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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil
N.° 6 / 2007

Recorrentes: A (por si e em representação dos seus filhos menores B e C)
D e E
F
Recorridos: os mesmos





1. Relatório
   A (por si e em representação dos seus filhos menores B e C), D, aliás D1, e sua mulher E intentaram acção declarativa com processo ordinário contra F, pedindo nomeadamente que esta seja condenada a pagar aos autores a quantia global de MOP$6.800.000,00, sendo:
   - MOP$3.000.000,00 pelo dano de morte;
   - MOP$150.000,00 pelo dano consistente no sofrimento que precedeu a morte e da inerente angústia;
   - MOP$500.000,00 pelos danos não patrimoniais devidos à mulher e filhos da vítima mortal;
   - MOP$2.400.000,00 pelos danos patrimoniais mediatos sofridos pela mulher e filhos da vítima mortal;
   - MOP$250.000,00 pelos danos patrimoniais mediatos sofridos pelos pais da vítima mortal;
   - MOP$500.000,00 pelos danos morais sofridos pela 1ª autora.
   
   A ré contestou e requereu a intervenção passiva de G e uma equipa de Team Holland que foi deferida.
   O Tribunal Judicial de Base julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar aos autores um montante de MOP$3.016.400,00 e juros a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais:
   - dano de vida do falecido: MOP$1.000.000,00;
   - dano patrimonial mediato dos autores: MOP$806.400,00
   - dano moral dos dois filhos: MOP$500.000,00;
   - dano moral da mulher: MOP$500.000,00;
   - dano patrimonial mediato dos pais do falecido: MOP$250.000,00;
   - do valor total deduz-se o valor de MOP$40.000,00 já pago pela ré.
   
