mas sim de mero “contrato”, e atento o conteúdo do tal acordo, não se deve qualificar aquele documento como sendo um contrato-promessa de partilha de bens do casal, mas sim uma convenção pós-nupcial.
Na medida em que a convenção pós-nupcial deve ser celebrada por escritura pública, pugna o recorrente pela nulidade do referido “contrato” por inobservância da forma legal.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, somos a entender que o contrato celebrado pelas partes não é uma convenção pós-nupcial.
Estatui o n.º 1 do artigo 1578.º do Código Civil que os cônjuges podem, durante o casamento, por acordo, alterar a convenção antenupcial, celebrar pela primeira vez uma convenção antenupcial e modificar uma anterior convenção pós-nupcial.
De facto, deixou de vigorar no Direito de Macau o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, sendo agora permitido aos cônjuges alterarem por acordo, durante o casamento, a convenção antenupcial.
Em primeiro lugar, a interpretação de um documento não deve cingir-se exclusivamente à sua designação, mas também ao seu conteúdo.
Olhando para o caso concreto, mormente as próprias cláusulas do contrato celebrado pelos então cônjuges, nomeadamente quando se refere que “就雙方離婚後之財產分配事宜,經商定後,共同達成如下協議並承諾遵守”, dúvidas não restam de que o objecto do referido acordo é a distribuição de bens após o divórcio, e não é proceder à alteração do regime de bens do casamento.
De facto, a convenção pós-nupcial produz efeitos a partir do dia da sua celebração, ou seja, ainda na vigência do casamento, ao contrário do que se passa com o contrato-promessa de partilha de bens, em que é celebrado na constância do casamento mas o contrato-prometido apenas será cumprido ou executado em momento posterior à dissolução do casamento, por divórcio.
Face ao conteúdo do acordo celebrado pelas partes, bem como a factualidade provada, conclui-se que a vontade negocial expressa no contrato se harmoniza com um contrato-promessa de partilha de bens do casal.
Uma vez que não se trata de uma convenção pós-nupcial, não se vislumbra nulidade do negócio jurídico celebrado pelas partes por falta de observância da forma legal exigida no artigo 1574.º do Código Civil.
E não se diga que a falta de pagamento do imposto devido por documentos, papéis ou actos, a que se alude o artigo 51.º do Regulamento do Imposto do Selo seja relevante para a qualificação do contrato.
A nosso ver, trata-se de uma questão diversa. Pois, a falta de liquidação do imposto do selo devido não retira ao documento a qualificação jurídica decorrente da vontade manifestada pelas partes e devidamente comprovada nos autos.
Nestes termos, julgamos não merecer reparo a sentença recorrida, havendo de negar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.
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RAEM, 12 de Abril de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Recurso Cível 715/2017 Página 9