   Inconformadas com a sentença de primeira instância, recorreram ambas as partes para o Tribunal de Segunda Instância. Os recursos foram julgados parcialmente procedentes quanto aos danos não patrimoniais:
   - alterando a indemnização pelo direito à vida da vítima para MOP$900.000,00, deduzida de MOP$20.000,00 já pagas à 1ª autora por conta da indemnização;
   - julgou procedente o pedido da autora de indemnização a ela e aos seus dois filhos menores por danos morais com a morte da vítima, sendo MOP$250.000,00 para a autora e outra quantia do mesmo valor para os seus dois filhos;
   - fixou a indemnização por danos morais próprios da autora no valor de MOP$300.000,00, deduzido de MOP$20.000,00 já pagas pela ré por conta dos danos em causa.
   Mais julgou revogar a decisão de primeira instância e baixar os autos ao Tribunal Judicial de Base para novo julgamento e proferir nova decisão sobre os danos patrimoniais mediatos dos autores.
   Deste acórdão vieram ambas as partes a recorrer novamente, agora para o Tribunal de Última Instância.
   Os autores, nas suas alegações, concluíram de seguinte forma:
   “1. O Grande Prémio de Macau constitui uma prova desportiva automobilística que tipiciza o exercício de uma actividade perigosa, constituindo o maior cartaz desportivo do Território e, agora, da RAEM.
   2. O respectivo traçado, as condições de segurança e o estado de funcionamento dos veículos automóveis intervenientes nas provas foram verificados pela FIA e pela Comissão Organizadora do Grande Prémio.
   3. Antes de sair para a pista, o veículo automóvel de competição com uma equipa de Team Holland foi obrigatoriamente inspeccionado pelo Comissário Técnico da FIA, que o considerou apto para os treinos.
   4. A vítima mortal e a 1.ª A., encontrando-se na RAEM em turismo e passeando-se pela cidade de Macau, naquele instante, atravessavam a Avenida da Amizade, da direita para a esquerda em relação ao sentido de marcha do veículo e fora do perímetro do circuito quando foram embatidos.
   5. Foi celebrado um contrato de seguro com a ré, sendo a entidade segurada a DST, que inclui o Secretariado Permanente do Grande Prémio de Macau, ascendendo a quantia do seguro a cinco milhões de libras.
   6. Após o acidente objecto dos autos, foi anunciada uma “segurança reforçada” para a 48.ª edição do Grande Prémio de Macau que então se seguiria.
   7. Mostra-se totalmente demonstrada a culpa dos organismos responsáveis pela organização do Grande Prémio de Macau, a qual foi transferida para a ré, pelo supraindicado contrato de seguro.
   8. Não podia deixar de se ter como perigosa a natureza da actividade em que se consubstancia uma corrida de automóveis de alta cilindrada, sendo certo que a específica actividade perigosa de uma prova desportiva foge às regras do corrente comportamento e regulamento que o Código da Estrada generaliza para a comum condução viária de trânsito nas estradas, ruas e caminhos do domínio público do Estado (Território) ou vias de domínio privado normalmente abertas ao trânsito público.
   9. Assim, essas provas desportivas constituem uma actividade específica que nada tem a ver com as comuns regras viárias, obedecendo a um regime especial, com regras específicas previstas no Código da Estrada em matéria de seguro de provas desportivas – cfr. art.º 60.º – só sendo permitidas perante autorização dada para cada caso.
   10. Encarado o especial circunstancialismo da “actividade perigosa pela própria natureza da corrida de automóveis”, não só deve ser assacada responsabilidade ao condutor do veículo (participante de tal evento desportivo) causador dos danos aqui alegados mas também ao proprietário do mesmo veículo e, ainda, à organização do Grande Prémio, responsabilidade essa solidária.
   11. Diferentemente do que acontece num típico acidente de viação, em que existe da parte dos utentes das vias públicas uma obrigação especial de conformação a regras e padrões de conduta prescritos num código e, para além disso, uma consciência de risco latente e de previsibilidade de acidente, num acidente do tipo aqui reportado, não existe da parte das pessoas essa obrigação nem essa consciência de previsibilidade.
   12. De tal facto decorre que em relação àqueles sobre os quais impende a obrigação de observar as normas que regulam a realização em segurança de uma actividade perigosa como a de uma prova automobilística em circuito citadino, impenda também uma responsabilidade redobrada, no sentido de evitar tal tipo de acidentes incorrendo num muito acentuado grau de culpa quando os não sejam capazes de evitar.
   13. Daí a gravidade dos danos resultantes de um acidente desportivo ocorrido fora das linhas estabelecidas pelo seu organizador e o maior valor das indemnizações a fixar.
   14. Em casos como o dos autos, não existem valores de referência na jurisprudência dos nossos tribunais, por ter sido, felizmente, o único do género que ocorreu.
   15. Tendo a doutrina, com grande acolhimento por parte dos Tribunais, pugnado pelo entendimento de que, ao arbitrar uma determinada indemnização, não se visa tão só compensar os lesados mas, simultaneamente, sancionar a conduta dos lesantes.
   16. Daí que não possam os recorrentes conformar-se com o entendimento do Venerando Tribunal recorrido no sentido de que “ponderando as circunstâncias do acidente dos presentes autos (...) afigura-se claramente excessivo o montante de MOP$3,000,000.00 peticionado pelos recorrentes”, o qual “não deixa de ser um valor sem nenhum apoio na jurisprudência local”.
   17. O falecido era gerente de uma fábrica de tecelagem e de uma loja de venda de tecidos em Sai Chiu, RPC, negócio que lhe proporcionava um rendimento não apurado, que constituía a fonte de sustento e de vida da sua família, integrada pela mulher, ora 1.ª autora, dois filhos menores e os pais, todos vivendo em economia doméstica, tendo a 1.ª autora vindo a arrendar a terceiros a fábrica e a loja, recebendo uma renda mensal em quantia não apurada.
   18. Bem andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Base quando, em seu bom critério, fez apelo à norma do art.º 560.º, n.º 6, do C. Civil, como forma de ultrapassar a ausência de prova concreta dos rendimentos do falecido que lhe permitissem a fixação dos danos patrimoniais mediatos.
   19. Acredita-se que tal sentença julgou criteriosamente a ponderação dos danos patrimoniais mediatos, não se afigurando necessário o apuramento das idades da vítima mortal e dos dois autores menores à boa decisão de direito nesse segmento do pedido indemnizatório, por disporem as instâncias de recurso dos dados de facto necessários a essa tomada de decisão, afigurando-se, também, que as contradições assinaladas no acórdão recorrido relativamente à gerência da fábrica e ao arrendamento desta feito pela 1.ª autora são mais aparentes do que reais.
   20. O acórdão recorrido violou o art.º 489.º, n.º 3, do Código Civil, porquanto ali se prescreve que o montante da indemnização – no que se refere aos danos não patrimoniais – é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 487.º, isto é, devendo tomar em consideração (i) o grau de culpabilidade do agente, (ii) a situação económica deste e do lesado e (ii) as demais circunstâncias do caso.
   21. O douto acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação de tal norma, pois não tomou em consideração (i) o alto grau de culpabilidade de todos os agentes responsáveis do acidente, desde a actuação do condutor à Comissão Organizadora do Grande Prémio – actuação negligente que foi publicamente reconhecida e determinou a alteração das condições de segurança no circuito do evento aqui em apreciação; (ii) a situação económica dos agentes responsáveis pelos danos causados aos lesados que transferiram a sua responsabilidade para uma companhia seguradora, ascendendo a quantia do seguro a cinco milhões de libras, equivalentes a MOP$58,337,500.00 (cinquenta e oito milhões, trezentas e trinta e sete mil e quinhentas patacas); (iii) a situação económica dos lesados que – comparativamente com a dos lesantes – era (é) muito baixa, mesmo débil; (iv) as demais circunstâncias do caso, nomeadamente, (iv.i) o facto de terem sido provocados danos a pessoas no contexto de uma actividade recreativa que faz movimentar milhões de quantitativos (e para cuja realização não foram tomadas todas as providências exigidas conforme se deu por provado); (iv.ii) o facto do acidente ter ocorrido fora do circuito do GP, o que demonstra que a vítima mortal e a vítima na sua integridade física não se colocaram sequer na zona de risco tal como não pode deixar de ser considerado um circuito de corrida de automóveis e outros veículos e, ainda, (iv.iii) o facto de ter sido o primeiro acidente neste tipo de evento em cerca de 50 edições (e o primeiro depois da implantação da RAEM) em que ficaram lesadas pessoas alheias ao mesmo, o que provocou um grande impacto na população residente e nos milhares de turistas que se encontravam em Macau, deixando-os em estado de choque, certo sendo que foi tema de inúmeras intervenções nos media de entidades públicas aos mais altos níveis, que lamentaram o desfecho e prometeram uma reparação dignificante para os lesados, o que não foi cumprido, não restando outra solução aos lesados senão o recurso à via judicial.”
   Pedindo o provimento do recurso e a alteração do acórdão recorrido para condenar a ré a pagar as parcelas indemnizatórias de MOP$3.000.000,00 para o dano de vida, de MOP$500.000,00 para o dano moral dos primeiros autores por morte da vítima, de MOP$500.000,00 para o dano moral próprio da 1ª autora e de MOP$806.400,00 para os danos patrimoniais mediatos de todos os autores e, em consequência, uma indemnização global de MOP$4.806.400,00.
   
   A ré apresentou as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. O quantum indemnizatório arbitrado pelo TSI em MOP$900.000,00 (novecentos mil patacas), a título de perda do direito à vida, não foi fixado segundo critérios de equidade, revelando-se excessivo e exagerado, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos tribunais de Macau.
   2. Tendo assim a decisão recorrida, nessa parte, infringido claramente os art.ºs 3.º, al. a), 487.º e 489.º, n.º 3, do Código Civil (CC), não respeitando ainda os valores correntes adoptados pela jurisprudência quanto a esta matéria.
   3. Não fixou, pois, o Tribunal a quo, segundo critérios de equidade, o montante da respectiva indemnização, sendo importante realçar, e este respeito, que não houve qualquer culpa por parte do condutor do veículo causador do acidente.
   4. Não obstante ter o TSI alegado que “o bem vida de uma pessoa (v.g.) nova, abastada e saudável, vale – ou deve valer – mais que o de uma pessoa idosa, com dificuldades económicas e enferma”, de forma a justificar a atribuição de uma verba avultadíssima de novecentos mil patacas a favor dos primeiros autores, o certo é que poucos foram os factos que ficaram provados quanto à pessoa da vítima, não se apurando sequer se a mesma era nova, abastada e saudável, revelando-se, pois, totalmente excessivo o valor arbitrado que, salvo o devido respeito, não está minimamente em sintonia com anteriores decisões daquele tribunal.
   5. Entendendo-se que uma indemnização no valor de MOP$500.000,00 (quinhentas mil patacas), a título de perda do direito à vida, se mostraria mais adequada e equitativa.
   6. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada nesta parte, devendo a recorrente ser condenada a pagar à 1ª autora, por si e em representação dos seus dois filhos menores, B e C, a quantia de MOP$480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil patacas), a título de perda do direito à vida da vítima, já com a dedução do montante de MOP$20.000,00 (vinte mil patacas) que foi pago pela ré, ora recorrente, à 1ª autora a este respeito.
   7. Quanto à indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de danos morais a favor da 1ª autora e dos seus filhos pelo falecimento da vítima (pretium doloris), cumpre dizer que os factos articulados pelos autores a este respeito não foram admitidos pelo juiz da 1ª instância em sede de despacho saneador e, consequentemente, não foram dados como provados.
   8. A sentença recorrida fez supostamente intervir a equidade, arbitrando uma indemnização a título de “pretium doloris”, sem ter por base qualquer circunstancialismo factício, qualquer suporte factual, apresentando-se assim a douta decisão absolutamente infundada e insustentável, não apresentando ainda qualquer facto ou fundamento de direito que justifique a atribuição daquele montante indemnizatório.
   9. Em processo civil, o Tribunal está cingido na formulação da decisão judicial aos factos articulados pelas partes, na condição de se considerarem provados, na esteira do princípio do dispositivo nos termos do qual incumbe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir (art.ºs 5.º e 430.º, n.º 1 do CPC) e do princípio plasmado no art.º 335.º, n.º 1, do CC, de que cabe àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
   10. Não estando provada a matéria em causa, deveria o Tribunal a quo ter considerado improcedente o pedido formulado no art.º 89.º do petitório, no valor de MOP$500.000,00 (quinhentas mil patacas).
   11. Acresce que o valor arbitrado pelo TSI, a título de pretium doloris da 1ª autora e dos seus dois filhos, no valor de MOP$500.000,00, mostra-se totalmente excessivo e exagerado, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos tribunais de Macau, não tendo aquele Tribunal lançado mão a critérios de equidade para efeitos de cálculo do respectivo quantum indemnizatório.
   12. Conclui-se assim que a decisão recorrida nesta parte infringiu, mais uma vez, os art.ºs 3.º, al. a), 487.º e 489.º, n.º 3, do CC, não respeitando ainda os valores correntes adoptados pela jurisprudência quanto a esta matéria.
   13. Revelando-se a indemnização arbitrada totalmente excessiva e injustificada, não estando minimamente em consonia com anteriores decisões proferidas pelo mesmo tribunal, a título de “pretium doloris” por parte dos familiares da vítima.
   14. Entendendo-se que, caso a factualidade alegada fosse considerada provada, e apenas nessa hipótese, os danos referentes a “pretium doloris” da 1ª autora e dos seus dois filhos seriam ressarcíveis com uma indemnização de montante não superior a MOP$150.000,00 (cento e cinquenta mil patacas) ou, quanto muito, com uma indemnização de montante não superior a MOP$250.000,00 (duzentas e cinquenta mil patacas), a atribuir conjuntamente a todos eles, na pessoa da 1ª autora (art.º 489.º, n.º 2 do Código Civil).
   15. A indemnização arbitrada de MOP$300.000,00 (trezentas mil patacas) pelos danos morais sofridos pela 1ª autora em resultado das lesões e sequelas emergentes do acidente, tomando em conta a escassa matéria de facto dada como provada (comparativamente com a não provada), mostra-se igualmente excessiva e exagerada, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos tribunais de Macau.
   16. Não tendo o Tribunal recorrido também aqui lançado mão a critérios de equidade para efeitos de cálculo do respectivo quantum indemnizatório, concluindo-se ainda que a decisão recorrida nesta parte infringiu de forma clara, e mais uma vez, os art.ºs 3.º, al. a), 487.º e 489.º, n.º 3, do Código Civil, não respeitando ainda os valores correntes adoptados pela jurisprudência quanto a esta matéria.
   17. O montante indemnizatório mostra-se desproporcionado e excessivo em face da natureza dos danos em causa, não estando minimamente conforme com anteriores decisões proferidas pelo mesmo tribunal quanto à mesma matéria.
   18. Devendo ser fixada uma indemnização, a título de danos não patrimoniais sofridos pela 1ª autora resultantes das lesões que sofreu, no valor de MOP$75.000,00 (setenta e cinco mil patacas), quantia indemnizatória essa que se molda efectivamente aos bens jurídicos lesados e se mostraria equitativa, adequada, ajustada e equilibrada nos termos daquelas disposições normativas, tomando ainda em linha de conta os valores correntes adoptados pela jurisprudência e que a referida demandante não sofreu qualquer incapacidade permanente em resultado do acidente em discussão nestes autos, designadamente para o trabalho.
   19. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada também nesta parte, devendo a recorrente ser condenada a pagar à 1ª autora a quantia de MOP$55.000,00 (cinquenta e cinco mil patacas), a título de danos morais próprios sofridos por esta demandante, já com a dedução do montante de MOP$20.000,00 (vinte mil patacas) que foi pago pela ré, ora recorrente, à 1ª autora.
   20. Não existe qualquer contradição entre a resposta (positiva) do quesito 16º e a resposta (negativa) do quesito 19º, simplesmente o TSI incorreu num perfeito equívoco ao considerar erradamente que o quesito 19º foi dado como assente quando, na verdade, essa matéria foi considerada pelo TJB como não provada.
   21. De igual modo, não existe qualquer contradição entre a resposta (positiva) do quesito 17º e a resposta (negativa) do quesito 20º: este último quesito está, sim, intimamente ligado com o quesito 19º pelo que, dando o TJB como não provada a matéria dos quesitos 19º e 20º, não se vislumbra qualquer vício ou contradição nas respostas dos quesitos em causa.
   22. Para além de que é perfeitamente assente de que não há nem pode existir qualquer contradição entre um quesito dado como provado e um outro dado como não provado, decaindo, sem mais, a peregrina tese do TSI: o vício da contradição nas respostas aos quesitos implica que as respostas em causa sejam incompatíveis ou inconciliáveis, sendo pois uma delas excluída pela outra, de modo que um quesito provado nunca pode estar em contradição com um não provado.
   23. Devendo, pois, ser revogada a decisão do TSI na parte em que ordenou a realização de novo julgamento relativamente aos quesitos 16º a 20º, tomando em conta que não existe qualquer contradição entre as respostas dos quesitos em discussão .
   24. Os autores não só não provaram os factos que alegaram como também não invocaram os factos constitutivos do direito alegado que conduzisse à condenação da ora alegante no pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes.
   25. É que o caso dos presentes autos não corresponde a uma situação de mera impossibilidade de obtenção dos elementos indispensáveis à fixação do valor dos prejuízos, a título de lucros cessantes para os efeitos do disposto no art.º 564.º, n.º 2, do CPC; mas sim a uma situação de insucesso da prova produzida e, pior que isso, de omissão de factos que pudessem conduzir ao alegado prejuízo.
   26. Não tendo aqueles sequer alegado essa matéria, há pois, claramente, uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária à decisão de direito acolhida pelo TJB ao proceder ao cálculo de uma indemnização por danos futuros com base numa imaginária contribuição mensal de quatro mil patacas por um período de 28 anos.
   27. Violou assim a decisão de 1ª instância o art.º 560.º, n.º 6 do CC visto que não existia, in casu, qualquer possibilidade de determinar os limites dentro dos quais se devia fazer a fixação daquela indemnização.
   28. Não estão assim reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a condenação da ora recorrente no pagamento de qualquer montante a título de lucros cessantes, mesmo na hipótese de que ficasse provada a idade da vítima e dos autores, pugnando-se assim pela improcedência daquele pedido.
   29. Devendo ainda ser revogada a decisão do TSI na parte em que ordenou a realização de novo julgamento, tanto relativamente aos quesitos 16º a 20º, pelas razões já apontadas, como relativamente à inclusão de nova matéria acerca da idade da vítima e dos autores, por se mostrar perfeitamente desnecessário.
   30. Acresce ainda que a condição liminar para os danos futuros poderem ser atendidos é que eles sejam previsíveis e, desde logo, determináveis, nos termos do art.º 558.º, n.º 2, do CCM.
   31. Ora, o Tribunal de 1ª instância procedeu ao cálculo da indemnização com base na contribuição mensal que a vítima prestava para os encargos familiares sem dispor de qualquer elemento para estabelecer a respectiva previsibilidade, com bastante segurança.
   32. Descurou ainda esse tribunal em saber qual o montante desse contributo e o seu destino efectivo relativamente a cada um desses familiares tomando em conta a composição do agregado familiar da vítima.
   33. E, pior ainda, esse cálculo assentou num prazo de 28 anos, dando o tribunal como previsível o imprevisível, ou seja, de que a vítima ao longo de 28 anos iria contribuir com esse dinheiro para os seus pais, esposa e filhos, olvidando por completo o curso normal da vida.
   34. Olvidando todos aqueles factores, descurando o decurso normal das coisas e da vida, inclusive a própria idade da 1ª autora, dos seus filhos e dos pais da vítima, embora não se tenha provado a idade de nenhum deles.
   35. Quanto aos 2ºs autores, a sentença de 1ª instância não levou em conta que o que seria relevante não era o número de anos de trabalho da vítima, mas sim a esperança de vida dos seus pais já que esta seria provavelmente inferior à da vítima caso não tivesse ocorrido o acidente em discussão, importando dizer que, quanto a estes últimos, a esperança média de vida rondaria os 75 anos.
   36. Quanto aos filhos da vítima, importava realçar, por sua vez, o momento em que estes atingiriam a maioridade e a sua independência económica em lugar de se atentar apenas ao número de anos de trabalho que a vítima tinha ainda à sua frente.
   37. Ao arbitrar danos futuros por um período de vinte e oito anos à razão de quatro mil patacas, o TJB ignorou os critérios de verosimilhança, de probabilidade e de equidade que deveriam ter condicionado a sua decisão, já que aqueles danos, em hipótese alguma, poderiam revelar-se previsíveis, com segurança bastante.
   38. O tribunal de 1ª instância estabeleceu uma indemnização, a título de danos futuros, perfeitamente exorbitante e infundada, que se pode tomar por enriquecimento injustificado por parte dos seus beneficiários.
   39. Infringiu assim claramente a douta sentença da 1ª instância o estipulado nos art.ºs 488.º, n.º 3, e 558.º, n.º 2, do CC.
   40. Para além de que existe ainda uma clara diferença entre receber um montante total ou receber prestações mensais, pelo que se impunha que se procedesse à redução do quantum arbitrado de forma a evitar que os titulares do direito de indemnização ficassem colocados numa situação em que recebessem juros sobre o capital integral recebido só de uma vez.
   41. Haveria, pois, que proceder a um desconto por forma a evitar uma situação de enriquecimento injustificado à custa alheia, numa proporção nunca inferior a um quarto.”
   Pedindo a revogação do acórdão recorrido e a própria recorrente:
   - ser condenada a pagar à 1ª autora a quantia de MOP$480.000,00 a título de indemnização pela vida da vítima;
   - ser absolvida do pedido de indemnização dos autores a título de danos morais, ou ser a mesma condenada a pagar à 1ª autora, por si e em representação dos seus dois filhos, em quantia não superior a MOP$250.000,00;
   - ser condenada a pagar à 1ª autora a quantia de MOP$55.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios;
   - ser absolvida dos pedidos de indemnização a título de danos patrimoniais mediatos;
   E pediu a revogação do acórdão recorrido na parte em que ordenou a realização de novo julgamento.
   
   Ambas as partes contra-alegaram.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 As instâncias consideram provados os seguintes factos:
   “- Os factos objecto da presente petição constituíram identicamente objecto dos autos de inquérito-crime n.° 2675/2000 (248/00.8PSPPT), que correram termos pela 2ª Secção dos Serviços do Ministério Público (alínea A da Especificação).
   - Por douto despacho exarado naquele processo, a fls. 114 (doc. n.° 1), o Digno Magistrado do Ministério Público mandou arquivar os autos invocando a disposição do art.º 259.º, n.° 2, do C. P. Penal, pondo, assim, termo ao processo Penal (alínea B da Especificação).
   - A 1ª autora foi uma das vítimas do acidente desportivo – que constitui objecto da presente acção – e do qual resultaram para si danos próprios e era casada com o outro interveniente, o peão H – o qual veio a falecer na sequência daquele mesmo acidente (alínea C da Especificação).
   - Os menores representados pela 1ª autora são seus filhos e do falecido H (alínea D da Especificação).
   - Os 2ºs autores são pais do falecido H (alínea E da Especificação).
   - O Grande Prémio de Macau constitui uma prova desportiva automobilística que tipiciza o exercício de uma actividade perigosa (alínea F da Especificação).
   - Entre os dias 16 e 19 de Novembro de 2000, realizou-se, na Região Administrativa Especial de Macau, o 47° Grande Prémio de Macau – o maior “cartaz desportivo” do Território – o primeiro sob a égide da RAEM (alínea G da Especificação).
   - O respectivo traçado, as condições de segurança e o estado de funcionamento dos veículos automóveis intervenientes nas provas devem ser verificados pela Federação Internacional de Automobilismo – FIA – e pela Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau, equipa de projecto à qual compete, sob a tutela da Direcção dos Serviços de Turismo do Governo da RAEM, assegurar a realização das actividades e a prestação dos serviços inerentes à organização e concretização do Grande Prémio de Macau (conforme o despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo n.° 55/2000, de 17 de Abril, publicado no Boletim Oficial n.° 16, I série, de 17 de Abril de 2000) (alínea H da Especificação).
   - No período da manhã do dia 19 de Novembro de 2000 (domingo), tiveram lugar os treinos livres para a Corrida da Guia, uma das modalidades integrada no programa do referido 47° Grande Prémio de Macau (alínea I da Especificação).
   - Nesses treinos livres, tomou parte o veículo automóvel de competição a que fora atribuído o n.° 3, integrando uma equipa de Team Holland, o qual foi tripulado pelo piloto G (alínea J da Especificação).
   - Veículo que, antes de sair para a pista, foi obrigatoriamente inspeccionado pelo Comissário Técnico da Federação Internacional Automóvel, I, que considerou o apto para os treinos da Corrida da Guia (alínea K da Especificação).
   - A vítima falecida e a 1ª autora, encontrando-se na RAEM em turismo e passeando-se pela cidade de Macau, naquele instante, atravessavam a Avenida da Amizade, da direita para a esquerda em relação ao sentido de marcha do veículo (alínea L da Especificação).
   - A 1ª autora se encontra completamente ressarcida dos danos patrimoniais uma vez que recebeu da F uma quantia que cobre tanto as despesas já efectuadas como as que serão feitas com os tratamentos a que ainda tem que se submeter, nomeadamente para remoção da placa metálica e de tratamentos de fisioterapia (alínea M da Especificação).
   - Foi celebrado um contrato de seguro com a ré titulado pela apólice com o n.° 91-001042, com período de validade de 16.11.2000 a 19.11.2000, sendo a entidade segurada a Direcção dos Serviços de Turismo, que inclui o Secretariado Permanente do Grande Prémio de Macau (alínea N da Especificação).
   - A quantia do seguro ascende a 5,000,000.00 de libras, equivalente a MOP$58,337,500.00 (cinquenta e oito milhões, trezentas e trinta e sete mil e quinhentas patacas), à taxa de câmbio libra-pataca de 11.6675 (alínea O da Especificação).
   - No dia 19 de Novembro de 2000, ocorreu um acidente no âmbito do referido Grande Prémio de Macau, em que foram intervenientes o veículo automóvel de competição com o n.° 3, integrando uma equipa de Team Holland, tripulado pelo piloto Granciscus Comelis Verschuur, o falecido H e a 1ª autora (alínea P da Especificação).
   - A ré pagou à 1ª autora o montante global de MOP$21,941.00 (vinte e uma mil e novecentas e quarenta e uma patacas) a título de despesas de permanência do corpo do falecido na Casa Funerária do Hospital Kiang Wu, despesas de transladação do corpo para a República Popular da China e de parte das despesas de funeral (doc. n.° 1) (alínea Q da Especificação).
   - A ré pagou à 1ª autora o montante global de MOP$20,000.00 por conta da indemnização que viesse a ser fixada a final por morte de H; e ainda MOP$20,000.00 (doc. n.° 3) por conta da indemnização que viesse a ser fixada a final pelas lesões (danos não patrimoniais) sofridas pela 1ª autora, tudo no montante global de MOP$40,000.00. (alínea R da Especificação).
   - Os montantes de MOP$20,000.00 e de MOP$20,000.00 pagos pela ré por conta da indemnização que viesse a ser fixada a final, respectivamente, por morte de H e pelos danos não patrimoniais sofridos pela 1ª autora, vão ser tidos em conta pelo Tribunal no montante que vier a ser arbitrado a final (alínea S da Especificação).
   
   Da base instrutória:
   - Cerca das 8 horas e 31 minutos de 19/11/2000, quando participava nos treinos livres (iniciados pelas 08HI5), o identificado condutor do veículo n.° 3, ao aproximar-se da curva do Hotel Lisboa (também designada por curva do Posto 5), com uma velocidade não apurada não conseguiu fazê-la (resposta ao quesito 2º).
   - Na altura existia uma falha no sistema de travagem do veículo – ocasionada pelo facto de não se encontrar devidamente apertado o parafuso da válvula de descompressão do eixo dianteiro direito do sistema de travagem do carro (cfr. fls. 54) (resposta ao quesito 3º).
   - A falha resultou de derrame de óleo de travão (resposta ao quesito 4º).
   - Em consequência do facto de não ter podido fazer a mencionada curva, o piloto saiu pela escapatória de segurança do circuito existente naquele local que bordeja o Hotel Lisboa (do lado da Avenida da Amizade) (resposta ao quesito 5º).
   - O veículo embateu na duas “barreiras” de pneus ali colocadas para travar a marcha de veículos incapazes de fazer a mencionada curva (resposta ao quesito 7º).
   - O veículo não parou e ultrapassou as barreiras e continuou em movimento tendo acabado por embater no Sr. H e a 1ª autora (resposta ao quesito 8º).
   - A vítima falecida e a 1ª autora estavam numa zona exterior ao circuito e livre para acesso e circulação de peões (resposta ao quesito 9º).
   - Havendo, em consequência do embate, sido os dois peões projectados para o chão (resposta ao quesito 10º).
   - Posteriormente, o veiculo automóvel conduzido pelo piloto G veio a colidir com o veículo automóvel pesado de mercadorias de marca ISUZU com a matrícula ME-29-73, conduzido por J, o qual circulava na Rotunda do Hotel Lisboa (resposta ao quesito11º).
   - O H veio a sofrer, em consequência do embate, as lesões descritas no relatório de exame directo de fls. 8 dos mencionados autos de inquérito (correspondente a fls. 6 da certidão junta), no relatório de autópsia de fls. 91 a 97 do mesmo processo (fls. 31 a 37 da certidão) e no relatório médico de fls. 76 e 77 do referido inquérito (resposta ao quesito 13º).
   - Nomeadamente, politraumatismos graves na cabeça, no pescoço e no tórax, os quais constituíram causa directa e necessária da sua morte ocorrida no serviço de urgências do Hospital Central Conde de S. Januário, pelas 9H15 daquele dia 19 de Novembro de 2000 (resposta ao quesito 14º).
   - O falecido era gerente de uma fábrica de tecelagem e de uma loja de venda de tecidos em Sai Chiu, República Popular da China, negócio que lhe proporcionava um rendimento não apurado (resposta ao quesito 16º).
   - Rendimentos estes que constituíam a fonte de sustento e de vida da sua família integrada pela mulher, ora 1ª autora, dois filhos menores (os já identificados B e C), e os pais (D aliás D1 e E), todos vivendo em economia familiar conjunta (resposta ao quesito 17º).
   - A 1ª autora, em consequência do embate, sofreu as lesões descritas nos relatórios médicos de fls. 69 dos autos de inquérito (fls. 22 da certidão), de 101 a 104 (fls. 40 a 43 da certidão), de fls. 108 (fls. 46 da certidão) e de fls. 81 a 82 da mesma certidão e, ainda, dos relatórios médicos que junta (resposta ao quesito 21º).
   - Nomeadamente, comoção cerebral, contusão pulmonar bilateral e um hemo-pneumotótax (direito), um traumatismo clavicular e escapular no ombro direito com fractura da terceira vértebra e fractura do pé esquerdo (resposta ao quesito 22º).
   - Lesões que lhe determinaram vinte e quatro dias de internamento hospitalar, na RAEM (resposta ao quesito 23º).
   - A 1ª autora sofre ainda hoje de dores de cabeça, no ombro direito e no pé (resposta ao quesito 28º).
   - Ainda não foi extraída à 1ª autora a placa metálica do ombro direito por ocasião da sua hospitalização na RAEM (resposta ao quesito 29º).
   - Após o acidente, foi anunciado “uma segurança reforçada” para a 48ª edição do Grande Prémio de Macau que se avizinha, tendo mesmo sido especificadas pelo Exmº Presidente da Comissão Organizadora do certame quais serão as medidas a tomar: “serão colocadas barreiras metálicas adicionais em todas as escapatórias do circuito urbano da Guia” (resposta ao quesito 30º).
   - O falecido e a 1ª autora circulavam fora do perímetro do circuito, quando foram embatidos (resposta ao quesito 33º).
   - As despesas de transladação do corpo da vítima e despesas com o seu funeral ascenderam a RMB$54,863.30 (cinquenta e quatro mil novecentos e sessenta e três renmimbis e trinta aros) e a Comissão Organizadora do Grande Prémio já pagou a importância de MOP$61,941.00 a esse título (resposta ao quesito 34º).
   - Os 1°s autores e os 2°s autores vivam na dependência económica da vítima falecida (resposta ao quesito 35º).
   - O falecido vivia em comunhão de mesa e habitação com a sua mulher, os seus dois filhos e também com os seus pais (resposta ao quesito 36º).
   - A 1ª autora sofria de angústia, ansiedade e medo (resposta ao quesito 40º).
   - Provado o que consta da alínea I) dos factos assentes (resposta ao quesito 47º).
   - A vítima falecida, após o acidente, entrou de imediato em coma da qual não mais saiu (resposta ao 51º).”
   
   Nos recursos de ambas as partes são suscitadas as mesmas questões, naturalmente com fundamentos diferentes, pelo que vamos apreciá-las conjuntamente.
   
   
   2.2 Indemnização por morte da vítima
   Por morte da vítima H foi arbitrada uma indemnização de MOP$1.000.000,00 em primeira instância e o Tribunal de Segunda Instância baixou o valor para MOP$900.000,00, com dedução de MOP$20.000,00 que a ré já pagou à 1ª autora.
   Nos recursos ora interpostos, a 1ª autora continua a reclamar uma indemnização de MOP$3.000.000,00, alegando que foi demonstrada a culpa dos organismos responsáveis pela organização do Grande Prémio de Macau, com a responsabilidade transferida para a ré companhia de seguros, a natureza perigosa da actividade desportiva em causa, a inexistência de obrigação por parte da vítima de cumprir as regras estradais e a gravidade dos danos causados.
   Para a ré, o Tribunal de Segunda Instância não se socorreu à equidade para o cálculo do montante de indemnização, salientando a falta de culpa do piloto, e a causa do acidente consiste numa falha no respectivo sistema de travagem. Entende que o valor arbitrado pelo tribunal recorrido é excessivo e exagerado, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos tribunais de Macau, com violação dos art.ºs 3.º, al. a), 487.º e 489.º, n.º 3 do Código Civil (CC). Sustenta que uma indemnização no valor de MOP$500.000,00 por perda do direito à vida da vítima se mostraria mais adequada e equitativa.
   
   Prescreve o art.º 487.º do CC:
   “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
   Por outro lado, dispõe o art.º 489.º do mesmo Código:
   “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
   2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
   3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
   
   Está em discussão o montante de indemnização por morte da vítima H.
   É certo que a vida humana é tão valiosa para todos os seres humanos. No entanto, ao determinar o montante de indemnização por perda da vida deve considerar as circunstâncias do caso concreto. Por isso, é possível que haja variação caso a caso.
   O Tribunal de Segunda Instância tem fixado como valores da perda de vida, na totalidade para todos os beneficiários, quantias que variam entre MOP$250.000,00 e MOP$1.100.000,00.
   
   Nos termos das referidas normas do Código Civil, tal montante deve ser fixado pelo tribunal segundo a equidade, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e o lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso.
   Segundo a factualidade apurada, resulta especialmente o seguinte:
   O acidente ocorreu aquando do treino livre do Grande Prémio de Macau.
   A vítima mortal H e a sua mulher, ora 1ª autora encontravam-se na Região em turismo, passeando-se pela cidade e, ao atravessar a Avenida da Amizade, numa zona exterior ao circuito da corrida e livre para acesso e circulação de peões, foram colhidos pelo veículo conduzido pelo piloto G e projectados para o chão.
   Em consequência do embate, a vítima sofreu politraumatismos graves na cabeça, no pescoço e no tórax que determinaram directa e necessariamente a sua morte.
   Após o embate, a vítima entrou imediatamente em coma da qual nunca mais saiu.
   A vítima era gerente de uma fábrica de tecelagem e de uma loja de venda de tecidos no Interior da China e tem dois filhos menores.
   O piloto não conseguiu fazer a curva do Hotel Lisboa, não parou, ultrapassou as barreiras de pneus e continuou em movimento, tendo acabado por embater na vítima e na 1ª autora.
   Na altura existia uma falha no sistema de travagem do veículo provocado por derrame de óleo de travão, devido ao facto de não se encontrar devidamente apertado o parafuso da válvula de descompressão do eixo dianteiro direito do sistema de travagem do carro.
   
   Considerando a situação em que ocorreu o acidente, a sua causa mediata relativa ao funcionamento do veículo de corrida e às medidas de segurança no local, e situação pessoal própria da vítima, admite-se que o valor de MOP$900.000,00 fixado pelo Tribunal de Segunda Instância seja equitativa para o presente caso, com a dedução do montante já pago pela ré por conta desta indemnização.
   
   
   2.3 Indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela 1ª autora e pelos seus dois filhos menores por morte da vítima
   Nesta parte de indemnização, os autores reclamam o montante de MOP$500.000,00, a arbitrar em conjunto para a mulher da vítima e os seus dois filhos menores.
   A ré considera, por um lado, que não se pode arbitrar uma indemnização por danos não patrimoniais à 1ª autora e aos seus dois filhos menores por morte da vítima por não ter sido provada qualquer matéria comprovativa de pretium doloris por parte destes por falecimento da vítima, em violação dos art.ºs 3.º, al. a), 487.º e 489.º, n.º 3 do CC. Por outro lado, entende ainda que, mesmo fosse provada a factualidade alegada, a 1ª autora e os seus dois filhos menores seriam ressarcíveis com uma indemnização de montante não superior a MOP$150.000,00 ou, quanto muito, em valor não superior a MOP$250.000,00 a atribuir conjuntamente a todos eles.
   
   Sobre os danos não patrimoniais sofridos pela 1ª autora e pelos seus filhos menores por morte da vítima, dos factos provados resulta apenas o seguinte:
   Os 1ª e 2ºs autores viviam na dependência económica da vítima falecida.
   O falecido vivia em comunhão de mesa e habitação com a sua mulher, os seus dois filhos e os seus pais.
   
   É certo que estes factos provados fornecem apenas uma visão bastante limitada das situações de sofrimento da 1ª autora e seus filhos após a morte da vítima, marido daquela e pai destes. Os autores deviam articular mais factos que descrevem aquelas situações, nomeadamente sobre o seu estado psíquico depois do acidente, de modo a permitir ao tribunal dotar de mais elementos para fixar o montante de indemnização mais adequado.
   De qualquer maneira, é de admitir que normalmente a família sofre com a perda de vida de um dos seus elementos, no caso o marido da 1ª autora que também o pai dos seus filhos menores. O contrário é que seria anormal.
   Perante o quadro fáctico apurado, entende-se mais adequado os montantes de MOP$200.000,00 para a 1ª autora e MOP$200.000,00 para os dois filhos menores, em partes iguais, a título de indemnização por dano não patrimoniais por morte da vítima.
   
   
   2.4 Indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela 1ª autora por lesões próprias
   Sobre esta parte de indemnização, o Tribunal de Segunda Instância fixou o montante em MOP$300.000,00.
   A 1ª autora continua a reclamar o montante de MOP$500.000,00 para esta indemnização.
   A ré entende que o valor fixado pelo tribunal recorrido é excessivo e exagerado face aos factos provados, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos tribunais de Macau. E propõe o montante de MOP$75.000,00, salientando que a 1ª autora não sofreu de incapacidade permanente em resultado do acidente e está clinicamente curada de todas as lesões de que padeceu.
   
   Relativamente aos danos que a 1ª autora sofreu como própria vítima do acidente ocorrido, resulta dos factos provados especialmente o seguinte:
   A 1ª autora sofreu nomeadamente comoção cerebral, contusão pulmonar bilateral e um hemo-pneumotórax, um traumatismo clavicular e escapular no ombro direito com fractura da terceira vértebra e fractura do pé esquerdo.
   Lesões que lhe determinaram 24 dias de internamento hospitalar na RAEM.
   A 1ª autora sofreu ainda, na altura da propositura da acção, dores de cabeça, no ombro direito e no pé.
   Ainda não foi extraída à 1ª autora a placa metálica do ombro direito por ocasião da sua hospitalização na RAEM.
   A 1ª autora sofria de angústia, ansiedade e medo.
   
   A indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela 1ª autora por lesões que sofreu permite compensar, em termos económicos, os seus sofrimentos físico e psíquico provocados pelo acidente. É de notar que a autora não ficou com incapacidade permanente ou deformidade física notável.
   Perante estas circunstâncias é mais adequado fixar o montante de indemnização em MOP$230.000,00, com dedução de MOP$20.000,00 já pagas pela ré por conta desta indemnização.
   
   
   2.5 Indemnização por danos patrimoniais mediatos sofridos pelos autores
   O tribunal de primeira instância arbitrou MOP$806.400,00 como indemnização de dano patrimonial mediato dos autores e mais MOP$250.000,00 como indemnização de dano patrimonial mediato dos pais da vítima.
   O Tribunal de Segunda Instância revogou esta parte da sentença de primeira instância com os seguintes fundamentos:
   - omissão de fundamentação sobre a fixação de indemnização no valor de MOP$250.000,00 a título de dano patrimonial para os pais da vítima;
   - falta de incluir na base instrutória os factos relativos à idade da vítima e dos autores, matéria considerada de inegável importância;
   - contradição entre as respostas aos quesitos 16º e 19º e entre as respostas aos quesitos 17º e 20º.
   
   Os autores entendem que deve manter a decisão de primeira instância nesta parte.
   A ré considera, sobre o primeiro ponto da referida fundamentação, que o tribunal recorrido devia julgar totalmente improcedente esta parte de indemnização. Sobre o segundo ponto, entende que deve ser a parte a alegar os factos e reitera a improcedência do pedido dos autores. Quanto ao último ponto, conclui pela inexistência de contradição nas respostas aos quesitos em causa, pois o quesito 19º não ficou provado, ao contrário do que afirma o tribunal recorrido, e não pode haver simplesmente contradição entre um quesito provado e outro não provado.
   
   Em relação à questão de idade da vítima e dos autores, é evidente a sua relevância para apurar a indemnização dos danos patrimoniais mediatos a arbitrar a eles.
   A idade da vítima foi alegada nos artigos 87 e 95 da petição inicial e deve ser provada por meio de documentos.
   O Tribunal de Segunda Instância pode conhecer de matéria de facto no presente recurso (art.º 39.º da Lei de Bases da Organização Judiciária).
   Assim, o Tribunal de Segunda Instância devia mandar juntar os respectivos documentos probatórios para depois concluir pela prova ou não dos factos relativos às idades, nos termos do art.º 629.º, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código de Processo Civil.1
   Neste sentido foi decidido pelo Tribunal de Última Instância no seu acórdão de 23 de Maio de 2007 do processo n.º 24/2007:
   “Pois bem, estando em causa matéria de facto alegada por uma parte, que só pode ser provada por documentos, não pode o TSI devolver o processo ao Tribunal de Primeira Instância, já que o TSI tem poder de cognição em matéria de facto (art. 39.º da Lei de Bases da Organização Judiciária) e não há necessidade de ser produzida prova oral, como testemunhal ou por depoimento de partes.
   Quando está em causa matéria de facto que só pode ser provada por documento ou que foi objecto de prova por documento ou, por exemplo, apenas por prova pericial escrita, não pode o tribunal de recurso devolver o processo para o Juiz de 1.ª Instância. Deve ele mesmo julgar a questão. Se não se juntaram os documentos pertinentes, ou se se juntaram meras fotocópias, deve ser o TSI a providenciar pela junção – para tanto notificando as partes – e julgar a questão, sejam ou não juntos os documentos, de acordo com as regras do ónus da prova.
   É isso que resulta indiscutivelmente do art. 629.º, n.º 1: a decisão de facto de primeira instância pode ser alterada pelo TSI quando constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão.”
   
   Sobre a contradição das respostas aos quesitos, parece manifesto que o tribunal recorrido não teve em conta a decisão do tribunal colectivo que apreciou a reclamação às respostas aos quesitos a fls. 413 verso em que atendeu a reclamação e alterou a resposta ao quesito 19º para não provado.
   Por outro lado, entre um quesito provado e outro não provado (entre os quesitos 17º e 20º, e eventualmente também entre os 16º e 19º) nunca pode existir contradição. Na realidade, a resposta negativa a um quesito não significa que se tenha provado o facto contrário, tudo se passa como se o facto do quesito não tivesse sido articulado.
   
   Impõe-se, assim, revogar o acórdão recorrido na parte em que revogou a sentença de primeira instância e determinou a realização do novo julgamento, para tomar em conta os factos alegados que devam ser provados por documentos, procedendo às diligências instrutórias que entender adequadas, a fim de apreciar a questão de indemnização por danos patrimoniais mediatos, incluindo tomar decisão acerca da suscitada falta de fundamentação na fixação desta indemnização aos pais da vítima. Fica, por consequência, prejudicado o conhecimento do recurso dos autores sobre esta matéria.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em:
   - Revogar o acórdão recorrido na parte em que revogou a sentença de primeira instância e determinou a realização do novo julgamento, para o Tribunal de Segunda Instância tomar em conta os factos alegados que devam ser provados por documentos, procedendo às diligências instrutórias que entender adequadas, a fim de apreciar a questão de indemnização por danos patrimoniais mediatos, incluindo tomar decisão acerca da suscitada falta de fundamentação na fixação desta indemnização aos pais da vítima;
   - Julgar parcialmente procedente o recurso da ré e consequentemente:
   a) mantém a decisão do acórdão recorrido que fixou a indemnização por morte da vítima no valor de MOP$900.000,00, com dedução do valor já pago pela ré à 1ª autora por conta desta indemnização;
   b) condena a ré a pagar à 1ª autora o valor de MOP$400.000,00 a título de indemnização por dano não patrimonial resultado da morte da vítima para a 1ª autora e os seu dois filhos menores (MOP$200.000,00 para aquela e outras MOP$200.000,00 para estes em partes iguais);
   c) condena a ré a pagar à 1ª autora o valor de MOP$230.000,00 a título de indemnização por dano não patrimonial sofrido por ela por lesões próprias, com dedução do valor já pago pela ré à 1ª autora por conta desta indemnização.
   - Nega provimento ao recurso dos autores.
   Custas pelos recorrentes na proporção dos seus decaimentos.



   Aos 11 de Março de 2008.



Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 227.
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Processo n.° 6 / 2007 1